O Brincar da Criança Cega: um estudo psicológico
sobre a actividade lúdica
de crianças deficientes
visuais
Vanda Cianga Ramiro

Crianças
cegas congénitas -
fotografia de August
Sander, 1930-31
-
O interesse pela
investigação da
atividade lúdica
espontânea da criança,
compreendida segundo Friedmann (1996), como
todo comportamento
relacionado a brincar,
brincadeira ou jogo,
parte da concepção de
que o brincar é o meio
mais natural e livre da
expressão infantil.
Apaixonei-me pela
ludoterapia
(1) quando,
ainda aluna no curso de
graduação em Psicologia,
entrei em contato com
esta técnica de atuação
terapêutica através dos
brinquedos, como
instrumento de contato
com a criança e seu
mundo.
Brincar faz parte da
origem da civilização
humana, como afirma Huizinga (1971),
constituindo-se como uma atividade livre, que
possibilita a
criatividade, a invenção
e a experiência.
Ao mesmo tempo que é
imprevisível, limita-se
às contingências
externas disponíveis, às
possibilidades e
recursos oferecidos à
criança. Mas como é
resultado da imaginação
infantil sobre a ação
motora, ultrapassa os
limites materiais
disponíveis criando
possibilidades infinitas
de recreação, expressão
e comunicação.
Desde a antigüidade, a atividade lúdica tem
lugar na vida das
crianças e acompanha seu
desenvolvimento de modos
diferentes, sendo mais
ou menos valorizada
segundo os padrões
morais, religiosos e econômicos da época,
tal como assinala
Rosamilha(1979). A história registra
estudos sobre a
atividade lúdica desde a
antigüidade.
Rosamilha (1979) relata
que Platão, em sua obra
intitulada Leis, ressalta
a importância da criança
aprender divertindo-se
e, no Livro VII concede
lugar especial ao valor
educativo do jogo,
apesar de considerar a
criança livre para
brincar somente até os
seis anos de idade. A
partir dessa idade, os
jogos passavam a ser
“controlados” pelo
Estado. Esse mesmo autor
relata que na era cristã
podem ser identificados
vários pontos de vista,
em relação às atividades
lúdicas, sendo que no
início imperava uma
atitude negativa,
principalmente por parte
de alguns educadores,
que as consideravam
pecaminosas, violentas,
em razão de associá-las
à recreação, que era
condenada pelo
cristianismo naquela
época.
Analisando a história da
evolução da humanidade,
registrada na arte e
literatura, Ariès (1981)
assinala que até a Idade
Média, a criança dividia
o mesmo espaço com os
adultos e participava de
suas atividades, de modo
natural. O lazer era
privilegiado ao trabalho
e não existia
delimitação para as brincadeiras, inclusive
sexuais, pois
acreditava-se na
inocência das crianças;
as brincadeiras
alternavam-se com as atividades cotidianas no
espaço doméstico, que
também era o lugar de
trabalho dos adultos.
Observa esse autor que
não existia a identidade
infantil. Após os sete
anos, as crianças eram consideradas “mini-adultos”
e, portanto, vestidas
como tais. Os filhos da
nobreza iam a escola onde, também, eram
treinados para as guerras,
a caça, os
jogos, a música e a
dança de salão, sendo
duramente castigados em
seus fracassos, enquanto
as crianças das classes
populares eram obrigadas
a trabalhar. Os
brinquedos ou
“quinquilharias”, como
eram designados, eram
oferecidos às crianças
pequenas para
divertirem-se. Esses
brinquedos compreendiam
pequenos objetos
domésticos, até miniaturas, também
usadas para enfeites.
Benjamim (1984)
considera a Alemanha o
berço dos brinquedos,
país onde foi criado o
soldadinho de chumbo, os
bichos da Arca de Noé, a
primeira casa de bonecas
e inúmeros bonecos de
madeira. Eram peças
artísticas, feitas pelos
artesãos da região, a
maioria miniaturas que
atraíam adultos e
crianças. Esses
brinquedos, informa
Benjamim, passaram a ser
comercializados no final
do século XVIII, em
Nuremberg, nas primeiras
lojas de brinquedos e
que hoje compõem os
acervos de muitos museus
e colecionadores
espalhados pelo mundo.
Na segunda metade do
século XIX, com o
desenvolvimento
industrial, os
brinquedos tornaram-se
maiores e mais
sofisticados, mas nunca
deixaram de ser também
produzidos
artesanalmente.
Ariès (1981) assinala
que, com o advento do
capitalismo, observa-se
a desvalorização do
lazer, que fica restrito
a curtos períodos após
longa jornada de
trabalho como
compensação ao esforço
fisico e mental feitos;
as brincadeiras
tornaram-se atividades
frívolas,
descompromissadas e
“coisas de crianças”. Os
antigos jogos da nobreza
tornaram-se jogos
infantis e populares,
típicos de festas
sazonais.
Na sociedade moderna,
segundo Friedmann
(1996), surgiu nova
forma de compreender a
infância e voltar-se à
ela, com o objetivo de
investir na formação do
“novo homem”. Sua
influência fez-se
presente,
principalmente, na
educação, que passou a
adotar medidas para
suprir a esfera
física, sensorial,
emocional e intelectual,
de modo harmônico e
produtivo. Assim a
atividade lúdica foi
introduzida nas
instituições
educacionais como
recurso pedagógico com o
intuito de tornar
prazeiroso o processo
educativo.
Friedmann (1996)
salienta que, na
sociedade contemporânea,
as relações
interpessoais assumiram
novas formas, valores e
idéias que são
constantemente
questionados inclusive
pelas crianças. Tal fato
levou-a a concluir que a
atividade lúdica também
foi afetada, tornando-se
mais restrita quanto ao
espaço físico, devido ao
crescimento das cidades
e a falta de segurança.
Com relação ao tempo
livre, no ambiente
doméstico, este é
dividido com a televisão
e atividades extra
curriculares.
No
ambiente escolar a
atividade lúdica
espontânea fica restrita
ao intervalo entre as
aulas.
Torna-se urgente
resgatar o espaço lúdico
na vida das crianças,
alerta a citada autora.
E como proposta para
esse resgate, Friedmann
(1996) apresenta a “brinquedoteca”,
caracterizada como um
espaço onde as crianças,
de todas as classes
sociais, encontram
brinquedos variados para
serem usados e
partilhados pelos
colegas, livremente ou
segundo orientação de
técnicos especializados
em atendê-las. A
brinquedoteca, no
entender da autora
permite, ainda, que a
criança leve o brinquedo
para casa, satisfazendo
assim o desejo de
“ficar” com o objeto,
experimentando-o,
conhecendo-o
integralmente em suas
possibilidades e
limitações, devolvendo-o
quando não lhe agradar
ou requisitando-o
novamente, caso tenha
gostado. Esta
flexibilidade, entre
ficar ou não com o
brinquedo, permite o
exercicio da escolha e
decisão, livre do
compromisso de erro, que
geralmente acompanha as
aquisições de brinquedos
desejados por supostos
atributos “fantasiados”
pela criança e que,
quando não encontrados,
toma-os
desinteressantes, sendo
logo abandonados.
Cabe assinalar que a
institucionalização do
brincar no cenário
social é um fenômeno
amplo do século XX (Stone,
apud
Bomtempo, (1986).
Informa Bomtempo (1986),
que o reconhecimento do
valor social da
atividade lúdica ocorreu
mais tardiamente nos
países protestantes do
que nos países
católicos. Observa a
citada autora, que este
aspecto parece ter
alguma relevância
-
“...quando se considera
que a ética puritana
atribuía um caráter
pejorativo ao brinquedo,
separando-o
culturalmente das
atividades sérias” (p.
11).
Bontempo (1986) assinala
que nesse contexto, não
lhe parece estranho que
o pronunciamento formal
sobre o papel da
atividade lúdica na vida
da criança tenha tido
lugar nos E. E. U. U.
somente em 1930, por
ocasião da 1.ª
Conferência da Casa
Branca sobre Saúde e Proteção da Criança.
Esse reconhecimento,
sobre a importância do
papel da atividade
lúdica na vida da
criança, parece ser
fruto dos estudos
antropológicos,
folclóricos e
psicológicos, que
emergiram no final do
século XIX no entender
da autora. Para ela, os
estudos psicológicos,
sobre a atividade
lúdica, podem ser
situados em termos de
três grandes períodos
que, de acordo com seu
ponto de vista,
norteavam o curso dos
estudos
desenvolvimentistas,
assim caracterizados. O período normativo
marca o curso dos
estudos entre as décadas
de 20 e 40, e seus mais
importantes trabalhos
mostram que o brinquedo
é afetado por um grande
contingente de
variáveis: sexo, idade,
tipo de material,
situação geográfica,
idade mental e
diferenças sociais e
étnicas.
No período descritivo em
Psicologia de
desenvolvimento, aparece
esporadicamente um grupo
de estudos a partir de
30, relacionando os
tipos de brinquedos às
características das
respostas dos jogadores.
Embora muitos estudos
fossem de natureza
relacional, eles
aparecem na literatura
como os primeiros passos
em direção a um enfoque manipulativo-experimental.
Sob esta rubrica podem
ser incluídos vários
trabalhos conduzidos em
situação ecológica (Van
Alstyne, 1932 apud
Quilitch e Risley, 1973;
Parten, 1933; Updgraff e
Herbst, 1933),
utilizando registros de
tempo dispendidos por
crianças em situações de
brinquedo, sendo a
maioria desses estudos,
realizada com
pré-escolares” (p. 12). Observa a referida
autora que é somente a
partir da década de 50,
principalmente em
decorrência dos estudos
de Piaget sobre a gênese
do jogo,
-
“... que se
imprime real relevância
às estruturas em
desenvolvimentos nas
atividades lúdicas “(p.
12).
Em nosso meio, são
recentes os estudos
sobre a atividade
lúdica. Entre eles
podemos destacar os
levados a efeito por
Rosamilha (1979);
Oliveira (1989); Bomtempo, Hussein,
Zamberlan (1986),
Kishimoto (1990, 1992,
1993, 1994); Wajskop
(1995); Friedmann,
Aflalo, Andrade e Altman
(1996).
Portanto, depende de
como se compreenda o
brincar e o valor que se
atribua às atividades
lúdicas no
desenvolvimento
infantil, o que também
depende do contexto
social no qual a criança
está inserida.
Quem convive com
crianças pode observar
que cada uma delas
apresenta
peculiariedades em seu
modo de ser e
expressar-se, embora
também apresentem
características comuns
ao grupo de mesma idade.
A criança se desenvolve
física e emocionalmente
e o brincar também se
modifica, acompanhando
sua evolução, assumindo
maior ou menor
importância sobre alguns
aspectos em detrimento
de outros.
Assim, o brincar, em
cada uma das fases do
desenvolvimento
infantil, apresenta
características
peculiares que, quando
observadas, fornecem
pistas sobre as
aquisições, limitações
ou prejuízos em relação
aos aspectos
afetivo-emocionais,
sociais e cognitivos da
criança.
Arfouilloux (1988)
relata que, para o
adulto, brincar é
sinônimo de distração,
relaxamento das
obrigações e atividades
sociais “sérias”, para a
qual mobiliza todos os
recursos de sua
personalidade.
Brincar para a criança
constitui-se numa
atividade de criação e
construção, assim como
representação e
comunicação.
Brincando a criança
representa suas
concepções sobre o mundo
externo, demonstra seus
recursos criativos e ao
mesmo tempo comunica-se
com o meio, de modo
peculiar, muitas vezes
sem o uso de palavras,
as quais ainda não
maneja adequadamente.
Por essa razão, parece
não haver dúvidas de que
a investigação da
atividade lúdica
constitui-se um dos
pontos de partida para a
compreensão do universo
infantil.
Meu interesse em
realizar o presente
estudo vem ao encontro
da necessidade de um
eficaz desempenho nas
funções de psicóloga no
Instituto de Cegos Padre
Chico, onde
trabalho há quatro anos.
A população atendida por
esta Instituição é
constituída,
predominantemente, por
crianças deficientes
visuais, diagnosticadas
clinicamente como cegas
congênitas, pois
nasceram sem visão ou
perderam a acuidade
visual em tenra idade.
Minhas atribuições nessa
Instituição são, avaliar
e proceder o atendimento
psicológico necessário
às crianças que são
encaminhadas ao Serviço
de Psicologia, pelas
professoras, técnicos ou
responsáveis na
Instituição, por
apresentarem, segundo
esses profissionais
“dificuldades” quanto à
aquisição de conteúdos
acadêmicos ou quanto ao
relacionamento com os
colegas em sala de aula
ou nos horários livres,
após as atividades
escolares.
Os alunos encaminhados
com tais “queixas” são
submetidos à avaliação
psicológica individual.
Mediante os resultados
dessa avaliação, o
atendimento desses
alunos, é dado na
própria Instituição, com
exceção dos alunos que
são encaminhados para
outras instituições ou
profissionais
especializados.
Esses poucos anos de
experiência têm mostrado
que uma avaliação
eficiente só é possível
a partir de um olhar
compreensivo sobre a
criança deficiente
visual em suas
peculiariedades,
procurando distinguir
entre as características
de comportamento
apresentadas, aquelas
que são decorrentes da
deficiência visual e as
que revelam alguma
dificuldade ou
comprometimento
paralelo. Com base nesse
ponto de vista, tenho
norteado os
procedimentos de
avaliação psicológica da
criança deficiente
visual.
A experiência adquirida
no trabalho realizado
nesse período corrobora
para constatação de que
a criança deficiente
visual apresenta algumas
características
específicas de
comportamento,
decorrentes da limitação
perceptiva, tal como a
literatura, que será
apresentada a seguir,
informa.
Como afirma Amiralian
(1992),
-
"a ausência de
visão limita as
possibilidades de
apreensão do mundo
externo e interfere
significativamente no
desenvolvimento do
indivíduo, assim como
impõe utilização de
meios e recursos que
possam compensar o
déficit visual para a
adaptação do deficiente
à realidade externa, o
que irá refletir na
“estrutura cognitiva, na
organização e
constituição do sujeito
psicológico” (p. 1).
Tenho constatado,
também, que cada criança
deficiente visual,
tomada individualmente,
apresenta
peculiariedades
pessoais, além das
características que são
próprias da deficiência
o que torna
imprescindível a
compreensão dos efeitos
da privação visual para
cada deficiente
particular. Isso, no
entanto, só será
possível, através do
conhecimento das
possibilidades e
limitações do deficiente
visual e dos efeitos
reais do déficit no
desenvolvimento dessas
crianças.
Para avaliação dessas
possibilidades e
limitações, os
psicólogos contam com
alguns procedimentos
elaborados
especificamente para
avaliação psicológica da
população deficiente
visual e com
instrumentos e
procedimentos adaptados,
dado que foram criados
originalmente para
avaliação de pessoas
videntes. Entre eles
encontram-se os testes
de inteligência,
utilizados para a
avaliação do
desenvolvimento
cognitivo e os
instrumentos destinados
à avaliação dos aspectos
afetivos da
personalidade, que
embora possibilitem
resultados objetivos e
relativamente rápidos,
necessitam ser
questionados.
Segundo Amiraliam
(1986), os estudiosos
têm se preocupado com
esta questão, e observa
que o questionamento
sobre a aplicação de
testes em sujeitos cegos
tem suscitado reflexões
sobre dois aspectos
fundamentais: seleção e
forma de aplicação de
instrumentos mais
adequados à população
deficiente visual. A
citada autora relata,
que, inicialmente os
especialistas procuraram
resolver a situação
apresentada através da
adaptação de métodos
criados e padronizados
para pessoas videntes,
opção esta que não tem
se mostrado satisfatória
por suas
limitações. Entre essas
limitações, ressalta o
fato da própria
adaptação dos
instrumentos, afirmando
que as “modificações”
introduzidas podem
transformar o teste e
até invalidar seus
resultados.
-
“Quando se adapta um
teste, alguns elementos
que o compõem são
alterados, e,
observações cuidadosas
devem ser feitas a fim
de se constatar se as
alterações introduzidas
não afetam a natureza
dos resultados do teste”
(Amiralian, 1986, p.
23).
Assim, conforme
Amiralian (1986), um
teste, ao ser adaptado,
sofre modificações
significativas em sua
forma, como a
transcrição para o
Braille ou através de
instruções orais,
comprometendo seu
objetivo inicial, até
pela possibilidade de
tornar-se mais complexo
e prejudicar a
performance do
deficiente visual. Pois
como afirma a citada
autora
-
“... um teste transcrito
para o braille apresenta
grande variedade de
problemas que não
existem em sua versão
original para videntes.
Deve se lembrar, por
exemplo, que a
velocidade média de
leitura em Braille
equivale a um terço da
velocidade média de
leitura visual, e que a
habilidade para leitura
e compreensão em braille,
varia muito entre os
indivíduos cegos” (p 23)
E ainda, quanto às
situações de adaptação
pela leitura oral dos
itens a serem
respondidos oralmente ou
através de respostas
datilografadas em
Braille
(2) ou qualquer
outra notação simbólica pré-determinada, a
referida autora afirma
que
-
“... convém lembrar que
o relacionamento
interpessoal introduz
modificações no
material, e que nos
casos de múltipla
escolha a ausência de
todas as questões
simultaneamente à do
indivíduo o coloca em
situação desvantajosa...
outro fato de suma
importância a ser
considerado é o
reconhecimento de que
muitos testes compõem-se
de itens com os quais a
pessoa não está
familiarizada, não tendo
sobre eles os
conhecimentos e as
experiências semelhantes
àquele das pessoas
videntes para as quais o
teste foi elaborado “
(p. 23).
Como limitação adicional
às adaptações de testes
à população deficiente
visual, Amiralian (1986)
ressalta o problema da
padronização baseada em
dados estatísticos
visando garantir a
fidedignidade destes
instrumentos. Afirma que
a utilização de tal
procedimento, com grupos
de deficientes visuais,
apresenta dificuldades
quanto ao número dos
sujeitos comparados a
população vidente
utilizado na amostra de
padronização inicial,
assim como
heterogeneidade quanto à
causa da cegueira; idade
de incidência da perda
visual; possíveis
resquícios de visão
útil; experiências
sociais e educacionais
que lhe foram
possibilitadas, entre
outras variáveis.
Os questionamentos
apresentados por
Amiralian (1986) têm
embasamento histórico.
Ela relata que nos
Estados Unidos as
preocupações com
adaptações de testes,
principalmente para a
avaliação de
desenvolvimento
cognitivo de deficientes
visuais, são antigas.
Entre os estudos
encontrados, a autora
cita o trabalho de Hayes
(1950), que assinala
várias pesquisas sobre
medida de inteligência
dos cegos através de
alterações da escala
Binet-Simon, feitas por
vários autores e que
resultou na criação, em
1942, do Interin
Hayes-Binet Intelligence
Test for the Blind -
I. H. B. e o estudo de
Willians, que, em 1956,
organizou o “Teste de
Willians para Crianças
com Deficiência Visual”.
Este teste, composto por
ítens de instrumentos
padronizados para
crianças videntes, é
bastante utilizado por
especialistas que
trabalham com crianças
deficientes visuais no
Brasil, desde sua
tradução pela Fundação
para o Livro do Cego no
Brasil.
Amiralian (1986)
observa, ainda, o uso e
a ampla aceitação das
escalas verbais do
Weschsler e do
Hayes-Binet, com pouca
ou nenhuma modificação,
para as crianças
deficientes visuais
brasileiras, apesar dos
questionamentos que se
fazem em relação a
fidedignidade dos
resultados com eles
obtidos, principalmente,
a discrepância observada
entre a verbalização e a
real compreensão dos
conceitos expressos.
A citada autora relata
ainda que, como saída
aos questionamentos
quanto ao uso dos
instrumentos verbais,
encontram-se os testes
de execução, como a
adaptação feita aos
Cubos de Kohs, por
Onmaki em 1958. Esse
estudioso transformou as
cores dos cubos em
superfícies táteis, com
diferentes texturas para
serem organizados
segundo modelos em
padrões semelhantes.
Seguindo a mesma linha
de instrumento tátil, a
citada autora relata
ainda a ampla utilização
do “Blind Leaming
Aptitude Test”- B. L. AT.
- publicado em 1969 pela
American Foundation
Printing House for the
Blind, especialmente
criado para o uso de
crianças deficientes
visuais, constituído por
pranchas, apresentando
figuras em relevo para
serem discriminadas
segundo critérios que
não envolvem capacidade
de leitura em Braille.
Embasada nesses estudos, Amiralian (1986) afirma
que
-
“Considerando todos
esses fatores
assinalados, deve se ter
em mente que,
inquestionavelmente, os
testes têm valor corno
instrumento de
diagnóstico, mas devem
ser usadas com
precaução,
particularmente nesta
área onde as
padronizações por um
lado e uma variedade de
fatores por outro, tende
a torná-los menos
fidedignos e válidos do
que no caso de testes
usados para pessoas não
cegas” (p 24).
Em estudo posterior,
Amiralian (1992) conclui
que nos trabalhos
apresentados observa-se
a preocupação dos
autores em comparar as
possibilidades dos
deficientes visuais em
relação às apresentadas
por sujeitos videntes,
desconsiderando o fato
de que as diferenças
perceptivas “... não
implicassem alterações
qualitativas do processo
cognitivo”(p. 10).
Os aspectos apresentados
reforçam o meu ponto de
vista sobre a
necessidade de se buscar
novos meios para serem
utilizados conjuntamente
com os instrumentos e os
procedimentos já
existentes, para um
melhor conhecimento das
possibilidades e
limitações da criança
deficiente visual.
Nesse sentido, passei a
enfocar minha atenção em
obras que abordam o
desenvolvimento
infantil, tais como
Piaget (1978), Flaveli
(1988), Mussen (1995),
Winnicott (1975),
Vigotsky (1984), bem
como em obras que tratam
da avaliação e
intervenção psicológica
com crianças, como
Ocampo (1986),
Aberastury (1982),
Arfouiloux (1975),
Oaklander (1980), Dolto
(1977), Axline (1976),
com a finalidade de
obter pistas que
possibilitem avaliar a
criança deficiente
visual em suas
peculiaridades.
Essa pesquisa
bibliográfica
possibilitou-me
constatar que a maioria
dos autores consultados
utiliza a atividade
lúdica como recurso de
trabalho educativo e
psicoterapêutico com
crianças.
A partir dessa
constatação, passei a
refletir sobre a
possibilidade de melhor
compreender a criança
deficiente visual,
através de sua atividade
lúdica espontânea.
No entanto, para não
repetir a arbitrariedade
já apontada
anteriormente, quanto à
utilização de
instrumentos adaptados e
não padronizados, quanto
ao uso com crianças
deficiente visuais,
procurei estudos
empíricos sobre o
brincar da criança cega.
Dentre os escritos
encontrados sobre a
atividade lúdica da
criança cega,
destacam-se os de
autores como Cutsforth
(1969), Halliday (1975),
Lowenfeld (1981), e
referências em boletins
(Fundação para o Livro
do Cego no Brasil) e
periódicos
especializados em
deficiência visual
(Revista Lente). A
atividade lúdica da
criança deficiente
visual é observada por
esses autores apenas de
modo especulativo ou
comparada com a criança
vidente.
Portanto, por não ter
encontrado estudo
científico que afirme
que as atividades
lúdicas de crianças
deficientes visuais
sejam semelhantes ou
divergentes às das
crianças videntes,
considero ser
necessário, antes de
utilizar o brincar
dessas crianças como um
dos meios de
investigação e
intervenção psicológica,
realizar um estudo
preliminar que possa
oferecer subsídios a
respeito de como essas
crianças brincam e jogam
em razão do exposto.
O presente estudo tem
por objetivo investigar
a atividade lúdica
espontânea da criança
deficiente visual, com o
propósito de servir de
subsídio para uma melhor
compreensão do seu
desenvolvimento, bem
como para estudos de
avaliação e intervenção
psicológica dessas
crianças, o que parece
justificar a realização
do presente estudo.
Para contemplar o
objetivo do presente
estudo, foi feito um
levantamento da
literatura
especializada,
buscando-se subsídios
teóricos para os
diversos aspectos que
compõem o tema proposto.
Esses subsídios foram
reunidos em dois
segmentos. Inicialmente,
serão apresentados os
dados necessários à
compreensão da
deficiência visual e dos
deficientes visuais,
segundo os enfoques
científicos e as
diversas concepções e
abordagens teóricas
sobre o assunto, assim
como os conceitos
populares formados
através da história.
Nesse segmento inicial,
ainda serão apresentados
os dados que atestam as
reais limitações e
possibilidades quanto às
aquisições e desempenho
cognitivo e
desenvolvimento
afetivo-emocional, assim
como inserção e atuação
social do deficiente
visual.
No segundo segmento,
serão contextualizadas
as atividades lúdicas,
quanto à sua natureza,
conceitos apresentados
por diferentes teóricos,
concepções e evolução
histórica, sua função no
desenvolvimento
afetivo-emocional,
cognitivo e social das
crianças e sistemas
usuais de categorização
das atividades lúdicas.
Serão também incluídos
neste segundo segmento,
os dados encontrados na
literatura, embora
escassos, sobre
atividade lúdica de
crianças deficientes
visuais.
Compreendendo a
Deficiência Visual
1. 1 Definições
Telford (1978) assinala
que existem diferentes
definições sobre a
deficiência visual,
formuladas de acordo com
os objetivos legais,
econômicos,
profissionais ou
educacionais,
privilegiando-se seus
aspectos quantitativos
ou funcionais. Para o
citado autor a definição
que privilegia os
aspectos quantitativos e
atende os fins legais e
administrativos,
compreende:
-
“Acuidade visual de 6/60
ou menos no melhor olho
com correção apropriada,
ou uma limitação tal nos
campos de visão que o
maior diâmetro do campo
visual subentende uma
distância angular não
superior a 20 graus” (American
Foundation for the Blind,
1961 apud Telford, 1978,
p 363).
