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 Sobre a Deficiência Visual

Interação Mãe e Bebé Cego: Aquisição e Desenvolvimento de Linguagem

Wanessa Silva, João Oliveira & Wanilda Cavalcanti
 

Bebé com baixa visão (com óculos) vê a mãe pela primeira vez e sorri-lhe.
Bebé com baixa visão (com óculos) vê a mãe pela primeira vez e sorri-lhe.
 
Sumário | O bebé cego, muitas vezes, não tem a possibilidade de realizar trocas interactivas da mesma forma que o bebé vidente, pelo fato de não poder usar um dos canais receptores de maior importância, o que poderá acarretar diferenças no processo de desenvolvimento e aquisição da linguagem. No Brasil, a pesquisa é rara, especialmente no que diz respeito aos primeiros meses de vida da criança cega. Consequentemente, o presente estudo teve como objectivo investigar as interacções entre o bebé cego e sua mãe e as possíveis repercussões da cegueira na aquisição e no desenvolvimento da linguagem.  Metodologia: O estudo descreve uma avaliação longitudinal e qualitativa através de registros videográficos com duração de 20 min e em protocolo de observação, comparando a interacção de uma mãe vidente e seu filho cegos em deficiência múltipla, comparativamente com uma mãe e seu filho, videntes, bem como as manifestações linguísticas presentes no bebé. Ambos com dezasseis meses de idades.  Conclusão: Podemos identificar diferenças entre os bebés. O bebé cego não age sobre o meio da mesma forma, respondendo de maneira mais restrita às solicitações da mãe e do ambiente, quando comparado ao outro bebé.

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da criança, tanto no aspecto visual como em outros sentidos, trazem uma gama de experiências e conhecimentos do que está em sua volta. A aquisição e o desenvolvimento da linguagem pressupõem, entre outros aspectos, uma interação entre mãe e bebé, no qual a visão se constitui um dos principais mediadores.

Por não poder fazer uso de um dos canais receptores de maior importância da vida humana o bebé cego não tem a possibilidade de realizar trocas interativas da mesma forma que o bebé vidente, visto que as expressões faciais, os olhares, os sorrisos, os objetos, não podem ser percebidos, visualmente, o que poderá acarretar diferenças no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem oral 2.

Todavia, a característica específica da cegueira é a qualidade de apreensão do mundo externo. As pessoas cegas necessitam utilizar-se de meios não usuais para estabelecerem relações com o mundo dos objetos, pessoas, coisas que as cercam: esta condição imposta pela ausência da visão se traduz em um peculiar processo perceptivo, que se reflete na estruturação cognitiva e na organização e constituição do sujeito psicológico 1. O Nos conceitos metafóricos e simbólicos, os cegos são concebidos e descritos, nas estórias cotidianas, como pobres, indefesos, inúteis e desajustados. Por outro lado, há também a visão do cego possuidor de insights e poderes sobrenaturais. Os cegos misteriosos possuidores de dons que os tornam capazes de um conhecimento que ultrapassa o tempo e o espaço, e que está além das aparências.

O déficit visual traduz-se numa redução da quantidade de informação que o indivíduo recebe do meio ambiente, restringindo a grande quantidade de dados que esse oferece e que são de tanta importância para o conhecimento do mundo exterior. Ele não origina necessariamente problemas no desenvolvimento psicológico ou, pelo menos, não é evidente que a deficiência visual grave, associe obrigatoriamente problemas psicológicos ou deficiências de desenvolvimento 9. Estes autores revelam que freqüentemente a criança cega permanece mais tempo do que a normovisual em algumas etapas do desenvolvimento, pois a ausência de visão pode atuar como freio ao mesmo, tornando mais lenta a passagem de uma etapa para outra.

