Ceia -
Corneliu Baba, 1959 (pormenor)
Dentro da problemática complexa
das implicações da cegueira no desenvolvimento global da criança, seleccionámos duas
grandes áreas de desenvolvimento, consideradas cruciais pela maioria dos autores, no
processo de adaptação da criança cega.
Embora a temática incida mais
especificamente sobre aspectos da socialização das crianças deficientes visuais,
considerámos que seria redutor não mencionar aspectos da literatura mais relevantes, que
nos fornecem um quadro sobre as principais etapas do seu desenvolvimento e as restrições
impostas por esta deficiência às funções cognitivas. Assim, debruçar-nos-emos num
primeiro momento sobre os aspectos ligados ao desenvolvimento cognitivo, para num segundo
momento ser abordada a problemática da socialização. Posteriormente passamos a
apresentar modelos de Intervenção Educativa, adequados às necessidades básicas da
criança deficiente visual.
1.1. ASPECTOS COGNITIVOS.
A análise da literatura que
efectuámos sobre este tema, mostra que não havendo muita investigação, os trabalhos
realizados na sua maioria, seguem fundamentalmente duas correntes. Uma baseia-se num
quadro piagetiano como referência para a compreensão das manifestações no
comportamento do funcionamento cognitivo. Paralelamente uma outra corrente inspirada no
modelo analítico, que culmina com a obra de Selma Fraiberg; considerada uma peça chave
para a compreensão do desenvolvimento da criança cega, incidindo especialmente no
período do desenvolvimento sensório-motor. Dos vários autores que realizaram estudos de
investigação com crianças cegas, encontrámos entre eles, um nível moderado de
concordância com incidência nos pontos que passamos a referir.
Tendo um desenvolvimento
aproximado do Bébé normo-visual nas duas primeiras etapas do período sensório-motor, o
Bébé cego, a partir da actividade reflexa inata, vai organizando tipos ou sequências de
acção, com exclusão das referentes ao sentido da visão, começando a partir dos quatro
ou cinco meses a registarem-se diferenças nítidas da sua evolução relativamente ao
Bébé normo-visual. Confirmando esta diferença (Freiberg, 1977 ) e ( Sonksen, 1979 )
verificam que a coordenação auditivo-manual se processa, no bébé cego, entre os oito e
os dez meses, o que significa um atraso considerável em relação à coordenação
visual-manual no Bébé de visão normal.
Temos contudo que salientar que
enquanto a coordenação visuo-manual levanta um problema de ordem sensório-perceptiva
simples, já a coordenação auditiva manual só é possível após a resolução de um
problema de ordem conceptual, ou seja, os sons produzidos pelos objectos, começam a
possuir substancialidade quando nos primórdios do conceito de permanência do
objecto, a cada som pode ser atribuído um objecto exterior ao sujeito.
Quanto ao desenvolvimento motor,
a visão desempenha um papel crucial, que a audição só poderá suprir, e apenas
parcialmente, a partir dos dez meses, embora o desenvolvimento postural seja semelhante ao
da criança normo-visual.
A nível da mobilidade a
criança cega, segundo ( Adelson e Freiberg 1977 ) e ( Scholl 1984 ) por falta de
estímulos do mundo exterior experimenta dificuldades tanto no gatinhar como no início da
marcha.
Na aquisição da linguagem, o
bebé cego evolui de modo semelhante ao bebé normo-visual, podendo verificar-se atrasos
devido essencialmente à pobreza de experiências. A este propósito ( Freiberg 1977 ) e (
Warren 1984 ) referem nos seus resultados que, embora alguns autores tenham assinalado um
certo atraso nas crianças cegas, outros consideram que, com uma estimulação adequada,
este é superado. Os investigadores acima referidos são unanimes em concluir que entre os
2 e os 3 anos a linguagem das crianças cegas pode considerar-se normal.
A criança cega encontra
dificuldades acentuadas no estabelecimento de um conceito firme de separação,
Eu - mundo dos objectos, demorando por vezes este conceito 8 a 9 meses a
consolidar-se, o que atinge uma idade próxima dos 24 meses. havia um comportamento
típico nas crianças cegas antes destas idades, que era o de procurarem o objecto no
local do último encontro táctil ou auditivo, e aí desistirem, com uma expressão vazia
no rosto e assumindo uma postura imóvel ( Freiberg 1977 ). Também o conceito de
Eu, que se exprime pelo uso apropriado do pronome pessoal, mostrando clara
diferenciação conceptual entre o Eu e o Tu, è atingido na criança cega com
considerável atraso, o mesmo acontecendo com as possibilidades de auto representação do
jogo simbólico. Freiberg e Adelson ( 1977 ) atribuem estes problemas à dificuldade que a
criança cega tem para adquirir uma imagem de si própria.
Como já fizemos referência,
grande parte das investigações sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças cegas,
realizaram-se a partir de um marco teórico piagetiano. Tendo como ponto de partida a
etapa das operações concretas ( Hatwell 1966 ) realizou um vasto programa de
investigação com alunos cegos que residiam numa escola de Paris, estudando a maioria das
tarefas que caracterizam este período do desenvolvimento. Os resultados obtidos apontaram
para um atraso de três a quatro anos, na realização das tarefas das operações
infralógicas com componentes especiais, assim como em tarefas lógicas de carácter
manipulativo ( classificação, seriação e conservação da substância). Em
contrapartida, nas provas que se executaram através de uma base predominantemente verbal
( seriações verbais e problemas de classificação que supõe inclusão ) o atraso foi
quase inexistente. ( Hatwell 1966 ) apurou também que os cegos resolviam com êxito e
dentro dos mesmos níveis etários das crianças normo-visuais, as tarefas verbais, o que
está em contraposição com as teses Piagetianas. Posteriormente, embora confirmando em
parte os resultados de ( Hatwell 1966 ), outros autores como ( Miller 1969 ), ( Gottesman
1973 ), ( Tobin 1972 ) e ( Brekke, Williams e Tait 1974 ) que estudaram também as tarefas
da conservação, já especificam e mostram que o atraso aumenta em função da gravidade
da deficiência visual e da idade em que esta ocorreu. Os mesmos autores encontraram ainda
uma moderada relação entre a variável viver em instituição e o grau de
atraso na aquisição da conservação. Em tarefas de classificação ( Cromer 1973 ) e (
Higgins 1973 ) não encontraram diferenças na sua realização entre as crianças cegas e
as normo-visuais. Rosa ( 1980 e 1981 ) fez investigações acerca do desenvolvimento das
imagens mentais a partir de uma perspectiva Piagetiana ( Piaget e Inhelder 1967 ), e os
resultados apresentaram a inexistência de importantes atrasos na aquisição da
representação das crianças cegas congénitas. Atrasos esses que desapareciam
aproximadamente aos onze anos.
Em estudos mais recentes e
exaustivos sobre o desenvolvimento das operações lógicas, (Rosa 1986) e (Ochaita 1988)
estudaram o rendimento de alunos cegos em tarefas como, classificação aditiva (com
material manipulável), inclusão de classes, classificação hierárquica e
quantificativa da inclusão (Fundamentalmente verbais), classificações multiplicativas
espontâneas e a complementar, seriação simples e multiplicativa ou seriação verbal e
conservação de substância. Estas tarefas investigaram-se em crianças cegas
congénitas, que frequentavam escolas especiais ( Rosa 1986 ), bem como em crianças
igualmente cegas congénitas, mas que frequentavam escolas regulares ( Ochaita 1988 ). Os
resultados mostraram atrasos na criança cega apenas nas provas de seriação e na
classificação multiplicativa a completar. Este atraso, mais uma vez desaparecia aos 11
anos. As crianças cegas em ensino integrado obtiveram resultados muito semelhantes. Ao
comparar o seu rendimento com o das crianças normo-visuais da mesma idade e nível
escolar, só se encontraram diferenças importantes nas duas tarefas de seriação e um
ligeiro atraso nas crianças cegas na classificação multiplicativa a completar.
Quando
comparados o rendimento dos dois grupos de alunos cegos, os que estão no ensino integrado
só obtiveram melhores pontuações nas provas de classificações multiplicativas e na de
conservação. Partindo destas conclusões sobre a problemática do desenvolvimento da
criança cega e das áreas mais afectadas em termos da sua adaptação ao meio e da sua
aprendizagem, podemos facilmente deduzir sobre a importância da implementação de
programas educativos adequados às suas necessidades básicas.
Através de estudos
longitudinais (Selma Fraiberg, Marguerite Smith e Edna Adelson 1969 ) obtiveram dados
sobre os problemas de adaptação no período sensório-motor e das limitações colocadas
pela cegueira. Verificaram que algumas das perturbações profundas do Ego, assim como
deficiências a nível cognitivo encontradas, têm a sua origem nos primeiros dezoito
meses de vida, durante o período crítico de estruturação do Ego. Concluíram que a
deficiência mais profunda que uma criança cega pode ter, é ficar privada de relações
humanas significativas.
Estudos realizados por ( Fraiberg e Freedman 1964 ) com
população cega privada de intervenção adequada durante o primeiro ano de vida,
revelaram claramente, que em tais circunstâncias a cegueira pode acarretar atrasos
notáveis em termos do desenvolvimento cognitivo. Muitas das crianças observadas,
apresentavam um quadro de atraso mental e citando (Fraiberg e Freedman 1964) 25%
das crianças cegas de nascença apresentavam comportamentos autistas , contrastando
com o perfil de desenvolvimento dos bébés cegos que seguiam uma estimulação adequada.
Tais dados colocam em
evidência, a pertinência de programas educativos adequados, iniciados precocemente que
possam fornecer à criança cega os estímulos necessários à relação o mais
equilibrada possível, com o mundo que a rodeia. Mais tarde, a criança cega necessitará
de beneficiar de estratégias de ensino, que facilitem basicamente, a sua interacção
espontânea com o meio. Sendo de privilegiar toda a pedagogia baseada em métodos activos,
não deixando de ter como referência os princípios de Piaget, que em relação à
criança cega foram esclarecedoramente sintetizados por (Swallow 1976), conceituada
especialista americana, no campo da educação das crianças deficientes visuais e que
pela sua pertinência, passamos a enunciar :
I - O desenvolvimento cognitivo
é um processo gradual, em evolução, que depende do desenvolvimento social, emocional e
físico e não pode ser entendido isoladamente.