Assim, será considerada
clinicamente cega, a
pessoa que enxergar,
apenas à distância de 6
metros, caracteres que
uma pessoa de visão
normal lê a 60 metros.
Ainda quanto ao aspecto
quantitativo, serão
considerados com visão
sub-normal, segundo
Ashcroft (apud Dunn,
1971) os indivíduos que
apresentarem um grau
relativamente baixo de
visão que lhes permite
ler somente tipos
aumentados ou quantidade
limitada de escrita em
tipos regulares sob
condições especiais,
como qualidade de
impressão e iluminação
ambiental.
Quanto aos aspectos
funcionais, segundo
Telford (1978), as
definições de
deficiência visual
variam de acordo com
situações como “visão de
túnel” que possibilita
focalizar apenas uma
área limitada de cada
vez; “visão de
percurso”, em que o
indivíduo distingue
grandes objetos, o que
lhe permite locomoção e
orientação espacial mais
independente; “visão de
sombra”, que possibilita
a percepção de luz;
“visão proximal”;
“cegueira ocupacional” e
“cegueira educacional”.
No entender do citado
autor, o tipo mais
estudado de cegueira,
dentre os citados, é a
“cegueira educacional”,
que caracteriza as
crianças cuja acuidade
visual é tão baixa que
impossibilita o
aprendizado comum,
necessitando de “ensino
especial”, através da
estimulação dos outros
sentidos: auditivo,
tátil e cinestésico, com
utilização de material
didático especializado e
alfabetização pelo
método Braille.
Segundo Barraga (1976),
existem, relativamente,
poucas crianças
totalmente cegas; a
grande maioria, assim
diagnosticada, apresenta
algum resíduo visual
útil, que pode não ser
detectado,
principalmente nas
avaliações
oftalmológicas
realizadas nos primeiros
anos de vida, quando a
criança, muito pequena,
não colabora durante a
testagem. Essa
imprecisão do
diagnóstico pode, como
afirma a autora, privar
o deficiente visual da
estimulação visual
adequada, o que leva à
diminuição ou perda
total do resíduo
remanescente de visão.
1. 2. Classificação dos
Deficientes Visuais
Scholl (1982) afirma que
as principais variáveis
que influem no grau de
deficiência visual são:
a idade em que se
manifesta o distúrbio, o
tipo de manifestação, a
etiologia e o tipo e o
grau de visão residual.
Considerando as
variáveis citadas
anteriormente, Lowenfeld
(1971) classifica os
deficientes visuais em
quatro grupos distintos:
cegos congênitos, cegos
adventícios, deficientes
visuais com visão
sub-normal congênita e
deficientes visuais com
visão sub-normal
adquirida.
O grupo dos cegos
congênitos compreende os
que nasceram cegos ou
que perderam a visão até
os cinco anos de idade
devido a causas
genéticas, congênitas
(doenças transmitidas da
mãe para o feto) ou má
formação durante a
gestação, ou ainda
adquiridas após o
nascimento (como
viroses, infecções,
tumores, etc) e, devido
a acidentes pós-natais
(como por exemplo, o
“oxigênio excessivo” da
encubadeira para
recém-nascidos com
insuficiência
respiratória, comum aos
prematuros).
Cegos adventícios são os
deficientes visuais que
nasceram com visão
normal e a perderam
gradualmente ou
repentinamente (por
doenças ou acidentes)
após os cinco anos de
idade.
O grupo dos deficientes
visuais, com visão
sub-normal congênita,
reúne os indivíduos que
apresentam prejuízo
visual desde o
nascimento ou
apresentado até os cinco
anos idade, enquanto as
pessoas que apresentam
perda gradual da
acuidade visual após
essa idade, em qualquer
fase da vida, são
denominadas deficientes
visuais com visão
parcial adquirida, que
inclui as perdas visuais
comuns na velhice
(decorrentes, por
exemplo, de cataratas,
diabetes, etc.).
A classificação adequada
da deficiência visual
permite a compreensão
das peculiariedades
apresentadas pelo
deficiente da visão, o
que possibilita
atendimento à suas reais
necessidades. Como
afirma Lowenfeld (1971),
a cegueira congênita
distingue-se da
adquirida pela ausência
do registro de imagens
visuais na memória que
possibilitam a
associação às
experiências auditivas e
táteis na formação dos
conceitos, determinando
desenvolvimento
cognitivo peculiar.
Constata-se ainda,
segundo Scholl (1982),
que a criança, perdendo
subtamente a visão,
reagirá diferente
daquela que vivencia a
perda gradual, o que
influenciará seu
desenvolvimento e
ajustamento emocional.
Diferentes causas de
deficiência visual
apresentam condições de
adaptações diferentes,
como, por exemplo, o
glaucoma congênito, que
provoca fotofobia
acompanhada de ardor e
lacrimejamento, por
vezes doloroso, podendo
afetar, de modo
importante, a conduta da
criança em determinadas
situações, ou ainda os
distúrbios associados à
lesões cerebrais, que
podem retardar as
aquisições físicas,
motoras ou intelectuais
da criança, enquanto
outros deficientes não
apresentarão
dificuldades adicionais
à visual.
1. 3. Concepções Sobre A
Deficiência Visual
Segundo Amiralian (1992)
existem diferentes
concepções sobre a
deficiência visual que
podem ser reunidas em
dois grupos que
compreendem: as
concepções científicas,
que definem clinicamente
a deficiência, como
vimos anteriormente, e
as concepções populares
e literárias que serão
apresentadas a seguir.
Quanto às concepções
populares, a autora
citada afirma que
basicamente prevalece a
associação de cegueira à
escuridão, a ausência de
luz, e a pessoa
deficiente visual é
vista como “pobre
coitada”, incapaz e
dependente dos videntes
para sobreviver, pois
vive nas “trevas” e
apresenta inúmeras
dificuldades físicas,
motoras, cognitivas e
emocionais. Por outro
lado, afirma Amiralian,
são conhecidas histórias
sobre cegos dotados de
“sexto sentido” ou dons
divinos que os tornam
adivinhos, acima da
maldade humana. Ressalta
ainda, as concepções
contraditórias sobre os
cegos ora vistos como
pessoas más, vingativas,
ou até imorais por
natureza.
Cabe ressaltar, como
observa Amiralian
(1992), que as
concepções populares
apresentam-se associadas
ao sentido de “ver e
olhar” que sempre esteve
ligado ao conhecimento,
desde a antigüidade,
enquanto o “não ver” como sinônimo de ausência de
saber, ignorância.
Relata ainda que na
cultura grega antiga,
Sócrates descreve a
cegueira como “perda do
olho da mente”
observando que essa
associação se faz até
nossos dias, expressa na
linguagem coloquial
como: “é evidente” -
quando queremos afirmar
algo ou ainda quando
usamos a expressão
“visão de mundo” para
expressar conhecimento e
sabedoria - ficando o
“não ver” associado à
incapacidade,
incompreensão,
inabilidade o que leva
às dúvidas sobre o desenvolvimento e
potencial intelectual
dos cegos, tão comuns
aos leigos como às
pessoas que trabalham
com deficientes visuais.
Outro aspecto citado por
Amiralian (1992),
refere-se à relação
feita ao “poder” do olho
e do olhar, claramente
revelada em expressões
populares, como por
exemplo, “frieza do
olhar que nos paralisa e
do olhar quente que nos
seduz... “ (p. 3) assim
como a atribuição de
“controle” que o olhar
pode exercer sobre as
pessoas, quando se diz,
por exemplo: ”estar de
olho" ou “ficar de
olho”. A autora cita
ainda, a crença popular
no “perigo” do olhar:
“... o olho mau que seca
as plantas e depaupera
as crianças pela inveja.
O olhar concuspicente e
sedutor que nos torna
impotentes e vulneráveis
ante sua
expressão”(p. 3; assim
como o poder do olhar na
expressão do desejo
sexual e de seu papel
nos relacionamentos afetivos: “o olhar
amoroso, o olhar
ardente, o amor a
primeira vista, a
paquera, o amor cego”
(p. 3), ao que se atribui
ser a origem para as
concepções de que os
cegos são indivíduos
diferentes, pois estão
“privados” das referidas
características
atribuídas ao olhar.
Além dos relacionamentos
afetivos, Amiralian
(1992) ressalta que o
olhar tem papel
primordial para a
compreensão dos desejos
e características mais
profundas das pessoas,
como ganância, dita
popularmente “olho
gordo”, ou desejo voraz
de inveja, no dito “olho
comprido”; “olho de
peixe morto” para
designar os indivíduos
apáticos e os astutos
como, por exemplo, “olho
de águia”.
Portanto, parece que a
visão é a forma de
percepção mais
abrangente e valorizada
na cultura, capaz de
possibilitar, no
entender de Amiralian
(1992), “um espaço
facilitador para as
representações mentais,
... enquanto sua
ausência remete ao
contato primitivo com as
forças instintivas e com
o inconsciente” (p. 3).
Essa autora considera
também, importante as
concepções literárias
sobre a cegueira,
responsáveis em grande
parte pelas concepções
populares citadas
anteriormente. Observa
que se encontra nas
artes, descrições as
mais diversas e, também,
contraditórias em que as
personagens de cegos,
assim como muitos
videntes, são
extremamente maus,
simbolizando forças da
escuridão e da morte ou
bons, angelicais;
retratam personagens que
perderam a visão como
punição maior que a
morte e outros cuja
cegueira é um presente
divino, símbolo de
pureza e liberdade do
mundo visual.
Na literatura
científica, também,
encontra-se a
participação dos mitos
relacionados à ausência
de visão, como Freud (apud
Amiralian, 1992) que
usou o mito de Édipo
para descrever o
desenvolvimento
psicossexual, em que a
cegueira representa a
castração, muitas vezes
interpretada apenas em
seu sentido negativo,
concreto, de punição e
não enquanto passo
necessário ao
amadurecimento
psicológico sadio.
Amiralian (1992) cita
ainda que a literatura
retrata as relações
sociais do deficiente
visual, visto de modo
discriminado e lutando
pela independência e
reconhecimento,
concluindo que os
autores, geralmente,
esquecem que os cegos
têm muito mais
características comuns
como qualquer outra
pessoa de sua idade,
sexo e condição social,
do que com outros cegos
de condições diferentes.
Portanto, suas
dificuldades não são,
necessariamente,
decorrentes da falta de
visão, mas de outras
situações nas quais
incluem-se os
deficientes em geral, e
também os não
deficientes.
1. 4. Uma Visão Histórica
Sobre a Deficiência
Visual
Na Antigüidade quando o
homem precisava usar a
força física para
dominar a natureza, com
a finalidade de garantir
sua sobrevivência, não
havia lugar para os
deficientes, pois eram
incapazes de competir
com os bem dotados.
Nesse sentido, nos conta
Banducci (1951), que as
crianças deficientes
visuais eram mortas ou
abandonadas tal como
ocorria na Roma antiga,
onde eram raros os que
conseguiam chegar à
idade adulta. Quando
conseguiam, viviam como
mendigos ou escravos.
Segundo a autora citada,
encontram-se nos
registros históricos
posições opostas, como
na Grécia, onde a
cegueira era tida como
punição dos deuses e os
cegos eram entregues à
própria sorte enquanto
do oriente, na China, os
deficientes visuais eram
preparados para serem
profetas e na Índia eram
os responsáveis pela
transmissão oral dos
conhecimentos da cultura
de seu povo às novas
gerações, sendo
respeitados como
adivinhos.
Banducci relata ainda
que com o advento das
religiões monoteístas,
principalmente o
Cristianismo, os cegos
foram redimidos do
estigma de “punidos
pelos pecados” e
passaram a serem vistos
como doentes inválidos
ou iluminados pela luz
divina, que supria a
ausência de luz dos
olhos. Surgiram então,
os trabalhos sociais com
o objetivo de
protegê-los,
recolhendo-os em asilos
para enfermos,
segregando-os da
comunidade. Alguns cegos
talentosos, entretanto,
não iam para os asilos,
tornando-se preceptores,
músicos ou desenvolviam
algum trabalho braçal
como movimentar moinhos
de mão com grande
habilidade, mas a grande
maioria era assistida
pela caridade, para
sobreviver. Com o tempo,
a assistência aos
deficientes
transformou-se em leis,
atribuindo ao poder
público responsabilidade
por assisti-los. Os
asilos passaram a ser
instituições especiais
de assistência quase
sempre restrita à
sobrevivência, sem a
preocupação de
desenvolvimento das
habilidades e potencial
de seus assistidos.
O exame histórico do
interesse pelo estudo da
deficiência visual,
feito por Hayes (apud
Banducci, 1951),
apresenta antigas
concepções ingênuas de
que era possível uma
concentração mais alta
de certas experiências,
suprindo a ausência de
visão como grande
sensibilidade para
música e poesia, assim
como o “super”
desenvolvimento natural
dos outros sentidos para
compensar a falta de
visão, quando na verdade
deve-se ao esforço de
cada indivíduo cego.
Pouco a pouco, os
estudiosos passaram a
investigar a
personalidade das
pessoas deficientes
visuais, chegando a
trabalhos como “A
Psicologia do Cego”, de
Lowenfeld, publicado em
1950 e os trabalhos
clássicos de Cutsforth,
como “O Cego na Escola e
na Sociedade”, de 1969,
desmistificando a
compensação natural da
ausência visual através
dos outros sentidos,
enfatizando a
necessidade de se
proporcionar programas
de estimulação precoce
às crianças, cuja
deficiência deve ser
diagnosticada o mais
cedo possível.
Através dos trabalhos
científicos sobre a
deficiência visual é que
se desenvolveram os
programas educacionais
especializados e demais
serviços de atendimento
à população de
indivíduos portadores de
déficits visuais, numa
sociedade, como afirma
Masini (1990), onde
define-se “conhecer”
através do “ver”, o
“ver” como condição para
se ter conhecimento e
status social, pois na
sociedade de massa do
século XX, tudo é feito
para ser “olhado”,
adotando-se pois o
padrão das pessoas
videntes.
Quanto à educação,
aspecto fundamental ao
desenvolvimento da
criança, segundo
Banducci (1951), a
preocução com as pessoas
deficientes visuais tem
registros desde os
primeiros anos do século
XLX, em vários países da
Europa e E. U. A . Em
1784, foi fundada,
oficialmente, na França,
a primeira escola para
cegos chamada Instituto
Nacional para jovens
Cegos, por Valentin Haye,
conhecido como “pai da
educação dos cegos”.
No Brasil, relata Masini
(1994), por influência
de D. Pedro II, foi
criada, em 12 de
setembro de 1854, no Rio
de Janeiro a primeira
instituição para
deficientes visuais: o
Instituto Benjamin
Constant, cuja
manutenção ficou a cargo
do governo federal. Em
1926, foi inaugurado em
Belo Horizonte, o
Instituto São Rafael e
no ano seguinte, 1927, o
Instituto de Cegos Padre
Chico, no Ipiranga, em
São Paulo. Essa última
Instituição foi
reconhecida de
“utilidade pública”
apenas em 1960 no âmbito
estadual e em 1968 no
federal.
Em 1935, informa Masini
(1994) é apresentado,
por Cornélio Ferreira
França, um projeto de
lei com o objetivo de
criação do “lugar do
professor de primeiras
letras para cegos e
surdos-mudos” o que
representou importante
marco da educação
especial brasileira. Em
1945, no Instituto de
Educação Caetano de
Campos, é criado em São
Paulo, o primeiro curso
de especialização de
professores para o
ensino de pessoas
deficientes visuais.
A Fundação para o Livro
do Cego no Brasil,
conforme levantamento
histórico apresentado
por Masini (1994), foi
criada em 1946, com o
objetivo de imprimir
livros em Braille,
importante recurso para
a educação escolar do
deficiente visual. No
ano seguinte, em 1947,
através de uma parceria
entre o Instituto
Benjamin Constant e a
Fundação Getúlio Vargas,
é realizado um curso
intensivo para
especialização de
professores no ensino de
pessoas com deficiência
visual. O sucesso
alcançado com esse curso
inspirou a realização de
outros cursos a partir
de 1951.
A autora relata ainda
que, nessa época, os
educadores questionavam
as vantagens em inserir
o aluno deficiente
visual na escola comum
frente às desvantagens
decorrentes da
“segregação” das escolas
residenciais, o que
motivou então, a criação
da Primeira Classe
Braille do Estado de São
Paulo, em caráter
experimental e
posteriormente vagas no
curso secundário regular
ao aluno deficiente
visual, assim como a
oficialização pelo
Conselho Federal de
Educação ao livre
ingresso desses alunos
nos cursos superiores
sendo, inicialmente, nas
Faculdades de
Filosófica.
Atualmente, segundo
Masini, existem “salas
de recursos” na rede
estadual de ensino de
primeiro e segundo
graus, sob
responsabilidade de
professores
especializados que dão
assessoria ao aluno
deficiente visual quanto
à transcrição de textos
para o Braille e a
utilização de material
pedagógico
especializado, a fim de
que estes alunos possam
acompanhar o programa
regular. Observa-se, no
entanto, o não
funcionamento adequado
dessas salas, por
despreparo da maioria
dos professores, ainda
que existam vagas
excedentes nos cursos de
habilitação, levando-se
a ter como base
referencial de seu
trabalho, a educação de
crianças videntes,
cumprindo um programa
compensatório apenas,
que privilegia o
conteúdo ao processo
educativo. Preocupada
com esta situação,
Masini (1990), a partir
de um estudo feito com
crianças deficientes
visuais, propõe um
Projeto de Orientação
Educacional da pessoa
deficiente visual,
visando propiciar
condições para que ela
revele sua própria forma
de ser e relacionar-se,
privilegiando as suas
potencialidades e não
suas limitações.
1. 5. Deficiência Visual:
Limitações, Mitos e
Possibilidades
A cegueira é a limitação
física que ocasiona a
perda da via de
comunicação responsável
por amplas e variadas
informações sobre o
ambiente externo e que
acarreta, como
conseqüência à criança
cega congênita,
prejuízos,
restringindo-a aos dados
obtidos através dos
outros sentidos.
Segundo Amiralian
(1986), pode-se a duas
classes de problemas
resultantes da cegueira
congênita: as
deficiências primárias,
considerando-se as
limitações decorrentes
do déficit orgânico e as
deficiências
secundárias, advindas
das inter-relações do
cego com outras pessoas,
principalmente, com as
quais convive.
Entre as “deficiências
primárias”, citadas
anteriormente, Lowenfeld
(1971), afirma que a
cegueira é responsável
por três limitações
básicas que se
inter-relacionam:
-
1)
quanto à formação de
conceitos e variedades
de experiências:
2)
quanto à capacidade para
locomoção e,
3) quanto à
relação com o ambiente e
controle sobre ele.
Quanto à formação de
conceitos, que no
entender de Lowenfeld
(1971) depende das
experiências vividas,
face à ausência de
visão, restringe-se às
experiências táteis e
auditivas, basicamente,
que não abarcam todos os
aspectos da realidade,
principalmente, quanto
aos conceitos globais de
forma, distância e
profundidade. Tal
afirmação se justifica,
pela observação de que
através do tato, por
exemplo, só é possível
conhecer os objetos que
podem ser tocados e
manipulados, ficando
difícil o conhecimento
tátil dos objetos muito
grandes ou em movimento,
dos fenômenos da
natureza ou seres
microscópicos, que
poderão apenas ser
apresentados e descritos
ao deficiente visual
verbalmente, pelos
videntes com os quais
convive.
Quanto às informações
transmitidas oralmente
aos deficientes visuais,
cabe ressaltar que,
geralmente, são
formuladas através de
analogias a outras
coisas já conhecidas
pelo tato, mas nem
sempre ficam livres da
interpretação de quem
faz a descrição. Tal
constatação permite
concordar com a
afirmação do autor
citado, que tais
aspectos levam ao atraso
no desenvolvimento
cognitivo da criança
deficiente visual,
quanto à aquisição de
conceitos como
conservação, espaço,
etc.
Sobre o aspecto da
locomoção, o autor
citado, afirma que a
criança cega congênita
apresenta-se restrita à
estimulação
proporcionada pelo
ambiente, e esta,
geralmente, é
insuficiente até como
medida de proteção para
a criança, tornando-a
mais dependente da
assistência de outras
pessoas, o que irá
afetar seu
relacionamento social
futuro.
Ainda sobre a mobilidade
e locomoção, Lowenfeld,
em trabalho posterior,
(1973 apud Amiralian,
1986), distingue dois
aspectos: a locomoção
física e a orientação
mental, que compreendem
a capacidade do
indivíduo reconhecer o
ambiente e as relações
temporais e espaciais
quanto a ele próprio e
formar um “mapa mental”
que o orienta em sua
movimentação, associado
à memória muscular
(3).
Quanto ao terceiro
aspecto, citado por
Lowenfeld (1971) como
limitação básica causada
pela deficiência visual,
a relação com o
ambiente, e a
possibilidade de
controle sobre eles,
mostra-se bastante
afetada pela ausência de
visão que causa um certo
desligamento do
indivíduo com o mundo
físico e até social, a
medida que as pistas
oferecidas pela
observação tátil e
auditiva proporcionam
informações
insuficientes para o
cego sentir-se seguro em
seu contato com o
ambiente.
Para Lowenfeld (1971),
ainda, a criança cega,
privada da possibilidade
de imitar, não adquire
padrões de comportamento
social como postura,
mímica facial, gestos
expressivos, o que pode
prejudicar também seu
contato social, pois seu
“comportamento
diferente” pode provocar
reações nos outros como,
por exemplo,
curiosidade, tratamento
impessoal, o que pode
aumentar a insegurança
do deficiente visual.
Sobre as limitações
secundárias, que advém
das inter-relações,
assinala Amiralian
(1986), que as atitudes
familiares e sociais,
muitas vezes, restringem
muito mais os cegos que
a própria Cegueira,
tomando-os mais
dependentes e inseguros.
Para a autora, esses
sentimentos serão mais
ou menos intensos
dependendo do indivíduo
cego, sua capacidade de
elaboração e estrutura
psíquica. Observa,
ainda, que muitos pais
adotam atitudes
inadequadas em relação
ao filho deficiente
visual, ingenuamente ou
por falta de informações
sobre as reais
limitações e
possibilidades de seus
filhos.
Amiralian (1986) atenta,
ainda, para o fato de
que, em muitos casos, os
pais, ou um dos pais,
não conseguem chegar à
elaboração e
enfrentamento da
situação com sentimentos
de realidade ainda que,
aparentemente, ajam como
se aceitassem a condição
do filho. Observa-se
sentimentos de culpa ou
vergonha através de suas
atitudes, por haverem
gerado uni filho
imperfeito, criando
tensões e conflitos que,
muitas vezes, abalam os
pontos fracos do
relacionamento do casal.
Outros pais, sentindo-se
punidos pela cegueira do
filho, agirão
penitenciando-se e
“aceitando a cruz” que
lhes foi dada.
Conclui, a citada
autora, que todos esses
aspectos considerados,
conscientes ou não,
constituirão as bases
das atitudes a serem
adotadas em relação à
criança cega.
Lamert e West (1980)
afirmam que alguns pais
exigem da criança
“melhor desempenho” em
comparação a seus pares,
mesmo que videntes,
levando-a a
auto-exigência por
necessidade de ser
aprovada, expondo-a
constantemente à
situações de tensão e
frustração inevitáveis.
Outros pais, segundo os
citados autores, adotam
uma atitude
super-protecionista,
privando o filho de
experiências comuns às
crianças de sua idade,
chegando até a privá-lo
da companhia de outras
crianças, acreditando
estarem protegendo-o de
acidentes, o que só
retardará, ou mesmo
limitará, seu
desenvolvimento físico,
mental, social e
emocional,
transformando-o em um
adulto imaturo e
dependente. Finalizando,
esses autores atentam
para os país que
expressam abertamente a
rejeição ao filho
deficiente, através de
hostilidade e
negligência de suas
necessidades e
interesses, levando-o a
sentir-se não amado,
inseguro e a desenvolver
atitudes negativas em
relação ao meio e até a
apresentar comportamento
hostil.
Minha experiência tem
mostrado que muitos
pais, mesmo bem
intencionados, agem de
modo inadequado por
desconhecerem as reais
limitações e
possibilidades do filho
cego, reproduzindo as
concepções populares que
lhes foram transmitidas
e raramente refletidas.
Tenho observado, também,
que a atitude dos pais
em relação à criança
condiciona a atitude das
outras pessoas com as
quais ela convive -
familiares e amigos -
tratando-a como uma
criança “diferente” ou
não, o que torna
imprescindível o
trabalho de intervenção
precoce e orientação à
criança e seus pais.
Segundo Lowenfeld
(1971), de modo geral,
na sociedade na qual a
pessoa deficiente está
inserida, prevalecem as
concepções populares e
mitos sobre os
indivíduos cegos,
principalmente, quanto
ao “super
desenvolvimento” dos
outros sentidos, a
“fantástica” memória dos
cegos e até dons extra
sensoriais, quando na
verdade a “compensação”
da falta de visão só é
conseguida a custa de
muito esforço e
treinamento especial.
Por outro lado, as
atribuições de certos
“desvios de
personalidade” como, por
exemplo, orgulho,
teimosia, agressividade,
rancor, considerados
característicos das
pessoas deficientes
visuais, também são
encontrados em pessoas
videntes o que
caracteriza concepções
preconceituosas em
relação aos deficientes
visuais, gerando
atitudes que tornam
essas pessoas mais
limitadas, além das
limitações causadas pela
deficiência.