Até recentemente, a percepção visual era frequentemente comparada com o funcionamento de uma máquina fotográfica. Como a lente da máquina, o cristalino do olho focaliza uma imagem invertida na retina. Entretanto, esta analogia se inviabiliza rapidamente porque deixa de considerar o que a visão realmente faz que é criar uma percepção tridimensional do mundo que é diferente das imagens bidimensionais projetadas na retina. Também deixa de capturar uma característica importante de nosso sistema visual, o fato de sermos capazes de reconhecer um objeto como o mesmo, apesar de a imagem presente na retina variar amplamente em diferentes condições de iluminação.

O grau em que a percepção visual é transformadora e, portanto, criativa, só recentemente foi plenamente apreciado. As idéias psicofísicas iniciais eram muito influenciadas pelos filósofos empiricistas britânicos dos séculos XVII e XVIII, sobretudo John Locke e George Berkeley, que pensavam na percepção como uma montagem de sensações elementares de modo somativo, componente por componente.

Do ponto de vista cognitivo moderno em que a percepção é um processo ativo e criativo, envolvendo mais que apenas a entrada de informações sensoriais, foi primeiro articulado no início do século XX, pelos psicólogos alemães Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfbang Köhler, que fundaram a escola da psicologia da Gestalt. 6

Os psicólogos da Gestalt argumentavam que o cérebro constrói ativamente percepções completas a partir de detalhes na imagem visual, procurando e combinando partes que correspondem mais satisfatoriamente a objetos no mundo real. O cérebro faz isso assumindo certas suposições sobre o que será visto no mundo suposições que parecem derivar em parte da experiência e em parte dos circuitos neurais e natos da visão.

O sistema visual organiza essas tarefas perceptivas seguindo certas leis inatas que governam o padrão, a forma, a cor, a distância e o movimento dos objetos no campo visual. Os psicólogos da Gestalt ilustram essas leis da percepção com vários exemplos de padronização visual como: similaridade e proximidade.

Os princípios que se aplicam ao desenvolvimento da visão, tanto óptica quanto perceptiva, seguem uma seqüência semelhante a que se observa na criança sem impedimentos. Porém enquanto no caso de não existirem problemas visuais, a capacidade de ver nos assegura um mínimo de experiência para que o olho se desenvolva de forma normal. Quando há déficit essa falta de visão pode inibir o desenvolvimento estrutural e funcional da retina e o caminho visual até o cérebro.

Do mesmo modo, a área visual do cérebro não se desenvolve de forma adequada, já que a maturação total do sistema visual depende das experiências visuais e estas se limitam em quantidade, variedade e qualidade.

Em uma interessante pesquisa de Fraiberg 4 demonstrou através de videogravações de quinze minutos o processo de interação mãe-bebé, no qual o adulto responde os seus sentimentos de acordo com a reação de expressão do bebé. O adulto corresponde ao sorriso quando o bebé vidente está sorridente, fica sério quando ele está aflito, franze o sobreolho quando o bebé faz o mesmo. Entretanto, a criança cega não desperta espontaneamente estes sentimentos nas pessoas com quem convive, uma vez que não percebe alguns desses estímulos, demonstrando, portanto, diferenças no comportamento.

Leonhardt 7 relata que o bebé invidente tem pouca noção da estrutura no espaço, o que também dificulta a troca social, tendo que se debater inicialmente com enorme dor e desespero da mãe que não sabe como agir com o seu filho em geral. A ausência do contato visual pode representar sinal de descompromisso e falta de interesse, tornando a linguagem incompreensível para a integração com o mundo. Este é um dos motivos pelos quais a cegueira não pode ser vista como um fenômeno isolado, pois as necessidades básicas de todos os bebés e crianças pequenas são as mesmas, quer possam ver, quer não.

O bebé encontra-se imerso em um universo relacional, e estas relações com os demais estão estritamente ligadas em relação à sua atividade motora e sensório motora, por exemplo. Pouco a pouco, graças a sua movimentação, vai adquirindo experiência, ao mesmo tempo que desenvolve comportamentos que dão suporte a uma relação inteligente com o que o rodeia. Esta atividade permite conhecer o mundo não só pelas pessoas, mas também pelas coisas, de tudo aquilo que, em definitivo, configura seu pequeno universo e o ajuda a diferenciar e, progressivamente, adaptar-se e integrar-se ao mundo.