II - As diferenças e padrões individuais de crescimento influenciam o funcionamento, mas
são também afectados pela sequência, variedade e qualidade das experiências
simbólicas.
III - O conhecimento da realidade deve ser descoberto e construído através das
actividades da criança ao nível da sua estrutura cognitiva.
IV - Em todos os níveis deverão surgir actividades que promovam a exploração
espontânea, tanto física como intelectual ( paralelamente, não deve minimizar-se o
papel da mediação verbal na resolução de tarefas ).
V - Um programa orientado cognitivamente desenvolve e reforça continuamente o raciocínio
espaço-temporal e o lógico-matemático.
VI - A aprendizagem dinâmica, geradora, apoia-se na espontaneidade e na criatividade da
criança, enquanto que a aprendizagem de factos vem através da prática, da repetição e
da memorização. Por consequência, os professores devem estabelecer os seus programas e
estruturar as suas aulas prudentemente.
Contudo já em 1971 Lowenfeld no
seu livro Our blind children growing and learning with them apontava para a
necessidade de experiências enriquecedoras em termos de qualidade e quantidade que
permitam à criança cega uma base de experimentação e de manipulação dos objectos
reais, como condição indispensável para ela atingir uma noção concreta do mundo real
e dos seus atributos.
1.2. SOCIALIZAÇÃO
Relativamente à criança cega,
temos que salientar ser o seu processo de socialização por natureza mais complexo que o
da criança normo-visual, pois embora percorrendo as mesmas etapas, pode ser seriamente
afectado, não por factores intrínsecos à cegueira, mas por parte da sociedade, o que
pode constituir um obstáculo grave à inserção plena da criança cega no seu meio
social. Tendo em linha de conta esta realidade, começaremos por abordar o problema da
importância e a génese da imagem de si próprio. A imagem de si próprio é o conjunto
de todos aqueles elementos da personalidade que cada um de nós considera e percebe como
nitidamente seus. Essa imagem depende em parte de toda a nossa experiência anterior,
incluindo nessa experiência a imagem que os outros reflectem de nós próprios. Assim a
criança considera-se capaz ou incapaz, na medida em que os outros a considerem uma coisa
ou outra e também na medida em que, ao agir,toma consciência da sua eficacidade ou
ineficácia. Portanto, é evidente que o conceito que a criança constrói de si própria
variará de acordo com as condições em que lhe foi dado viver, para o que teremos de nos
reportar à relação MÃE/BÉBÉ cego, e aceitarmos, consequentemente, que o conceito da
imagem de si própria depende, desde logo, da riqueza vivida no interior da díade. Maria
Rita Mendes Leal ( 1985 ) diz:
Se se pretende investigar os processos precoces de
socialização do bébé humano, no sentido de se clarificar o comércio que se estabelece
entre a criança e o outro exterior a ela... o que em idade evolutiva mais tardia se
designa de socialização diz respeito à integração no grupo social, na
idade em que o intercâmbio entre pares se torna possível .
Se a criança cega
evoluir num meio que lhe proporcione ocasiões de diversificar a sua experiência, é
provável que tudo se passe dentro de parâmetros bastante aceitáveis. Aqui cabe um papel
à Pedagogia. O educador atento intervém reforçando e estimulando os aspectos positivos,
corrigindo os negativos, mas evitando sempre atitudes quer punidas, quer superprotectoras,
pois elas são bloqueadoras, mantendo a criança inibida e numa expectativa de
dependência. É grande a responsabilidade do educador, portanto a sua atitude pode
depender a auto imagem da criança cega. Mas a imagem de nós próprios não é estática,
é dinâmica, pois tende a transformar em acto, isto é, em formas de comportamento,
aquelas forças ou tendências de que tomou consciência na sua interacção com o meio e
que existem em si como potencialidades.
A actualização de si próprio é uma das
características da personalidade em evolução, que não foi bloqueada por experiências
nefastas e/ou inibidoras. Numa personalidade equilibrada a imagem de si próprio não
depende só da imagem que os outros lhe reflectem, mas também da consciencialização das
suas capacidades reais manifestadas através da sua interacção com o meio e com os
problemas que o exterior põe a cada um de nós. Assim, uma personalidade equilibrada é,
numa certa medida autocrítica e, por conseguinte autónoma, sem excluir contudo os dados
resultantes dos seus contactos com os outros, pois só deste modo ela será susceptível
de evoluir.
O indivíduo poderá alcançar determinados objectivos, mas esses objectivos
são construídos a partir do conhecimento das suas possibilidades que procurará realizar
e valorizar. Podemos então afirmar que um conceito positivo de si próprio estará na
base do processo de socialização, pois, como vimos, tem a sua génese na experiência
conscientemente vivida de cada um, tende à acção, é eminentemente activo e nessa
actividade procurará o contacto dos outros e não o evitará, porque sente e sabe que
pode ser por eles aceite.
No decorrer do exposto
afigura-se-nos que se a criança deficiente visual beneficiar de uma educação em
conjunto com crianças normo-visuais, estarão lançadas as raízes da construção de um
conceito positivo de si própria. Se pelo contrário, a criança deficiente visual fôr
educada numa escola especial para cegos, constrói uma imagem de si própria em que a sua
deficiência avulta como elemento de diferenciação entre o grupo a que pertence e os
outros. Este facto dificultará posteriormente a sua integração na sociedade. Chapman e
Stone ( 1988 ) afirmam a propósito da educação das crianças deficientes visuais :
A integração das crianças deficientes visuais em escolas regulares tem um
significado particular nos termos da integração social e no desenvolvimento emocional e
social assume particular relevo . Confirmando as vantagens da integração destas
crianças, apresentamos um estudo que ( Schindele 1974 ) efectuou com o objectivo de
comparar a adaptação social de crianças cegas e crianças normo-visuais, utilizando o
Self-Concept Adjustment Score ( Cowen, Underberg, Verillho e Benham 1961 ).
Para a sua investigação utilizou como amostragem, cinquenta crianças cegas e sessenta
crianças normo-visuais. As crianças normo-visuais viviam em ambiente familiar, enquanto
que as crianças cegas, um grupo vivia em internato, e outro em ambiente familiar. Numa
primeira análise não se verificaram diferenças significativas na adaptação social,
quer entre as crianças cegas em internato e em ensino integrado, quer no grupo das
crianças normo-visuais.
Numa análise mais aprofundada sobressairam alguns aspectos
importantes que passamos a referir: As crianças cegas em internato mostraram uma
afinidade negativa de adaptação social relativamente à idade, verificando-se que os
mais velhos estavam menos bem ajustados. Quanto às crianças cegas em ensino integrado, a
afinidade era positiva. A interpretação destes aspectos, segundo o autor é a seguinte :
Enquanto a adaptação social das crianças cegas em ensino integrado se desenvolveu num
meio circundante natural, a adaptação social das crianças cegas em internato é
principalmente o resultado de um ambiente protegido e irreal. Neste caso, a boa
adaptação social destas crianças é seriamente afectada quando crescem e especialmente
quando têm que deixar o internato. Além disso, para o grupo das crianças cegas em
ensino integrado verificou-se uma correlação positiva entre socialização e
inteligência. Schindele considera que as crianças cegas em ensino integrado fizeram
esforços especiais para atingir um elevado nível de socialização. Advogamos o
beneficio da escolaridade conjunta de crianças normo-visuais e deficientes visuais,
orientada por educadores com formação adequada, fará salientar o que de comum existe
entre todas as crianças, pois as diferenças esbatem-se e são os elementos comuns que
passam a ocupar o primeiro plano da imagem de si próprio, que a criança deficiente
visual elabora a partir das suas relações com o meio humano estimulante e dinâmico que
a escola lhe proporciona. Este facto vai ser facilitador e determinante para o sucesso da
sua integração social. Concluindo, podemos inferir que a evolução cognitiva da
criança cega depende de processos de desenvolvimento e aprendizagem, desde o seu
nascimento, mas que poderá ser fortemente condicionado pelo grau de estimulação que a
criança receber ao longo do seu primeiro ano de vida.
Quanto às etapas da
socialização da criança cega, processar-se-ão normalmente se esta encontrar
oportunidades no seu meio sócio-familiar, que lhe permitam ultrapassar os obstáculos
inerentes à sua deficiência. Passamos seguidamente a apresentar
Modelos de Intervenção
Educativa adequados às necessidades básicas da criança deficiente visual.
2. MODELOS DE INTERVENÇÃO
2.1. A estimulação precoce
O comportamento do Bébé é determinado não só por factores biológicos e
neurológicos, mas também afectivo-culturais. Estes dois aspectos são interligados e
influenciam-se mutuamente. Por isso, o que se passou com a criança e a mãe durante o
tempo de gestação, o que se pçassou no momento do parto, são circunstâncias
fundamentais para o futuro da criança, que contaram na sua história e no seu
comportamento. Quando numa família nasce um bébé cego, o efeito da surpresa, provoca um
choque de tal modo grave, que conduz, regra geral, a uma fase crítica de profunda
depressão. Muitas vezes até a forma como o facto é comunicado aos pais, agrava o
acontecimento. Concretizando esta afirmação, apresentamos depoimentos de quatro mães
que nos contam de que modo tiveram conhecimento ou se aperceberam da deficiência dos seus
filhos.
CASO A - ... quando
perguntei pela minha filha, diziam que estava bem, mas não ma traziam. Quando a vi
disseram-me que tinha os olhos inchados, mas que depois passava. Chamaram o meu marido e
eu desconfiei ... afinal a minha filha tinha glaucoma nos olhos. Ainda hoje ando a
tratar-me dos nervos!
CASO B - ... e o médico
disse-me: o bébé é cego, lamento muito, não há qualquer esperança. É cego mas é
bem constituido.
CASO C - ... aos três
meses notámos que o bébé não fixava e pensamos que fosse estrabismo. A pediatra não
deu por isso. Fomos ao oftalmologista, que lhe fez um exame e de uma maneira muito brusca
disse: Confirma-se o diagnóstico de cegueira, ele é cego e não há nada a fazer. Nunca
mais pode lá voltar. Andei por outros médicos, até fui ao Porto a um especialista, mas
o diagnóstico foi sempre confirmado e não me deram nenhum encaminhamento. Até que um
dia um colega do meu marido lhe falou no Centro Infantil Helen Keller.
