Orquestra de crianças cegas | Museum of the APH for the
Blind
-
-
1. QUAL O OBJETIVO DESTE E-BOOK?
Quando o assunto é o ensino de música a indivíduos com
deficiência visual, vem de imediato à ideia a questão da
leitura das partituras: “Como posso ensinar música a um
aluno se este não consegue ler as pautas?”; “Se o aluno não
for invisual, mas tiver baixa visão, é viável fazer uma
abordagem à leitura de partituras? Como?”; “Que
estratégias posso utilizar, enquanto docente de violoncelo,
para ensinar o aluno a tocar o instrumento quando este
não consegue acompanhar a partitura enquanto toca?”.
Estas são as perguntas que sustentaram esta investigação,
para as quais são apresentadas estratégias pedagógicas
como alternativa ou complemento às utilizadas
convencionalmente, com especial enfoque numa fase
primária da aprendizagem do violoncelo.
Aqui, são exploradas as capacidades físico-motoras e
intelectuais destes alunos, tais como a audição, a
memorização, o tato, a imitação, a improvisação e a
sinestesia. Por ser um livro em formato digital, é passível de
ser lido por voz computorizada, o que concede acesso a
qualquer pessoa.
Os conteúdos abordados neste documento são fruto do
meu Projeto de Investigação, no âmbito do Mestrado em
Ensino de Música – variante Instrumento.
Para esta investigação foram administrados dois
questionários:
-
- A utentes da Associação de Cegos e Amblíopes de
Portugal (ACAPO);
-
- Aos professores de violoncelo do país.
Aferiram-se as dificuldades sentidas por deficientes visuais
em contexto de aprendizagem musical, bem como pelos
professores de violoncelo quando perante alunos com estas
características. As estratégias aqui presentes são práticas
que os professores dos utentes da ACAPO e os
professores de violoncelo utilizaram. A minha experiência
pessoal, enquanto professora de violoncelo de dois alunos
amblíopes é também considerada para este estudo.
Faço votos para que este documento seja partilhado com
todos os que procuram ajuda rápida e simplificada,
especialmente num primeiro contacto com alunos que têm
deficiência visual.
2. AUDIÇÃO, IMITAÇÃO,
ENTOAÇÃO E MEMORIZAÇÃO
Estas estratégias poderão ser utilizadas isoladamente ou combinadas,
em exercícios simples como os que se sugerem:
-
O professor toca numa corda solta, um ritmo fácil de 4 tempos em divisão
binária em pizzicato e com arco. O aluno imita, na mesma corda, o ritmo que
ouviu.
Ex.1
Ex.2
Ex.3
Quando existe uma partitura e se pretende que o aluno toque o que
está escrito, é fundamental estudar com o aluno e ensiná-lo a estudar:
-
O professor canta ou diz o nome das notas, com o ritmo, de 2 compassos. O
aluno canta ou diz.
-
Numa 2º vez, o professor fá-lo-á a tocar, pedindo de seguida ao aluno
que repita.
-
O estudo deve ser feito sempre por pequenas secções, como de 2 em 2 compassos.
Aos poucos, pretende-se juntar esses pequenos blocos de forma a construir frases.
Mas estas estratégias também poderão ser utilizadas para produzir
uma sonoridade ou dinâmica pretendidos:
-
O professor toca, exemplificando, as vezes que achar necessário para que o
aluno memorize.
-
Numa 2ª vez, toca no aluno e com o aluno, aproximando-se deste e auxiliando-o
a sentir opeso do braço no arco e direção correta.
-
Na 3ª vez, dá autonomia ao aluno para reproduzir sozinho o que ouviu.
Poderá, posteriormente, disponibilizar gravações áudio dos exercícios/peças que
o aluno está a trabalhar:
1º: sessão de estudo, por pequenas secções, com as paragens necessárias;
2º: exercício/peça na íntegra.
3. ALTERAÇÕES FEITAS NO
INSTRUMENTO E O TATO
Para um aluno com dificuldades visuais, é importante
que este consiga detetar através do tato, as diferentes
partes do violoncelo e do arco. Assim sugerem-se as
seguintes alterações:
Colocar trastes no braço do violoncelo, para os 4 dedos da mão
esquerda que pisam as cordas:
- Numa fase inicial, o aluno não terá facilidade em manter o correto
distanciamento entre os dedos. É essencial que tenha pelo menos referência do 1º
dedo (indicador) e do 4º dedo (mindinho), para que os restantes se ajustem
naturalmente.
- Os trastes poderão ser feitos com fios mais grossos (ráfia, sediela, lã), o
que permite mobilidade dos mesmos, se necessário, e conferem alto relevo,
estimulando assim o tato do aluno.