Ao relacionarmos o desenvolvimento motor do bebé cego, a visão desempenha um papel crucial, que a audição só poderá suprir, e apenas parcialmente, a partir dos dez meses, como outros sentidos também, embora o desenvolvimento postural seja semelhante ao da criança normo-visual. Por falta de estímulos do mundo exterior, a nível da mobilidade a criança cega, geralmente, experimenta dificuldades tanto no engatinhar como no início da marcha. 5

O bebé há-de oferecer e responder com alguns sinais, em sua interação com a mãe. Do contrário, diminui a atenção que se presta. Carícias, beijos, olhar, situações em que amboscara a cara têm suaves contatos, são imprescindíveis ao desenvolvimento afetivo. A voz da mãe é como um tom agudo que acaricia o ouvido do bebé. Em todo repertório de comunicação, podemos observar que o contato ocular ocupa um lugar privilegiado em sua interação, configurando uma forma de comunicação fundamental e, por sua vez, muito especial e única para o bebé 7.

A visão não pode ser considerada isoladamente, mas somente conforme a sua contribuição ao funcionamento sensorial total. A visão é o elo primário de ligação com o mundo objetivo, proporcionando informações constantes e verificação imediata, e permitindo que os elementos sejam apreendidos de forma integrada 10. Faltando avisão, os demais sentidos - audição, tato, olfato e paladar, têm de funcionar sem a informação e integração que a visão proporciona.

Uma questão que parece ser prioritária, ocupando a atenção de muitos estudiosos, foi a compreensão dos efeitos da cegueira sobre o desenvolvimento cognitivo. A formação de conceitos, a capacidade classificatória, o raciocínio, a representação mental, e outras funções cognitivas, constituíram-se como fatores críticos para a educação da criança cega, exigindo estudos e pesquisas que se desenvolveram sob o referencial piagetiano, por exemplo.

No início, os pais iniciantes não sabem interpretar as pistas fornecidas pelo bebé vidente e a interação não terá as características ótimas de sintonia e sincronicidade. Mas, brincam e falam com ele, através do processo de aperfeiçoamento. Quanto mais fácil e previsível se tornar o encaixe dos comportamentos, maior satisfação os pais parecem sentir e mais forte se torna a ligação afetiva com o filho. No caso do bebé cego, evidentemente, esta situação torna-se difícil, pois ele carece da visão para perceber as reações maternas e produzir comportamentos contingentes às mesmas 8.

Por esta razão podemos encontrar a falta de estímulo e resultados traumáticos para o desenvolvimento do bebé cego, resultando no atraso em muitos aspectos com um futuro comprometedor.

A Fala e a linguagem são incalculavelmente importantes, no desenvolvimento da criança cega. A linguagem amplia seu desenvolvimento em primeiro lugar, porque envolve relações pessoais, e segundo, porque fornece um meio de controle remoto sobre objetos fora de alcance ³.

Não obstante, é muito fácil aceitarem os óbvios valores sociais e objetivos da linguagem, como os dotados de visão os experimentam, sem avaliar, criticamente, o lugar que ocupam na vida da criança cega. Nome de objetos circulam entre a criança cega e seus companheiros, dotados de visão, como se tivessem o mesmo significado, para ambos. Mas o nome do objeto observado, apesar de ser a mesma palavra, tem uma significação diferente do nome do objeto sentido ou ouvido.

 

RELATÓRIO DE CASO

O estudo compara as respostas obtidas pelo bebé vidente com aquelas produzidas pelo não-vidente. As observações e registros das interações entre as mães e os bebés foram realizadas por meio de filmagens dos encontros. Os critérios de inclusão para este estudo foram: um bebé cego congênito sem nenhuma outra deficiência, e sua mãe vidente. Um bebé vidente, mesma idade, sem nenhuma deficiência e sua mãe também, vidente. A idade dos bebés foram de um ano e quatro meses.