CASO D - ... Fui eu que
notei que havia qulquer coisa estranha com os olhos dele e falei ao médico, que me mandou
para S. José para ser visto nos aparelhos. Tinha glaucoma e foi operado com 11 dias. Lá
no hospital, uma doutora falou muito comigo, disse que o meu filho podia ter um bom
desenvolvimento e mando-me para a consulta do C.I.H.K..
É necessário pois, reduzir
este período em que os pais sentindo ruir todos os seus sonhos, se confrontam com a
realidade de um bébé cego, tão diverso daquele que preencheu o seu imaginário durante
nove meses. Este primeiro momento é geralmente caracterizado por uma total ausência de
esperança, agravada pela angústia de uma culpabilidade que começa a emergir. Segundo
(Fyhr 1985) a deficiência do filho ameaça o sentimento de amor próprio e a
competência dos pais. O sentimento é tão insuportável que eles procuram em si mesmos e
nos outros, um sinal que lhes mostre que não têm culpa da deficiência do filho.
Ter-se-à que actuar através de um apoio psicológico que permita resolver a situação
conflitual em que os pais vivem e de uma informação sobre a deficiência, elucidando os
pais de que esta pode não ser impeditiva de uma evolução normal do bébé, desde que
uma educação adequada seja cumprida, iniciando a estimulação precoce, tão cedo quanto
possível. Teremos que alertar os pais de que o bébé cumprirá o mesmo percurso de que
qualquer outro bébé, ainda que se registem diferenças significativas, na forma como se
desenvolve. Vai precisar de muita atenção, criatividade, persistência e amor,
incitando-os com apoio de técnicos competentes,a investir naquele bébé e a criar
expectativas positivas em relação ao seu futuro. Não esquecendo que sendo os pais,
especialmente a Mãe, os principais intervinientes na educação do seu filho, é
fundamental que o cumprimento da sua função seja sempre pautado pela liberdade e pelo
estimulo ao bébé, como diz (Lerner 1981) ... é muito importante que a criança
cega seja encorajada a explorar o meio que a cerca.
Passamos então a identificar as
quatro áreas que consideramos básicas no seu desenvolvimento :
I - Estabelecimento de laços
afectivos,
II - Desenvolvimento Perceptivo-motor,
III - Aquisição da linguagem,
IV - Conceito do Eu e noção de objecto.
Paralelamente avanlamos com
algumas estratégias educativas adequadas, que propiciam as condições globais de
compensação. Considerando que a intimidade precoce da díade Mãe/Bébé, que é
interrompida no parto seja refeita em moldes que levem à autonomização do bébé, no
caso do bébé cego esta afirmação é ainda mais pertinente, pois ele está mais
dependente da mãe desde o seu nascimento, para a estimulação e contacto social, do que
a criança vê. Na vivência da díade Mãe/Bébé e Bébé/Mãe as trocas são
recíprocas, existe uma complementaridade. Caracterizando os dois elementos que vão
interagir, temos o bébé, um ser imaturo, dependente, com competências e capacidades a
explorar cujos principais indicadores são:
Funcionamento - A chamada
adaptação fisiológica, como o comportamento alimentar e a adaptação às rotinas.
Adaptação - Respostas afectivas, tensão, humor característico, estabilidade afectiva,
irritabilidade, vulnerabilidade ao stress.
Interesse e exploração - Respostas aos objectos, nível de resposta social e
persistência nos objectos.
Como ser sociável que é, o
Bébé reage a seres sociáveis, reage a estímulos, provoca, adapta-se ao outro e reage
ao outro. O seu comportamento é frequentemente uma forma de sinal destinado à
manipulação do meio. O seu desejo de dominar as leis que regem esse meio, chama-se
desejo de competência (Morath 1978). No Bébé cego, este indicador-interesse e
exploração tem que ser muito motivado, pois a ausência do sentido da visão isola-o das
primeiras solicitações do mundo exterior, impedindo-o das vivências naturais. Logo, as
aquisições básicas têm que ser promovidas através de um correcto programa de
estimulação, pois como sabemos, elas têm a imperiosa necessidade de serem atingidas no
momento certo e nunca depois.
Passemos agora a caracterizar o
outro elemento de díade - a Mãe - um ser, com uma história pessoal, que vive um
presente provavelmente inquietante, mas que possui espectativas. Os seus principais
indicadores são : Capacidade de cuidar do Bébé - Onde se evidencia a qualidade do
contacto físico. Capacidade de interagir com o Bébé - No sentido de como organiza e
interpreta os sinais. Capacidade de estimulação preferencial - Atendendo à necessidade
de estimulação das áreas fracas evidenciadas pelo Bébé. Capacidade de transmitir
afecto. Caracterizados Que estão os indicadores dos dois elementos da díade, temos ainda
que atribuir à Mãe um papel- chave na difusão da mensagem que o bébé
cego aguarda. Para tal ela será esclarecida sobre a importância decisiva da sua conduta
e ensinada a compreender e a agir com o seu filho. Assume particular relevância na
interacção Mãe/Bébé, a qualidade da satisfação das necessidades da criança pela
Mãe. O Bébé vai ter oportunidade de se organizar, permitindo simultaneamente a
organização da actividade da Mãe, dela vai depender o seu estado físico e psíquico,
cuja base se vai estruturando no tempo e na relação e que é determinante no posterior
desenvolvimento da criança. Quanto à organização sensório-perceptivel do Bébé, as
experiências sensoriais básicas, nos primeiros anos de vida estão ligadas a
modos difusos de sentir o corpo, ou numa linha de agrado, satisfação, saciedade e
quietude, ou pelo contrário, numa linha de desprazer, desconforto e tensão
(Sandler, J.e Sandler, A.M. 1978). Relativamente à díade, apesar da complementaridade
ela é assimétrica, pois as contribuições de cada elemento diferem. Enquanto à Mãe
cabe satisfazer as necessidades do filho, a este cabe gratificar a Mãe. No
estabelecimento dos laços afectivos, o caminho a percorrer pelo Bébé cego é diferente
do Bébé com visão. O sentido da visão pelo seu poder sintético tem um efeito
integrador, é contínuo, dá ordem natural aos acontecimentos e permite entre o Bébé e
a Mãe a riquíssima linguagem dos olhos. No Bébé cego, esta linguagem tem que ser
substituída pela linguagem das mãos, ou melhor, por uma linguagem táctil-auditiva que
vai permitir criar laços afectivos entre a díade. A reciprocidade táctil entre o Bébé
e a Mãe, constitui uma das componentes do diálogo táctil-auditivo quinestésico,
conseguindo através dio acariciar, falar, cantar, iniciar nos movimentos, proporcionar
jogos rítimos, corrigir posturas, nadar, enfim... cumplicidades. Estando os pais bem
elucidados sobre as estratégias a utilizar com o seu filho, especialmente a Mãe, terão
a alegria de viver os primeiros sorrisos, as gargalhadas, os abraços, os pequenos
diálogos e sentir-se-ão gratificados à medida que eles próprios constatam
o desenvolvimento do seu filho, sentindo-se encorajados a prosseguir.
Com um mês de idade o Bébé
normo-visual sorri para a Mãe de uma forma irregular, passando a fazê-lo a partir dos
três meses de uma forma regular e automatizada. Por volta das quatro semanas, o Bébé
cego tem um sorriso irregular em presença de uma voz familiar, mas aos três meses
responde com um sorriso regular a uma estimulação táctil ou auditiva, quando a Mãe lhe
fala ri, faz cócegas na barriga ou no pescoço, portanto o sorriso surge no Bébé
normo-visual e no Bébé cego cerca da mesma idade e com as mesmas características,
mantendo-se no entanto no Bébé cego de uma forma irregular até aos seis
meses (Fraiberg, 1971). É nesta altura que o Bébé cego adquire o sentido
selectivo à voz da Mãe, enquanto que entre o 7º e o 15º mês repudia estranhos, grita
em sinal de protesto, só se acalmando ao ouvir a voz da Mãe. A mão como órgão
preceptivo, vai efectuar um percurso que se inicia com o encontro ocasional
cerca do 1º mês evoluindo numa procura táctil orientada pela Mãe, pendurando no seu
berço, diferentes brinquedos sonoros, ajudando o Bébé a procurá-los, explorá-los e a
reencontrá- los. Se esta estimulação não tiver lugar, aos cinco meses um Bébé
cego mantém as mãos ao lado dos ombros, na posição de recém-nascido (Fraiberg,
1976) secundada por Lissonde (1978). No Bébé normo-visual a coordenação óculo-manual
verifica-se a partir do 5º mês. A criança cega apenas coordena as acções que
envolvam uma fonte sonora e preensão manual aproximadamente seis meses depois, pelos
10-11 meses (Fraiberg, Smith e Adelson, 1969). Na criança cega não existe
nenhuma substituição adaptativa da visão pelo som, no processo de alcance intencional
do objecto até ao último quartel do 1º ano (Fraiberg, Smith e Adelson, 1969).
Contudo a coordenação audio-manual pode estar emergente um pouco mais cedo, (8-10 meses,
ainda que dentro dos parâmetros apontados por Fraiberg) utilizando estratégias, como
colocar uma pulseira com guizos num pulso, levando o Bébé a procurar a outra mão e a
brincar com ela. Incitando-o assim à apalpação repetida de uma mão pela outra,
proporciona-se progressivamente o brincar com os dedos na linha média do corpo. A partir
de então a procura táctil vai-se tornando mais discriminativa, devendo a Mãe continuar
a provocar a curiosidade do Bébé através de brinquedos sonoros, ensinando-o a
alcança-los para depois brincar. É a estratégia do jogo, que desde os primeiros meses,
os pais das crianças cegas têm que compreender a grande importância que ele assume no
desenvolvimento do seu filho. A partir do 8º mês o Bébé já pode sentir o prazer da
exploração intencional e mais prolongada do rosto dos pais, do biberon, dos brinquedos
preferidos e mais breve e superficial do que lhe é estranho. Assim, aprendendo a utilizar
as mãos, elas vão funcionar como orgãos primordiais de percepção para o Bébé cego,
que sabendo explorar um brinquedo, pode associar o interesse táctil ao som, desfrutando
simultaneamente de dois tipos de sensação. Estas experiências, vividas com continuidade
através do jogo, vão facilitar mais tarde, a identificação do brinquedo como um
objecto sonoro e táctil, promovendo deste modo a construção da noção de objecto.