1. 6. O Desenvolvimento
da Criança Cega Congênita
1. 6. 1. Aspectos
CognitivosO processo de
desenvolvimento humano
está submetido a ação de
variáveis que podem
alterar seu curso.
Flavell (1988), embasado
em Piaget, afirma que
aspectos como a
maturação biológica e a
estimulação social podem
facilitar as aquisições
da criança, bem como
retardar ou inibir seu
crescimento físico e/ou
mental.
No presente estudo, em
que a criança cega
congênita está sendo
focalizada, faz-se
necessário compreender a
participação da variável
cegueira no processo do
desenvolvimento
cognitivo dessa criança.
A esse respeito,
encontram-se posições
opostas. Para Villey
(1930, apud Aschroft,
1971):“... nenhuma faculdade
mental do cego é de
alguma maneira afetada,
e todos eles, em
circunstâncias
favoráveis, são
suscetíveis de
desabrochar até o mais
alto grau de
desenvolvimento a que um
ser humano é capaz de
aspirar” (p. l6). Por outro lado,
Cutsforth (1969) afirma
que “... nenhuma
atividade mental isolada
da criança
congenitamente cega
deixa de ser desvirtuada
pela ausência da visão”
(p 14).
A minha experiência de
trabalho, com crianças
sem visão, tem
demonstrado que adotar
uma destas duas
posições, é uma atitude
ingênua; a resposta,
para a compreensão dos
efeitos reais da
deficiência visual, na
vida mental dos cegos,
está entre essas duas
concepções, como afirma
Aschroft (adup dunn,
1971).
É negar os fatos, não
aceitar que a
organização psíquica e o
desenvolvimento geral da
criança cega são
diferentes da criança
vidente, como afirma
Amiralian (1986), pois a
visão é o sentido que
propicia detalhes
perceptivos que nenhum
outro sentido pode
captar simultaneamente,
como posição, distância,
tamanho e forma; como
ainda, percepção das
expressões fisionômicas
e gestos que acompanham
os relacionamentos
interpessoais que,
muitas vezes, significam
muito mais que o
conteúdo verbal. E
ainda, como complementa
Amiralian (1986), a
cegueira está presente
em todos os aspectos do
desenvolvimento da
criança cega, de modo
direto, pela própria
limitação que impõe o
déficit orgânico, assim
como de modo indireto,
secundário, através de
seus efeitos nas
inter-relações pessoais.
Segundo Sholl (1982), a
ausência do estímulo
visual pode retardar o
crescimento e o
desenvolvimento, a menos
que a criança cega
congênita seja submetida
a um programa de
estimulação e
treinamento para
compensação das
limitações impostas pela
deficiência visual.
Portanto, como conclui
Wills (1965), a criança
cega congênita tem
conhecimento parcial
sobre o ambiente,
restringindo-se aos
limites da experiência
concreta e, como
complementa Nolan e
Aschroft (apud Telford
1978), as crianças
deficientes visuais não
utilizam o raciocínio
abstrato na mesma
intensidade que as
crianças videntes, sendo
predominante o
raciocínio concreto em
seu trabalho mental, o
que é demonstrado pela
dificuldade, por
exemplo, em descrever
semelhanças entre
objetos.
Segundo Anderson (1981),
a criança sem visão
descreve os objetos
percebidos de acordo com
seus atributos
funcionais apenas, que
são comunicados através
de palavras “aprendidas
por imitação”, portanto,
numa repetição vazia de
significação elaborada e
construída, ao que
Cutsforth (1969),
denomina “verbalismo”,
preponderante, porém não
exclusivo das crianças
cegas congênitas.
Os estudos de Hayes
(1950 in Aschroft,
1971), sobre o potencial
de inteligência de
crianças cegas
congênitas, por mais de
30 anos, utilizando
provas adaptadas da
escala de inteligência
infantil de Stanford
Binet e de Weschsler,
embora reconhecendo a
limitação dessas provas
no uso com estas
crianças, e tomando
cuidado para não
comparar seus resultados
quantitativos com os
apresentados pelas
crianças videntes,
embora os deficientes
visuais fossem mais
lentos para responder,
encontrou resultados em
níveis inferiores como
também superiores e
médios concluindo não
ser o retardamento
mental uma contingência
à ausência de visão.
Nagera e Colonna (1965)
demonstraram que o
desenvolvimento de
algumas crianças cegas
congênitas, do grupo por
eles observado, se
processava de forma
semelhante ao das
crianças videntes quanto
à dinâmica do ego,
impulsos e relações
objetais, enquanto
outras, do mesmo grupo,
demonstravam processos
atípicos, com atraso em
diferentes níveis e
áreas, dando nos casos
extremos, impressão de
marcante retardo mental.
Concluem então, que não
se justifica interpretar
as peculiaridades de
comportamento
apresentadas pelas
crianças cegas como
advindas exclusivamente
da cegueira e sim como
dificuldades pessoais.
Como pode-se constatar,
os estudos relatados
sugerem que a cegueira
não determina déficit
intelectual. Foram
identificados, ainda, os
estudos que se seguem,
embasados no referencial
teórico piagetiano sobre
o desenvolvimento
cognitivo da criança
deficiente visual.
Gottesman (1976) afirma
que durante o estágio
sensório-motor e fase
representacional do
pensamento, as crianças
cegas desenvolvem-se
lentamente em relação às
crianças videntes,
apresentando prejuízo
quanto à performance em
vários aspectos e níveis
diferentes de realização
cognitiva, o que pode
ser justificado pelo
reduzido número de
habilidades sensoriais
de que dispõe nessa
fase. Já no estágio das
operações concretas e
formais, observa-se
compensação do atraso
inicial, que pode ser
atribuído à maior
integração, nesse
estágio, do processo
cognitivo.
Cromer (1973) estudou a
conservação de
quantidade em um grupo
de crianças cegas
congênitas, comparando
seus resultados com os
apresentados por outros
dois grupos de controle,
formados por crianças
videntes e outro por
crianças videntes e
cegas não congênitas.
Concluiu que as crianças
cegas e videntes
alcançam o conceito de
conservação com a mesma
idade, sendo assim, o
que varia na criança
cega é a maneira de
lidar com as
experiências.
Destaca-se ainda o
estudo de Stephens e
Simpkins (1974), cujo
objetivo era traçar o
desenvolvimento do
raciocínio lógico,
comparando 75 crianças
cegas congênitas e 75
videntes de mesma idade,
cujos escores de Q. I.
eram equivalentes. A
elas eram solicitadas
respostas à questões que
envolviam raciocínio e
vários tipos de
experiências com o
ambiente físico.
Concluíram que o nível
de desenvolvimento
conceitual das crianças
videntes era maior que o
das crianças cegas
somente porque estas
haviam tido menos
possibilidades de
experiências de contato
com o meio na primeira
infância.
Friedman e Pasnak (apud
Telford 1978), através
de seus estudos,
concluíram que embora as
crianças cegas obtenham
escores inferiores a
seus pares videntes, no
domínio das tarefas
piagetianas como:
seriação, classificação
e conservação, tendem a
aprimorar essas aptidões
com treinamento
intensivo, pois
apresentam potencial
intelectual para seu
desenvolvimento.
Swallow (1976),
sintetizando os
resultados dos estudos
apresentados, assim como
de outros da mesma
linha, ou seja, sobre a
compreensão do
desenvolvimento e
funcionamento cognitivo
da criança cega
congênita, segundo o
enfoque piagetiano,
apresenta as seguintes
conclusões: o
funcionamento cognitivo
da criança cega é lento
e apresenta lacunas
entre aspecto figurativo
e operativo, quando
comparado ao processo
cognitivo da criança
vidente, pela
dificuldade ou ausência
de formação de imagens
mentais, o que pode
explicar a deficiência
específica dessas
crianças quanto à
simbolização. No
entanto, esse
desenvolvimento, que
parece atípico, pode ser
normal para a criança
cega congênita, pois
este é o seu padrão
mental, que precisa ser
analisado para que se
possa compreender o
funcionamento mental
face a ausência da
visão.
A autora citada assinala
também, que quatro
fatores são fundamentais
ao desenvolvimento
cognitivo: a maturação,
o aprendizado, a
educação social e a
equilibração. Quanto a
maturação, compreendida
em seu aspecto
biológico, que supõe
estruturas anteriores
possibilitando as novas
aquisições, observou que
a coordenação da visão e
preensão, que acontece
por volta dos quatro ou
seis meses no bebê
vidente, nos bebês
cegos, e sem estimulação
adequada, acontece
apenas aos dez ou onze
meses, pois falta-lhes o
estímulo visual para
procurar e buscar no
ambiente, ficando
restritos a seu mundo,
haja visto que, os
estímulos auditivos não
são constantes.
Em relação ao
aprendizado, a autora
afirma, que as
experiências físicas que
consistem na ação
concreta sobre os
objetos, e as
experiências
lógico-matemáticas, que
compreendem a ação sobre
o objeto através de suas
propriedades abstratas
que têm origem nos
primeiros meses de vida
da criança, o bebê cego
também apresenta
restrições. Nas
experiências físicas,
mostra-se restrito a seu
espaço, pois não
enxergando o meio ao
redor é como se este não
existisse, o que
impossibilita o próprio
contato e,
conseqüentemente, a
possibilidade de
experiências abstratas
futuras.
Para Swallow, no aspecto
da educação social, que
compreende tanto a
interação social como a
transmissão cultural,
incluindo a aquisição da
linguagem, a criança
cega mostra-se também
prejudicada, pois
falta-lhe a
possibilidade da
imitação para a
aprendizagem.
Finalmente, quanto à
equilibração, que se
constitui na somatória
dos aspectos afetivos e
cognitivos precedentes
que permitem o
ajustamento da criança à
realidade externa, sendo
capaz de interagir ou
não com o meio, a autora
observou, que na criança
cega há limitação devido
à restrição das
vivências anteriores,
que compromete o seu
desenvolvimento geral.
A autora, também,
assinala as limitações
apresentadas pela
cegueira quanto às
formas de representações
simbólicas, que segundo
a teoria piagetiana
incluem a imitação
adiada, o jogo simbólico
e desenho de imagens
gráficas, a imagem
mental e a linguagem. Em
relação à imitação
adiada, que consiste no
comportamento do bebê
“acenar”, imitando o
gesto dos adultos que
lhe acenam antes de
saírem de cena, o bebê
irá mais tarde evocar a
imagem retida e
reproduzir o gesto,
imitando-o, demonstrando
utilizar-se de
raciocínio simbólico
rudimentar, Swallow
afirma, ser impossível
para o bebê cego sem
estimulação adequada,
porque depende
basicamente de
informações adquiridas
através da visão.
No que concerne à
capacidade da criança
simbolizar através do
jogo, fingindo que está
desempenhando qualquer
atividade a partir de um
objeto como, por
exemplo, cozinhar numa
tigela vazia, construir
uma casa com blocos de
madeira, a autora
afirma, que a criança
cega também apresenta
restrições pela
impossibilidade quanto
ao aprendizado através
da imitação.
Relata Swallow, quanto à
terceira forma de
representação simbólica,
o desenho de imagens
gráficas como
possibilidade
intermediária entre o
brincar e a formação de
imagem mental que,
segundo Piaget e
Inhelder (apud Swallow,
1976), raramente
acontece antes dos dois
anos de idade, também
não é encontrada na
criança cega como
produção espontânea,
mesmo após os dois anos
de idade.
Sobre a possibilidade de
acesso às imagens
mentais, a autora cita o
estudo de Forster de
1977, que conclui
encontrar, em pessoas
cegas, imagens mentais
formadas por reproduções
primitivas, estáticas e
impotentes para
representar ou antecipar
processos desconhecidos,
correspondendo às
formações do período
pré-operacional
piagetiano.
Em relação à linguagem,
a autora afirma, que,
segundo a abordagem
piagetiana, esta
desenvolve-se baseada na
imitação auditiva e
visual. Portanto, a
criança cega irá
apresentar alguma
dificuldade quanto à
expressão verbal, que
ficará restrita à
imitação auditiva,
destituída da mímica e
da expressão facial que
acompanham a
verbalização e ainda,
muitas vezes, destituída
de articulação entre as
palavras e seu
significado.
Swallow conclui que a
ausência da visão não é
em si responsável pelo
atraso do
desenvolvimento mental
da criança cega, ainda
que determine
dificuldades
específicas, porque
acredita que estas
dificuldades podem ser
minimizadas ou
suplantadas com um
programa de estimulação
e educação baseado em
experiências concretas
com materiais originais
ou reproduções, contato
com a natureza e
atividades que
proporcionem contato com
o próprio corpo e as
próprias possibilidades
de realização.
Minha experiência de
trabalho com crianças
cegas congênitas tem
proporcionado dados que
corroboram a afirmação
de Swalow. Tenho
constatado que essas
crianças, que não
apresentam qualquer
outro comprometimento,
além da deficiência
visual, demonstram
desenvolvimento
cognitivo satisfatório,
o que pode ser
confirmado através de
seu sucesso quanto ao
desempenho escolar.
1. 6. 2. Aspectos Afetivo-Emocionais e
SociaisNa literatura
especializada,
encontram-se várias
abordagens teóricas
sobre o desenvolvimento
dos aspectos
afetivo-emocionais da
personalidade e sobre o
comportamento social de
pessoas videntes ou
deficientes visuais.
Nesse estudo, será
compreendido, segundo
concepção proposta por
Mussen at. all. (1995),
como resultado às
interações que a criança
estabelece desde o
nascimento com o meio no
qual convive e que são
responsáveis: pelo
estabelecimento das
identificações e
relações interpessoais
significativas, que têm
seu início com o vínculo
do bebê com a mãe: pelo
desenvolvimento da
auto-imagem através da
exploração do meio e
pela imitação de
atitudes e gestos das
pessoas com as quais a
criança convive; o
desenvolvimento da
linguagem, que
possibilita a inserção
da criança no mundo
social; pelo
desenvolvimento do “eu”,
através da identificação
com as pessoas com as
quais convive.
Portanto, está sendo
considerada a criança,
enquanto portadora de
potencialidades para o
crescimento, desde que
não haja qualquer
impedimento biológico,
orgânico, assim como a
importância da ligação
afetiva nos primórdios
da vida e a participação
da cultura e grupo
social no qual a criança
convive.
Na literatura
encontrada, observa-se
divergências quanto às
abordagens sobre o
desenvolvimento
afetivo-emocional das
crianças cegas
congênitas.
Para facilitar a
exposição e para uma
melhor compreensão das
diferentes abordagens
encontradas sobre o
assunto, serão
apresentados cm tópicos,
reunindo opiniões e
conclusões semelhantes,
assim como os
comentários pertinentes,
procurando demonstrar
como se dá esse processo
de construção das
relações psicossociais
na ausência da visão e
qual a participação da
“cegueira” nesse
processo.
1. Concepção de que a
cegueira não compromete
ou modifica o
desenvolvimento
afetivo-emocional da
criança cega congênita,
que é conseqüência das
atitudes dos pais e do
meio em relação às
crianças deficientes
visuais:
Para Lowenfeld (1951), a
cegueira não impõe
qualquer falta às
crianças cegas
congênitas, pois estas
nunca conheceram a visão
e tomaram contato com o
fato de serem
“deficientes” através
das informações que
receberam sobre este
aspecto. Assim, a
criança cega constrói
seu mundo baseada nas
condições impostas pelo
meio e não em suas
próprias necessidades.
Observa prevalência de
fantasia ou excesso de
atividade nessas
crianças, o que explica
como compensação de suas
deficiências reais ou
imaginárias à demanda do
meio no qual convivem.
Observou também, em
algumas crianças cegas,
apatia, sugerindo
acomodação às
dificuldades que a
cegueira lhes impõe,
como quanto à locomoção,
restrição de
experiências e maior
dependência dos outros.
No entanto, por ter
observado tais
características, também
em algumas crianças
videntes, conclui que a
criança cega é, antes de
tudo, uma criança, e que
seu comportamento e suas
reações devem ser
julgados sob tal prisma,
estando sujeita as
mesmas dificuldades que
a criança vidente.
Branson e Branson
(1958), ambos cegos,
também afirmam que a
criança cega congênita
não apresenta problemas
específicos de sua
privação e acreditam que
os dotes e capacidades
naturais para realização
são igualmente
distribuídos entre cegos
e videntes.
Para esses autores a
maior parte dos cegos
são pessoas comuns que
aspiram uma vida normal,
mas que desde crianças,
geralmente, são
cerceados em suas
experiências pelas
atitudes protecionistas
das pessoas com as quais
convivem, que os
subestimam, à medida que
são pessoas capazes de
se desenvolverem
naturalmente e viverem
de modo independente e
integrado.
Nagera e Colonna (1965),
num estudo cujo objetivo
era descrever por meio
de um perfil as
peculiariedades do
desenvolvimento e
personalidade de
crianças cegas,
observaram um grupo de
uma Unidade de Cegos (Hampstead
Clinic), concluindo
apresentarem
desenvolvimento de forma
semelhante ao das
crianças videntes da
mesma idade, quanto aos
processos de ego,
impulsos e relações
objetais. Observaram
ainda, no mesmo grupo,
diferenças
significativas de
desenvolvimento,
similares ao que
acontece com os grupos
de crianças videntes,
que demonstraram
diferenças pessoais.
Portanto, para eles, as
crianças cegas devem ser
consideradas como
crianças comuns, apenas
sem visão, e atribuir
suas dificuldades de
desenvolvimento à
fatores pessoais,
independente da
cegueira.
Não se pode negar que a
deficiência visual
diagnosticada em um
filho constitui-se num
grande choque para os
pais que esperavam um
bebê saudável.
Cutsforth (1935 in
Banducci, 1951), também,
já afirmava que a
atitude dos pais, quando
nasce uma criança cega,
“é de grande mágoa,
muitas mães sentem-se
humilhadas por terem
gerado cego,
considerando tal fato
uma desgraça
irremediável, até mesmo
um castigo” (p. 123).
Segundo Halliday (1975),
“não se pode esquecer
que a criança também
influencia seus pais e
os adultos com quem
convive” (p. 79). Quando
os pais ficam sabendo
que seu filho é
deficiente visual,
sofrem um grande choque
desencadeado pelo
diagnóstico da
deficiência.
Imediatamente associam a
idéia de “imperfeição”
e, portanto, a de uma
criança “que não poderá
aprender, que será
eternamente dependente e
que não irá desfrutar
das belezas da vida e
suas alegrias” (p. 79).
Assim, o relacionamento
com o filho cego, só
poderá ser comprometido
e reforçado pela falta
do contato visual do
bebê, será muito mais
difícil o acesso à
outras possibilidades
prazerosas de conviver
com a criança.
O bebê cego frustra as
expectativas da mãe em
ter um filho perfeito.
Sua presença e sua
deficiência concreta,
somadas às fantasias que
a mãe tenha sobre a
deficiência, o conflito
entre aceitar o filho e
rejeitá-lo porque não é
o filho que ela queria
ter tido.
Fica evidente, na
experiência do trabalho
com mães e seus bebês
cegos, que tais
sentimentos comprometem
a relação entre ambos e,
conseqüentemente,
contribuem de modo
negativo ao
desenvolvimento destas
crianças.
Amiralian (1992)
confirma que as mães de
bebês cegos sentem-se
injustiçadas, culpadas e
deprimidas, o que,
geralmente, faz com que
se afastem
emocionalmente do bebê,
e até, inconscientemente
ou racionalmente,
desejaram sua morte, ao
que o bebê reage
passivamente, mas não
sem conseqüências para
seu desenvolvimento
futuro.
Carrol (1968) coloca que
o desenvolvimento da
criança cega congênita
se dá como o da criança
vidente, ou seja, para
ele a cegueira não se
constitui como uma
variável determinante no
curso desenvolvimento,
que sofre pelas
circunstâncias do lar,
aceitação ou não dos
pais pela criança cega e
o conseqüente grau de
estimulação e
oportunidades que são a
ela proporcionadas.
Moor (1967) afirma que,
em relação aos aspectos
afetivo-emocionais, as
crianças cegas não
diferem das crianças
videntes, mostrando-se
mais emotivas e
vulneráveis quando os
pais são mais
coercitivos ou incapazes
de dar-lhes afeto assim
como as crianças que são
videntes.
Segundo suas
observações, as crianças
deficientes visuais
apresentam comportamento
emocional semelhante às
emotivamente despojadas,
estudadas por René Spitz,
reagem eficazmente
quando são tratadas de
modo compreensivo e
aceitas em sua
diferença. Desse modo,
conclui que a cegueira
não se constitui em
característica
estrutural de diferenças
e que a chave para o
adequado desenvolvimento
emocional das crianças
cegas, são atitudes
iniciais positivas de
seus pais, aliadas à
adequadas oportunidades
de estimulação.
Schulz (1970) confirma
que a reação dos pais em
relação à criança cega e
o conseqüente tratamento
dispensado a ela
determinam, em grande
parte, seu grau de
adaptação à cegueira e
até que ponto ela se
tomará um indivíduo
normal e integrado na
comunidade.
Enfatiza que a cegueira
não se constitui em
determinante de
inadequações desde que a
criança cega seja aceita
e estimulada a explorar
o mundo que a rodeia,
tendo sua auto-confiança
aumentada a cada
experiência vivida.
Gottesman (1976), embora
não tendo trabalhado com
crianças, apresenta um
estudo com cegos
congênitos adultos, bem
ajustados e integrados
em seu grupo familiar e
social, no qual conclui
que foram crianças
aceitas e tratadas como
“crianças normais” que
apenas não podiam ver,
não tendo sido privadas
de qualquer experiência,
inclusive de punições,
como seus irmãos
videntes.
Lamert e West (1980),
num artigo sobre “Tipos
de Pais e Síndromes
Depressivas em
Indivíduos Cegos
Congênitos”, discutem o
efeito das atitudes dos
pais sobre o
desenvolvimento das
crianças partindo de
pressupostos teóricos de
que o comportamento é
motivado por dois
importantes sistemas de
necessidades, sendo o
primeiro, “o equilíbrio
do dar e receber” como
aspecto fundamental ao
equilíbrio emocional; e
o segundo, o sentimento
de fraqueza e a
correspondente luta para
demonstrar força ou
“competência x
incompetência”. Esses
sistemas são construídos
na relação mãe-bebê e
mantidos durante o
processo de
desenvolvimento da
criança, propiciado ou
não pelo espaço
potencial de uma
educação e relação: pais
e filhos saudáveis.
Observam que na criança
cega, o equilíbrio
dar-receber não é
mantido e elas
apresentam-se,
geralmente, muito
vulneráveis em relação a
este aspecto, como
reação das atitudes
errôneas adotadas por
seus pais, como a
superproteção ou a
negação de sua
deficiência, exigindo
desempenho “normal”.
Concluem que as crianças
cegas superprotegidas
não desenvolverão
sentimento de
competência, aumentando
sua dependência do meio.
Sempre que expostas à
situações que exigem
desempenho como, por
exemplo, na escola,
tornam-se temerosas e
ressentidas,
refugiando-se na
fantasia e na depressão.
Quanto às crianças que
são “empurradas” a
exercerem suas
capacidades, observaram
que são quase sempre
dirigidas a tornarem-se
independentes, sofrendo
muito quando não
conseguem seus
objetivos, tornando-se,
geralmente, agressivas,
mal humoradas, tensas,
agitadas e preocupadas,
comportamentos esses que
ocultam a vivência de
conflitos entre ser
independente e sentir
necessidade real de
ajuda.
2. Trabalhos que
enfatizam a determinação
de desenvolvimento
diferente nas crianças
cegas congênitas,
decorrente tanto da
cegueira como das
atitudes que esta
desperta nos pais e no
grupo social com o qual
o deficiente visual
convive.
Segundo Cutsforth
(1969), os deficientes
visuais de modo geral,
mesmo os que nascem
cegos, tornam-se
“pessoas cegas”, dotadas
de comportamentos
típicos através do
“sistema cegueira”,
constituído pelo grupo
social no qual convivem
- família, escola,
igreja, trabalho,
instituições, etc. - que
direta ou indiretamente,
têm expectativas de que
a criança se comporte
como cega, que ela na
realidade, não sabe que
é pois de modo geral e
intensivo, propiciam
todas as condições para
que ela assim se
desenvolva.
Blank (1957, in
Amiralian 1992), no
trabalho “Psicanálise e
Cegueira”, apresenta à
luz da teoria
psicanalítica, o
significado inconsciente
de visão, que muito
contribui para a
explicação do “sistema
cegueira”.
Para o autor, o olho
está associado à
sexualidade na equação:
olho, boca, mão e à
hostilidade e destruição
e a cegueira, está
associada à castração,
punição dos pecados.
Em estudos posteriores,
acrescentou a associação
inconsciente do olho em
conflitos sobre inveja,
cobiça e exibicionismo.
Essas concepções,
apresentadas por esse
autor, são semelhantes
às concepções populares
e literárias de cegueira
e de certa forma
explicam os efeitos da
cegueira sobre as
pessoas deficientes
visuais e seu
desenvolvimento, sua
organização interna.
Explicam também o
impacto da ausência de
visão na população em
geral, o que também irá
refletir no
comportamento dos
indivíduos cegos na
relação com os demais.
Ashcroft (1971) afirma
que as características
emocionais das crianças
cegas quanto aos
desajustes do
desenvolvimento
emocional e social não
são conseqüências
necessárias da cegueira.
Observa que prevalecem
atitudes sociais
negativas contra o
deficiente visual e
atitudes negativas
desses deficientes em
relação a si mesmos, que
levam a maior freqüência
de desajustes sociais e
emocionais em comparação
a encontrada entre
indivíduos de visão
normal.