Considerando a avaliação como referência aos estudos realizados pelos pesquisadores nesta perspectiva, partimos por um exame longitudinal, qualitativo, comparando com as mesmas evidências no bebé vidente. O instrumento da coleta de dados consiste nos comentários da díade mãe-bebé nos momentos da interação.

As coletas ocorreram duas vezes por semana, com duração videográfica aproximadamente de vinte minutos. Foi iniciada com o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, podendo a mãe participar voluntariamente na pesquisa, mantendo em sigilo todas as informações pelo pesquisador. A mãe foi esclarecida em atuar com o filho o mais natural possível, assim como faz em sua casa, no seu dia-a- dia.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Católica de Pernambuco. Os participantes foram identificados através do Instituto dos Cegos em Pernambuco, Brasil. As mães passaram por uma entrevista inicial sobre o diagnóstico da criança e se foram apresentadas dificuldades no desenvolvimento global durante o seu nascimento até o momento.

Investigamos as interações entre os bebés e suas respectivas mães no processo de desenvolvimento da linguagem oral. Verificamos em que momento (do ponto de vista cronológico) iniciou a interação bebé-cego-mãe. Analisamos se ocorre e como ocorre a interação face a face do bebé cego com sua mãe e como se dá a interação bebé cego-objeto-mãe. Identificamos se a aquisição fonêmica por parte do bebé cego ocorre na mesma ordem da criança vidente. E comparamos a ocorrência de registro de observações em protocolo desses processos do bebé cego com o bebé vidente.

O instrumento da coleta de dados baseia-se na comunicação durante a interação da mãe e do bebé, focalizando a linguagem, atividade lúdica, higiene e amamentação. O registro de protocolo consiste em teste de linguagem infantil e através do ABFW – (Haydée et al 2000) bem como observação na área de fluência e vocabulário. Esse exame é utilizado como análise do discurso e da terapia da língua para avaliar seu paciente, compreender suas manifestações lingüísticas e para elaborar com maior precisão o processo da terapia às necessidades individuais.

Os fundamentos teóricos que utilizamos, mostraram que a distância que permite a criança, visualizar melhor os objetos, é aquela em que a mãe se situa espontaneamente nas situações naturais quase dão na vida da criança: alimentação, mudança de fraldas, carícias, etc. Entre a quinta e sextas emanas de vida se produz uma mudança no sistema visomotor da criança. Nessa ocasião, se inicia uma nova etapa do desenvolvimento, que o impulsiona à interação social com a mãe em direcção a um novo nível.

O bebé vidente fixa os olhos da mãe e mantêm este olhar, abrindo-o mais. A emoção que toda mãe sente, a sensibiliza para esta mudança. Ela se sente gratamente excitada, e nesse momento se sente conectada com seu bebé. O desenvolvimento posterior vai ampliando o olhar do bebé seguindo à sua mãe. Ao final do terceiro mês já se espera que, o sistema visomotor está essencialmente maduro, a aí demonstre que se ampliam as possibilidades de comunicação uma vez que já consegue acompanhar a mãe nas suas idas e vindas.

No bebé cego embora já tenha apresentado todo um conjunto de evoluções nos signos afetivos e na conduta, esses signos dependem quase que exclusivamente da visão. Portanto, a cegueira produz um efeito impactante no estabelecimento de interacções pois ele representa um poderoso instrumento social e vinculativo que mediatiza e potencia a relação com o outro.

Leonhardt, 7 ressalva que a importância do estudo sobre o olhar no comportamento vinculativo e social essencial, que começou há pouco mais de vinte anos. As pesquisas realizadas mostram que deve ocorrer um atraso no desempenho da comunicação do bebé cego, que pode ser minimizado uma vez que, está limitado pelo acesso à informação externa dessas crianças.