Demostrando-se com crianças de visão normal, que o desenvolvimento da
permanência do objecto é influenciado pela interacção Mãe/Bébé (Bell 1970).
Sendo assim, se a Mãe não for suficientemente estimulante, a criança cega poderá
tornar-se mais deficiente. A Mãe como objecto parcial do meio, será o esteio securizante
do Bébé, mas por volta dos oito meses verificam- se extraordinárias dificuldades no
Bébé cego de constituição da Mãe enquanto objecto. A Mãe fica fora do alcance do
Bébé quando fala (ausência de contacto corporal),assim como o Bébé também não
alcança um brinquedo sonoro se o perder, quando o ouve e este está por perto do alcance
das mãos, não atribuindo substancialidade ou identidade (som-tacto) ao brinquedo,
através do som apenas. O problema consiste em reconstituir essa Mãe que o abraça de uma
forma unificada, noutro espaço sem qualquer contacto táctil, sob um único atributo - a
voz. O Bébé tem que fazer a ligação da voz da Mãe, à mesma pessoa cujo toque e
contacto corporal lhe são familiares. Este conceito de Mãe enquanto objecto, que na
criança que vê se verifica a partir do 5º mês, na criança cega começa a emergir
quando reage à voz da Mãe quer pelo sorriso, vocalização, excitação motora, quer
quando já estende os braços na direcção da voz da Mãe, gatinha intencionalmente para
ela ou diz mamã se já fala, vivendo com satisfação a alegria do reencontro! Isto pode
acontecer no Bébé cego entre o 10º e 16º mês ou mesmo mais tarde, (Rogers e Puchalski
1988) pesquisando sobre o desenvolvimento da permanência do objecto em crianças cegas,
chegaram a valores entre o 16º e o 21º mês. Na sua interacção com a Mãe, desde cedo,
o Bébé foi descobrindo através das suas mãos curiosas e bem coordenadas, o corpo da
Mãe e o seu próprio, em muitas situações lúdicas conducentes a um início da
locomoção. No seu desenvolvimento motor largo, o Bébé cego vai experimentar
dificuldades nalgumas aquisições críticas como : - Andar de gatas; - permanecer em pé
sem apoio; - andar sozinho. Na opinião de ( Scholl 1974 ) a criança cega anda mais tarde
do que a criança que vê, por falta de estimulação visual, precisando de ser ensinada a
executar os movimentos locomotores. Deve-se pois iniciar o Bébé a gatinhar e para isso
com um brinquedo que role, ajudá-lo a empurrá-lo para a frente e para trás. Empurrá-lo
para a frente, dando o adulto ( a Mãe ) apoio com as mãos aos pés da criança e tentar
que ela o vá apanhar gatinhando, incutindo na criança o desejo de explorar, manipular
tudo o que a rodeia. Isto poderá acontecer por volta dos nove meses. Estes exercícios
têm o objectivo de dar à criança a noção de espaço, de percurso, que só existirá
para ela, se o experimentar através do movimento. Servem ainda estes exercícios de base
à aquisição da marcha, aliados ao tónus e à força muscular. A etapa seguinte será
ajudar a criança a pôr-se de pé, por volta dos dez, onze meses encorajando-a a
agarrar-se à mobília de modo a levantar-se e a sentir-se em segurança. A falta de
solicitação visual não a incita a deslocar- se, mais uma vez ela vai precisar de
motivação e de estímulo. Então pouco a pouco vai-se afoitando no espaço a para a
iniciar no andar a Mãe pode colocar os pés do Bébé em cima dos seus, pegar-lhe debaixo
dos braços e andar, para ela sentir o movimento. Em seguida a mesma posição, mas com os
pés da criança no chão, pegando-lhe nas mãos, tentando fazê-la andar. Pode-se também
colocar uma corda esticada ao longo das paredes do quarto, à altura da sua cintura,
ajudá-lo a caminhar e mais tarde a correr. Se houver fontes sonoras nos cantos do quarto,
não só será um incentivo para ela andar, como também uma referencia que vai ajuda-la a
orientar-se. Conforme salienta (Pereira 1988) O som só começa a funcionar como
uma pista, informando da presença de um objecto fora do alcance da mão, no final do
primeiro ano de vida. É também nesta altura que descobre a existência de um espaço
para além dela, tendo um incentivo para se mover nele. É a partir desta descoberta que
ela consegue andar sem grandes dificuldades de equilíbrio, coordenação e velocidade
. Ao mesmo tempo que a criança fôr adquirindo autonomia no andar, devemos
despertar-lhe interesse para tudo o que se passa à sua volta (o barulho dos carros, o
cão a ladrar, a água acorrer). São conhecimentos que ela dominando. Para Henry Wallon
(1966) a elaboração do espaço mental tem como pressuposto o espaço motor. Com a
criação da sua mobilidade própria, a criança aventura-se na conquista do espaço, o
que lhe vai fornecer condições experimentais para seguir e recuperar objectos, seguir o
som através do movimento, descobrir e redescobrir a Mãe inúmeras vezes. Segundo
(Fraiberg, Smith e Adelson, 1969) o recurso a meios adequados para a sua
motivação, acompanhada por uma interpretação correcta das suas necessidades pessoais,
a criança cega sem deficiências adicionais desenvolver-se-à sem grandes complicações,
passando por todas as etapas do desenvolvimento motor, embora com um ritmo mais lento que
a criança normo-visual. Contudo, não esqueçamos que a criança percorreu este
caminho num campo escuro, sem memória visual, por isso podemos encarar as suas
realizações como verdadeiros feitos heróicos de adaptação percorridos num labirinto
traiçoeiro. Quanto à aquisição da linguagem a criança cega baseando-se num universo
sonoro, bastante cedo vocaliza de um modo preferencial a Mãe. No seu
desenvolvimento vai seguindo os padrões normais no adquirir das primeiras palavras, no
possuir palavras para exprimir os seu desejos e no ser capaz de formar frases de duas
palavras (Fraiberg, 1977). Assim, a aquisição da linguagem oral das crianças
cegas processa-se de modo semelhante às crianças normo- visuais. Poder-se-ão talvez
atribuir algumas falhas a nível da articulação à falta de imitação dos movimentos
fonatórios. Mas sendo a linguagem uma componente da organização sensório-motora
intimamente relacionada com o estabelecimento de laço afectivos, o desenvolvimento motor
largo e a capacidade de representação da inteligência, por vezes nas crianças cegas o
atraso no desenvolvimento da linguagem é na maior parte dos casos consequência de
pobreza de experiências. Enquanto na criança de visão normal a aquisição da linguagem
é em geral um processo rápido e contínuo, no Bébé cego é por vezes lento, motivado
especialmente pela restrição do desenvolvimento motor e pela dependência da criança
que leva a Mãe a antecipar os seus desejos. Tal como nas crianças normo-visuais, a
evolução afectiva e em particular a relação com a Mãe assume um papel mais decisivo
no desenvolvimento da linguagem do que a cegueira propriamente dita, porque esta não pode
ser encarada apenas como uma deficiência sensório-perceptiva para a criança. Temos que
aceitar que a cegueira suscita uma série de atitudes desde a rejeição à
superprotecção por parte da família e da sociedade, atitudes essas que podem provocar
danos mais gravosos no desenvolvimento da personalidade e logo também na linguagem da
criança do que a deficiência sensorial em si. Por isso como educadores podemos agir
directamente de várias formas, - encorajando os diálogos verbais entre os pais e a
criança, - mesmo no período pré-verbal, designar sempre as pessoas, objectos e acções
que rodeiam a criança, - levando os pais a compreender o significado de falar com o
Bébé como processo essencial de conhecer a Mãe e as outras pessoas e
de ir familiarizando com o mundo dos objectos. A aquisição da linguagem encoraja muito
as Mães, pois elas comprovam que a criança tem um desenvolvimento normal. Indirectamente
tudo o que se investir para facilitar o desenvolvimento da criança cega nas áreas de, -
criação de laços afectivos, - experiências tácteis e afectivas com as pessoas e
coisas, - experiências auditivas e - locomoção, vai afectar favoravelmente o
desenvolvimento da linguagem.
As experiências tácteis e
auditivas são essenciais à coordenação audio-manual e vão possibilitar as primeiras
designações ali, lá atribuindo substancialidade às pessoas e coisas. A
locomoção pelo alargamento de experiências que proporciona à criança, contribui
também para o desenvolvimento da linguagem. Há no entanto que estar atento, pois o
verbalismo pode- se instalar logo que se verifique um desequilíbrio entre o mundo
apercebido concretamente pelo Bébé cego e aquele outro que lhe é transmitido pela
linguagem materna, mundo esse do qual ele não tem ainda suficiente experiências
sensoriais. Assim, progressivamente e dependendo da riqueza que é vivida no interior da
díade Mãe/Bébé, se vai estruturando o eu infantil, primeiro conhecendo os
limites do seu próprio corpo, para depois chegar à distinção do conhecimento de si
próprio e do outro. Esta é a aquisição mais importante do primeiro ano de vida, que
usando a terminologia de M. Mahler o Bébé passa da fase de simbiose à fase de
individuação. Mas o Bébé cego vai precisar de ser estimulado para adquirir o conceito
do Eu. Usar Eu de forma adequada significa conceber-se como
um Eu no meio do universo de outros Eus, de sentir- se um
Eu para si próprio, e perceber que cada Tu é um Eu
para si próprio. (Fraiberg, 1977). Algumas crianças cegas experimentam
dificuldades entre o emprego do Eu e do Tu, bem como em distingir o apontar as partes do
seu próprio corpo, do corpo do outro, para o que é indispensável muito treino. Neste
percurso a Mãe pela continuidade do seu afecto, vai constituir a pessoa de referência em
que a criança deposita confiança plena e que lhe faculta o conhecimento do mundo.