Scholl (1973) coloca que
um dos aspectos do
desenvolvimento
emocional crucial é a
formação do
auto-conceito, que para
a criança cega,
geralmente, se constitui
de modo diferente.
Afirma que desde o
início do processo de
formação do eu, a
criança cega encontra
dificuldade em
distinguir “eu“ de “não
eu”, pois nesse processo
a visão tem papel
importante. .
A autora cita, também,
que na escola, a
inabilidade dessas
crianças em desempenhar
tarefas que, geralmente,
são resolvidas pela
criança vidente através
da imitação, podem
constituir-se em
desvalorização de si
mesmas como pessoas. Por
outro lado, a família,
professores ou colegas
poderão enfatizar suas
habilidades, ainda que
não verdadeiras, num
gesto “piedoso”, o que
também se constitui numa
diminuição da
auto-estima durante a
adolescência e a idade
adulta.
Fraiberg (1976), através
de estudo com crianças
cegas, embasada em
enfoque psicanalítico,
conclui que a
organização da
personalidade dessas
crianças baseia-se,
primeiramente, no seu
desenvolvimento
sensório-motor, em
harmonia com as
condições ambientais
mínimas que devem prover
o primeiro período
formativo da criança, a
fim de assegurar a
capacidade de adaptação
e organização adequada
de sua personalidade.
Observou que as
crianças, que foram,
inicialmente, privadas
da companhia de suas
mães ou uma substituta e
as que foram criadas em
instituições,
demonstraram que a
privação do vínculo
inicial resultou em
impedimento para
desenvolverem-se de
maneira adequada e não
demonstraram
auto-controle.
Nos casos em que as
privações são extremas,
observou-se um
impedimento no
desenvolvimento e
deterioração das funções
adaptativas, concluindo
que o equipamento
biológico intacto
oferece mínima garantia
de funcionamento
psicológico adequado
quando o meio não prove
condições favoráveis.
Para Masini (1990) as
dificuldades escolares
apresentadas pelas
crianças deficientes
visuais, como
representação e
ajustamento, são
intensificadas pelas
condições de estimulação
e experiências que lhes
são proporcionadas pela
família e posteriormente
pela escola.
Quanto ao desempenho
escolar e ajustamento ao
sistema social escolar,
então, as desvantagens
da criança cega se
justificam também pela
ênfase que é dada à
avaliação de suas
aquisições ou prejuízos
tendo como referencial o
comportamento da criança
vidente.
Concluindo e
corroborando o que já
foi colocado pelos
autores citados,
Amiralian (1992) afirma
que a cegueira congênita
impõe à criança formas
tão complexas de
adaptação, que seus
primeiros anos de vida
são determinantes para o
curso que seu processo
de desenvolvimento
seguirá, dependendo
basicamente do vínculo
inicial que será
estabelecido com seus
pais.
Para a autora, é
imprescindível que esse
vínculo inicial seja
desenvolvido nas
condições descritas por
Winnicott, como
“maternagem
suficientemente boa”, em
que a mãe tenha
capacidade de servir
como ego auxiliar no
momento certo e a
empatia de permitir à
criança sua expansão e
criação pessoal quando
necessário. Mas esta não
é uma tarefa fácil para
os pais, pois a cegueira
do filho causa-lhes uma
imensa frustração, e é
angustiante
identificar-se com um
bebê cego, em muitos
sentidos “desconhecido”,
sugerindo como solução,
o acompanhamento e a
orientação dos pais e
seus bebês, desde os
primeiros dias de vida
da criança.
De todos os trabalhos
apresentados, fica
claro, de modo implícito
ou não, que todos os
autores citados admitem
comprometimentos
primários advindos da
deficiência visual e que
estes são fortalecidos
pelas atitudes
despertadas em todos com
quem a criança cega
convive e que estas
atitudes, em certa
medida, também
suscitadas pelo próprio
significado inconsciente
de cegueira, contribuem,
mais ou menos, de forma
negativa ou positiva no
desenvolvimento destas
crianças.
No trabalho com crianças
cegas e suas mães, tenho
constatado estas
conclusões, ou seja, a
cegueira evoca atitudes
peculiares e é
responsável por
comportamentos
característicos, que são
desenvolvidos de modo
harmônico e integrado,
dependendo do ambiente
em que a criança viva.
Portanto, não se pode
conceber qualquer
compreensão sobre a
organização psicológica
da criança cega
descartando-se qualquer
um destes aspectos -
suas potencialidades
naturais, sua estrutura
de personalidade: as
atitudes dos pais para
com ela enquanto um
filho cego; o ambiente
sócio-cultural no qual
convive.
Quanto às
potencialidades
naturais, nada se pode
fazer e não se pode
intervir a não ser
enquanto criação de
espaço potencializador
para seu pleno
desenvolvimento.
Quanto às atitudes dos
pais para com a criança
quando não forem
positivas ou reais, a
única forma de reverter
a situação, creio ser a
intervenção, o mais
precoce possível, no
sentido de se produzir
um espaço para que sejam
trazidas à tona e
elaboradas as fantasias,
os mitos responsáveis
pelas atitudes
inadequadas, o que não
se constitui em tarefa
simples.
Finalmente, quanto aos
valores e expectativas
sociais, apenas poderá
ser trabalhado com cada
criança cega, sua
auto-estima e
autoconceito para que
possa conviver, com o
mínimo desgaste de
energia, às solicitações
sócio-culturais.
Atividade Lúdica
A expressão atividade
lúdica tem sido
empregada para
referir-se a atividades
como dançar, pintar,
nadar, jogar e brincar.
No presente estudo essa
expressão estará sendo
utilizada para designar
apenas as atividades de
jogar ou brincar, termos
que serão definidos a
seguir.
2. 1. Termos: Usos e
Significados
Segundo Ferreira (1993),
em seu Novo Dicionário
da Língua Portuguesa,
brincadeira significa
“ato ou efeito de
brincar”, “passatempo ou
divertimento”,
“brinquedo”. Define,
ainda, brinquedo, como
“objeto para as crianças
brincarem”, “jogo de
criança” ou
“brincadeira” e jogo
como “passatempo”, “jogo
de crianças”,
“brincadeira”,
“atividade física ou
mental fundada em
sistema de regras que
definem a perda ou o
ganho”.
Essas definições
permitem afirmar que em
português as palavras
brincadeira, brinquedo e
jogo são usadas
indistintamente com o
mesmo significado, ao
que concordam Rosamilha
(1979), Bomtempo (1986)
e Kishimoto (1994).
Rosamilha (1979)
justifica o uso
indiferenciado de
brincadeira, brinquedo e
jogo citando a origem
dessas palavras conforme
consulta à Enciclopédia
Mirador Internacional de
1975, onde brinquedo
aparece na Língua
Portuguesa, no século
IX, como “jogo de
criança, divertimento,
folguedo do século
XIII”, derivado de
“brinco” que origina-se
de “brincar”. Observa o
referido autor, que, na
citada Enciclopédia, há
controvérsias sobre a
origem de “brincar”.
Esse termo teria origem
alemã, “blinken” e
significaria brilhar,
cintilar, evoluindo para
agitar-se ou da palavra
“brinco”, objeto em
forma anelar utilizado
como enfeite para orelha
e também, na chupeta das
crianças. Destaca, que
em outras línguas
também, encontra-se o
uso comum de “brinquedo
e jogo” como o “play” em
inglês, o termo alemão
“spielen”, “jouer” do
francês, o “juguete” do
espanhol, o “gioco” do
italiano, o “ïgra” do
russo, que significam,
brincar, jogar e
brinquedo.
Helms (apud Bomtempo,
1986) complementa,
afirmando que o termo
“play” em inglês
apresenta significado
amplo, à medida que
referenda tanto
comportamentos
espontâneos não
estruturados que causam
prazer, como o balanço
do chocalho para o bebê
ou o correr e pular da
criança mais velha sem
qualquer objetivo
definido, como os
comportamentos
envolvidos nos “games”,
que são atividades
organizadas por regras
desde as mais simples
até as mais complexas.
Segundo Bomtempo (1986),
outros autores adotam
postura contrária, como
no idioma japonês, no
qual a palavra “asobi”
designa as atividades
lúdicas, enquanto um
antônimo, não citado,
define as atividades
sérias. Para a autora,
Beach (1945 apud
Bomtempo, 1986) e Piaget
(1961, apud Bomtempo,
1986), também definem o
comportamento lúdico em
oposição ao
“comportamento sério”,
distinto do último, por
apresentar
características
específicas,
sintetizadas por Berlyne
(1969 apud Bomtempo,
1986) em:
-
1.
Atividade de brincar é
desenvolvida para
atingir um fim em si
mesmo.
-
2. Há uma busca de
prazer.
-
3. Há um aspecto
acentuado da irrealidade
do jogo” (p. 20).
Bomtempo (1986) afirma
ainda que vários autores
(Hutt, 1966; Berlyne,
1969 e McCall, 1970)
relacionam a atividade
lúdica ao comportamento
exploratório apenas ou
que a exploração
constitui-se num tipo de
atividade lúdica sendo,
portanto, termos
equivalentes.
Huizinga (apud Lebovici,
1985), numa revisão
sobre as concepções de
jogo nas línguas antigas
e atuais, assinala que
os gregos utilizavam
palavras diferentes para
denominar as diversas
categorias de jogos
como: inda para os jogos
de adultos, paidea, para
os jogos infantis, agon
designando os esportes e
athurma para as
atividades motoras
prazeirosas; nas línguas
contemporâneas, os
termos, que referem-se
às atividades lúdicas,
foram gradativamente
aproximando-se do
sentido de “ações pouco
sérias”.
Segundo Kishimoto
(1994), no Brasil,
usa-se as palavras jogo,
brincadeira e brinquedo
como sinônimos para
referirem-se às
atividades lúdicas.
Justifica-se esse uso
indiscriminado dos
termos citados, pois
certas palavras só
adquirem significado
preciso no contexto em
que são empregadas
(Wittigenstein, apud
Kishimoto, 1994).
E como complementa Trifu
(apud Kishimoto, 1994),
a “situação de jogo “não
é uma realidade
estática, ela se
modifica dependendo da
atitude do jogador como
do significado que lhe é
atribuído pelo
observador, assim um
“jogo sério” pode também
ser uma brincadeira.
Embora, usualmente
adota-se a conduta de
indiferenciação de
termos, Kishimoto (1994)
observa que a literatura
especializada privilegia
o termo jogo para
definir o comportamento
lúdico organizado por
regras estruturadas,
pré-estabelecidas, que
caracterizam-no como,
por exemplo, o jogo de
xadrez.
Para Friedman:
“Brincadeira: refere-se
basicamente à ação de
brincar, ao
comportamento espontâneo
que resulta de uma
atividade não
estruturada. Jogo:
trata-se de uma
brincadeira que envolve
regras. Brinquedo:
refere-se ao objeto de
brincar. Atividade
lúdica: abrange, as
anteriores” (1996 p.
28). No presente estudo, o
termo atividade lúdica
será empregado como já
foi dito anteriormente
para designar apenas
atividades de brincar ou
jogar, ou seja, a
brincadeira e jogos
envolvendo, ou não, o
uso de brinquedos, O
termo brinquedo será
utilizado para referir
ao objeto de brincar,
como o denomina Friedman
e com o significado de
suporte da brincadeira
que lhe é dado por Beart
(conforme Kishimoto,
1994).
2. 2. Concepções,
Natureza e
Características da Atividade Lúdica
Kishimoto (1994) relata
que para os
historiadores (Jolibert,
Ariés, Margolin), o jogo
deve ser compreendido
segundo a imagem da
criança em cada contexto
histórico, já para os
antropólogos, assim como
os adeptos das teorias
fenomenológicas (como
Henriot e Brougère), o
jogo tem significado de
acordo com o fenômeno
que representa e o uso
que se faz dele.
A autora relata, ainda,
estudos de filósofos e
psicólogos, que
apresentam diversas
concepções sobre o jogo
das crianças como:
possibilidade de
descarga de energia
acumulada (Spencer): -
pré-exercício da vida
adulta (Groos);
comportamento instintivo
- herdado
(Stariley-Hall); ou
atividade fundamental
para o “equilíbrio
emocional” da criança
por seu caráter
“auto-gratificador” -
(Freud, Claraparède,
Erikson, Winicott).
Entre os teóricos da
psicologia cognitiva, a
autora apresenta a
concepção de que jogo
constitui-se numa
maneira de “infração do
cotidiano e suas normas”
- (Wallon, 1981); a
posição que considera o
jogo como capacidade
exploratória para a
resolução de problemas
(Bruner, 1976); a
compreensão da atividade
lúdica como uma
“situação imaginária”
produzida pelo contato
da criança com a
realidade social
(Vigotsky, 1988 e
Elkonin, 1984); e ainda
a teoria piagetiana que
aborda o brincar como
resultado de
comportamentos de
assimilação sobre a
acomodação, considerando
a idéia de equilíbrio
como a forma de
adaptação básica da
espécie humana.
Kishimoto (1994) cita
ainda a visão dos
educadores, que
consideram o jogo como
recurso educativo (como
- Chateau, 1979; Vial,
1981 e Alain, 1986).
Segundo Chateau (1987),
a atividade lúdica, para
a criança, corresponde
ao trabalho para o
adulto, como
possibilidade de
produção e realização,
ainda que simbólica;
portanto, uma atividade
produtiva.
Na Enciclopédia Mirador
Internacional de 1976, o
comportamento lúdico
encontra-se assim
descrito:‘... é tecnicamente, a
manifestação livre da
pressão de necessidades,
quer de natureza
biológica, quer social:
é a atividade em si, que
estimula o indivíduo a
manter-se nela e que
aparece em todas as
faixas de idade e em
vários níveis da escala
zoológica” (v. 6, p.
2667)Huizinga (1971)
considera a atividade
lúdica como natural e
inerente ao ser humano,
pois antecede a
civilização que se
desenvolveu desde as
sociedades mais simples
até as mais complexas,
através da “tendência
lúdica” da cultura.
Para Callois (apud
Enciclopédia Mirador
Internacional, 1976) a
conduta lúdica é livre
de pressões externas;
tem temporalidade
própria, é incerta,
improdutiva,
encerrando-se em si
mesma; auto-organizada,
à medida que pode
respeitar regras
pré-estabelecidas ou
criá-las na própria
atividade e é irreal,
pois acontece no plano
da fantasia.
Kishimoto, em uma
revisão sobre as
características do jogo,
apontadas por diferentes
autores, excetuando os
jogos dos animais,
assinala os pontos
comuns, por eles
identificados, como
elementos que interligam
a grande família dos
jogos. São eles:“liberdade de ação do
jogador ou o caráter
voluntário e episódico
da ação lúdica; o prazer
(ou desprazer), o “não
sério” ou o efeito
positivo; as regras
(implícitas ou
explícitas); a
relevância do processo
de brincar (o caráter
improdutivo), a
incerteza de seus
resultados; a não
literalidade ou a
representação no tempo e
no espaço. São tais
características que
permitem identificar os
fenômenos que pertencem
a grande família dos
jogos (1994, p. 7).
2. 3. Aspectos que
caracterizam a atividade
lúdicaSegundo Friedmann
(1996), a atividade
lúdica apresenta cinco
aspectos básicos: o
tempo e o espaço, os
jogadores, os objetos
e/ou brinquedos, as
ações do sujeito e a
relação meio/fins. Essa
autora considera que o
primeiro aspecto, “o
tempo e o espaço”,
define as
características do
brincar de diferentes
grupos de crianças, pela
quantidade de tempo
ocupado pelo brincar no
dia-a-dia da criança
como pelo “lugar”
―
dentro de casa ou na
rua, na escola ou no
parque, etc., onde a atividade lúdica
acontece. Quanto ao
segundo aspecto, “os
jogadores”, refere-se a
possibilidade de
integração social que o
brincar possibilita à
criança, à medida que
ela brinca com outras
crianças, de mesma idade
ou não, ou ainda se
brinca sozinha. No que
diz respeito aos
“objetos para brincar”,
denominados brinquedos,
a autora considera desde
“simples elementos da
natureza”, como
pedrinhas ou gravetos
até os brinquedos
industrializados mais
sofisticados. No
entender de Friedmann
(1996), cada objeto
eleito como brinquedo
está associado a um
conteúdo simbólico
familiar, educativo ou
psicológico. Assim, um
brinquedo pode
representar “objeto de
solidão ou consolação;
como estimulante de
autonomia ou assimilação
dos padrões grupais;
como objeto de
realização; cooperação e
progresso”, ou como
novidade, que se presta
à simples distração ou à
informação.
Do ponto de vista de
Friedmann, o quarto
aspecto referente às
“ações do sujeito”,
físicas e mentais, é que
determinam o
desenvolvimento da atividade lúdica da
criança, apresentando-se
mais concretas durante
os primeiros anos de
vida e tornando-se
gradativamente mais
abstratas, acompanhando
o crescimento físico,
mental, emocional e
social da criança.
No que diz respeito à
“relação meio/fins” a
referida autora
considera que ela pode
mudar o caráter da
brincadeira,
caracterizando a
atividade lúdica como
pedagógica quando tem um
objetivo específico, ou
como simples
divertimento, quando tem
como objetivo a própria
atividade de brincar.
Analisando-se, pois, os
aspectos citados por
Friedmann (1996),
conclui-se que a
atividade lúdica
apresenta funções
importantes no
desenvolvimento físico,
emocional, intelectual e
social da criança, que
precisam ser estudadas
para que se possa
compreender a
importância que essas
atividades e os
brinquedos têm para o
homem.
2. 4. A atividade lúdica
e o desenvolvimento
infantil
Para compreender o
desenvolvimento
infantil, é necessário
considerar a
participação das
atividades lúdicas,
espontâneas ou não, como
facilitadoras desse
processo, em seus
aspectos físicos,
afetivo-emocionais,
sociais e cognitivos.
Nos estudos de abordagem
psicanalítica, como os
de Freud, de 1929, em
“Mais Além do Princípio
do Prazer”, M. Klein, de
1969 em “Psicanálise de
Crianças” e Winnicott,
de 1975 em “O Brincar e
a Realidade Social”; Aberastury (1982),
Axline (1972), e
Oaklander (1980),
encontram-se as
concepções dos autores
citados, sobre a
participação da
atividade lúdica no
desenvolvimento
afetivo-emocional da
criança.
Segundo Freud (1969), a
atividade lúdica
funciona como meio de
elaboração psíquica,
através da repetição
simbólica, as angústias
vivenciadas em
decorrência de situações
desagradáveis, como
perdas e medos. A
criança vivência,
através da ilusão, a
sensação de controle
sobre as sensações
desagradáveis,
manipulando-as segundo
sua vontade.
Klein (1969) confirma a
posição freudiana e
complementa, afirmando
que as angústias e medos
são gerados pela luta
interna entre os
instintos, que são
representados
concretamente na
brincadeira podendo
assim, serem
vivenciados.
Para Winnicott (1975),
um neopsicanalista, o
brincar propicia prazer
à criança, condições de
expressão da
agressividade, domínio
da angústia, aumento da
experiência e
estabelecimento de
contatos sociais,
contribuindo para a
integração da
personalidade e o
crescimento físico,
mental e social sadios.
Portanto, todo indivíduo
sadio, seja criança ou
adulto, brinca e não
brincar é, seguramente,
sintoma de
comprometimento
emocional.
O autor justifica a
função integradora do
brincar considerando-a
uma atividade
intermediária entre o
meio externo e o
psiquismo de quem
brinca. Assim, quando a
criança brinca,
transporta para seu
mundo interno os objetos
ou fenômenos exteriores,
dando-lhes o significado
que satisfaça seus
desejos através de sua
fantasia, que funciona
como um “canal” de
ligação entre o mundo
externo e o interno e,
nessa medida, permite a
liberação das tensões
originadas pela pressão
dos impulsos.
Para Winnicott,
portanto, a atividade
lúdica funciona como um
“objeto transicional”
que permite a inserção
do sujeito psíquico na
realidade, corroborando
a postura psicanalítica.
O autor apenas discorda
da postura kleineana
quanto ao conteúdo do
brincar estar sempre
associado à descarga de
vivências libidinais,
afirmando que quando a
sexualidade torna-se
intensa, o brincar se
“estraga”.
A essa função
integradora da atividade
lúdica, acrescenta-se a
possibilidade de
utilizá-la como
instrumento de avaliação
e intervenção
psicológica com
crianças,
constituindo-se em
procedimento comum à
maioria dos
psicoterapeutas
infantis.
A atividade lúdica
constitui-se como um
recurso técnico para o
psicólogo conhecer a
realidade da criança e
sua dinâmica psíquica, a
partir da observação do
brincar espontâneo,
desde a escolha dos
brinquedos, a
organização,
concentração ou não, na
atividade e no padrão
que se repete na
brincadeira.
Através da “observação
lúdica”, como é
designada a atividade de
psicodiagnóstico através
da observação do
comportamento lúdico, é
possível observar a
“maturidade,
inteligência, imaginação
e criatividade,
organização cognitiva,
orientação de realidade,
estilo, campo de
atenção, capacidade de
resolução de problemas,
habilidade de contato e
assim por diante”
(Oaldander, I e 190).
Portanto, como
instrumento de
psicodiagnóstico, o
brinquedo permite uma
aproximação à
compreensão do caso
estudado através do
levantamento de
hipóteses que serão
posteriormente
investigadas por outros
métodos de avaliação,
como, por exemplo, os
testes psicológicos.
Além de sua função
psicodiagnóstico
instrumental,
observa-se, como afirma
Winnicott (1975), que o
brincar constitui-se num
excelente meio de
contato entre a criança
e o psicoterapeuta.
Observa-se que a
atividade lúdica é
fundamental no processo
de intervenção
psicoterapêutica com
crianças, tendo sido
originalmente utilizado
por Aberastury (1982),
psicanalista que se
dedicou ao atendimento
infantil, embasada na
teoria freudiana e em
sua experiência,
observando que através
dos brinquedos, as
crianças podiam
representar seus
conflitos,
simbolicamente, como
substituição à
comunicação verbal, a
qual ainda não eram
capazes de dominar.
A autora observou,
ainda, que à medida que
a criança exterioriza seus
medos, angústias e
problemas internos, de
modo simbólico, vivencia
a sensação de domínio
sobre estes sentimentos.
Para Klein (1969), o
brincar proporciona
experiência emocional
corretiva, em que os
afetos agressivos,
observados nas
brincadeiras
desestruturadas pela
descarga pulsional,
podem ser transformados
em relações positivas
durante o trabalho
psicoterapêutico.
Segundo Axline (1972), a
atividade lúdica
funciona como um elo de
comunicação entre a
realidade e o mundo
interno da criança assim
como elo de comunicação
entre a criança e o
psicoterapeuta.
Oaklander (1980), numa
abordagem guestáltica da
ludoterapia, afirma que
o brinquedo também
funciona como um meio de
intervenção através do
qual o psicoterapeuta
pode dirigir o foco da
consciência da criança
ao seu processo, apenas
mostrando-lhe o que ela
faz e como faz.
Finalizando, quanto à
função terapêutica do
brinquedo, cabe
ressaltar, como afirma
Winnicott (1975), numa
leitura nova da
psicanálise, que o
objetivo da psicoterapia
é desenvolver ou
devolver ao paciente a
possibilidade de
brincar, enquanto
atividade natural,
concretamente com os
brinquedos, no caso das
crianças ou a condição
de flexibilidade interna
observada na maneira de
verbalizar os
sentimentos e no jogo
das palavras, no caso
dos adultos.
Pode-se concluir, que de
modo geral, todos os
autores citados
concordam que a
atividade lúdica é
natural e revela o mundo
interno da criança,
promovendo sua inserção
na realidade de modo
simbólico,
possibilitando assim, a
elaboração dos conflitos
e medos, inevitável no
processo de crescimento.
A partir dessas
concepções, vejo a
atividade lúdica como
uma ponte para o
crescimento e
amadurecimento
psicológico, com dupla
função: preventiva,
funcionando como um
“amortecedor” do
processo de crescer e
terapêutica,
possibilitando através
da simbolização dos
medos, a concretização
do “monstros internos”,
que passam, então, a ser
menos assustadores,
quando vistos como
brinquedos. E, como
brinquedos, podem ser
reorganizados e assumir
formas segundo os
desejos de quem brinca.
Quanto ao papel da
atividade lúdica como
agente de socialização,
afirma Huizinga (1971)
que a brincadeira e o
jogo, de modo geral,
supõem relacionamento
interpessoal e
interação, o que
contribui para a
formação das atitudes
sociais como: respeito
mútuo, solidariedade,
cooperação, obediência
às normas e padrões,
senso de
responsabilidade,
iniciativa pessoal e
grupal.
Vygotsky (1989)
complementa a função
socializadora da
atividade lúdica,
ressaltando a
importância para o
aprendizado e
treinamento de papéis
sociais possibilitado
pela brincadeira de
simulação, em que a
criança, vivenciando
várias personagens,
geralmente, mais velhas
do que ela prepara-se
para a futura inserção
no grupo social do qual
faz parte, à medida que,
simbolicamente, entra em
contato com os valores e
a moral do mundo adulto.
Para esse autor, o
brincar tem uma base
genérica, similar à
arte, por isso permite a
expressão para lidar com
novas situações, assim
como os limites,
pessoais e os da
realidade. Vygotsky
afirma que esse processo
é possibilitado pela
internalização das
regras que orientam todo
tipo de brincadeiras,
quer sejam explícitas ou
implícitas. A tomada de
consciência dá-se à
medida que há esforço
para seguir as regras,
levando ao
auto-controle, que
permite o
desenvolvimento das
funções intelectuais
superiores futuras e a
adaptação à realidade,
pela aceitação das
contingências impostas
pela lógica grupal.