O olhar representa a primeira linguagem social que permite a comunicação entre a mãe e o bebé e ao ser iniciada cria uma resposta que sempre inclui elementos de ternura, admiração e criação de vínculos. Os olhares não têm sempre o mesmo significado. O mundo interno da pessoa se nutre não somente da informação que proporciona à visão, mas da relação emocional.

Nesse contexto, desenvolvemos nossa investigação, buscando comparar as respostas obtidas pelo bebé vidente com aquelas produzidas pelo não vidente (congênito). O que foi levantado inicialmente como possibilidade se confirmou, poiso estudo longitudinal que realizamos desenvolveu-se em um cenário onde a maioria dos pais não sabe como proceder diante do filho cego. Apercepção da realidade e dos fatos que se produzem ao redor dessa família, são vividos em função da própria vida afetiva, das emoções e do próprio equilíbrio interno da mãe, especificamente.

Observando os comportamentos dos bebés, durante essa pesquisa, podemos identificar diferenças entre ambos. Percebemos que o vidente mostra ter um domínio maior do mundo, expressa seu pensamento, age sobre o meio e procura intencionalmente comunicar seu pensamento. Na mesma situação, na mesma idade o bebé invidente não age sobre o meio da mesma forma, respondendo de forma mais restrita às solicitações do ambiente.

A interação mãe x bebé invidente ocorre com poucas formas de expressão como sejam: O bebé não reage ao toque da mãe, não oferece brinquedos a ela, no entanto, sorri quando brinca com ela, bate palmas embora precise ser muito estimulado. Em contraposição o bebé cego demonstra possuir um desenvolvimento maior seja no aspecto, motor, intelectual e afetivo.

Considerando esses aspectos, observamos que o bebé invidente, tem mais dificuldades para interagir no ambiente seja se movimentando menos, mesmo sendo estimulado pela mãe; não engatinha; só senta com o apoio de um adulto, vocaliza menos que o bebé vidente, etc. Observamos que neste caso há uma concordância com a literatura, onde a mãe, mais especialmente, apresenta mais dificuldades em estimular estas interações 7 .

Os dados videográficos e em protocolo obtidos estão de acordo com a literatura consultada, 4, 5, 8, 2 pois que estes autores também investigaram através dos mesmos recursos em filmagens e identificaram atraso no desenvolvimento global e da linguagem. As vocalizações e as respostas de sorriso da criança cega não são contingentes aos comportamentos da mãe, acriança freqüentemente permanece em silêncio diante da estimulação, o que pode erroneamente ser interpretado como inexpressividade deixando a mãe desconcertada e desmotivada para a interação, dados esses confirmados através da pesquisa de Magalhães, 8 sobre o tema que ora focamos.

Ainda relata 8 que as crianças cegas apresentam, em sua maioria, ecolalia, problemas na capacidade de estabelecer o jogo simbólico, na capacidade de compartilhar e no uso de pronomes pessoais. Estes problemas, na maioria das vezes, resolvem-se em torno dos sete anos de idade. O autor considera que a hipótese mais adequada para explicar esse fato, é uma falha no desenvolvimento social da criança cega, sendo denominado de triangulação (adulto-criança-objeto).

As primeiras formas de comunicação não-verbal entre a criança e o adulto, possuem aspectos formais de ritmo, manifestações do contato visual, entre outros, como ocorrem nas conversações reais, sendo assim chamadas de proto-conversações, como foi encontrado na criança cega e na vidente.

Sabemos que é possível a utilização de recursos que ajudem a criança a superar a carência de informação visual e alcançar os requisitos fundamentais de um processo comunicativo: intenção comunicativa e código compartilhado. A interação mãe-bebé é guiada pela consistência e regularidade dos comportamentos maternos em relação à criança, portanto, quando observamos que há uma diminuição dessa interação no momento em que a mãe mantém, até certo ponto, um comportamento menos interativo e motivado, que é o caso que observamos, é menos estimulante para o bebé, portanto, provoca menos respostas.