À medida que a criança se vai
sentindo em segurança vai também adquirindo independência. O seu processo de
sociabilidade está directamente relacionado com o modelo da pessoa de referência e da
sua constância. No conhecimento do mundo exterior a relação que a criança estabelece
com o desconhecido é sempre condicionada pelo estado emocional de base, no
qual a interacção Mãe/Filho não é alheia. Para finalizar consideramos pertinente
abordar um aspecto que muitas vezes observamos em crianças cegas. São os Maneirismos,
que surgem inevitavelmente no criança para fazer face à sua insegurança, se não lhe
proporcionarmos todo o apoio para aprender comportamento motivados/adequados, durante as
fases críticas do seu desenvolvimento. Os Maneirismos são pois comportamentos utilizados
pela criança cega para enfrentar as tensões criadas por várias situações, como a
ausência da Mãe, a zanga e outras geradoras de medo, ansiedade ou frustração. A
criança cega não tem confirmação visual da presença da Mãe, para ela a existência
da Mãe é estabelecida (e apenas por iniciativa desta) através do contacto físico/oral.
Se não desenvolve os comportamentos eficazes à medida que vai crescendo para alcançar a
Mãe (rastejar, andar de gatas, chamar) ela vai regredir aos comportamentos
indiferenciados, não motivados, grosseiros, dos primeiros tempos de vida, para fazer face
à insegurança, ansiedade, frustração, que a ausência da Mãe lhe provoca.
Todas as crianças são
incapazes de racionalizar a zanga e por isso têm de exteriorizar a sua
fúria. É muito vulgar, por volta dos doze meses agredirem alvos
(pessoas, objectos) para expandirem a sua cólera. Para a criança cega os objectos são
fantasmas que se materializam e desaparecem, sem ela compreender como, nem
porque. Não consegue detectar os objectos (se eles não estão ao alcance da sua mão ou
não emitem som), ela fica sem possibilidade de procurar os alvos para a sua
zanga. Por isso só lhe resta o seu corpo para expandir a frustação e agita
violentamente os braços e as pernas, queimando energias. À medida que os meses passam a
criança cega fixa-se neste modo de expandir a sua fúria, apenas através dos movimentos
do seiu próprio corpo apresentando maneirismos. A este propósito Selma Fraiberg
recomenda: ... a criança cega deve receber muita estimulação durante os dois
primeiros anos de vida... a perícia de alcançar coisas e andar de gatas, até ao máximo
potencial... para no futuro ter sucesso no domínio de outros comportamentos e evitar o
recurso aos maneirismos, para enfrentar a sua própria tensão. Mas se a um Bébé
cego for feita uma vigilância adequada das suas capacidades motoras e sensoriais, se lhe
der-mos entretanto liberdade estimulo quando necessário, teremos a compensação de o ver
cumprir aquilo que dele esperamos. A maturidade muscular, as trocas de experiências
adequadas como o meio que o cerca e a segurança obtida, vão permitir que o seu
desenvolvimento se processe como era previsto.
2.2 AS IMPLICAÇÕES DA CEGUEIRA
NA PROBLEMÁTICA EDUCATIVA
Feitas as aquisições básicas
dos primeiros anos de vida, quando chega ao jardim infantil, a criança cega alarga o seu
universo, limitado até aí, à célula familiar. A partir dos três anos a criança
aceita brincar com outras crianças, sai do seu espaço pessoal, confinada a si própria e
às pessoas com quem interage, para se aventurar no espaço dessas crianças, elaborando
assim a representação, ainda que incompleta, do espaço longínquo. O jardim infantil
desempenha um contributo importante a este nível, pois proporciona à criança cega,
vivências que favorecem a sua estruturação.
No âmbito da motricidade,
consideramos a aquisição de actividades motoras larga e fina, sem esquecer que o
desenvolvimento motor está na base do desenvolvimento cognitivo e da linguagem, sendo
também particularmente importante o equilíbrio e a postura. Com o objectivo de promover
experiências nesta área ter-se-à que ensinar a criança a distinguir os sons,
ajudando-a a reconhecer um som e orientar-se na sua direcção, para mais tarde poder
identificar, procurar e encontrar uma fonte sonora: à direita, à esquerda, em cima, em
baixo. Ter a noção da sua posição relativamente ao local onde se encontram; obedecer
correctamente a ordens; o que deve fazer das suas mãos quando anda, corre ou salta, sobe
ou desce escadas, conseguindo ter equilíbrio e ritmo. Também um conhecimento correcto do
seu próprio corpo é indispensável. Como referenciam (Curtis e Wygnall, 1986) é
importante para a criança cega ter uma linguagem realista do seu corpo, observar que têm
dois braços, duas pernas, cabeça... e compreender a função de cada uma das partes do
seu corpo.
Feitas estas aprendizagens a
criança cega descobre como utilizar da melhor forma os seus sentidos, adquirindo
independência nas actividades da vida diária e a sua curiosidade por tudo o que a
rodeia, aumentará. Enquadra-se aqui com pertinência o provérbio popular Caboverdiano
que diz carne que está a crescer, não para de mexer. Mas para que a criança
possa explorar em segurança, terá que ser iniciada na Mobilidade (orientação e
locomoção) ao nível das técnicas básicas, com ou sem bengala, que são fundamentais
para uma deslocação independente.
Até há alguns anos,
defendia-se que só a partir dos 8-10 anos, as crianças cegas deveriam receber aulas de
Mobilidade, mais concretamente técnicas de bengala, por serem consideradas inaptas em
termos motores, cognitivos ou sociais, antes dessa idade. Mas nós sabemos, como foram
vividos esses anos, em que ou se deslocavam sem qualquer protecção ou optavam por uma
clara dependência do adulto, motivando uma certa passividade motora, evidenciada em
muitas crianças cegas. Contudo, não atribuímos essa passividade a falta de interesse,
mas antes a uma inibição resultante da impossibilidade de se poder deslocar livremente
em segurança. Por isso estamos de acordo com a nova corrente que defende o ensino da
Mobilidade, integrando a técnica da bengala, logo no jardim infantil. São diversas as
suas vantagens, e passamos a inumerar as mais evidentes:
I- Beneficia a maneira de andar
e a postura. As crianças cegas apresentam por vezes, algumas anomalias na postura
(cabeça sempre caída) e na marcha, que talvez tenham a sua explicação na tentativa de
reduzir embates, explorar o piso ou detectar degraus, dado que não tendo forma de se
proteger adptam estratégias para evitar riscos. Se no entanto usar uma bengala, a
necessidade dessas estratégias é reduzida. Relatos informais, revelam que as crianças
que usam bengala apresentam menios anomalias.
II- Promove o movimento. A criança pode concluir erradamente, que é mais seguro ficar
sentado do que andar sozinha pela escola, pois não se sente suficientemente confiante. Se
dominar a técnica da bengala, pode sentir-se mais segura e tornar-se mais activa, o que
só lhe trará benefícios.
III- Favorece a exploração do meio ambiente e desenvolve conceitos. Qual criança
precisa de interagir com o ambiente para melhor o compreender. Se uma criança cega
estiver dependente, só se deslocar com guia, não vai ter grandes oportunidades para
desfrutar o mundo, ficando o seu conhecimento emprobrecido.
IV- Influencia as atitudes. A experiência diz-nos, que as crianças estão mais abertas
às inovações e menos preocupadas com as opiniões dos outros. A bengala passa
rapidamente a ser um objecto de uso comum da criança. Também os colegas estão mais
receptivos e encaram a bengala como um aspecto natural da vida escolar.
V- Facilita a autonomia. A capacidade de andar sozinha, torna a criança muito
independente. Com a utilização da bengala, adquir um bom nível de autonomia. O
principal objectivo da Mobilidade é tornar o indivíduo o mais independente possível. A
criança que sabe deslocar-se sozinha, sente-se confiante e será apreciada pela sociedade
em geral.
As especialistas nesta matéria,
(Rona Progund e Sandra Ronsen, 1989) ambas professoras em universidades dos E.U.A., no seu
artigo sobre as estratégias e técnicas para a introdução da bengala em crianças
de idade pré-escolar, afirmam que a criança está pronta para aprender a técnica
de bengala, quando reúne dois requisitos: A criança conseguir pegar na bengala e ter
equilíbrio suficiente para andar sem apoios físicos. Acrescentam ainda que o uso da
bengala, deve ser introduzido na vida diária da criança o mais cedo possível, de modo a
compreender que a vai usar em toda a sua vida e não apenas nas aulas de Mobilidade,
devendo todas as pessoas que interagem com a criança, promover as técnicas já
adquiridas e facilitar o seu uso. Embora os efeitos de longo prazo, ainda não possam ser
verificados, temos indicadores que a introdução precoce da bengala, reforçando o que
já foi dito, consideramos que a autonomia é um factor de independência fundamental para
as crianças cegas, mas que só é alcançada se for convenientemente educada. Para além
dos aspectos já focados, teremos que abordar igualmente uma preparação psicológica,
tanto à criança como a seus pais. Com efeito a sua autonomia tem que passar pelo uso de
bengala; ora esta bengala branca vai diferencia-la aos olhos dos outros, vai identifica-lo
como diferente, vai faze-la sair do seu anonimato, funcionando como reconhecimento do
estatuto de pessoa cega. Claro que aqui se coloca com toda a amplitude o problema da
aceitação da deficiência e da atitude tomada face à realidade. A mensagem que
deveremos transmitir assentará no princípio que o benefício que a criança cega obtém
com a sua independência é extraordinariamente superior ao inconveniente do uso da
bengala. Outra actividade característica do jardim infantil é o jogo a partir do qual se
estabelece a comunicação livre dentro do grupo, surgindo claramente sinais de
liderança. A criança dominante decide quem vai desempenhar o papel mais importante tal
como o pai, o médico e quem serão as personagens secundárias, o filho, o doente. O
grupo cumpre meticulosamente o desempenho de papéis e as regras que na sua maioria não
são formuladas , mas são evidentes para o jogador. É a fase do jogo simbólico, neste
estádio o mundo de faz de conta subjectivo da criança é tão real para ela que por
vezes fica confundida sobre o que é a realidade e a fantasia mostrando uma aparente e
ostensiva indiferença para verdade objectiva. No caso da criança cega, para favorecer o
jogo simbólico podem-se dar modelos reduzidos de objectos correntes, mas sempre só
depois de um contacto prévio com o objecto real. Teremos que fazer referência ao jogo
social, que tendo a sua primeira expressão no jogo entre os pais e a criança, é depois
desenvolvido entre as prórias crianças. A presença do adulto será de início
necessária, mas logo se deve dar oportunidade para que, sozinhas as crianças se
relacionem e brinquem entre si. Atribuímos grande importância ao jogo social no
desenvolvimento da criança porque facilita a comunicação, tanto ao nível da linguagem
verbal como do próprio contacto físico, que para a criança cega é a forma mais
apropriada de conhecer o outro. O jogo social estimula a criança cega a conhecer os seus
pares e despertar-lhe o desejo de fazer o que eles fazem, o que constitui um grande
incentivo para a sua aprendizagem. A criança fica mais sociável e vai criando amizades
dentro do grupo.