Wajskop (1995),
considerando que as
interações estabelecidas
pela criança com as
pessoas do meio em que
convive, permitem
“assimilação e
recriação” da
experiência
sócio-cultural, adverte, para
o perigo quanto à
possibilidade em
assimilar valores
retógrados,
conservadores e
preconceituosos.
Seguindo esse
raciocínio, sobre o
aspecto socializador
negativo da atividade
lúdica, Bomtempo (1987)
lembra que os brinquedos
nas sociedades de
consumo, como a nossa,
são produtos criados
diretamente com fins
lucrativos, para o que
não se economizam
recursos publicitários,
que garantam as vendas.
Nesse sentido,
complementa Oliveira
(1989), seduzida pela
mídia, a criança passa a
desejar qualquer
brinquedo que lhe será
oferecido pelos pais ou
outros adultos, também
sem questionamento, por
estarem inseridos no
mesmo contexto cultural,
levando a criança a
reagir mais como
espectador dos
brinquedos prontos,
substituindo as
experiências diretas
impostas pelo mercado.
E ainda, Brougère (1995)
acrescenta que o
brinquedo é criado
segundo uma imagem, um
símbolo forte e sedutor
capaz de desencadear o
desejo da criança em ser
como ele - igual ao
herói - tão forte e
sábio como ele - através
da brincadeira, o que
garante sua função
socializante. Assim, a
criança é inserida desde
o nascimento, num
contexto social;
portanto, o brincar não
é um comportamento
natural e sim
inevitável, como produto
cultural que se
desenvolve nas relações
interpessoais desde as
mais simples e primárias
- o bebê e a mãe - até
as mais complexas.
Concluindo, quanto à
função socializadora da
atividade lúdica, as
brincadeiras
constituem-se em
“patrimônio
lúdico-cultural,
traduzindo valores,
costumes, formas de
pensamento e
ensinamentos”
(Friedmann, 1986, p. 3O).
Ou, no dizer de Bomtempo
(1996), “é brincando que
o ser humano se torna
apto a viver numa ordem
social e num mundo
cultural simbólico”
(p. 81).
Os autores citados
concordam, que a
atividade lúdica está
sempre inserida num
sistema social e é
responsável pela
transmissão de valores
culturais, positivos ou
negativos, de modo
explícito, na ênfase
dada pela mídia nos
brinquedos que
reproduzem os valores da
classe dominante ou
subliminarmente, na
transmissão natural e
“descompromissada” das
brincadeiras, de geração
em geração.
Sobre a participação das
atividades lúdicas
espontâneas ou não, no
desenvolvimento
cognitivo, um dos mais
expressivos é o de
Piaget (1978), que
contextualiza o
nascimento, evolução e
classificação dos jogos
em cada etapa do
desenvolvimento
infantil.
Segundo Piaget (1978), o
comportamento lúdico
evolui simultaneamente à
aquisições cognitivas da
criança. O jogo evolui
pelo relaxamento do
esforço adaptativo e por
manutenção ou exercício
de atividades, pelo
prazer único de
dominá-las e delas
extrair prazer e poder.
A situação do jogo, para
Piaget, caracteriza-se
por apresentar, de modo
geral:
-
1.°) objetivo em si
mesmo, enquanto o
trabalho ou outras
condutas lúdicas
precisam de um objetivo
externo;
-
2.°) ser espontâneo,
oposto às obrigações do
trabalho e da adaptação
real sendo assimilação
do real ao eu;
-
3.°) busca exclusiva
“pelo prazer”, enquanto
o trabalho tem por objetivo um resultado
útil que independe de
seu caráter prazeiroso;
-
4.°) não apresentar uma
estrutura organizada,
enquanto o trabalho é
sempre regulado; não ser
dirigido (similar ao
inconsciente de Freud)
por oposição ao
pensamento lógico
(consciente);
-
5.°) libertação de
conflitos na forma de
compensação ou
liquidação enquanto no
trabalho e outras atividades, há o
convívio com situações
conflituantes.
Piaget, em trabalho
anterior (1971), já
propunha uma
classificação dos jogos levando em conta sua “estrutura lúdica” e a
evolução das funções
cognitivas da criança. O
autor dedicou-se à compreensão da evolução da atividade lúdica durante o desenvolvimento, através da análise das classificações já existentes e aplicação dessas às suas
observações de brincadeiras e jogos praticados por crianças em casa, na escola e na rua, adotando o grau de
complexidade mental observado nos jogos, termo adotado para referir- se às atividades lúdicas, como
critério para sua classificação, a qual denominou “classificação genética”, baseada na evolução das estruturas
mentais que correspondem às fases do desenvolvimento mental proposto em sua teoria do desenvolvimento cognitivo.
Outros autores (Oliveira, 1989, Rizzi e Haydt, 1991, Wajshop, 1995, Lebovici e Diatkine, 1985), também
estudaram a participação da atividade lúdica no desenvolvimento cognitivo, enquanto instrumento pedagógico.
Para Oliveira (1989), todo brinquedo ou jogo é em essência educativo, pois há em qualquer brinquedo um conjunto de
mensagens explícitas ou implícitas a serem assimiladas ou transformadas pelas crianças, o que lhes assegura a função de
educar, à medida que possibilita a exploração, a experimentação e a transformação, estimulando a imaginação
de quem brinca ou joga. O autor só faz uma ressalva quanto aos chamados “brinquedos educativos”, produzidos
para este fim, alertando que por trazerem “mensagens” pré-estabelecidas, somado às expectativas dos seus
criadores, acabam anulando o brincar espontâneo, caso a criança não seja suficientemente autônoma para fazer sua brincadeira.
As autoras Rizzi e Haydt
(1991) estudaram o valor
pedagógico do brinquedo
e do jogo e afirmam que
as razões que levam os
educadores a escolher a
atividade lúdica como
instrumento educativo,
são:
-
1) o fato de que o jogo
corresponde a um impulso
natural da criança,
satisfazendo a tendência
lúdica humana;
-
2) apresentar como
elementos
característicos o prazer
e o esforço espontâneo,
o que se constitui no
aspecto emocional
fundamental para que
haja motivação pelo
aprendizado;
-
3) o aspecto de que o
jogo, enquanto atividade
física e mental,
estimula os esquemas
cognitivos - tanto as
funções neurológicas
como as operações
mentais - produzindo
trabalho mental capaz de
ordenar o tempo e o
espaço no qual o aluno
está inserido;
-
4) pela possibilidade
apresentada pelo jogo em
integrar as esferas da
personalidade -
afetiva-emocional,
motora e cognitiva -
pois o estímulo afetivo
desencadeado pelo desejo
de vencer no jogo,
desperta a atenção e
concentração que
coordena a ação motora
que permite a jogada
certa, ou no dizer de
Rizzi e Havdt “o ser que
brinca e joga, é também
o ser que age, pensa,
aprende, se desenvolve”
(p. 14).
Segundo Wajskop (1995),
observa-se em muitos
programas escolares, a
inserção de métodos e
materiais lúdicos, no
entanto, desvinculados
do contexto histórico e
social, assim como dos
aspectos cognitivos,
afetivos e sociais
vividos pela criança em
cada etapa de seu
desenvolvimento, o que
destitui o sentido de
promover o
desenvolvimento
cognitivo da criança,
servindo apenas para
“infantilizar” os
alunos, como se ação
simbólica do material
lúdico servisse apenas
para facilitar a atuação
dos professores através
da incansável repetição
de exercícios de
discriminação
viso-motora, de desenhos
coloridos e músicas com
mensagens
pré-estabelecidas.
Lebovice e Diatkine
(1985), numa abordagem
fenomenológica, afirmam
que o brincar conduz ao
crescimento à medida
que, sendo uma atividade
livre, destituída de
qualquer objetivo
externo e pré-
determinado, possibilita
o alívio da ansiedade
gerada pelo conflito do
crescimento,
possibilitando
elaborá-lo. Portanto, a
brincadeira expressa a
organização interna,
afetiva e intelectual da
criança, assim como a
prospecção em relação á
organização futura, à
medida que o modo como a
criança brinca é
indicativo de como ela
está e como ela é.
Pode-se concluir, que
todos os autores citados
concordam, que a
atividade lúdica,
utilizada adequadamente,
pode ser excelente
recurso didático, por
estimular, naturalmente,
o desenvolvimento do
potencial cognitivo da
criança.
Quem convive com
crianças, pode observar
que elas aprendem a
maior parte de suas
tarefas evolutivas
através da atividade
lúdica, desde as mais
simples, já observadas
nos bebês, e que vão
evoluindo, para níveis
mais complexos, da mesma
forma que os outros
aspectos de seu
desenvolvimento.
O desenvolvimento
cognitivo apresenta-se
através do progresso da
atividade lúdica, cada
vez mais complexa,
exigindo solução de
problemas, maior nível
de atenção para certas
tarefas, apresentando
objetivos mais definidos
e criatividade da
criança.
Através da atividade
lúdica, a criança
aprende a resolver
problemas e sua
capacidade de concentrar
atenção aumenta, assim
como amplia sua
fantasia, tornando-se,
mais elaborada,
capacitando-a a criar.
Assim, em função do
aumento das experiências
lúdicas, a criança se
desenvolve, apresentando
progressos em suas
manifestações sociais,
motoras e intelectuais.
Pois o brinquedo é, ao
mesmo tempo, diversão e
desafio, impõe situações
de conflito, mas
favorece também as
soluções, ensinando a
resolver problemas,
compartilhar, esperar a
vez, perder, ganhar,
cooperar.
2. 5. Teorias sobre os
sistemas usuais de
classificação das atividades lúdicas
Segundo Piaget (1978), a
maioria dos autores só
se preocuparam com
certos tipos de jogos,
ou seja, com aqueles que
correspondiam às suas
teorias explicativas
tendo menosprezado a
imensa maioria dos casos
intermediários por serem
classificáveis do ponto
de vista
pré-estabelecido.
O autor entende que se
estivermos preocupados
em ter, na devida conta,
todos os tipos de jogos,
sejam eles vagos ou
típicos, necessariamente
chegaremos a uma
classificação de simples
estruturas.
Piaget assinala que uma
tentativa de classificar
os jogos foi segundo o
seu conteúdo. Esse
critério foi tentado por
Gross e seguido por
Claraparède.
Em uma primeira
categoria, Groos e
Claraparède, (segundo
Piaget, 1978),
denominaram por “jogos
de experimentação” ou
“jogos de funções
gerais”, os jogos
sensoriais (assobios,
gritos, etc), os jogos
motores (bolas,
corridas, etc), os jogos
intelectuais (imaginação
e curiosidade), os jogos
afetivos e os exercícios
da vontade (jogos de
inibição, como sustentar
uma posição difícil o
máximo de tempo
possível, etc).
Como segunda categoria,
denominada de “jogos de
funções especiais”,
consideraram os jogos da
luta, perseguição,
cortesia, jogos sociais,
familiares e de
imitação.
Para Piaget, essa
maneira de agrupar os
jogos é solidária da
teoria do pré-exercício
e a grande dificuldade
com a qual se deparou
para empregar essa
classificação, foi o
fato de entender ser
quase impossível, situar
em uma só dessas
categorias, ao mesmo
tempo, não só a multidão
de casos intermediários
revelados pela
observação cotidiana,
como também certos
jogos, que podem ser
considerados clássicos.
Um exemplo disso, citado
por Piaget, é o jogo de
bolas de gude, que é,
certamente,
sensório-motor, uma vez
que se trata de visar e
lançar. Contudo, a
partir dos 7 ou 8 anos,
ele pode ser também
categorizado como de
competição e de lutas
canalizadas. O autor
observa, ainda, a
presença de regras nesse
jogo, que o tornam,
eminentemente, social.
Feitas essas
observações, Piaget
pergunta: onde
classificar o jogo de
bolas de gude segundo a
classificação proposta
por Groos?
Segundo o autor, quando
surge a imaginação
simbólica e as regras
sociais, a classificação
pelo conteúdo torna-se
cada vez mais
equivocada.
Quanto aos jogos
simbólicos, citando como
exemplo o jogo de
brincar com bonecas, que
segundo seu ponto de
vista, no primeiro
momento, pode ser
considerado como um caso
típico de exercício das
tendências familiares e
do instinto maternal,
trata-se, contudo,
apenas de uma construção
simbólica com múltiplas
funções, tomando
simplesmente da matéria
familiar os seus meios
de expressão, mas
interessando, em seu
conteúdo, a vida interna
da criança.
Conclui Piaget, que
esses comentários, sobre
os jogos de bonecas ou
de bolas de gude,
aplicam-se a todos os
outros jogos que
envolvem e implicam o
pensamento. Para ele,
desde que o simbolismo
ou a regra intervenham,
a classificação, tomando
por critério o conteúdo,
torna-se impossível e,
portanto, somente os
jogos sensório motores
elementares podem ser
categorizados segundo
esse critério.
O autor também cita
Quérat, que distingue
três categorias de
jogos, tomando como
critério o princípio da
“origem”: os jogos de
hereditariedade (lutas,
perseguição, etc); os
jogos de imitação,
divididos por sua vez em
jogos de sobrevivência
social (jogo do arco) e
jogos de imitação direta
e, finalmente, os jogos
que são classificados em
sub classes como: as
metamorfoses de objetos,
o animismo dos
brinquedos, as criações
de brinquedos
imaginários, as
transformações de
personagens e a
representação em atos de
estórias e contos.
Para Piaget (1978),
“essa classificação é ao
mesmo tempo difícil de
admitir ao seu princípio
e inaplicável em
detalhe” (‘p. 141)
Portanto, o autor
entende ser discutível a
classificação pelo
princípio da origem sem
equívocos, citando como
exemplo os jogos de
imitação e os de
imaginação. Considera
que todo jogo simbólico
é uma coisa e outra ao
mesmo tempo, como no
jogo de “comidinha”, que
é de imitação de
situações reais, mas
também é de imaginação
de novas cenas.
Após essas
considerações, Piaget
(1978) afirma que só
resta um princípio de
classificação possível,
pois entende que:“... para classificar os
jogos sem nos ligarmos
antecipadamente a uma
teoria explicativa, ou,
por outras palavras,
para que a classificação
sirva à explicação, em
vez de pressupô-la, é
indispensável, portanto,
que nos limitemos a
analisar as estruturas
em si, tal como em cada
jogo nos são reveladas:
o grau de complexidade
mental, do jogo
sensório-motor elementar
ao jogo social superior”
(p. 142). Como exemplo desse
raciocínio, Piaget
(1978) cita Stern, que
dividiu os jogos em duas
grandes classes: os
individuais e os
sociais. Stern
distinguiu entre os
jogos individuais,
diversas categorias, por
ordem crescente de
complexidade como: jogos
motores (com o próprio
corpo como instrumento),
construtivos e de
destruição (utilizando
objetos como
instrumentos) e os jogos
de interpretação
(incluindo transformação
de pessoas e coisas).
Entre os jogos sociais
considerou: jogos de
imitação simples, jogos
de papéis (mamãe e
filhinha, etc) e os
jogos de luta.
Embora considere a
classificação proposta
por Stern objetiva,
Piaget questiona a
divisão entre jogos
individuais e sociais,
por compreender que só
existe uma diferença de
grau entre eles,
citando, como exemplo,
os jogos simbólicos
individuais, nos quais
se observa a
representação do
imaginário social e
ainda os jogos
simbólicos coletivos,
que traduzem o
simbolismo individual de
cada jogador.
Piaget cita, ainda, a
classificação de jogos
proposta por Bühler, que
considerando o aspecto
estrutural, os
distinguiu em 5 grupos:
-
os jogos funcionais (ou sensório-motores),
-
os
jogos de ficção ou
ilusão,
-
os jogos
receptivos (ver imagens,
ouvir estórias, etc),
-
os
jogos de construção e
-
os
jogos coletivos.
Quanto à esta
classificação, o autor
atenta para o fato de
que os jogos de ficção
não estão no mesmo plano
das outras categorias
propostas e que os jogos
coletivos só poderão ser
distinguidos dos demais
se apresentarem regras
que os caracterizem.
Questiona, ainda, o
perigo em se considerar
os jogos de construção
como uma categoria
distinta, à medida que
compreende existir um
certo tipo de
“construção” motora ou
simbólica, em todas as
transições de uma fase
para outra, resultante
do processo natural de
adaptação.
Piaget cita, como
exemplo, a construção de
uma casa de blocos de
concreto ou de massa de
modelar, na qual
observa-se além da
atividade
sensório-motora, o
simbolismo.
Conclui então, que,
existem três grandes
tipos de estruturas,
características dos
jogos infantis: o
exercício, o símbolo e a
regra, observando entre
elas, a construção, como
possibilidade de
transição de uma
categoria para outra,
somadas às condutas
adaptadas, vivenciadas
pela criança.
Portanto, Piaget propõe
classificar os jogos em
3 categorias:
1.ª) os jogos de
exercício - que
compreendem: os jogos de
exercícios simples,
peculiares do período sensório-motor (jogar
objetos, puxar, encher e
despejar); os jogos de
combinação sem
finalidade (alinhar
objetos semelhantes pelo
prazer de agir apenas);
os jogos de combinação
com finalidade
(organização de objetos
obedecendo critérios de
tamanho, cor, formas,
etc); os jogos de
exercício do pensamento
(fazer perguntas pelo
prazer de perguntar ou
fazer relatos pelo
prazer de combinar
palavras);2.ª) jogos simbólicos -
ou esquemas simbólicos
típicos da fase de 2 aos
6 anos, quando a criança
exercita a ficção, a
imaginação ou a
imitação, que
compreendem:
-
1.ª fase - até mais ou
menos 4 anos de idade:
os jogos de imitação
concreta (fazer a boneca
dormir, dar comida para
as pessoas); os jogos de
assimilação de um objeto
ao outro (uma caixa vira
um carro); os jogos de
imitação de atitudes das
pessoas como o
comportamento de animais
com os quais convive; os
jogos de construção de
cenas inteiras e
invenção de seres
imaginários.
-
2.ª fase - mais ou menos
4 aos 7 anos de idade:
os jogos simbólicos
ordenados (surge a seleção dos objetos de
representação, inicia-se
o simbolismo coletivo);
3.ª) jogos com regras -
que incluem jogos de
combinações sensório
motoras e/ou
intelectuais que
baseiam-se na competição
entre os participantes
que se submetem a um
conjunto sistemático de
leis, segundo um código
transmitido de geração
em geração ou por
acordos momentâneos.
Começa a manifestar-se
por volta dos 5 anos,
desenvolvendo-se a
partir dos 7 aos 12 anos
e perdurando toda a vida
do indivíduo, quer
através de esportes,
jogos de salão, etc.
Constituem uma atividade
lúdica social, pois
pressupõem relações
interpessoais, a medida
que a regra é a
ordenação imposta aos
participantes e cuja
violação é considerada
uma falta sujeita à
punição.
Cabe ressaltar que as
categorias apresentadas,
não são excludentes
entre si, sendo que cada
fase coexiste com a
precedente, até a vida
adulta.
Piaget considera, ainda,
os “jogos de
construção”, mas não
como uma categoria
distinta e sim como
intermediários entre as
fases, pois é o
resultado entre a
integração do exercício
sensório motor e
intelectual (simbólico).
Outros autores,
entretanto, como relata
Hussein (1986),
dirigiram seus estudos
sobre as formas de
categorizar as
atividades lúdicas,
segundo o grau de
participação social da
criança. Entre esses
estudos, destaca-se o de
Parten de 1932. Esse
pesquisador realizou um
estudo observacional com
42 crianças
pré-escolares de 2 a 5
anos o que lhe permitiu
elaborar ama “escala de
participação social”
composta de seis
categorias, por ele
assim denominadas:
comportamento
desocupado, brinquedo
solitário, comportamento
do observador, brinquedo
paralelo, brinquedo
associativo e brinquedo
cooperativo ou
organizado.
Conforme Hussein (1986)
essas categorias foram
assim definidas por
Parten:1) comportamento
desocupado - a criança,
aparentemente, não está
brincando, mas se ocupa
em olhar qualquer coisa
que aconteça e que é de
seu interesse
momentâneo. Ela brinca
com seu próprio corpo,
segue o professor, ou
senta, olhando o quarto.
2) brinquedo solitário –
as crianças brincam
ativamente com os
brinquedos, longe uma
das outras. Estão
concentradas em suas
próprias atividades, não
dando atenção ao que
outras crianças estão
fazendo.
3) comportamento do
observador - a criança
passa a maior parte do
seu tempo olhando os
outros brincarem. Ela
conversa com as crianças
que estão brincando, mas
não entra na situação de
brinquedo.
4) brinquedo paralelo -
duas ou mais crianças,
usando brinquedos
semelhantes, perto uma
da outra, não tentam
influenciar as
atividades desenvolvidas
entre elas. Portanto, a
criança brinca ao lado
de, ao invés de brincar
com outra criança.
5) brinquedo associativo
- a criança brinca com
outra criança
desenvolvendo atividades
iguais ou semelhantes.
Não há divisão de
trabalhos nem
organização de
atividades. Cada criança
age como quer, não
subordinando seus
interesses aos do grupo.
6) brinquedo cooperativo
ou organizado - a
criança brinca em grupo,
que está organizado para
alcançar um objetivo
proposto. Para isso, ela
necessita de divisão de
trabalho e distribuição
de atividades pelos
elementos do grupo,
acarretando a
complementação do
esforço de uma criança
pelo de outra” (p.
30-31). Através da análise dos
resultados obtidos pela
classificação das
atividades lúdicas,
Parten (apud Hussein,
1986) pode concluir que
as crianças
pré-escolares mais novas
observadas preferiam
brincar em duplas,
formadas por crianças do
mesmo sexo enquanto as
mais velhas formavam
grupos maiores, e
concentraram-se em
categorias diferentes
das mais novas quanto ao
valor social atribuído
ao brinquedo.
Num estudo posterior,
com o objetivo de
verificar
quantitativamente o grau
de participação social
das crianças
pré-escolares, Parten
(apud Hussein, 1986),
utilizando a mesma
“escala de participação
social”, considerou as
categorias comportamento
desocupado, brinquedo
solitário e
comportamento do
observador como índice
negativo de participação
social; enquanto as
categorias: brinquedo
paralelo, associativo e
cooperativo, indicando
índice positivo de
participação social.
Através desse estudo, o
citado autor, pode
concluir que a
participação social
entre crianças
pré-escolares aumenta de
acordo com a idade, pois
observou que as crianças
mais novas brincavam
sozinhas ou em grupos
paralelos,
predominantemente,
enquanto as mais velhas
formavam grupos
associativos e
cooperativos.
Hussein (1986) informa
que foram realizados
estudos posteriores por
outros autores a fim de
comprovar a
fidedignidade da “escala
de participação social”
proposta por Parten,
citada anteriormente,
tendo em vista as
mudanças ocorridas a
partir da data em que
ele a elaborou. Entre
esses trabalhos, a
autora cita os estudos
de Hurtig e Paillard de
1971, o de Smith e
Connolly de 1972, que
confirmam os resultados
obtidos por Parten,
portanto considerando
sua “escala de
participação social”
fidedigna. Nesta mesma
linha de estudos,
Hussein destaca a
pesquisa realizada por
Rubin, Maioni e Hornung
de 1976.
Rubin, Maloni e Hornung
(1976) estudaram 16
classes de crianças
pré-escolares, que foram
observadas durante o
período de atividades
lúdicas livres, cujos
comportamentos
apresentados foram
codificados em
categorias, por eles
formuladas, a partir da
“escala de participação
social” de Parten,
anteriormente citada, e
a partir de uma outra
escala, proposta por
Smilanski, que por sua
vez, inspirou-se nas
categorias das
atividades lúdicas
propostas por Piaget
(1978):
1.ª) atividade lúdica
funcional - movimentos
musculares simples e
repetitivos com ou sem
objetivos;2.ª) atividade lúdica
construtiva -
manipulação de objetos
para construir ou para
“criar” alguma coisa;3.ª) atividade lúdica
dramática - a criação de
uma situação imaginária
para satisfazer
necessidades pessoais e
desejos;4.ª) atividade lúdica com
regras - a aceitação e o
ajustamento às regras
pré-determinadas. O objetivo do estudo de
Rubin, Maioni e Hornung
(1976) era verificar o
grau de interação e
participação social de
crianças pré-escolares,
segundo as categorias
anteriormente citadas,
assim como, aspectos da
estrutura cognitiva
destas crianças,
evidenciados nas
atividades lúdicas
apresentadas.
Os resultados desse
estudo sugeriram uma
nova categorização das
atividades lúdicas:
1.ª) atividade lúdica
solitária - funcional,
construtiva ou
dramática.
2.ª) atividade lúdica
paralela - funcional,
construtiva ou
dramática.
3.ª) atividade lúdica
associativa - funcional,
construtiva ou
dramática.
4.ª) atividade lúdica
cooperativa -
construtiva, dramática
ou com regras.
Cabe ressaltar que a
categorização
apresentada foi a
adotada no presente
estudo.
O resultado desse estudo
demonstrou que as
crianças menores
apresentam
predominantemente
comportamentos relativos
a atividades lúdicas
funcionais, solitárias e
paralelas enquanto as
crianças mais velhas
engajam-se
significativamente em
atividades associativas,
cooperativas e
construtivas. Observaram
ainda que os meninos
exibem, nas
dramatizações, mais
funções solitárias do
que associativas e nas atividades de construção
menor número de
atividade paralelas que
as meninas, concluindo
que outras variáveis
além do fator idade
cronológica, como no
caso, o aspecto sexo,
contribuem para o
aumento ou diminuição de
participação e
desenvolvimento social
apresentado nas
atividades lúdicas,
motivo pelo qual sugerem
outros estudos
utilizando as mesmas
categorias de
Parten/Smilansky,
enfocando outras
variáveis.