 

Tabela 1.

Indicativos para o registro em protocolo

1. Mãe

Mãe sorri para o bebé;
toca o bebé;
acariciando-o;
manipulando-o(trocando fralda, dando banho, etc.;
fazendo com que ele perceba sua presença;
Outros... Mãe brinca com o bebé;
Utilizando um brinquedo/objeto;
Sem utilizar brinquedo/objeto;
Mãe oferece objetos/brinquedos;
diferentes tamanhos, diferentes cores, de diferentes formas;
De diferentes sensações tácteis (áspero, liso, mole, duro;
Mãe fala/conversa com o bebé sem manter uma relação face a face;
dar banho;
trocá-lo, ao ouvi-lo chorar;
alimentá-lo;
tentar acalmá-lo;
brincar com ele;
oferecer objetos;
Ao chamar atenção dele para sons do ambiente;

Outras situações...
Mãe fala/conversa com o bebé mantendo uma relação face a face;
dar banho;
trocá-lo;
ao alimentá-lo;
ao tentar acalmá-lo;
ao brincar com ele;
ao oferecer objetos;
Ao chamar atenção do bebé para sons do ambiente;

Outras situações...
Mãe modifica a entonação de sua voz ao falar com o bebé;
Mãe vibra os lábios (faz “besourinho”) para o bebé também fazê-lo;
nomeia os seres animados que estão ao seu redor;
nomeia os seres inanimados que estão ao seu redor;
estimula o bebé a dar adeus;
Mãe estimula o bebé a bater palmas;
conta estórias para o bebé.

 

2. Bebé

Reage quando a mãe o toca;
Responde quando a mãe lhe fala;
Reage à exposição de fortes ruídos. Tenta localizar a fonte sonora;
Esforço rudimentar, localização Lateral, localização para baixo de forma indirecta, localização para baixo de forma directa, localização para cima de forma indirecta, localização para cima de forma indirecta;
Localização em todas as posições;
Não se interessa pelos objetos;
Explora os objetos/brinquedos, segurando-o, balançando-o, colocando-o na boca, jogando-o, oferecendo-o a sua mãe, outros...
Reage às brincadeiras de sua mãe, inicia as brincadeiras;
Balbucia;
Especificar os sons...
Vocaliza;
Tenta imitar sons;
Reage quando chamado pelo nome;
Atende a ordens simples, quando solicitado;
Chora com intenção comunicativa, linguagem verbal, palavras incompletas, palavras completas;
Especificar...solicita, pergunta;
Responde;
Faz uso de expressões faciais.

 

Tabela 2. Itens relacionados às respostas dos bebés

Tópicos – Bebé vidente

O desenvolvimento cognitivo e global do bebé vidente processa-se da seguinte forma:

  • o bebé responde quando a mãe o toca;

  • faz “besouro”, simulando zumbidos;

  • quando está com fome, chora (intenção comunicativa);

  • diz “não” e balança a cabeça quando não quer beber;

  • olha para o adulto quando o chama pelo nome;

  • atende quando solicitado: “olha o avião”, “Cadê a bandeira do vovô?”, o bebé olha em seguida para o objeto identificando aonde está;

  • bebé pega um objeto distante, engatinhando até ele;

  • senta sem ajuda de um adulto;

  • segura no pé da cadeira, sozinho, para ficar me pé;

  • reage a exposição a fortes ruídos;

  • localização para cima de forma indirecta;

  • explora o objeto colocando-o na boca;

  • diz: mamãe, papai, “tatauga” (tartaruga);

  • produz nível de língua morfossintático: “olha neném” chamando atenção de sua mãe para observar um bebé que passa ao seu lado.

 

A interação mãe bebé vidente se mantém na conversa face a face:

  • o bebé reage quando a mãe o toca;

  • mãe sorri para o bebé;

  • oferece objetos de diversos tamanhos;

  • de diferentes formas e cores;

  • de diferentes sensações tácteis (áspero, liso, mole, duro);

  • acaricia-o;

  • manipula-o: troca fralda, dando banho...