Também através do jogo podemos
estimular os seus sentidos, ensinando-a a relacionar-se com os objectos. No caso por
exemplo de uma laranja, saber associar a forma à sua textura e ao seu cheiro, assim terá
mais que um canal informativo para a compreensão do mundo. Neste percurso, quanto mais
sentidos forem implicados, mais o seu conhecimento será enriquecido. A imagem mental das
pessoas, tal como a dos objectos, deve ser sempre que possível completada com
experiências tácteis, auditivas e ou olfactivas acompanhadas de explicações orais. A
criança cega não tem mais dificuldade em mencionar uma necessidade ou um desejo do que a
criança de visão normal. Enquanto que na criança de visão normal a excitação de uma
necessidade ou um desejo, pode evocar uma imagem à semelhança do sonho em que a
necessidade cria a imagem da sua satisfação e pode seguir-se uma designação da
imagem da necessidade, se o nome estiver incluindo no vocabulário da criança, na
criança cega, como não possui imagens, pode evocar uma forma de representação mental,
em que as características do objecto ou factos desejados derivam de dados conhecidos,
não visuais e esta forma de representação poderá levar à designação do
desejo ou necessidade.
Para que a criança adquira
conceitos é necessário, como defendem (Chapman e Stone 1988) que as aprendizagens
se façam através de experiências vividas e reais. No treino táctil é essencial
ensinar a criança a utilizar as duas mãos, quando manipula um objecto, mostrando-lhe
como pode encontrar um orifício numa placa, manter uma mão junto do orifício e com a
outra introduzir nele um prego de plástico. Divertir-se-à a enfiar contas num fio,
primeiro grandes, depois mais pequenas, o que a vai obrigar a utilizar habilmente as duas
mãos. A prática de jogos deste tipo, bem como as actividades da vida diária, o lavar, o
vestir e despir, o abotoar e desabotoar, desenvolvendo-lhe a destreza manual. A
distinção das temperaturas é também uma aprendizagem importante, que pode ser
transmitida facilmente, ao tomar banho com água quente ou ao lavar as mãos com água
fria. Terá ainda que discriminar texturas, desde a lixa à seda, passando pelo veludo e
pela madeira. Não podemos esquecer que a forma, textura, peso sabor temperatura dos
objectos devem estar relacionados com eles e, através do tacto a criança conhece-as com
a sua experiência. É igualmente desejável que aprenda a manipular diversos materiais,
tais como a areia molhada, o barro, a plasticina, a pasta de papel, que mais tarde
aprenderá a moldar. Por vezes a criança rejeita o contacto com estes materiais, mas
teremos que ser firmes pois se não viver estas experiências, fica privada de muitos
conhecimentos.
Especial atenção merece, como
refere (Mangold 1982), o treino da percepção auditiva, já atrás aflorado, cujos
objectivos são levar a criança a perceber os sons, localizá- los e identificar fontes
sonoras. A comparação das informações sonoras provenientes da direita e da esquerda,
vão permitir-lhe estruturar o campo auditivo. A criança tem de ter a oportunidade de se
exprimir através do movimento sentindo o ritmo e de aprender a desenvolver a
concentração e a coordenação. Deverá dentro das suas possibilidades, imitar o salto
da rã ou o andar do pato, mexer-se ao ritmo sonoro, obedecer a ordens, executar e
descriminar sons. Na educação da criança cega, devemos estar atentos ao desenvolvimento
das suas capacidades auditivas, porque uma adequada percepção auditiva, aliada à
competência linguistica, facilitam toda a aprendizagem.
Para sintetizar dizemos que é
necessário que a criança cega cumpra no jardim infantil, um programa adequado ao nível
do treino táctil, auditivo e olfactivo, nos moldes apontados por (Olsen e Mangold, 1981)
que tenha experiências em Braille, através da utilização de etiquetas com
o seu nome, do contacto com livros escritos em Braille, da criação de um ambiente
verbal, da realização de experiências cada vez mais ricas (situações de vida diária
e jogo).
Quando em idade pré-escolar a
criança cega necessita que se dê importância à rapidez para que atinja o
mesmo nível que os colegas normo-visuais. Para tal é particularmente importante que ela
desenvolva:
1-
Capacidades motoras:
Desenvolvimento da coordenação física geral, motricidade larga e fina, coordenação da
manipulação dependente de um estímulo táctil.
2- Capacidades da linguagem: Uma vez que, para aprender a ler, a criança tem que estar
apta a partilhar ideias, pensamentos e experiências através da linguagem falada,
fomentar experiências orais e conceptuais planificadas para desenvolver a capacidade de
comunicação com intenção e fornecer um bom nível de informação. A
compreensão da linguagem falada é um requisito básico para o ensino de Braille, pois a
sua leitura exige a associação de um símbolo abstracto encontrado na página, com os
sons que a criança já ouviu pronunciar.
3- Capacidades discriminativas e perceptivas: Dado que a discriminação e percepção
são os pré-requisitos mais importantes da leitura, destas podem depender as bases de uma
boa iniciação à leitura e escrita Braille. Sendo o jogo uma forma natural da criança
agir, é também a sua maneira de trabalhar e aprender o que necessita, para participar na
vida em sociedade. Todos os conhecimentos que a criança cega adquiriu despreocupadamente
e com alegria através do jogo, constituem alicerces fundamentais para as aprendizagens
futuras. Efectivamente, as actividades do jardim infantil são tão ricas e
diversificadas, que quando bem orientadas, uma criança cega poderá começar a sua
escolaridade com um nível idêntico à criança normo-visual, uma vez que usufruiu de
respostas adequadas às necessidades específicas da sua educação.
Sabemos que cerca de 80% da
informação que temos, nos é facultada pelo sentido da visão. Assim, para a criança
privada dessa informação, a adaptação requerida para a sua educação, exige uma
transferência da visão, especialmente para os sentidos auditivo e táctil, como vias de
aprendizagem e orientação. Relativamente ao treino auditivo e à sua importância, temos
que ter presente que o processo auditivo-linguístico, começa no nascimento e requer
aproximadamente 10 anos para o seu desenvolvimento. É evidente, como já referenciamos, o
benefício de uma atenção especial ao desenvolvimento das capacidades auditivas iniciada
na estimulação precoce e continuada no jardim infantil. No processo de desenvolvimento
verbal a criança ouve antes de falar, assim como lê antes de escrever. Sendo ouvir e ler
processos de descodificação, apresentam-se relativamente mais fáceis do que falar e
escrever, que são processos de codificação. Mangold (1982) salienta Na educação
da criança cega é relevante a sua capacidade para assimilar a informação auditiva,
sendo pois necessário ensina-la a ouvir e a escutar.
O Sistema Braille
Tradicionalmente, o homem transmitia os seus conhecimentos através da linguagem falada,
mas após o desenvolvimento da imprensa, a leitura visual tornou-se o meio mais importante
de acesso à informação. Contudo a impressão convencional, não está ao alcance de
todos e um dos grupos afectados são os deficientes visuais. Durante muito tempo a
escolarização das crianças cegas não se fez. De todas as tentativas salientam-se a
fabricação de caracteres móveis em diversos materiais e a gravação de letras em
madeira. esta prática inventada em 1517 por Francisco Lucas de Saragoça consistia em
revestir uma tábua com cera virgem, na qual se gravavam as letras com um estilete.
Fizeram-se também experiências com uma espécie de código cifrado, séries de nós
dados em cordas, difundido pelo Padre Terzi, que teria aprendido este código com os
Incas. Por volta de 1815 a França estava em guerra. As constantes mensagens que
circulavam não podiam ser lidas de noite já que para tal era necessária a luz, o que
despertaria a atenção do inimigo. Assim, em 1819 o oficial de Artilharia Charles Barbier
de La Serre, inventou um processo de escrita em relevo, um sistema de símbolos formado
pela combinação de doze pontos dispostos em duas filas verticais de seis cada, que
pudesse ser lida com os dedos sem necessidade de luz. Os símbolos representavam valores
fonéticos e não ortográficos. Louis Braille que cegara aos três anos por acidente, em
1823 encontrava-se a estudar em Paris no Institut National des Jeunes Aveugles
quando teve conhecimento da escrita nocturna. Entrou logo em contacto com Charles Babier,
estudou o seu sistema, aperfeiçou-o e reduziu-o para seis pontos. Este novo método
tornou-se universal sob o seu nome: Método da escrita Braille e é o mais eficiente meio
de leitura e escrita para cegos.
O Braille escreve-se a partir de
63 sinais, obtidos pela combinação de seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas,
com três pontos cada, formando a chamada célula Braille. Este sistema foi já diversas
vezes modificado, chegando a existir três sistema principais em uso. Eram eles, o sistema
de pontos de Nova York, o Braille americano e o Braille Britânico. Mas em 1950 a UNESCO
adaptou um sistema Braille para todos os idiomas, podendo todo o material literário,
numérico e musical ser representado através dele. Contudo, outros sistemas foram
surgindo, merecendo especial referência apenas o Ballu e o Moon. O Ballu foi inventado
por um discípulo de Louis Braille, Victor Ballu, que defendia a teoria que aos cegos
deveria ser proporcionado um sistema idêntico ao das pessoas com visão. É um sistema de
escrita em relevo, muito laborioso, por meio de pontos que representam os caracteres do
alfabeto latino. Este sistema está ainda hoje muito difundido em Inglaterra, sendo
utilizado preferencialmente por pessoas que cegam tardiamente. Actualmente, em Portugal
não existem quaisquer condicionalismos em relação ao uso do sistema Braille, a nível
dos ensinos Básicos e Secundários, sendo do domínio comum, que quer dos alunos cegos,
quer dos professores do ensino especial. Já a nível do ensino Superior a maior parte das
provas a serem apreciadas por júri, são geralmente dactilografadas. A dactilografia, tal
como o gravador surgem como um complemento ao Braille, podendo ser utilizado com colegas,
amigos, ou professores do ensino regular que não conheçam o sistema Braille.