Corretor de Arco
Corretor de arco: É comum surgir alguma dificuldade em
compreender o eixo correto entre o arco, as
cordas e o cavalete. Esta ferramenta auxilia no
correto posicionamento do arco sobre
as cordas. Sendo um acessório dispendioso,
poder-se-á improvisar e construir uma
estrutura semirrígida com arames, que serão
sustentados nas laterais do instrumento ou
nos “f’s”.
4. ADEQUAÇÃO DA LUZ AMBIENTE E
SENSIBILIDADE OCULAR
Um aluno invisual, poderá ser sensível às variações
de luz do ambiente que o rodeia. Deverá assim,
haver uma preocupação por parte de quem o
acompanha no estudo, em adequar a luz do espaço
à sua sensibilidade visual:
- Luz ligada ou desligada, consoante a preferência e tolerância do aluno;
- Persianas abertas ou fechadas consoante a preferência e tolerância
do aluno.
A adequação da luz é muito importante, seja o aluno cego ou
amblíope. A perceção de sombras e/ou vultos poderá variar
consoante o nível de luminosidade do espaço, o que por sua
vez, poderá ajudar ou prejudicar na aprendizagem,
dependendo de cada situação.
Em caso de dúvida sobre como proceder, o mais sensato é
contar com a opinião do aluno, que dirá se “melhorou” ou
piorou” quando se liga ou desliga a luz, abre ou fecha a
persiana de uma janela.
5. IMPROVISAÇÃO
Estimular a criatividade nas crianças e jovens é
muito importante para o seu desenvolvimento
cognitivo.
Nas aulas de violoncelo, o mote para incentivar à
criatividade do aluno poderá passar pela Improvisação.
Como? Seguem três exemplos:
-
Dificuldade I: O professor define o compasso (binário, ternário,
quaternário, simples ou compostos) e a quantidade de compassos. Numa
corda solta à escolha do aluno, este deverá preencher os compassos
definidos pelo professor com figuras rítmicas que conhece.
-
Dificuldade II: O professor define o compasso (binário, ternário,
quaternário, simples ou compostos) e a quantidade de compassos. Utilizando
o 1º e 2º ou 3º dedo da mão esquerda na primeira posição, o aluno
deverá criar uma pequena melodia com ritmos simples.
-
Dificuldade III: O professor define o compasso (binário, ternário,
quaternário, simples ou compostos) e a quantidade de compassos. Utilizando
todos os dedos da mão esquerda na primeira posição ou outras que
conheça, o aluno deverá criar uma pequena melodia com ritmos simples ou
mais complexos (que impliquem mais destreza do arco).
6. SINESTESIA
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa, a
sinestesia é um “recurso expressivo em que se
associam, na mesma expressão, sensações captadas
por sentidos diferentes (visão, olfato, etc.)”
A utilização deste recurso na transmissão de determinados
conteúdos por parte do professor ao aluno, traduz-se num
veículo de comunicação que se pode tornar muito
eficaz e eficiente. A combinação de duas ou mais
sensações pode tornar o diálogo mais inteligível para o
aluno.Vejam-se os seguintes exemplos:
Ex.: Tocar a corda dó com um “som gorducho” (audição + tato) - ajuda o aluno
a imaginar um som mais cheio, timbrado, que o incentiva a empregar o peso
adequado do braço direito;
Ex.: Procura tocar estas duas notas na corda lá com um “som mais doce” (audição
+ paladar) - poderá facilitar ao aluno entender que as mudanças de arco
deverão ser menos bruscas e mais impercetíveis auditivamente. Ao mesmo
tempo, ajuda-o a compreender que o peso do braço direito deverá ser
ajustado consoante a espessura das cordas;
7. UTILIZAÇÃO DO
COMPUTADOR PARA LER
PARTITURAS
Esta estratégia é adequada para se utilizar com alunos
que tenham baixa visão mas que conseguem distinguir
caracteres:
Para fazer leitura de partituras em formato digital, será imprescindível estar
sensível às seguintes ações:
-
A partitura deverá ser, preferencialmente, uma edição original (as cópias tendem a perder qualidade de imagem). Na impossibilidade de ter a edição original, procurar a melhor versão da cópia da partitura e, em caso mais extremo, fazer um tratamento da imagem aumentando ou diminuindo o contraste no próprio documento;
-
Adequar a luminosidade do ecrã à sensibilidade ocular do aluno;
-
Aumentar o tamanho da pauta, garantindo a alta definição dos caracteres;
-
Estrategicamente, procurar que no ecrã apareçam no máximo 2 compassos (aliar esta estratégia à Memorização);
-
Fornecer aos Encarregados de Educação as partituras em formato digital,
para que o aluno possa estudar em casa de forma mais independente.
Receba,
Leia,
e Partilhe este documento com
os seus colegas.
ϟ
Δ
|