  • o bebé oferece objetos à mãe;

  • mãe sorri para o bebé quando está brincando;

  • o bebé sorri para a mãe quando está brincando;

  • dá adeus quando a mãe pede;

  • bate palmas sem ajuda do adulto.

 

Tópicos – Bebé Cego

O desenvolvimento cognitivo e global do bebé cego apresenta um atraso em relação à criança vidente, o que coincide com a literatura que utilizamos 4, 5, 8, 2 :

  • o bebé tenta “fazer besouro” mas não consegue;

  • não atende quando solicitado, p. ex.: não pega um objeto que está a uma certa distancia;

  • faz uso de expressões faciais (caretas) quando não entende o que está acontecendo ao seu redor(linguagem não-verbal).

  • a criança percebe um objeto ao lado e apalpa para conhecê-lo;

  • coloca o objeto na boca;

  • não engatinha;

  • só senta com ajuda de um adulto;

  • reage ante a exposição a fortes ruídos;

  • faz localização de fonte sonora indirecta;

  • vocaliza: mamã, papai, vovó, au au.

  • não produz nível de língua de classe morfossintática.

 

A interação mãe bebé cego se mantém na conversa face a face:

  • o bebé não reage quando a mãe o toca;

  • mãe sorri para o bebé;

  • oferece objetos de diversos tamanhos;

  • de diferentes formas e cores;

  • de diferentes sensações tácteis (áspero, liso, mole, duro) orientados pelo professor da escola a sempre oferecer estas diferenças para uma melhor percepção do bebé;

  • acaricia-o;

  • manipula-o: troca fralda, dando banho...

  • o bebé não oferece objetos á mãe;

  • mãe sorri para o bebé quando está brincando;

  • o bebé sorri para a mãe quando está brincando;

  • dá adeus quando a mãe pede (só depois de muita insistência);

  • bate palmas com ajuda de adultos;

 

CONCLUSÃO

O quadro referencial que utilizamos neste trabalho mostra que a criança está imersa em um universo relacional e estas relações com os demais estão estreitamente ligadas à sua atividade sensório-motriz. Pouco a pouco, graças ao movimento, a criança vai adquirindo experiências a partir do mundo que o rodeia. As sequências de desenvolvimento foram tomadas a partir da observação de bebés cegos congénitos e bebés videntes. No momento em que identificamos os comportamentos sequenciais do bebé cego, tivemos que considerar sua globalidade, posto que, freqüentemente se observa a desarmonia e a assincronia que existem se compararmos sua evolução de entrada, com o bebé vidente. Em geral, não encontramos um atraso linear em todo o desenvolvimento, mas observamos que é mais frequente verificar que existe um atraso maior na motricidade e na linguagem do que em outras áreas.

Deve-se considerar é claro se algumas limitações não se deverão obviamente às limitações visuais impostas que permitiam que alguns itens fossem precariamente comparados.

O desenvolvimento de comportamentos supõe uma relação inteligente com esse ambiente possibilitando o conhecimento do mundo e das coisas, e não apenas das pessoas, enfim, de tudo aquilo que configura seu pequeno universo e o ajuda a diferenciar-se e, progressivamente adaptar-se e integrar-se. Estas necessidades são atendidas na medida em que se respeitem e potenciem duas necessidades fundamentais: a atividade corporal que permite a criança a entrar em relação com o seu entorno e por outro lado, a convicção de que as estreitas relações que unem as alterações psíquicas e as alterações motrizes são a expressão do compromisso entre o movimento e o pensamento.

Durante as observações, constamos que a mãe do bebé cego mantém o contato face a face e sorri com menor frequência. Oferece brinquedos à filha, no entanto, manifesta uma certa “frieza” nesta interação. A mesma não consegue manter por muito tempo, o olhar para a criança, desviando-o para outras pessoas, outros objetos, etc.