Cabe ressaltar que não
foram encontradas
classificações enfocando
especificamente a
participação dos
aspectos afetivo
emocionais nas
atividades lúdicas. No
entanto, os estudos
piagetianos não
desconsideram estes
aspectos, o que fica
claro no trabalho de
Piaget, por volta de
1932, sobre o
desenvolvimento do
julgamento moral da
criança.
Nesse trabalho, segundo
Goulart (1983), Piaget,
a partir de uma
abordagem psicogenética,
que privilegiava a
compreensão da estrutura
cognitiva, não perdeu de
vista o aspecto afetivo
e social na construção
da “competência
linguística” e da
“competência moral”.
Como afirma Piaget
(1980):“O aspecto cognitivo das
condutas consiste na sua
estruturação e o aspecto
afetivo na sua
energética. Esses dois
aspectos são, ao mesmo
tempo, irredutíveis,
indissociáveis e
complementares: não é,
portanto, muito para
admirar que se encontre
um notável paralelismo
entre as suas
respectivas evoluções”
(p. 24).
2. 6. A atividade lúdica
da criança cega
congênita
Segundo Lowenfel (1971),
as crianças cegas, de
modo geral, apresentam
comportamento lúdico
espontâneo, consciente e
atento, através de
métodos peculiares de
discriminação,
exploração e localização
dos brinquedos e do
ambiente onde brincam.
Barnard (1982) ressalta
que o processo de
brincar da criança
deficiente visual pode
ser comprometido pelo
fato de que a imitação
não se desenvolve
espontaneamente, sendo
necessário estimulação
especial para substituir
este aspecto, pois esta
“falta” implica na
restrição da criança
cega em seu mundo
interno, prevalecendo a
atenção ao próprio
corpo, expressa na
exacerbação de
auto-estimulação,
caracterizada pelos
balanços de corpo, girar
no mesmo lugar,
comprimir constantemente
os olhos com as mãos,
etc.
Complementando, Sá
(1992) afirma que
“brincar” é ama
atividade “aprendida”,
desde os contatos
iniciais da mãe com o
bebê ou do bebê com a
pessoa que cuida dele e
deve ser cultivado, de
modo natural na vida da
criança, quer seja
vidente ou não. A citada
autora ressalta que,
para a criança
deficiente visual,
brincar é tão importante
como para qualquer
criança, propiciando-lhe
desenvolver hábitos e
atitudes saudáveis à
medida que exercita sua
imaginação e
criatividade. Ressalta,
ainda, que o
comportamento lúdico
dirigido, constitui-se
em poderoso instrumento
de estimulação das
capacidades sensoriais
remanescentes, tarefa
que pode ser
desempenhada
naturalmente, no ritmo
da vida doméstica da
criança desde seu
nascimento, sem a
necessidade de impor uma
rotina diferenciada.
Todas as situações podem
ser estimulantes e
lúdicas, como o banho,
em que a criança pode
ser estimulada a entrar
em contato com o próprio
corpo e com os objetos
utilizados na atividade,
discriminando formas,
texturas, temperatura e
sensações diferenciadas
ao toque, à sensação
olfativa e auditiva.
Portanto, não existem
atividades lúdicas
especiais para as
crianças deficientes
visuais, como afirma
Carrol (1968); lhes
serão restritas, apenas,
as atividades lúdicas em
que a visão desempenha
papel indispensável; e,
mesmo nestas situações,
existe a possibilidade
das adaptações. Assim,
todos os brinquedos
podem ser oferecidos à
criança cega, pois é
importante que estas
crianças aprendam a
lidar com seus limites,
conscientizando-as de
suas possibilidades e
limitações, convivendo
com a frustração e com a
gratificação.
Halliday (1975) afirma
que ao selecionar
brinquedos para crianças
com deficiência visual,
deve-se privilegiar
aqueles que permitam uma
experiência sensorial
completa, contemplando a
experiência tátil (peso,
textura), auditiva
(som), cinestésica
(movimento), assim como,
não se deve
desconsiderar o resíduo
visual útil da criança,
que é estimulado pelas
cores fortes e brilho
dos objetos a elas
oferecidos para
recreação ou como
material didático.
Minha experiência com
crianças deficientes
visuais tem demonstrado
que estas apresentam
comportamentos
peculiares frente às
situações lúdicas, como,
por exemplo, no trabalho
de avaliação
psicológica, o qual
desenvolvo, segundo os
princípios teóricos
psicanalíticos da ludoterapia, tenho
observado que as
crianças deficientes
visuais reagem de modo
diferente a alguns
brinquedos da caixa
lúdica.
Tenho constatado em
minha observação, que a
caixa lúdica, montada
segundo orientação
utilizada com crianças
videntes, nem sempre é
bem recebida pelas
crianças cegas, e muitos
dos objetos e
brinquedos, que a
compõem, são rejeitados
por elas.
Por escolherem os
brinquedos,
principalmente pelo
tato, as crianças cegas
rejeitam brinquedos de
material muito rígido,
ou muito frágil e que se
quebram quando são
apertados; bonecos que
estejam vestidos com
roupas de tecido áspero
ou peludo, assim como
bonecos com cabelos
sintéticos ou bichos de
pelúcia. Elas preferem
os bonecos feitos de
tecido macio, suave e
sedoso, com cabelos
também sedosos;
brinquedos de borracha
macia; brinquedos
sonoros, enfim,
materiais que possam ser
explorados integralmente
através das mãos, do
nariz e da boca e que
proporcionem sensação
tátil e auditiva
agradável, retraindo-se
frente a ruídos
desconhecidos ou
demasiadamente
estridentes.
Com base nestas
observações, questiono
em que medida não
existem “brinquedos” e
“brincadeiras” especiais
e a necessidade de
conhecê-los, como
referencial para se
utilizar a atividade
lúdica como instrumento
de avaliação de aspectos
afetivo-emocionais,
sociais e cognitivos da
criança deficiente
visual, assim como
possibilidade de
intervenção
psicoterapêutica com
essas crianças.
Metodologia do Estudo
3. 1 Sujeitos
Os sujeitos do presente
estudo foram 8 crianças,
cegos congênitos, alunos
do Instituto de Cegos
Padre Chico, localizado
no bairro Ipiranga, em
São Paulo, sendo 4
meninas (2 alunas
externas e 2 internas) e
4 meninos (2 alunos
externos e 2 internos),
com idade de 7 anos,
cursando o “Período
Preparatório para a
Alfabetização”, no ano
de 1996.
Considerando-se o
objetivo do presente
estudo, foram
estabelecidos alguns
critérios para a escolha
dos sujeitos. Deveriam
ser crianças:
-
1.º) cegos congênitos -
que nasceram sem visão
ou a perderam no
primeiro ano de vida,
garantindo assim, que
não pudessem ter
“aprendido”, através da
visão, comportamentos de
brincar;
-
2.º) que não
apresentassem quaisquer
outras dificuldades, de
ordem física ou
neurológica;
-
3.º) que não
apresentassem, segundo
seus professores,
dificuldades de
aprendizagem ou no
relacionamento com os
colegas ou técnicos do
Instituto.
Segundo estes critérios,
foi realizada a seleção
das crianças, com base
nas informações contidas
nos prontuários, em
informações fornecidas
por professores e
técnicos, bem como em
dados de registro de
observação das crianças,
por mim efetuados,
enquanto psicóloga da
Instituição.
3. 2. Algumas Informações
sobre as Crianças Selecionadas para o
Estudo:
Cabe observar que os
nomes e dados que
poderiam conduzir à
identificação das
crianças estudadas,
foram, respectivamente,
mudados ou omitidos, com
o objetivo de
preservar-lhes a
privacidade. Criança 1:
MariaMaria é uma menina de 7
anos, aluna externa do
período preparatório.
Tem família que a apóia
e participa de sua vida
escolar, é filha única.
É cega congênita, desde
o nascimento (por
retinoblastoma
bilateral) e não
apresenta qualquer
resíduo visual.
É uma garotinha de
tamanho e peso adequados
para sua idade, tem boa
aparência, apesar de não
ter mais o globo ocular
em ambos os olhos, pois
usa prótese de boa
qualidade.
Estabelece bom
relacionamento
interpessoal, é uma
criança independente
para as atividades da
vida diária
(alimentação, higiêne
pessoal, vestuário).
Apresenta boa
localização
temporo-espacial e
locomove-se com
segurança e facilidade;
tem boa noção de esquema
corporal com coordenação
motora, ampla e fina,
adequadas.
Segundo sua professora é
muito interessada em
aprender, é participante
das atividades
escolares. Está
semi-alfabetizada,
escreve e lê sílabas e
palavras simples,
demonstrando bom tato
para desenvolver o
Braille.
Reproduz histórias, faz
operações simples
utilizando material
concreto.
Faz amizades com
facilidade, pois é
simpática e
comunicativa, tem bom
relacionamento com os
colegas, professores e
técnicos do Instituto. Criança 2:
Juliana
Juliana é uma menina de
7 anos, aluna externa,
cursando o período
preparatório. Cega
congênita, desde o
nascimento (por amaurose
congênita em ambos os
olhos), sem qualquer
resíduo visual.
Parece ser uma criança
imatura para sua idade,
pois em algumas
situações, apresenta
comportamento e fala
infantilizada. Tem
dificuldade para
pronunciar algumas
palavras e parece não
compreender prontamente
o que lhe é perguntado.
Por exemplo, quando lhe
foi perguntado, em uma
das entrevistas, qual
era a brincadeira que
mais gostava, respondeu
que “sabia pular”.
Demonstra, ainda, certa
dificuldade de
relacionamento
interpessoal, pois foram
observados,
predominantemente,
comportamentos isolados
do grupo. Nestas
situações, e também
quando está em grupo,
parece estar ansiosa,
pois esfrega as mãos
constantemente e precisa
de estímulo para
participar das
atividades grupais.
É uma criança um pouco
dependente, quanto à
locomoção dentro da
Instituição, bem como
para desempenhar as
atividades de vida
diária como: higiêne
pessoal, alimentação e
vestuário.
Segundo sua professora,
embora ela demonstre
certa dificuldade para
manter atenção e
concentração nas
atividades escolares,
pois tem muita
necessidade de falar com
a professora, é uma
criança esforçada. Tem
bom vocabulário, gosta
de ouvir e contar
histórias faz
associações e operações
como classificação e
seriação com material
concreto.
Gosta muito da natureza,
sempre está tocando nos
objetos, plantas, terra
e faz perguntas sobre
eles. É curiosa sobre os
animais. Criança 3:
TerezaTereza tem 7 anos,
também é aluna do
período preparatório,
interna e segundo sua
professora já está
alfabetizada, dada sua
facilidade para o
aprendizado e ótimo
tato, associadas a boa
coordenação motora fina,
indispensáveis para o
domínio da escrita e
leitura em Braille.
É cega congênita, desde
o nascimento (por
glaucôma congênito).
Apresenta alguma
percepção para luz,
cores fortes (amarelo,
vermelho) e objetos
grandes, o que lhe é
bastante útil na
locomoção. Em ambientes
muito claros e ao ar
livre, com sol forte, a
claridade provoca-lhe
dor nos olhos,
necessitando de usar
óculos escuros.
Tereza tem duas irmãs,
também deficientes
visuais e alunas do
Instituto.
É uma criança
independente em relação
à locomoção e cuidados
pessoais, apresenta
ótima noção
temporo-espacial.
Tem bom relacionamento
com a professora,
técnicos e colegas.
Participa de atividades
em grupo com interesse,
é comunicativa e
mostra-se muito
preocupada e solidária
com os colegas.
Aprende depressa, é
muito interessada nas
atividades artísticas
como modelagem com
argila ou massa de
modelar. Criança 4:
JosefaJosefa tem 7 anos, aluna
interna, cursando o
período preparatório.
Cega congênita desde o
nascimento (por atrofia
do nervo ótico) sem
resíduo visual em ambos
os olhos.
Apresenta bom
relacionamento
interpessoal, é querida
pelas colegas,
professoras e técnicos
do Instituto. Por ser
pequena para a idade,
torna-se alvo de maiores
atenções e cuidados.
É uma criança meiga,
muito prestativa com os
colegas.
Quanto às atividades
escolares, segundo sua
professora, embora
apresente boa memória e
interesse em aprender,
tem dificuldade em
manter-se atenta. Perde
o interesse pelas
atividades mais
abstratas, precisando
ser constantemente
estimulada para
continuar e concluir
seus trabalhos.
Demonstra, também, pouco
interesse pelas
atividades artísticas
como modelagem e música.
Tem boa coordenação
motora global, mas certa
dificuldade com a
coordenação motora fina,
o que prejudica o
desempenho no manejo dos
instrumentos necessários
para a escrita em
Braille.
Sabe contar histórias
com começo, meio e fim,
distingue sons e objetos
com precisão.
Prefere desempenhar
atividades práticas
como, por exemplo, os
trabalhos domésticos, os
quais executa com
habilidade. Criança 5:
Joaquim
Joaquim tem 7 anos, é
aluno externo, cursando
o período preparatória.
Cego congênito (por
microftalmo com
deslocamento de retina)
sem resíduo visual em
ambos os olhos.
Nasceu prematuro e ficou
na incubadeira por 89
dias, o que lhe causou o
descolamento da retina.
Apresentou
desenvolvimento motor
dentro do esperado para
sua dificuldade visual,
pois sempre foi muito
estimulado pelos pais.
Tem uma irmã, que é
vidente, e segundo a
mãe, os dois são
companheiros, embora
Joaquim seja muito
“mimado” (sic) por toda
a família, o que o torna
“manhoso e preguiçoso”
(sic).
Embora não goste de
participar de atividades
em grupo, precisando
sempre ser estimulado,
gosta de passear, sentir
a natureza e ouvir
música.
De modo geral, apresenta
bom humor mas tem pouca
tolerância quando é
contrariado.
No Instituto, mostra-se
um pouco dependente e
inseguro para
locomover-se sozinho.
Precisa de incentivo
para executar as
atividades de vida
diária, como higiene
pessoal e cuidar de seu
material escolar.
Não gosta de atividades
artísticas como
modelagem ou pintura,
mas participa ativamente
das aulas de música.
Segundo sua professora,
Joaquim é um aluno
interessado nas
atividades escolares
mais concretas e
dispersivas nas tarefas
que requerem maior
abstração. Criança 6:
Nicolau
Nicolau é aluno externo,
tem 7 anos, está
cursando o período
preparatório. É cego
congênito desde o
nascimento (por
descolamento de retina
da prematuridade).
Nasceu prematuro,
precisando ficar na
incubadeira por muito
tempo, o que ocasionou o
deslocamento da retina.
Participou de um
programa de estimulação
precoce, o que auxiliou
em seu desenvolvimento
motor, que transcorreu
adequadamente.
Tem três irmãos mais
velhos e, segundo
informações do pai, é o
“dengo”(sic) da casa e é
“paparicado por
todos”(sic).
Quanto à saúde física,
mostra-se frágil,
estando constantemente
resfriado ou com
amigdalite. Segundo
informações dos pais,
“melhorou muito depois
que entrou na escola”
(sic).
Gosta muito de música, o
pai comprou-lhe uma
bateria e está tendo
aulas. Seus irmãos
também tocam
instrumentos musicais, o
que o estimula muito.
No Instituto, mostra-se
um pouco inseguro para
locomover-se sozinho,
embora apresente boa
Iocalização
temporo-espacial e
oriente-se adequadamente
através da audição.
É uma criança dócil,
participa das atividades
propostas de modo
cooperativo, sem
contestar. Mostra-se
passivo em muitas
situações.
Apresenta bom
relacionamento com a
professora e os colegas,
embora precise ser
estimulado para
participar das
atividades em grupo.
Segundo sua professora,
Nicolau tem boa memória
e raciocínio mais
concreto, é sensível,
introvertido e muito
observador. Criança 7:
FranciscoFrancisco tem 7 anos, é
aluno interno, do
período preparatório.
Cego desde o nascimento
(por glaucoma congênito)
sem qualquer percepção
visual.
Mostra-se independente
quanto à locomoção e as
atividades da vida
diária como: higiêne
pessoal, alimentação,
vestuário.
Apresenta certa
dificuldade quanto à
lateralidade, o que, às
vezes, prejudica sua
localização espacial.
Segundo a técnica
responsável pelo
meninos, Francisco é
agitado, “não fica
quieto nunca”(sic) e
está sempre mexendo com
os colegas.
Sua professora concorda,
complementando que a
agitação de Francisco
compromete sua atenção e
concentração nas
atividades escolares.
Embora ele participe
espontaneamente das
atividades em grupo, às
vezes mostra-se um pouco
agressivo com os
colegas, mas não precisa
de ajuda externa para
resolver as
dificuldades.
Apresenta bom desempenho
nas atividades
artísticas, mas como é
auto-exigente, quer
sempre terminar primeiro
e fazer bem, perde a
paciência e precisa ser
estimulado para concluir
seus trabalhos. Criança 8:
JoãoJoão é aluno do período
preparatório, está com 7
anos. É cego Congênito,
desde o nascimento (por
amaurose congênita),
apresentando percepção
para luz em ambos os
olhos.
É uma criança
independente quanto à
mobilidade e desempenho
das atividades de vida
diária como: higiene
pessoal, alimentação e
vestuário.
Apresenta boa noção de
esquema corporal e
localiza-se
adequadamente através da
audição.
Mantém bom
relacionamento com os
colegas, professores e
técnicos É prestativo
com os colegas, conduz
aqueles que demonstram
dificuldade de
locomover-se no
Instituto.
Quanto ao desempenho
escolar, apresenta boa
memória, raciocínio mais
concreto, certa
dificuldade para manter
atenção e concentração,
precisando ser
constantemente
estimulado, pela
professora, para
concluir as atividades
escolares.
Reproduz fatos e
histórias com seqüência
lógica.
Participa
espontaneamente das
atividades desenvolvidas
em grupo e está sempre
atento ao meio.
3. 3. Procedimento
Foram programadas 40
sessões que constaram de
observações dos alunos
em atividades livres e
entrevistas, sendo que
cada observação durou em
média 20 a 30 minutos.
Cada criança foi
observada e entrevistada
em cinco sessões. Essas
sessões de observação e
entrevistas foram
realizadas em dez dias,
sempre nas
quartas-feiras, no
período entre 13:30 e
17:00 horas, tendo sido
escolhido esse dia da
semana e horário, pelo
fato de não haver
qualquer atividade
escolar programada,
constituindo-se,
portanto, em horário
livre, quando os alunos
permaneciam no pátio, no
parque, nas galerias ou
mesmo nas salas de
estudo do Instituto.
Cada sessão constou de
dois momentos:
observação do aluno com
registro cursivo das
atividades realizadas
pela criança e em
seguida, entrevista com
a criança observada, com
a finalidade de
complementar tais
registros. No anexo 2
encontram-se relatados
os dados coletados nas
observações e
entrevistas.
Cabe assinalar que
optou-se pela realização
das entrevistas nos
moldes do Método Clínico
proposto por Piaget
(1994) por ser, como
observa Dolle (1987), um
método de livre
conversação dirigido
para um tema. Como
afirmam Domahidy, Dami e
Banks-Leite, do ponto de
vista experimental, o
método clínico
constitui-se num “interrogatório flexível
adaptado a cada sujeito.
A partir de algumas
questões básicas,
procura-se desenvolver
um diálogo dirigido por
hipóteses formuladas
pelo examinador no
decorrer da entrevista.
Cada resposta dada pela
criança leva à
formulação de uma
hipótese que engendra
uma nova questão do
examinador. É este
encadeamento e sucessão
de perguntas, resposta,
nova hipótese, nova
pergunta que dá
coerência e unidade ao
interrogatório” (p.
115). Essas autoras afirmam,
ainda, que do ponto de
vista interpretativo, o
método clínico
distingue-se nitidamente
de outros por permitir,
segundo Piaget, “ir mais
além da observação pura
e, sem cair nos
inconvenientes dos
testes, alcançar as
principais vantagens da
experimentação”.
Portanto, como assinala
Piaget (1994), a
observação pura apenas,
“permite aquisição de
fatos fragmentários”
sobre a experiência,
dados estes que podem
comprometer a
interpretação,
considerando as razões
expostas anteriormente.
Tendo em vista a
possibilidade de
complementação e
explicitação das
informações obtidas,
principalmente nos
estudos em que dados
subjetivos estejam sendo
avaliados, justifica-se
a opção pela entrevista
segundo o “Método
Clínico”.
Para garantir
uniformidade na coleta
dos dados com todas as
crianças, foi organizado
um “roteiro” de
entrevista, o qual não
foi seguido
rigorosamente, quanto a
ordem das perguntas e
utilização dos termos
empregados objetivando
com isso uma melhor
compreensão das
verbalizações das
crianças.
De modo geral, foi
perguntado para todas as
crianças:
1. O que você está
fazendo?
2. Você estava
brincando?
3. Qual era a
brincadeira?
4. Quem deu a idéia de
brincar de... ?
5. Você sempre brinca
de... ?
6. Você gosta dessa
brincadeira? Por quê?
Resultados
Tendo em vista o
objetivo do presente
estudo, investigar as
atividades lúdicas
espontâneas de crianças
deficientes visuais, os
dados coletados, através
de observações e
entrevistas, foram
analisados e
interpretados,
considerando-se as
peculiaridades de cada
criança, à luz dos
fundamentos teóricos
apresentados.
Esperando que os
resultados do presente
estudo possam, como já
foi dito anteriormente,
servir de subsídio para
uma melhor compreensão
do desenvolvimento da
criança deficiente
visual, nos aspectos
afetivos, sociais e
cognitivos, bem como
meio de avaliação e
intervenção psicológica
junto a essas crianças,
os dados obtidos sobre
as atividades lúdicas
das crianças deficientes
visuais, após analisados
e interpretados, foram
classificados, segundo a
classificação dos jogos
proposta por Rubm,
Maione e Hornung (1976),
que consideram:
-
1.º) atividade lúdica
solitária - funcional,
construtiva ou
dramática;
-
2.º) atividade lúdica
paralela - funcional,
construtiva ou
dramática;
-
3.º) atividade lúdica
associativa - funcional,
construtiva ou
dramática;
-
4.º) atividade lúdica
cooperativa -
construtiva, dramática
ou com regras, já
apresentada
anteriormente, no ítem
2. 3. do capítulo 2, por
considerá-la a mais
completa das
classificações
encontradas.
Desse modo, espera-se
que os dados obtidos não
sejam tomados de modo
“enviesado”, levando a
uma interpretação
distorcida do
comportamento lúdico das
crianças cegas, pois a
citada classificação dos
jogos, foi desenvolvida
para crianças videntes.
A categorização das
atividades lúdicas
utilizada foi
selecionada por parecer
a mais completa e
coerente encontrada,
pois considera os
aspectos relativos à
participação social da
criança, expressa na
atividade lúdica, bem
como os aspectos de sua
estrutura cognitiva.
Quanto os aspectos
afetivos, foram
considerados implícitos,
pois, como afirma Piaget
(1984), são
complementares e
indissociáveis. Criança 1: Maria
1. Dados obtidos através
das observações:Os registros das
observações efetuadas
evidenciam que Maria
realizou as seguintes
atividades lúdicas,
assim consideradas pelo
pesquisador:Atividades Individuais
(At. 1. ):
-
1. balançar os pés,
balançar o corpo para
frente e para trás;
-
2. cantarolar;
-
3. manipular peças de
jogos para construir ou
criar objetos (lego -
peças de plástico, com
encaixes), na mesma mesa
que outras crianças, mas
cada uma manipulando
suas peças, sem
interação com as outras.
Atividades em grupo (At.
G. ):
-
1. andar de braço dado
com duas colegas de um
lado para o outro;
-
2. em círculo, bater nas
mãos da colega que está
na frente, depois nas
mãos da colega que está
ao lado cantando uma
musiquinha: “nós quatro,
eu com ela, eu com ela,
nós por cima e nós por
baixo”;
-
3. balançar o corpo,
para frente e para trás,
no mesmo ritmo, sentada
com outras colegas no
banco, fazendo com que o
banco também balançasse;
-
4. cantar uma música a
partir de uma “palavra
chave”, que era falada
por uma das meninas
(havia um rodízio entre
o grupo para falar a
“palavra chave”).
Nas entrevistas com
Maria, foram obtidas
informações, que
permitiram evidenciar,
quais das atividades
observadas, são por ela
consideradas como
atividades lúdicas, a
saber:
-
• bater nas mãos das
colegas em círculo, ao
que chamou de “nós
quatro” (At. G. 2);
-
• balançar, sentada no
banco, junto com as
colegas (At. G. 3);
-
• brincar com as colegas
de lego (At. 1. 3);
-
• pensar e cantar uma
música com a palavra que
a colega falou (At.
G. 4).
Cabe ressaltar que a
atividade: “balanço do
corpo”, registrada como
lúdica, não é
considerada por Maria
como tal. Quando
inquerida sobre essa
atividade, mostra-se
evasiva, parecendo não
compreender o que lhe
está sendo perguntado,
tal como evidencia o
seguinte trecho de
entrevista:- “Maria, observei que
você estava balançando o
corpo para frente e para
trás, as pernas e, às
vezes, apertava os
olhos, você faz isso
sempre?
- Maria: Ahn!
- É gostoso ficar
balançando o corpo para
frente e para trás?
Maria: (não responde)”.
Quanto a atividade de
“construção” (com peças
de plástico de
diferentes tamanhos e
encaixes, denominado
“lego”) registrada como atividade individual,
por não ter constatado
interação entre Maria e
as colegas, foi por ela,
entendida como uma
atividade em grupo.