A LEITURA E ESCRITA BRAILLE
O sistema Braille é o mais
eficiente e útil meio de leitura e escrita até hoje criado para a pessoa cega. Assim, o
desenvolvimento de um elevado grau de capacidade auditiva e disposições para uma
experiência táctil, pode permitir à criança cega atingir o nível proposto para o
primeiro ano de escolaridade, em relação à aprendizagem da leitura escrita. O Braille
é ensinado, aprendido e lido de modo quase idêntico à leitura e escrita comuns. Em
muitos aspectos, ler Braille é semelhante à leitura visual. O leitor proficiente usa
ambas as mãos na leitura, mas as duas funcionam independentemente, uma à frente da
outra. As mãos movem-se regular e suavemente no sentido horizontal, ao longo da linha,
com poucos movimentos regressivos verticais. O toque é leve, a pressão uniforme. A
actividade não é particularmente fatigante e parece não haver declínio da
sensibilidade táctil, mesmo após horas de leitura. O desenvolvimento da facilidade na
leitura envolve um processo de unificação em que unidades cada vez maiores são
apreendidas de cada vez, de modo semelhante à leitura de textos impressos pelas pessoas
com vista.
Aprender e adquirir desenvoltura
na leitura e escrita pelo sistema Braille é a maior modificação curricular exigida pela
educação dos deficientes visuais. As limitações, em comparação com a leitura visual,
são a relativa lentidão, o enorme volume dos livros e a gama restrita de material
disponível, sendo pois de aconselhar ainda o uso de livros gravados, bem como outros
recursos da tecnologia moderna. O ritmo da leitura Braille é mais lento, cerca de 1/3 ou
1/4 relativamente ao ritmo da leitura visual. Segundo (Ashcrolft, 1963), um bom leitor
atinge 90 palavras por minuto.
Em estudos mais recentes (Rosa e
Huertas, 1988) encontraram as seguintes
velocidades de leitura:
- Crianças do 1º ciclo do Ensino Básico alcançam uma média de 33 palavras por minuto;
- Os do 2º ciclo do Ensino Básico 80 palavras por minuto;
- Os adultos cerca de121 palavras por minuto.
INICIAÇÃO À LEITURA E ESCRITA
BRAILLE
No início da escolaridade,
partindo do principio que a criança já tem os pré-requisitos básicos necessários à
aprendizagem da leitura e escrita, é preciso treinar técnicas específicas, que devem
ser desenvolvidas simultaneamente, começando por fazer uma introdução progressiva, quer
do código, quer da máquina Braille. (Olsen e Mangold, 1981) advertem que o ensino do
código deve processar-se do global para os detalhes, do concreto para o abstracto, do
conhecido para o desconhecido.
LEITURA
A criança deve desenvolver bons
hábitos de leitura, começando pelo comportamento motor. Assim, ela deve ler com os dedos
côncavos, podendo treiná-los a este nível, colocando um livro alto diante dos dedos,
para obrigar a dobrá-los. Deve ainda seguir a linha, colocando um livro em
posição horizontal, encostado à mesma linha, se tal for necessário. Existem
basicamente cinco técnicas relacionadas com a velocidade de leitura Braille:
DISCRIMINAÇÃO TACTIL
O professor deve começar pela utilização de tecidos de várias texturas, formas e
tamanhos, ou pela utilização de cartões com linhas de vários tamanhos, (feitas com a
máquina de costura), até chegar aos cartões com linhas de caracteres Braille distintos
uns dos outros (célula completa, ponto 1, pontos 1 e 3). Este jogo pode ser adaptado ao
ensino de todos os caracteres Braille, logo que a criança comece o programa de leitura
regular. O desenvolvimento de boas imagens sensoriais também aumenta a velocidade de
leitura : O professor pede aos alunos, para que eles verbalizem o que ouvem, cheiram,
sentem ou provam. Mais tarde pode pedir que registem essas experiências.
DESTREZA NOS DEDOS E
FLEXIBILIDADE NOS PULSOS
Começando pela estimulação da manipulação fina dos dedos, o professor deve pedir à
criança que realize tarefas de classificação (semelhantes às que referimos
anteriormente) tais como separar contas, pregos, clips, apresentando objectos cada vez
mais pequenos. O cubarítmo pode ser utilizado, dando instruções para colocar os cubos
à esquerda, à direita, em cima, em baixo. Tais tarefas podem ser executadas usando as
duas mãos ao mesmo tempo, ou uma de cada vez.
MOVIMENTOS DOS DEDOS E MÃOS
O professor deve reforçar a utilização das duas mãos e dos quatro dedos de cada mão.
A utilização das duas mãos permite-lhes actuarem, por vezes, ao mesmo tempo (uma
substituindo a outra nalguma coisa que ela tenha falhado) e outras vezes separadamente
passar uma vista de olhos por duas folhas ao mesmo tempo. Quando se utilizam
as duas mãos, uma continua a leitura ou muda de posição do livro. Como actividade de
treino, podem utilizar-se fios colocados em folhas de papel Braille (linhas de v´rios
comprimentos, direitas, curvas e em ziguezague). Pede-se à criança que passe as duas
mãos sobre os fios sem os perder. O fio pode simular linhas Braille, primeiro muito
afastadas e depois à mesma distância. Outra actividade para o aperfeiçoamento deste
técnica será o transcrever linhas com célula Braille, completar linhas com o ponto 1,
ou outros pontos simples. O professor pode colocar as mãos sobre as do aluno, para lhes
mostrar como as mãos se podem movimentar simultaneamente ou independentemente uma da
outra ao longo da página.
TOQUE SUAVE DOS DEDOS
No início é preciso que a criança sinta que não deve aplicar muita força na ponta dos
dedos e para tal é preciso que experimente com fios, paus ou linhas, para que sinta a
sensação de tocar suavemente (de início com a ajuda do professor). Quando já utiliza a
célula Braille, a criança pode destinguir quando mudam os caracteres numa mesma linha,
ou quando a linha muda e começa outra, através do toque suave.
MUDANÇA DE LINHA E VIRAR DA
PÁGINA
As crianças devem aprender a passar de uma linha em Braille para o principio da outra e
ainda treinar a acabar a ultima linha de uma página com a mão esquerda e virar a página
com a direita. Livros e revistas velhas transcritos em Braille permitem à criança
adquirir rapidez e capacidade de virar as páginas. Devem ainda proporcionar-se
experiências com livros colocados em posições confortáveis; Quando se usa
material de leitura simulado, a posição que permite atingir maior rapidez associada a
aplicação das cinco técnicas referidas, deve ser adoptada.
Quanto à
escrita,
deve começar-se com a máquina Braille quando a criança já lê um pouco. É importante
que se explique como é, onde está, como funciona, dizer-se que mais tarde vai usá-la e
que não é um brinquedo. A pauta só deve ser usada se a criança não tiver máquina,
nesta fase. É importante que, logo de início, a criança se habitue a analisar o que
escreve para ver se está correcto. Para colocar o papel, de início o professor deve ajudá- la, permitindo que ela coloque as mãos em cima das suas, para perceber os
movimentos. Deve insistir-se para que use o dedo certo na tecla certa, para evitar que dê
erros. Em relação à iniciação, deve começar pelo uso das seis teclas ao mesmo tempo,
depois a dos espaços. Deve ainda começar pelas letras mais simples (a,b,...), sem dizer
o número das teclas. Pode escrever palavras com a mesma terminação, ou o seu nome,
organizando um caderno com as folhas que escrever (no início só meia folha). Passar
progressivamente ao preenchimento de lacunas com palavras conhecidas (em pequenas
histórias e frases). Escrever palavras de que goste e completar textos com palavras que
rimem, bem como terminar frases inacabadas, com a palavra adequada. Escrever duas ou três
frases sobre um assunto que faça sentido para ela e posteriormente pequenas histórias.
Sendo sem dúvida o sistema Braille, a maior modificação curricular exigida pela
educação das crianças deficientes visuais e analisados que foram os pré- requisitos
para a sua aprendizagem teremos no entanto que mencionar as limitações impostas pela
cegueira na educação das crianças cegas, quando para suprir a falta de visão, o
primado é atribuído ao sentido do TACTO. Passando a caracterizar os dois sentidos
(VISÃO e TACTO) fica patenteado a riqueza de informação proporcionada pelo primeiro em
relação ao segundo, evidenciando a dureza do percurso a cumprir pela criança cega.
Assim, constatamos que a visão
integra, unifica, é veiculo para a compreensão da relação causa-efeito, dando ordem
natural aos acontecimentos, assinalando as propriedades e os perigos do universo físico,
permitindo o domínio e controle de movimentos. Fornece uma percepção à distância de :
forma e dimensão dos objectos, côr e tonalidade, características luminosas, posição
relativa no espaço e movimento (podendo o corpo permanecer estático). O esforço
preceptivo é rico e vasto em qualidade e quantidade. A sua apreensão é global e
sintética - apreensão do simultâneo. Permite o alcance rápido dos objectos, o
movimento orientado e o contacto imediato com o meio. Relativamente ao tacto, sabemos que
o homem tem várias sensações cutâneas : pressão, dor e temperatura. Mas para que a
sensação se transforme em conhecimento, é necessário um contacto directo com o objecto
e uma exploração activa (apalpar, mexer, tocar e manipular). Logo, o espaço preceptivo
é mais restrito e menos rico, não fornece conhecimento antecipado dos perigos e
obstáculos, nem fornece dados sobre a distância e posição dos objectos no espaço. A
apreensão táctil é fragmentada, analítica, exigindo um trabalho mental elaborado,
longo e difícil que necessariamente requer educação e treino. Contudo, realçamos, que
esta informação apreendida através do Tacto, é complementada e é enriquecida pelos
outros sentidos - AUDIÇÃO, PALADAR e OLFACTO, como já atrás referimos.