O bebé cego não reage de modo prazeroso a interação com a mãe, respondendo aos estímulos de forma lenta, diferentemente de que observamos em alguns momentos quando a professora assume os trabalhos. É sabido também, que essas crianças associam determinadas palavras a determinados contextos e, desta forma o seu uso em determinadas situações não permitem a ocorrência do processo de generalização intrínseco à formação de conceitos.

Dessa maneira, poderíamos dizer que o processo de formação de conceitos estaria limitado nas crianças cegas e por consequência, adquirirão os conceitos mais tardiamente do que a criança vidente. É absolutamente lógico encontrar problemas nessa área, pois a falta do canal visual diminui a possibilidade de formar categorias mediante a generalização.

Por ocasião da nossa pesquisa, pudemos observar que os dados obtidos sobre o comportamento da mãe, na entrevista inicial, estão expressos na sua relação com o bebé, ou seja, ficando evidenciada às dificuldades que a mesma ainda tem com relação às interações que deveriam ocorrer. A ocorrência de comportamentos como esse mostra de alguma forma, os motivos pelos quais a criança não evolui de acordo com o que potencialmente seria possível. Essa evolução refere-se ao desenvolvimento global e da linguagem certificando os achados do referencial teórico utilizado, que registram um atraso se consideramos o perfil evolutivo da criança invidente e da vidente, no tocante a estes aspectos, sem, no entanto, deixar de mencionar que em algumas áreas pode apresentar comportamentos semelhantes.

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Universidade Católica de Pernambuco pela minha formação profissional e pessoal. As famílias que aceitaram participar da pesquisa bem como a Instituição dos Cegos e a paciência de Carmita, funcionária querida e batalhadora dessa instituição.

 

REFERÊNCIAS

  • 1. AMIRALIAN, M. L. Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias; São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
  • 2. CASTRO, S. V. de. Anatomia Fundamental. Ed.McGraw-Hill. 1974.
  • 3. CUTSFORTH, T. D. O cego na escola e na sociedade: um estudo psicológico. São Paulo, 1969.
  • 3. DIAS, Maria Eduarda Pereira  O Desenvolvimento da Criança Cega. Disponível em: http://www.drec.min-edu.pt/nadv/txt-desenvolvimentocriancacega.htm>Acesso em 15 Set. 2004.
  • 4. FRAIBERG, M. As Crianças cegas e as mães: uma análise ao sistema de sinais.
  • 5. FRAIBERG, S; SMITH, M. E ADELSON, An educational program for blind infants. Journal of special education 1965.
  • 6. KANDEL, Eric R; et al; Construção da imagem visual. In: Kandel, Eric R. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 311-323, 1997
  • 7. LEONHARDT, M. El bebé ciego. Barcelona: Masson S.A., 1992.
  • 8. MAGALHÃES, M.O. Interação Social, Comunicação e Linguagem em Crianças Cegas. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. n. 6, ano 4, Porto Alegre: jun. 2000, p. 36-44.
  • 9. BUENO, Martin, Manuel; TORO, Bueno (coords). Deficiência visual: aspectos psicoevolutivos e educativos . São Paulo: ed. Santos, 2003.
  • 10. PIAGET, Jean; INHELDER B. A representação do espaço na criança; Porto Alegre, 1993

 

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Interação Mãe e Bebé Cego: Aquisição e Desenvolvimento de Linguagem
autores: Wanessa Fernandes Moura da Silva (Pós Graduação em Ciências da Linguagem - Universidade Católica de Pernambuco); João Ricardo Mendes de Oliveira (Professor Adjunto. Coordenador do Ambulatório de Saúde Mental, Hospital das Clínicas da UniversidadeFederal de Pernambuco); Wanilda Maria Alves Cavalcanti (Fonoaudióloga e Mestre em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal dePernambuco)
in NEUROBIOLOGIA, 74 ( 2 ) abr./jun., 2011

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15.Dez.2016
publicado por MJA