Maria ainda citou, como
uma de suas
“brincadeiras
preferidas”
o “passapassa”, que não
foi observada e que
consiste em uma fila de
meninas que passam sob
um túnel formado por
duas meninas, uma em
frente a outra, com as
mãos dadas e os braços
levantados; ao acabar a
música, que acompanha a
passagem pelo túnel, a
última a passar fica
“presa” e deve pagar um
castigo para sair como
por exemplo, cantar.
Cabe salientar que Maria
não citou qualquer
atividade individual
como sendo atividade
lúdica. 3. Análise e
interpretação dos dados
de observação e
entrevistas das
atividades lúdicas do
ponto de vista da
criança e do pesquisador
Os dados acima parecem
evidenciar predomínio
das atividades lúdicas
em grupo sobre as
atividades lúdicas
individuais.
A partir da
classificação proposta
por Rubin, Maione e
Hornung (1976), as
atividades lúdicas
realizadas por Maria,
segundo o seu ponto de
vista, podem ser assim
classificadas:
-
• “nós-quatro” (At. G. 2)
e “cantar música com a
palavra chave” (At. G. 4),
como atividades lúdicas
cooperativas com regras;
-
• brincar com lego com
as colegas (At. I. 3),
como atividade lúdica
associativa construtiva;
-
• balançar sentada no
banco, junto com as
colegas (At. G. 3), como
atividade lúdica
associativa funcional.
Enquanto, fosse
considerado apenas, a
percepção do observador,
teríamos a seguinte
classificação das
atividades lúdicas:
-
• balançar o corpo para
frente e para trás
(AtJ. 1) e cantarolar
(At. I. 2), como
atividades lúdicas
solitárias funcionais;
-
• manipular peças de
jogo na mesma mesa que
outras crianças, mas sem
interação entre elas
(At. I. 3), como atividade
lúdica paralela
construtiva;
-
• andar de braço dado de
um lado para outro
(At. G. 1), como atividade
lúdica associativa
funcional;
-
• bater nas mãos das
colegas, em círculo
(At. G. 2), balançar no
mesmo ritmo que as
colegas sentadas no
banco (At. G. 3), cantar
uma música a partir de
uma palavra-chave
(At. G. 4), como
atividades lúdicas
cooperativas com regras.
Criança 2: Juliana
1. Dados obtidos através
das observaçõesOs registros das
observações, evidenciam
que Juliana realizou as
seguintes atividades,
registrados como
lúdicas:Atividades individuais:
-
1. segurar e falar com a
boneca enquanto está
sentada num banco;
-
2. balançar o corpo para
frente e para trás;
-
3. pular;
-
4. manipular peças de
“Lego”;
Cabe registrar que não
foram observadas
atividades lúdicas em
grupo, realizadas por
Juliana. 2. Dados obtidos através
das entrevistasJuliana não forneceu
muitas informações nas
entrevistas, parecia não
compreender o
significado das
perguntas.
Para ela, das atividades
anteriores relatadas,
são consideradas como
brincar, apenas:
-
• segurar e falar com a
boneca;
-
• pular.
Quanto as demais
atividades relatadas
anteriormente, Juliana
não considera como
lúdicas, inclusive
manipular as peças de
Lego, que é percebida
como uma tarefa, pois
foi sugerida pela
responsável em cuidar
das meninas naquele
horário.
Cabe salientar que,
novamente, o
comportamento de
balançar o corpo para
frente e para trás, não
é compreendido pela
criança como atividade
autônoma.
Observa-se ainda que
Juliana não menciona
atividades lúdicas em
grupo. 3. Análise e
interpretação dos dados
de observação e
entrevista das
atividades lúdicas, do
ponto de vista da
criança e do pesquisadorCom base nos dados de
observação e de
entrevista, podemos
considerar que as
atividades lúdicas, do
ponto de vista de
Juliana podem ser
classificadas,
respectivamente, segundo
a classificação de
Rubin, Maioni e Hornung
(1976) como:
-
• segurar falar com a
boneca (At. I. 1), como
atividade lúdica
solitária dramática;
-
• pular (At. I. 3),
como atividade lúdica
solitária funcional.
Com base apenas nos
dados de observação e
considerando-se sob o
ponto de vista do
pesquisador, as
atividades lúdicas de
Juliana seriam assim
classificadas, segundo a
categorização utilizada:
-
• “segurar falar com a
boneca” (At. L1), como
atividade lúdica
solitária dramática;
-
• “balançar o corpo para
frente e para trás”
(At. I. 2) e “pular”
(At. I. 3) como atividade
ludica solitária
funcional; manipular
peças de “lego”
(At. I. 4), como
atividade lúdica
solitária construtiva.
-
• brincar de mamãe e
filhinhas na
cabelereira, como de
professora e alunas
(At. G. 2);
-
• brincar de roda (girar
em círculo, de mãos
dadas) (At. G. 4).
Cabe relatar, que
repete-se, também nesta
criança, não compreender
o comportamento de
“balançar o corpo”, como
atividade lúdica, embora
tenha sido assim
registrado.
Observa-se ainda, que
Tereza não considera a
atividade de construção
(enfiar contas em um
cordão) como atividade
lúdica, uma vez que esta
atividade foi sugerida,
no caso, pela
responsável pelas
meninas, naquele
horário. 3. Análise e
interpretação dos dados
de observação e
entrevista das
atividades lúdicas, do
ponto de vista da
criança e do pesquisador
Segundo a classificação
dos jogos utilizada, os
dados relatados, sobre
as atividades realizadas
por Tereza, a partir de
seu ponto de vista,
podem ser assim
classificados:
-
• combinar o nome de
colegas com o nome de
animais ou frutas
(At. G. 3), como atividade
lúdica cooperativa com
regras;
-
• brincar de mamãe e
filhinhas na
cabelereira, como de
professora e aluna
(At. G. 2) como atividade
lúdica cooperativa
dramática;
-
• brincar de roda
(At. G. 4) como,
atividade lúdica
associativa funcional.
Enquanto do ponto de
vista do pesquisador,
embasado apenas nos
dados de observação,
Tereza teria realizado
as seguintes atividades
lúdicas, que podem ser
assim classificadas,
segundo Rubin, Maioni e
Hornung (1976):Criança 3: Tereza
1. Dados obtidos através
das observaçõesDo ponto de vista do
pesquisador, Tereza
realizou as seguintes
atividades lúdicas:
Atividades individuais:
-
1. balançar o corpo para
frente e para trás;
-
2.
enfiar contas em um
cordão.
Atividades em grupo:
-
1. andar de um lado para
outro com as colegas,
uma empurrando a outra e
rindo;
-
2. prender o cabelo da
colega com um elástico,
fingindo que é
cabelereira, mamãe e
filhinhas, professoras e
alunas;
-
3. correr de braço dado,
pulando e dando risada,
combinando nome dos
colegas com nome de
frutas ou de animais;
-
4. girar em círculo, de
mãos dadas, enquanto
cantam uma música.
2. Dados obtidos através
das entrevistas:As entrevistas
realizadas com Tereza,
após cada uma das
observações,
questionando-a sobre as
atividades relatadas,
revelaram que ela
considera como
atividades lúdicas:
-
• combinar o nome de
colegas com o nome de
animais ou frutas
(At. G. 3);
-
• balançar o corpo para
frente e para trás
(At. I. 1), como atividade
lúdica solitária
funcional;
-
• enfiar contas em um
cordão (At. . 1. 2), como
atividade lúdica
solitária construtiva;
-
• combinar o nome de
colegas com o nome de
animais ou frutas
(At. G. 3), como atividade
lúdica cooperativa com
regras;
-
• brincar de mamãe e
filhinhas na
cabelereira, como de
professora e aluna
(At. G. 2), como atividade
lúdica cooperativa
dramática;
-
• brincar de roda
(At. G. 4), como
atividade lúdica
associativa funcional.
Criança 4: Josefa
1. Dados obtidas através
das observaçõesJosefa realizou as
seguintes atividades
lúdicas do ponto de
vista do observador:
Atividades individuais:
-
1. subir escadas pulando
os degraus;
-
2. balançar o corpo para
frente e para trás;
-
3. explorar objetos
dentro de uma mochila;
-
4. imitar a telefonista,
utilizando um tubinho de
plástico como interfone.
Atividades em grupo:
-
1. andar cantando com
acompanhamento de
palmas, rimando o nome
de colegas com o de
animais, uma falando de
cada vez, sem repetir;
-
2. cantar com ordem para
gestos corporais;
-
3. subir escadas pulando
os degraus junto com as
colegas;
-
4. fingir que é mamãe e
filhinhas e o bebê, só
falando;
-
5. “passa-passa”
-
6. beber água no
bebedouro disputando
quem seria a primeira;
-
7. cantar para o “show
de calouros” (concurso
de interpretação de
músicas promovido pelas
professoras de Educação
Física, aberto a todos
os alunos);
-
8. correr até o fim da
rampa, disputando quem
chegaria primeiro.
2. Dados obtidos através
das entrevistasDos comportamentos
observados, e relatados
anteriormente, Josefa
compreende como sendo
atividades lúdicas:
-
• andar cantando com
acompanhamento de
palmas, rimando o nome
de colegas com o de
animais (At. G. 1);
-
• cantar com ordem para
gestos corporais
(At. G. 2);
-
• fingir que é mamãe e
filhinhas e o bebê, só
falando (At. G. 4);
-
• passa-passa (At. G.
5).
Quanto aos
comportamentos,
relatados anteriormente
como atividades lúdicas
individuais, Josefa nada
verbalizou que pudesse
confirmar o ponto de
vista do pesquisador.
Cabe assinalar, que
quanto às atividades
lúdicas relatadas como
grupais, Josefa
referiu-se a “imitação
da telefonista”, apenas
como “imitação”. E
ainda, quanto à
atividade registrada
como “show de calouros”,
parece não ser
compreendida como uma
atividade lúdica e sim
como uma “tarefa”
proposta pelas
professoras de Educação
Física, pois verbalizou
que estavam ensaiando
“para o show de
calouros”.
Relatou , ainda, como
“brincadeiras
preferidas”, embora não
observadas: “roda”,
“fita”, “balanço no
parque”, “palavra-chave”
todas desenvolvidas em
grupo. 3. Análise e
interpretação dos dados
de observação e
entrevista das
atividades lúdicas, do
ponto de vista da
criança e do pesquisador
Segundo a classificação
proposta por Rubin,
Maioni e Horntmg (1976),
as atividades lúdicas
realizadas por Josefa,
segundo seu ponto de
vista, podem ser assim
classificadas:
-
• “andar cantando com
acompanhamento de
palmas, rimando o nome
de colegas com o de
animais” (At. G. 1) e
“cantar com ordem para
gestos corporais”
(At. G. 2) como atividades
lúdicas associativas
funcionais;
-
• “fingir que é mamãe e
filhinhas e o bebê”
(At. G. 4), como atividade
lúdica cooperativa
dramática, embora seja
apenas verbal;
“passa-passa” (At. G. 5)
como atividade lúdica
cooperativa com regras.
Enquanto segundo o ponto
de vista do pesquisador,
por suas observações,
além da classificação
citada, também seriam
consideradas e
classificadas as
seguintes atividades:
-
• balançar o corpo para
frente e para trás”
(At. I. 2) e “subir
escadas pulando os
degraus” (At. L1)), como
atividades lúdicas
solitárias funcionais;
-
• “imitar a telefonista”
(At. I. 4), como atividade
lúdica solitária
dramática;
-
• “subir escadas junto
com as colegas pulando
os degraus” (At. G. 3) e
“disputar corridas”
(At. G. 8), como
atividades lúdicas
associativas funcionais.
Criança 5: Joaquim
1. Dados obtidos através
das observaçõesForam observadas e
registradas as seguintes
atividades lúdicas
realizadas por Joaquim:
Atividades individuais:
-
1. brincar com Lego na
mesma mesa que outros
meninos, mas cada um
construindo objetos
diferentes, sem
interação com os demais;
-
2. segurar um boneco;
-
3. enfiar contas em um
barbante na mesma mesa
que os outros colegas,
mas sem interagirem;
-
4. brincar de empurrar
carrinho no chão;
-
5. Quanto aos
comportamentos em grupo
observados em Joaquim,
registrou-se apenas:
brincar no parque.
2. Dados obtidos através
da entrevistasJoaquim informou que
considera como
atividades lúdicas, as
seguintes, das
atividades observadas e
relatadas anteriormente:
-
1. brincar Lego com os
colegas (At. I. 1);
-
2. brincar com o boneco
(At. I. 2);
-
3. brincar de carinho
(At. I. 4);
-
4. brincar no parque: no
balanço, gira-gira e
trepa-trepa (At. G. 1).
Observou-se que Joaquim
não considera a
atividade de enfiagem
(enfiar contas em um
cordão), como uma
brincadeira e sim como
uma “tarefa”, sugerida
pela técnica responsável
pelos meninos que atuava
naquele horário.
3. Análise e
interpretação dos dados
de observação e
entrevista das
atividades lúdicas, do
ponto de vista da
criança e do pesquisadorAs atividades lúdicas,
do ponto de vista de
Joaquim, não coincidem
com todas as atividades
registradas pelo
pesquisador enquanto
apenas observador e
podem ser assim
categorizadas, conforme
a classificação de jogos
proposta por Rubin,
Maioni e Hornung (1976):
-
• brincar com Lego perto
de outras crianças, mas
sem interação (At. I. 1),
como atividade lúdica
paralela construtiva;
-
• brincar com boneco
(At. I. 2) e brincar com
carrinho (At. I. 4), como
atividades lúdicas
solitárias dramáticas;
-
• brincar no parque
(At. G. 1), como
atividade lúdica
paralela funcional.
Caso fosse considerado
apenas o ponto de vista
do pesquisador enquanto
apenas observador,
teríamos o seguinte rol
de atividades lúdicas,
assim classificadas:
-
• brincar com Lego perto
de outras crianças, mas
sem interação entre o
grupo (At. I. 1), como
atividade lúdica
paralela construtiva;
-
• segurar um boneco
(At. I. 2) e empurrar no
chão o carrinho
(At. I. 4), como
atividades lúdicas
solitárias funcionais;
-
• enfiar contas em um
barbante (At. I. 3),
como atividade lúdica
solitária construtiva.
Criança 6: Nicolau
1. Dados obtidos através
das observaçõesForam observados as
seguintes atividades
lúdicas de Nicolau:
Atividades individuais:
-
1. balançar as pernas;
-
2. cantarolar;
-
3. brincar com peças de
lego na mesma mesa que
outros meninos, mas sem
interação entre eles;
-
4.
Atividades no parque.
Entre as atividades
lúdicas observadas,
foram registrados como
atividades em grupo,
apenas:
1. dramatização de tema:
polícia e bandido.
2. Dados obtidos através
das entrevistasNas entrevistas com
Nicolau, foram obtidas
informações, que
permitiram evidenciar,
que dos comportamentos
relatados, foram por ele
considerados como
atividades lúdicas:
• balançar no parque
(At. I. 4);
• “fazer de conta” de
polícia e ladrão
(At. GA).
Cabe salientar que,
quanto à atividade de
“brincar no parque”,
Nicolau não agiu
espontaneamente, tendo
sido estimulado pela
técnica responsável pelo
seu grupo, naquele
horário.
Do ponto de vista da
criança, suas atividades
lúdicas são
predominantemente
grupais: balançar no
parque e brincar de
“fazer de conta” de
policia e ladrão, haja
vista que ele não
compreende a atividade
observada e registrada
como atividade lúdica
individual - brincar com
peças de Lego - como
tal. 3. Análise e
Interpretação dos dados
de observação e
entrevistas das
atividades lúdicas, do
ponto de vista da
criança e do pesquisador
De acordo com Rubin,
Maioni e Homung (1976)
estas atividades, do
ponto de vista de
Nicolau, podem ser assim
classificadas:
-
• balançar no parque
(At. J. 4), como atividade
lúdica paralela
funcional;
-
• “fazer de conta” de
policia e ladrão
(At. G. 1), como
atividade lúdica
cooperativa dramática.
Considerando-se o ponto
de vista do pesquisador,
apenas enquanto
observador, a atividade
registrada como: brincar
com peças de lego, na
mesma mesa, mas sem
interação entre os
elementos do grupo
(At. I. 3), seria
considerada como
atividade lúdica
paralela construtiva,
além de classificação
citada acima. Criança 7: Francisco
1. Dados obtidos através
das observaçõesDas atividades lúdicas
observadas, foram
consideradas:Atividades individuais:
-
1. ouvir história de um
disco enquanto reproduz
os sons ouvidos através
de expressão corporal;
-
2. manipular peças de
Lego;
Atividades em grupo:
-
1. Manipular peças de
Lego junto com os
colegas, construindo um
objeto em comum;
-
2.
“fazer-de-conta” com um
enredo.
-
3. Dados obtidos através
das entrevistas
Através das entrevistas
com Francisco, obteve-se
dados que permitem
evidenciar que, das
atividades relatadas,
ele considera como
atividade lúdica,
apenas: brincar com Lego
(At. G. 1).
Cabe salientar que a
atividade registrada
como “faz-de-conta”,
Francisco considera como
“fazer o filme” e não
como uma brincadeira.
Analisando-se os dados
obtidos nas entrevistas
realizadas com Francisco
observa-se que a
atividade registrada e
classificada como
“dramática” - situação
de faz-de-conta, em que
os grupos de meninos
simulavam alguns
personagens que
interagiam a partir de
um “enredo” criado por
eles, não é percebido
como brincar e sim
“fazer o filme”.
Quando inquiri Francisco
para compreender esse
“filme”, justificou pelo
fato de ter continuidade
em outros momentos em
que o grupo estiver
reunido, continuando o
“enredo” a partir do
ponto de que foi
suspenso.
Cabe ressaltar que tive
oportunidade de
constatar, em situações
de trabalho, o mesmo
tipo de atividade sendo
realizado por outras
crianças da Instituição.
Observo ser uma
atividade bastante comum
e apreciada por eles. Na
opinião de todas as
crianças entrevistadas,
esta atividade é mais
considerada como um
“filme” e não como uma
brincadeira de
faz-de-conta, embora
seja “faz de conta”.
3. Análise e
interpretação dos dados
e observação e
entrevista das
atividades lúdicas, do
ponto de vista da
criança e do pesquisadorDo ponto de vista da
criança, seria
considerado como
atividade lúdica, apenas
o brincar com Lego
(At. G. 1), que segundo a
classificação dos jogos
proposta por Rubin,
Maioni e Hornung (1976),
poderia ser classificado
como atividade lúdica
solitária construtiva.
Considerando-se o ponto
de vista do pesquisador,
teríamos a identificação
das seguintes atividades
lúdicas, assim
classificadas:
-
• ouvir história de um
disco enquanto reproduz
os sons ouvidos através
de expressão corporal
(At. I. 1), como atividade
lúdica paralela
funcional;
-
• manipular peças de
Lego (At. I. 2) como
atividade lúdica
solitária construtiva;
-
• manipular peças de
Lego em grupo (At. G. 1),
como atividade lúdica
cooperativa com regras;
-
• atividade de “fazer de
conta” com um enredo
(At. G. 2), como
atividade lúdica
cooperativa dramática.
Criança 8: João
1. Dados obtidos através
das observaçõesDas observações das
atividades lúdicas
realizadas por João, foi
identificado apenas uma
individual: ouvir
história de um gravador.
Das atividades lúdicas
em grupo, observadas,
foram registradas:
-
1. imitar sons: do
vento, do mar, dos
animais, a partir de uma
história contada pela
responsável naquele
horário, que estimulava
a imitação;
-
2. dramatização -
história de um navio
afundado e que os
marinheiros foram
procurar comida na ilha
(o “enredo” foi sugerido
pela responsável e pelos
meninos);
-
3. construir objetos com
peças de Lego, sendo que
cada menino era
responsável por uma
tarefa;
-
4. fingir que é polícia
e bandido;
-
5. brincar no parque:
gira-gira, trepa-trepa,
balançar.
2. Dados obtidos através
das entrevistasOs dados das entrevistas
com João evidenciaram
que ele compreende por
brincar, as seguintes
atividades:
-
• construir objetos com
os colegas, utilizando o
Lego (At. G. 3);
-
• brincar no parque
(At. G. 5).
Cabe salientar que
quanto à atividade
observada e registrada
como imitar sons: do
vento, do mar, de
animais a partir de uma
história contada (pela
funcionária responsável
pelas crianças naquele
horário, que estimulava
a imitação), foi
concebida por João como
uma “tarefa”, assim como
a “dramatização”, também
sugerida, dado que se
tratava de uma atividade
de estimulação de
imitação comandada pela
funcionária responsável
pelas crianças.
Quanto à atividade
registrada como “fingir
de polícia e bandido,
novamente constatou-se a
sua identificação, por
João, como “filme”.
3. Análise e
interpretação dos dados
de observação e
entrevista das
atividades lúdicas, do
ponto de vista da
criança e do pesquisadorA partir da
classificação proposta
por Rubin, Maioni e
Hornung (1976), as
atividades lúdicas
realizadas por João,
segundo o seu ponto de
vista, podem ser assim
classificadas:
-
• construir objetos com
colegas, utilizando Lego
(At. G. 3), como atividade
lúdica cooperativa
construtiva;
-
• brincar no parque
(At. G. 5), como
atividade lúdica
associativa funcional.
Considerando-se o ponto
de vista do pesquisador
enquanto observador,
teríamos a identificação
das seguintes
atividades, assim
classificadas:
-
• imitar sons (At. I. 1),
dramatização de cena
(At. I. 2), como
atividades lúdicas
associativas dramática;
-
• construir objetos com
peças de Lego, sendo que
cada menino era
responsável por uma
tarefa (At. G. 3); como
atividade lúdica
cooperativa construtiva;
-
• fingir que é polícia e
bandido (At. G. 4), como
atividade lúdica
associativa dramática;
-
• brincar no parque
(At. G. 5) como
atividade lúdica
associativa funcional.
Discussão e
Considerações Finais
Neste capitulo, num
primeiro momento, serão
discutidos os resultados
da análise dos dados das
observações, das
entrevistas e
classificações das
atividades lúdicas,
segundo o ponto de vista
as crianças e do
pesquisador, de cada
criança.
Num segundo momento,
serão discutidos os
resultados observações,
das entrevistas e das
classificações das
atividades lúdicas
segundo os pontos de
vista da criança e do
pesquisador, no seu
conjunto, finalizando
com algumas
considerações sobre os
resultados do estudo
realizado.
5. 1. Discussão dos
resultados de cada uma
das crianças
Criança 1: Maria
Pelos dados obtidos nas
observações e
entrevistas,
evidencia-se que Maria
apresenta atividade
lúdica espontânea comum
às crianças videntes de
mesma faixa etária,
segundo Piaget (1978).
Evidenciou-se, nos dados
de observação, e foi
confirmado através das
entrevistas, o
predomínio das
atividades lúdicas em
grupo, segundo a
classificação dos jogos
proposta por Rubin,
Maione e Hornun (1976).
Predominaram, quanto à
estrutura, as atividades
lúdicas funcionais,
sendo também observadas
atividades cooperativas
e com regras, segundo a
teoria da classificação
dos jogos proposta por
Piaget (1978).
Os dados obtidos
evidenciam, também,
comportamentos tidos
como peculiares pelo
pesquisador como o
“balanço do corpo para
frente e para trás”, que
não é considerado pela
criança como uma
atividade lúdica
voluntária. Cabe
salientar que essa
atividade acontece,
principalmente, nas
situações em que Maria
está desocupada. Esse
comportamento,
denominado por Barnard
(1982) como
auto-estimulação, e
segundo esse autor,
embora pareça comum, não
é privativo da população
deficiente visual.
O comportamento citado,
também pode ser
considerado, segundo
Piaget (1978), como
resquício das reações
circulares reflexas,
portanto justifica-se
que não seja
compreendido por Maria
como uma atividade
lúdica voluntária e
espontaneamente
produzida.
Observou-se, ainda, que
a concepção de Maria
sobre o que é brincar em
grupo é diferente do
ponto de vista do
pesquisador. Para Maria,
estar no mesmo espaço
físico, manipulando o
mesmo tipo de objetos,
que outras meninas,
significa estar
“brincando com as
colegas”, ainda que não
exista interação entre
as meninas, portanto é
concebida como uma
atividade em grupo,
enquanto para o
pesquisador, foi
registrada como
atividade individual.
Esse dado, corrobora os
estudos piagetianos
apresentados, quanto à
compreensão peculiar que
a criança cega
apresenta, das situações
e experiências vividas. Criança 2: Juliana
Os dados, obtidos nas
observações e
entrevistas, evidenciam
que Juliana apresenta
atividades lúdicas
espontâneas,
predominantemente do
tipo funcional, segundo
Piaget (1978), dado que,
segundo este autor,
parece ser comum às
crianças videntes mais
novas.
Evidencia-se, ainda, o
predomínio de atividades
lúdicas individuais,
segundo a classificação
dos jogos proposta por
Rubin, Maione e Hornung
(1976), denotando
restrita participação
social, no entender dos
autores que estudaram
este aspecto, como
Parten(apud Hussein,
1986).
Juliana também
demonstrou o
comportamento de
“balanço do corpo para
frente e para trás”
considerado como
peculiar, pelo
pesquisador, e
denominado
auto-estimulação por
Barnard (1982), que o
considera comum, mas não
privativo das crianças
deficientes visuais.
Foram, ainda,
evidenciadas atividades
lúdicas consideradas,
segundo a classificação
dos jogos de Rubin,
Maione e Hornung (1976)
como atividade lúdica
solitária dramática.