Mas esta compensação
apresenta-se deficitária segundo (Lowenfeld, 1974) a três níveis : na quantidade e
variedade de conceitos; na possibilidade de observar todas as coisas através do Tacto
(fogo, estrela, formiga); no controlo do ambiente e relação com ele. Portanto cabe à
educação um papel relevante, no sentido de promover um ensino, como acentua (Scholl,
1984) rico em estímulos e experiências. Existem no entanto restrições dado
que a experiência será limitada pela impossibilidade de manipular objectos que a
criança normo-visual pode ver ao vivo ou em fotografia ou filme
(representada). É o caso de certos objectos, animais e coisas, que não podem ser
observados através do tacto por serem grandes (arranha-céus, montanhas); outros por
serem pequenos ( formiga, aranha); outros por oferecerem perigo (fogo, líquidos em
ebulição); outros ainda por serem demasiado frágeis (peças de museu). Tais
restrições podem afectar a formação de conceitos entre as crianças cegas, (Chapman e
Stone, 1988) aconselham: podem certas noções serem substituídas por informações
e descrições comparativas, acompanhadas de maquetas ou modelos.
Apesar dos esforços dos
educadores, verificam-se por vezes situações difíceis de contornar. Relativamente a
objectos demasiado frágeis (peças de museu), passo a referir um episódio ocorrido com o
Alexandre de 8 anos, que na exploração de uma visita de estudo fez o seguinte
comentário : Eu queria dizer que quando vamos assim a passeios e visitas aos museus
ou ao Palácio da Ajuda, está tudo dentro de vitrines ou então com cordas!. A
professora Graça e os colegas esforçaram-se a explicar-lhe a razão ( se é que existe
razão) deste procedimento, o Alexandre desanimado respondeu: Mas a gente mexia com
cuidado....
Outra limitação consiste na
noção por exemplo das cores, as quais só puderam ser fornecidas por intermédio de
comparações, uma vez que as cores são objecto de percepções características da
visão. Mas se para nós adultos e educadores certas questões se nos apresentam de
difícil esclarecimento, as crianças ultrapassam-nos com incrível facilidade e
simplicidade. É exemplo disso o caso seguinte : numa visita ao jardim zoológico,
enquanto aguardávamos que o guarda retirasse da jaula um macaquinho, duas crianças
brincavam junto de um canteiro. O João disse : Estas rosas são bonitas, são
cor-de-rosa. Logo, o Victor perguntou: Oh Maria Eduarda o que é
cor-de-rosa?. Eu surpreendida com a pergunta, não respondi logo, mas imediatamente
João disse: já comeste gelado de morango?. O Victor respondeu: Já e
gostei muito. Acrescentou o João: Então é isso, cor-de-rosa é como o
gelado de morango. Tudo se passou com muita naturalidade, tinham ambos 6 anos e no
minuto seguinte quase abafavam o macaquinho na ânsia de o observar e acariciar. A
propósito ainda de comparações, quando estiveram em Lisboa a Senhora Biancolini e a sua
discípula Pinuccia, um caso muito semelhante a Ann Sullivan e Helen Keller, recordo que
Pinuccia comparava as pessoas boas com os alimentos quentes e agradáveis que deslizavam
na sua garganta e as pessoas más a quem só lhe apetecia dar pontapés. estes casos
pontuais aqui mencionados são o exemplo de como algumas barreiras podem ser
ultrapassadas, enquanto outras por vezes inexplicavelmente o não são.
Na sequência dos pontos
abordados anteriormente, falaremos agora dos
princípios fundamentais na educação da
criança cega. Segundo (Lowenfeld, 1974) são cinco os princípios fundamentais do
programa educativo para crianças cegas.
Princípio da individualização
- Toda a criança deve ser reconhecida e aceite com ser humano completo, com os seus
afectos e os seus interesses, quer seja cega ou não. Esta individualização do ensino
requer que o professor conheça o maior número de informações possível sobre cada
aluno. No caso da criança cega será desejável um trabalho em equipa, pois cada um dos
profissionais, seja o oftalmologista, o médico, a assistente social ou a professora,
colabora na apreciação de cada caso apresentando em comum os seus relatórios e
discutindo-os. Assim, a causa da cegueira, o grau de visão, (porque nem todas as
crianças cegas o são totalmente, por isso, mesmo um grau muito reduzido de visão é um
factor significativo) cuidados e condições actuais dos olhos bem como a idade em que a
criança cegou, são elementos básicos que aliados aos conhecimentos gerais sobre o
ambiente familiar constituem indicadores indispensáveis para a programação educativa da
criança. Podendo esta ser integrada na turma certa em que a sua individualidade será
preservada e utilizada simultaneamente para a sua promoção e benefício do grupo.
Princípio da concretização -
A criança precisa de aprender a conhcer as pessoas e os objectos através dos seus
sentidos e enfrentar sozinha determinadas situações, em que possa demostrar e formar a
sua independência. Lowenfeld afirma: ... as necessidades mais profundas e
fundamentais das crianças cegas são a experiência rica e íntima das coisas comuns e o
conhecimento directo das muitas personagens que se movem nas cenas da vida diária e nas
actividades por elas exercidas. Sem esse contacto directo com o mundo, todos os
outros conhecimentos formais, poderão ser mal compreendidos e deformados, levando a
criança a uma ideia falsa do mundo, absolutamente fora da realidade. Situações por mim
vividas com alunos cegos, levaram-me a verificar como é importante a concretização no
ensino. Como por exemplo, uma ocasião em que os meus alunos em conjunto com outra classe
estudávamos os mamíferos. Depois das crianças saberem oralmente tudo acerca do tema,
conheceram alguns animais ao vivo e já para evitar as confusões que suscitam alguns
modelos em plástico, resolvemos visitar o museu de História Natural, pois os alunos
mostravam especial interesse em conhecer a raposa. A visita foi muito interessante, a
raposa embalsamada era um belo exemplar, aproveitamos também para ver outros animais que
estavam na sala contígua e quando regressamos à escola fizemos a exploração da visita
de estudo que terminou com a execução em barro da referida raposa. Todos os alunos
fizeram o modelo proposto, claro que uns mais conseguidos, mas todos bastante aceitáveis
à excepção de um, cujo autor era um aluno muito dotado e que tinha uma raposa bem
modelada mas cujo o focinho terminava num pronunciado bico. Depois de falar com a minha
colega decidimos perguntar à criança o porquê daquele focinho. E o que aconteceu foi
simples, a criança tinha explorado bem a raposa, mas numa outra sala explorou também a
cegonha e dai havia resultado a confusão! E surgiu uma raposa com focinho de cegonha!
Esta vivência alerta-nos para a necessidade de induzir a criança cega e associar a
expressão verbal à realidade concreta e ainda que essa concretização requer
sistematização.
Princípio da globalização do
ensino - Como já referimos a visão é um sentido unificador, logo a cegueira coloca as
crianças em desvantagem na observação global dos objectos e das situações. Por isso
os conhecimentos novos deverão ser transmitidos de um modo total e único de forma a
serem integrados num contexto acessível à compreensão da criança. Essa unidade de
conhecimentos vai ajuda-la a superar dificuldades quando da aquisição de novas
aprendizagens. Assim o professor deve procurar descobrir todas as qualidades auditivas, gostativas, olfactivas e tácteis, não só nos objectos, como nas situações da vida,
que possam ser percebidas e observadas pelos seus alunos.
Princípio da estimulação e
mobilidade - Ao professor cabe proporcionar experiências e oportunidades que alarguem
eficazmente o mundo apercebido pela criança, incentivando a sua curiosidade. Constituem
um óptimo estimulo as visitas de estudo, as compras e os passeios previamente preparados
de acordo com os interesses das crianças e com o programa, pela oportunidade de novas e
ricas experiências. A eficácia destas actividades depende não só da preparação
prévia como da exploração posterior destas vivências, que certificam as impressões
que a criança cega captou. A mobilidade está directamente relacionada com a capacidade
de aquisição de experiências na criança, por isso é que desde muito cedo ela deve ser
ensinada a movimentar-se sozinha e em segurança. Segundo (Lowenfeld, 1974) o cego
utiliza praticamente todos os sentidos para encontrar o caminho. A sua audição está
constantemente em actividade, na captação de toda a espécie de sons, incluindo ecos;
interpreta cheiros que lhe vêm de muitas origens; nota as mudanças de correntes de ar e
da temperatura; os seus pés sentem a natureza do terreno, se o caminho o conduz para cima
ou para baixo, se é macio, pavimento de madeira, alcatifado ou de cascalho; observa as
distâncias em termos de tempo, através do movimento e do som. Qualquer informação que
obtenha é interpretada em função de uma locomoção segura e inseparavelmente, também
de orientação.
Princípio da actividade
própria - A deficiência visual limita a imitação; é necessário que os padrões
sociais de comportamento sejam ensinados à criança cega, cuidadosamente, através de
representações, dramatizações ou de outras actividades criativas que sendo de uma
forma de expressão, não só libertam tensões emocionais e inibições, como facilitam a
integração no meio ambiente. Também a autonomia é um factor de independência
fundamental para as crianças cegas. A criança que sabe deslocar-se sozinha sente-se
confiante e será apreciada pela sociedade em geral. Estes são os princípios que devem
pautar a educação das crianças cegas. Cada um foi aqui tratado isoladamente para
estudo, mas na realidade prática todos eles se inter-relacionam e se fundem quando
aplicados no processo educacional.
Para terminar farei breve
referência à atitude do professor e à relação pedagógica. O professor,
frequentemente, é levado a agir segundo a chamada relação de compensação, reforçada
em função das suas inquietações pessoais actuando na área que ele pensa ser mais
deficitária na criança. Em vez disso, o pedagogo deverá adoptar uma atitude passiva,
não projectiva das suas inquietações pessoais, tentando aperceber-se como é que a
criança se vai estruturando dentro das sua insuficiências, para só depois actuar. A
partir dai, então a aprendizagem terá que ser continuamente orientada, planeada e
ordenada, procurando seguir a opinião (Chapman, 1988) devendo o ambiente da sala de
aula satisfazer as necessidades individuais e as exigências de cada criança.
Quanto à relação pedagógica, ela deverá ser de suporte e orientação, mas nunca
possessiva. O professor é alguém que está verdadeiramente presente, que transmite
segurança à criança e a quem esta recorre quando necessita. Assim o professor
responderá a perguntas, abrirá horizontes estimulando interesses e incentivando a
curiosidade, provocando naturalmente o desencadear de toda a actividade e criatividade da
criança.
ϟ
Excerto da obra:
'Ver, Não Ver
e Conviver'
M.ª Eduarda Pereira Dias
Livro SNR nº 6 - SNRIPD - Lisboa, 1995
Δ
publicado
por
MJA
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