A atividade lúdica
“dramática” apresentada
por Juliana, parece
corresponder ao que
Piaget (1978) denomina
por simbolização
concreta, comum às
crianças videntes mais
novas, estudadas por
esse autor. Criança 3: Tereza
Os dados, de observação
e entrevista, evidenciam
atividade lúdica
espontânea, comum às
crianças videntes de
mesma faixa etária,
segundo Piaget (1978).
Observa-se que, para
Tereza, não são
compreendidas como
atividades lúdicas
aquelas que são
“sugeridas” por outras
pessoas (no caso, pela
técnica responsável
pelas meninas no horário
das observações). Um
exemplo foi a atividade
observada e registrada
como lúdica: “enfiar
contas em um cordão”, a
qual Tereza refere-se
como uma “tarefa”.
Esse dado demonstra,
como a compreensão do
que seja atividade
lúdica é feita pela
oposição às atividades
de trabalho, tal como
acontece com as crianças
videntes estudadas por
Piaget (1978).
Observa-se, ainda, a
prevalência de
atividades lúdicas
funcionais, ou seja,
jogos de exercício,
utilizando o próprio
corpo como instrumento,
o que segundo Piaget
(1978) parece ser
característico de
crianças videntes mais
novas.
Cabe ressaltar que mesmo
as atividades, que
apresentam simbolização
ou regras, ficaram
restritas ao uso do
próprio corpo ou ao
corpo dos colegas, como,
por exemplo: prender o
cabelo da colega, fingir
de mamãe e filhinha,
evidenciando o
predomínio das
experiências mais
concretas e conhecidas,
como afirma Wilis
(1965).
Também foram observadas
atividades lúdicas
dramáticas e
cooperativas com regras,
segundo a classificação
dos jogos proposta por
Rubin, Maione e Hornung
(1976)Criança 4: Josefa
Pelos dados obtidos nas
observações e
entrevistas, Josefa
parece apresentar
atividade lúdica
espontânea, comum às
crianças videntes de
mesma faixa etária,
segundo a classificação
dos jogos proposta por
Rubin, Maione e Hornung
(1976).
Observou-se o predomínio
de atividades lúdicas em
grupo, revelando,
segundo as autoras
citadas, interação e
participação social,
comum às crianças
videntes, de mesma faixa
etária, por eles
estudadas.
Nesta criança, também,
evidenciaram-se as
atividades lúdicas
utilizando o próprio
corpo ou o corpo das
colegas, caracterizando
assim o interesse de
Josefa pelas atividades
mais concretas, dado que
corrobora a afirmação de
Wilis (1965), quanto a
este aspecto.
Evidenciou-se, ainda,
novamente, a presença do
comportamento tido como
peculiar pelo
pesquisador, como “o
balanço do corpo para
frente e para trás”,
denominado por Barnard
(1982) como
auto-estimulação e
segundo este autor,
embora pareça ser comum
nessa população, não é
exclusivo.
Portanto, pelo fato de
constituir-se como
“auto-estimulação”,
justifica não ser
compreendido por Josefa
como uma atividade
lúdica autônoma e
espontaneamente
produzida, ou, no dizer
de Piaget (1978), pode
ser considerada como
resquício das reações
circulares reflexas.
Outro dado observado e
registrado pelo
pesquisador como
“peculiar”, refere-se à
observação de atividade
lúdica simbólica,
restrita à dramatização
verbal, desvinculada da
expressão corporal, e
justifica se, como
contingência da
limitação decorrente de
sua deficiência, quanto
ao aprendizado dos
gestos e posturas
através da imitação
visual, como afirma
Lowenfeld (1971). Criança 5: Joaquim
Com base na
classificação das
atividades lúdicas
proposta por Rubin,
Maione e Hornun (1976),
parece poder-se afirmar,
que os dados, obtidos
através das observações
e entrevistas,
demonstram que Joaquim
apresenta atividade
lúdica espontânea,
predominantemente
individual.
Observa-se o predomínio
de atividades físicas ou
funcionais, utilizando o
próprio corpo, segundo
Piaget (1978).
Evidenciou-se, também
nesta criança, a não
compreensão como
atividade lúdica das
atividades “sugeridas”
(como por exemplo
“enfiar contas em um
cordão”) por outras
pessoas (no caso pela
técnica responsável
pelos meninos no horário
das observações)
corroborando a definição
proposta por Piaget
(1978), quanto às
características das
atividades lúdicas. Criança 6: Nicolau
Os dados apresentados
demonstram que Nicolau
participa,
espontaneamente, de
atividades lúdicas em
grupo embora
prevaleceram atividades
individuais.
Cabe salientar, que a
atividade “sugerida”, no
caso, pela técnica
responsável pelos
meninos nos horários
extra aula, não são
compreendidas como
brincar, e sim cumprir
tarefas.
Observa-se ainda, a
peculiaridade
apresentada na atividade
lúdica dramática, em que
prevalece a descrição
verbal das cenas.
Nesta criança também foi
observado o
comportamento de
“balanço do corpo para
frente e para trás”,
registrado pelo
pesquisador como
peculiar, mas que a
literatura informa, como
citado anteriormente,
não ser uma atividade
específica dessa
população. Criança 7: Francisco
Pelos dados obtidos nas
observações e
entrevistas, pode-se
afirmar que Francisco
apresenta atividade
lúdica espontânea, comum
às crianças videntes de
mesma faixa etária.
Observou-se atividades
em grupo e individuais
em equivalência
evidenciando restrita
participação social,
segundo Partenn
(apud Hussein, 1986).
Predominam, quanto à
estrutura, as atividades
lúdicas física, embora
foram observadas também,
atividades dramáticas
(“fazer de conta”) e
construtiva (“Lego”),
segundo Piaget (1978).
Cabe salientar que
quanto à atividade
dramática observada e
assim classificada pelo
observador, foi descrita
pela criança como sendo
um filme, ficando claro
em sua explicação, a
diferença quanto a
conceituação sobre as
experiências vividas,
denotando forma peculiar
de compreensão, como
afirma Cromer (1973). Criança 8: João
Pode-se afirmar, pelos
dados obtidos nas
observações e
entrevista, que João
apresenta atividade
espontânea, comum às
crianças videntes de
mesma faixa etária
segundo Piaget (1978).
Evidenciaram-se as
atividades em grupo, não
tendo sido observadas
atividades individuais,
o que parece demonstrar,
segundo Parten (apud
Husseim, 1986), adequada
participação social.
Observou-se também,
atividades lúdicas
funcionais e
cooperativas com regras
segundo a classificação
dos jogos proposta por
Rubin, Maione e Hornung
(1976).
5. 2. Discussão dos
resultados do grupo em
seu conjunto:
Os resultados obtidos no
presente estudo, através
das observações e
entrevistas
individualmente, como
foram relatados
anteriormente, mostram
que o grupo de crianças
cegas não se caracteriza
por apresentar
atividades lúdicas
peculiares, mas revela
que a condição de
deficiência visual
determina, de modo
significativo, a forma
de expressão de suas
atividades lúdicas.
Segundo os dados
obtidos, através das
observações e
entrevistas com o grupo
de crianças cegas
estudadas, estas
apresentam atividades
lúdicas comuns às
crianças videntes,
quanto seu conteúdo, mas
peculiar quanto sua
forma de expressão.
Está afirmação corrobora
os dados encontrados nos
estudos apresentados
sobre o desenvolvimento
da criança deficiente
visual, principalmente,
os piagetianos, como o
de Cromer (1973), o que
nos leva a suspeitas de
que a peculiaridade
destas crianças é a
maneira de lidar com as
experiências. Um exemplo
desse modo peculiar é a
dramatização apenas
verbal, desvinculada da
expressão corporal, o
que, em certa medida, é
esperado; uma vez que
estas crianças, privadas
da possibilidade de
imitação e conseqüente
aprendizado de gestos e
posturas, apresentam
real prejuízo quanto à
este aspecto. Essa
observação parece
corroborar as conclusões
apresentadas por Swallow
(1976), sobre a
desvantagem do
deficiente visual quanto
à socialização que é
comprometida pela
ausência da percepção
visual das expressões
fisionômicas nos
relacionamentos
interpessoais.
A prevalência de
atividades em grupo,
suscita a formulação de
hipóteses quanto à sua
ocorrência, tal como, a
necessidade de troca
afetiva entre essas
crianças, a identidade
pessoal das crianças
deficientes visuais e o
fato de estarem em uma
instituição, que poderão
ser verificadas em
estudos posteriores.
Um aspecto, que ficou
evidenciado no presente
estudo, foi a não
prevalência das
atividades funcionais,
com o próprio corpo, que
a princípio parecia ser
esperado. A experiência,
no trabalho com estas
crianças, tem revelado
que quando colocadas em
contato com materiais e
brinquedos concretos,
como por exemplo, nas
sessões de observação
lúdica com objetivo de
psicodiagnóstico, essas
crianças os exploram,
demonstram interesse em
alguns objetos e também
criam situações de
“brincadeira”,
simbolizando,
construindo,
dramatizando.
Cabe ressaltar, ainda,
quanto ao aspecto
citado, que durante os
horários livres, não foi
observado em nenhuma das
dependências da
Instituição, acesso
livre à brinquedos, tal
como o fazem as crianças
em suas casas,
constituindo-se em falta
de condições prévias
para esta atitude.
Contudo, faz-se
necessário conhecer e
analisar essas
“brincadeiras”, quanto
ao seu conteúdo e forma,
para que possa
compreender seu
significado psicológico,
o que seria, também,
interessante ser
investigado, em estudos
posteriores.
Nas situações em que
foram oferecidos para as
crianças brinquedos como
o “lego” e “contas para
enfiar no cordão”, pelos
dados obtidos segundo as
observações e
entrevistas,
evidencia-se que estas
crianças as
compreenderam como
“tarefas” e não como
atividades lúdicas
espontâneas.
Quanto ao comportamento
de “balanço do corpo”,
interpretado pelo
pesquisador como
atividade peculiar,
observada na maioria das
crianças estudadas,
seria prematuro afirmar
que pertine
exclusivamente às
crianças cegas, dada a
restrição da amostra
estudada e as limitações
do presente estudo,
sugerindo-se que novas
investigações sejam
posteriormente
desenvolvidas, sobre as
atividades lúdicas
espontâneas dessa
população.
Ao final deste estudo,
constata-se que apesar
das limitações e
dificuldades
encontradas,
possibilitou uma
aproximação ao universo
das crianças cegas, numa
visão preliminar quanto
os aspectos
investigados.
Conclui-se, pois, pela
necessidade de novos
estudos com ampliação da
amostra, bem como
diversificação das
faixas de idade dos
sujeitos, saindo também
do âmbito da escola
residencial, como a
Instituição onde este
estudo foi desenvolvido,
a fim de se obterem
maiores informações
sobre o brincar da
criança cega.
-
ABERASTURY, A
Psicanálise da criança -
Teoria e Técnica. Porto
Alegre, Artes Médicas,
1982.
-
AMIRALIAN, Maria Lúcia
T. M. Psicodiagnóstico
do Cego Congênito -
Aspectos cognitivos. São
Paulo, 1986. Dissertação
Mestrado - I. P. U. S.
P.
-
-
ANDERSON, D.
W. e OLSON,
M. R. Word Meaning Among
Congenitaly Blind
Children. Journal of
Visual Irnpairnient
Blindness. April, 1981,
v. 75, no 4.
-
ARAUJO, Vânia
C. de. O Jogo no
contexto da Educação
Psicomotora. São
Paulo, Cortez, 1992.
-
ARIÈS, Philippe.
História Social da
Criança e da
Família. Trad. Dora Flaksman. Rio de
Janeiro, Ed. Guanabara,
1981, 2ª ed.
-
ARQUILLOUX, J. C. A
Entrevista da Criança
através do Diálogo, do
Brinquedo e do
Desenho. Trad. De Ana Lúcia T.
Ribeiro. Rio de Janeiro,
Ed. Guanabara, 1988.
-
ASHCROFT, Samuel C.
Crianças Cegas e Amblíopes, In. DUNN, L.
M. (organizador)
Crianças Excepcionais
seus Problemas e sua
Educação. Rio de
Janeiro, Ao Livro
Técnico S. A, 1971.
-
AXLINE, V.
M. Ludoterapia, a Dinâmica
Interior da CrL B. H. Interlivros,
1972.
-
BANDUCCI, Luiza. O
Reajustamento Social do
Cego. Trabalho de
Conclusão de Curso -
Serviço Social, doado à
biblioteca da F. L:C. B.
São Paulo, 1951.
-
BARNARD, K. E. Como
Educar crianças com
problemas de
desenvolvimento. Rio de
Janeiro. 5. ed. , 1982.
-
BARRAGA, Natalie C.
Visual Handicaps e
Learning a Developmental
Aproach, California
Univ. of Texas at Austin
Belmont. By Wadsworth
Publisching Comapany,
1976.
-
BENJAMIN, Walter.
Reflexões: a criança, o
brinquedo, a educação.
Trad. Marcus Vinínius
Mazzari. São Paulo,
Summus, 1984.
-
BOMTEMPO, Edda (org. )
Psicologia do Brinquedo
- Aspectos T e
Motodológicos. Edda
Bomtempo, Carmem L.
Hussein, Maria Aparecida
T. Zamberlan. São Paulo,
Nova Stella: Ed. da Usp,
1986.
-
BRANSON, H. K. & BRANSON,
R. “Os Problemas
Específicos da Criança
Cega”. Lente. São Paulo,
F. L. C. B. 4(11: 25-30, abril, 1958
-
BROUGÉRE Guies.
Brinquedo e Cultura. Trad. Adap. Por Gisela
Wajskop. São Paulo,
Cortez, 1995.
-
BURLINGHAN, D. “Some
Problems of Ego
Development in Blind
Children”. Psychoanalyte
Study Child, 20,
194-208, 1961.
-
-
CATHERINE Domahioy -
DAMI & LUCI Banks Leite.
As Provas Operatórias no
Exame das Funções
Cognitivas. In: Leite,
Luci Bancks (org. ) Pia
get e a Escola de
Genebra. 2ª ed. São
Paulo: Cortez, 1992.
-
CHATEAU, J. O Jogo e a
Criança. Trad. Guido de
Almeida. São Paulo,
Summus, 1987, 2ª ed.
-
CHIAROTTINO, Z. R.
Piaget: Modelo e
estrutura. Rio de
Janeiro, Ed. José Olimpio, 1972.
-
CHIAROTTINO, Z. R. Em
busca da obra de Jean
Pia get. São Paulo, Ed.
Ética, 1984.
-
CHIAROTTINO, Z. R.
Psicologia e
epistemologia genética
de Jean Piaget. São
Paulo, Ed. Pedagógica e
Universitária Ltda.
, 1988.
-
CROMER, R. F.
Conservation by the
congenitally blind. Br.
J. Psychology 1973, 64,
2, pp 241-250.
-
CUTSFORT
, T. D. O Cego
na Escola e na Sociedade
- Um estudo psicológico,
Trad. Jurema L.
Venturini, São Paulo,
1969, F. L. C. B (Publicado
originalmente em 1951).
.
-
DOLLE, J. M. Para
Compreender ]ean Piaget:
uma iniciação à
psicologia genética
piagetiana. Trad. de
Maria José J. G. de
Almeida. Rio de Janeiro,
Ed. Guanabara, S. A,
1987.
-
ENCICLOPÉDIA MJRADOR
INTERNACIONAL, São
Paulo, Ed. Encyclopaedia
- Britânica do Brasil,
Publicações Ltda, 1976,
v. 6.
-
FERREIRA, Aurélio B. H.
Novo Dicionário da
Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro, Nova
Fronteira, 1993, 3’ ed.
-
FLAVEL, J. H. A
Psicologia do
desenvolvimento de Jean
Piaget. Trad. Maria H.
S. Patto. São Paulo, Ed.
Pioneira, 1988.
-
FRAIBERG, S. Esquemas
Paralelos X Divergentes
ell ninõs Ciegos y
Videntes. Int. Univ.
Press. Inc. Vol. 23, N.
Y. American Foundation
por Oversens Blind,
Cordoba, Argentina,
1976.
-
FREVO, 5. “Mais Além do
Princípio do Prazer”, In
Obras Conipletas.
-
FRIEDMAN, A et. Alli. O
Direito de Brincar: a
brinquedoteca. São
Paulo, Scritta, Abrinq,
1996.
-
FUNDAÇÃO PARA O LIVRO DO
CEGO NO BRASIL. Artigos
sobre Cegueira e Visão
Sub-Normal. São Paulo,
Coleção 01/86, 1986.
-
GOULART, 1. B. Piaget -
experiências básicas
para utilização pelo
professor. Petrópolis,
Ed. Vozes, 1993, 8ª ed.
-
GOTTESMAN, M. Stage
Develpment of Blind
Children: A Piagetian
View The New Outlook-
for the hlind, march
1976, vol. 70
-
HALL, A Mental Images and the cognitive
development of the
congenitaly blink.
Journal of Visual
Imparment e Blindness,
sptemher, 1981, vol. 75,
n° 7.
-
HALLIDAY, C.
Crescimento,
aprendizagem e
desenvolvimento da
criança visualmente
incapacitada do
nascimento à idade
escolar. São Paulo,
F. L. C. B. , 1975.
-
HUIZINGA, J. Homo
Ludens: O Jogo como
elemento da cultura. São
Paulo, Ed. Perspectiva,
1971.
-
HUSSEIN, C. M.
Comportamento Social.
In. BONTEMPO, E.
Psicologia do Brinquedo
- Aspectos Teóricos e
Metodológicos. São
Paulo, Nova Stella, Ed.
da USP, 1986.
-
KLEIN, M. Psicanálise da
Criança. São Paulo,
Mestre Jou, 1969.
-
KISHIMOTO, T. M. O Jogo
e a Educação Infantil.
São Paulo, Ed. Pioneira,
1994.
-
LAMBERT, R. e WEST, M. Parenting styles and
depressive syndrome in
congenitally blind
individuais. Journal of
Visual Impairment and
Blinkness. Canadá, 74
(9): 333 - 337, nov.
1980, In. Artigos Sobre
Cegueira e Visão Sub-
Normal, F. L. C. B. ,
1986.
-
LEBOVICI, S. e DIATKINE,
R. Significado e Função
do Brinquedo para a
criança. Trad. de Liana
Di Marco. Porto Alegre,
Artes Médicas, 1985, 3a
ed.
-
LOWENFELD, B.
Psychological
Foundations of Special
Methoos in Teaching
Biind Children, Zahal,
p. ª Ed. Blindness, N. J.
Princeton University
Press, 1951.
-
LOWENFELD, B.
Psychological problems
of children with
impaired vision.
Psychology of
Exceptional Children and
Youth third edition.
Org. por Willian M.
Cruickshank, Phd. The
University of Michigan,
New Yersey,
Prentice-hall, enc,
Englewood Cliffs, 1971, cap. 5.
-
LOWENFELD, B. A
Psychological Approach
to Blindness. Select
Papers N. Y. B. L. American
Fundation for the Blind,
1981.
-
-
MASINI, E. S. F. A
Educação do Portador de
Deficiência Visual - As
Perspectivas do Vidente
e do não Vidente.
Tendências e Desafios da
Educação Especial. Org.
Eunice M. L. S. de
Alencar. Brasília,
S. E. E. S. P. , 1994.
-
MOOR, P. M. “Crianças
cegas com problemas de
desenvolvimento”. Lente,
35 (XI); 19-32, out-dez,
1967.
-
MUSSEN, P. H. ; CONGER,
J. J. ; KAGAN, J. e
HUSTON, A C. Desenvolvimento e
Personalidade da
Criança. São Paulo, Ed.
Harbra Ltda. , 1995,
3ª ed.
-
NAGERA, H. e COLONNA,
B. B. Aspects of the
contribution of sieth to
ego na drive
developnient.
Psychoanalytic study of
the child, 20, p.
267-287, 1965.
-
OAKLANDER, Violet.
Descobrindo Crianças.
São Paulo: Summus, 1980.
OLIVEIRA, P. de 5. O que
é Brinquedo. São Paulo,
1989, 2ª ed.
-
PENAZZO, A A Um estudo
sobre a aprendizagem de
conceitos por crianças
deficientes mentais
moderadas. Tese de
Doutorado. São Paulo,
Instituto de Psicologia
da Universidade de São
Paulo, 1994.
-
PIAGET, J. Psicologia da
Inteligência. Trad. De
Egléa de Alencar, Rio de
Janeiro, Ed. Fundo de
Cultura, S. A, 1958.
-
PIAGET, J. Psicologia e
Pedagogia. Trad. de
Dirceu A Lindosoe Rosa
M. R. da Silva. São
Paulo, Ed. Forense,
1970.
-
PIAGET, J. A Construção
do Real na Criança.
Trad. de Alvaro Cabral.
Rio de Janeiro, Ed.
Zahar, 1975.
-
PIAGET, J. O Nascimento
da Inteligência na
Criança. Trad. de Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro,
Ed. Zahar, 1975.
-
PIAGET, J. A Formação do
Símbolo na Criança:
imitação, jogo e sonho,
imagem e representação.
Trad. Alvaro C. e
Christiano M. Oiticica.
Rio de Janeiro, Ed.
Zahar, 1978, 3ª ed.
-
PIAGET, J. Psicogênese
do conhecimento e seu
significado
epistemológico. In.
PIATELLE-PALMARJNI, M.
(org. ). Teorias de
linguagem Teorias da
aprendizagem: o debate
entre Jean Piaget e Noam Chomski. Trad. Alvaro
Cabral. São Paulo, Ed.
Cultrix, 1983, pp.
39-49.
-
PIAGET, J. O ]uízo Moral
na Criança. São Paulo,
Summus Editorial, 1994.
-
PIAGET, J. e INHELDER,
B. A Psicologia da
Criança. Trad. de
Octávio Mendes Cajado.
São Paulo, Difusão
Editorial S. A, 1980, 6ª
ed.
-
RIZZI, L & HAYDY, C.
Atividades Lúdicas na
Educação da Criança: Subsídios Práticos para
Trabalho na Pré-Escola.
São Paulo: Ática, 1991,
3ª ed.
-
ROSAMILHA, N. Psicologia
do Jogo e Aprendizagem
Infantil. São Paulo,
Pioneira, 1979.
-
RUBIN, K. H. ; MAJONI, T.
L. e HORNUNG, M. Free
Plav Behaviors in Middle
- ande Lower-Class
Preschoolers: Parten and
Piaget Revisited In
Chíld Development, 1976,
47, 414-419.
-
SÁ, Elizabeth D. de
Lazer sem Deficiência.
Revista Amae Educando.
Ano XXV, n 229. Ago de
1992 - Associação
Mineira de Ação
Educacional-
Fundação AMAE para a
Educação e Cultura.
-
SCHOLL, Geraldine T.
Efectos Psico-sociales
de la Ceguera. American
Foudantion por Overseas
Blind, Enc. Oficina
Latino Americana, 1973.
-
SCHOLL, Geraldine T. A
Educação de Crianças com
Dis Visuais. In.
CRUICKSHANIK, W. M.
(org. ). Educação de
Excepcionais. Rio de
Janeiro, Ed. Globo,
1982, 3ª ed.
-
SWALLOW, R. M. Piaget’s
Theory and the Visually
Handicapped Learner. The
New Outlook for the
Blind. September, 1976,
vol. 70, n° 7.
-
SHTJLZ, P. Trabalho de
grupo com famílias de
cegos, in Lente, 42
(XIX): 3 - 11, jan-jun,
1970.
-
TELFORD, C. W. e SAWREY,
J. M. O Indivíduo
Excepcional. Trad.
Álvaro Cabral. Rio de
Janeiro, Zahar,
editores, 1978, 3a ed.
-
VYGOTSKY, L. S. A
Formação Social da
Mente: o desenvolvimento
dos processos
psicológicos superiores.
São Paulo: M. Pontes,
1989, 3ª ed.
-
WAJSKOP, G. Brincar na
Pré-Escola. São Paulo,
Cortez, 1995.
-
WILLS, D. M. Some
observations on Blink
Nursey School Children’s
Understanding of their
world. Pst Study of the
Child, 20, p. 344-364,
1965.
-
WINNICOTT, D. W. O
Brincar & a Realidade.
Rio de Janeiro: Imago,
Ed. Ltda, 1975.
-
-
1. Ludoterapia - Método de
psicoterapia empregado
principalmente em casos
de crianças e
adolescentes, através do
jogo e do brinquedo (Axline,
1976).
-
2. Braille - sistema de
código composto por
sinais em relevo para decodificação tátil,
criado em 1839 por Louis
Braille, um jovem
estudante cego, a partir
da adaptação de um
sistema de codificação
militar utilizado para
comunicações noturnas
(Fundação Para o Livro
do Cego no Brasil 1986).
-
3.
Memória muscular,
segundo Viley (apud
Amiralian, 1986)
consiste na capacidade
dos músculos das pernas
“registrarem” de certa
forma, o número de
contrações necessárias à
locomoção em percursos
conhecidos, altura de
degraus de escadas e
dimensões de espaços
familiares.
“Quando uma porta de
felicidade se fecha, uma
outra se abre;
mas,
muitas vezes, nós
olhamos tão
demoradamente para a
porta fechada
que não podemos ver
aquela que se abriu
diante de nos”.
Helen Keller
ϟ
O
BRINCAR DA CRIANÇA CEGA:
Um estudo psicológico
sobre a atividade lúdica
de crianças deficientes
visuais
Vanda Cianga Ramiro
Dissertação de
Mestrado, 1997
Universidade São Marcos,
São Paulo
Δ
23.Fev.2012
publicado
por
MJA
|