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 Sobre a Deficiência Visual

Como Se Não Vê o Que Se Não Vê?

Sara Joana Branco dos Santos

Manifestação de protesto contra a proibição do comércio ambulante na Cidade do México - Marco Antonio Cruz, 1993
imagem: Homem cego participa em protesto contra a proibição do comércio ambulante na Cidade do México -  fotografia de Marco Antonio Cruz, 1993

◄► “Como se não vê o que se não vê?”, é uma reflexão sobre as implicações da cegueira, centrando-se, de modo particular, em publicações especializadas sobre a deficiência visual na infância. O capítulo “Contextualização sócio-pedagógica da criança com deficiência visual”, compreende as abordagens à alfabetização e a importância da leitura na idade infantil, analisando-se ainda a problemática da cegueira e reflectindo-se sobre o papel dos sentidos humanos e sobre a relevância da memória na vida da criança cega. ◄►

 

Reflexões sobre as implicações da cegueira

Uma vez que se pretende abordar a problemática da cegueira, é necessário defini-la, bem como outros problemas de visão. A cegueira é a falta do sentido da visão podendo ser total ou parcial, congénita ou adquirida. Existem vários tipos de cegueira dependendo do grau e do tipo de perda de visão. Perante dados da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005), a deficiência visual é uma categoria que inclui pessoas cegas e pessoas com visão reduzida. Na definição pedagógica, cega é a pessoa que, mesmo possuindo visão subnormal, necessita da instrução em Braille. A pessoa com visão subnormal pode igualmente ler tipos impressos ampliados ou com recursos ópticos potentes.

A definição clínica entende como cego o indivíduo que apresenta acuidade visual menor que 0,1 com a melhor correcção ou campo visual abaixo de 20 graus; como visão reduzida quem possui acuidade visual de 6/60 e 18/60 (escala métrica) e/ou um campo visual entre 20 e 50 graus, e a sua visão não pode ser corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico nem com óculos convencionais.

Segundo o RNIB (Royal National Institute of Blind People) (Abril 2009), existem vários problemas oculares que afectam o sentido da visão:

  1. Degeneração macular relacionada com a idade ou maculopatia relacionada com a idade – DMRI (“age-related macular degeneration”)

  2. Cataratas

  3. Problemas oculares provocados pela Diabetes

  4. Glaucoma

  5. Nistagmo

  6. Retinite pigmentosa ou retinose pigmentar

  7. Descolamento de retina


Em Vision and Art – The Biology of Seeing (2002:12), Margareth Livingstone considera que a visão é o processo de receber e interpretar a luz reflectida pelos objectos e que as pessoas processam as cores de forma diferente porque o cérebro humano é duplamente influenciado pelos genes e pela experiência pessoal. Há pessoas “funcionalmente cegas” que na prática não conseguem distinguir e/ou identificar objectos (como Virgil de “To See and Not See” do livro 'An Anthropologist on Mars' de Oliver Sacks [1995]), ainda que detenham o sentido da visão. Sacks trata neste livro vários casos de pacientes seus e em “To See and Not See” aborda o caso de um homem cego cuja vida é seguida após uma operação que lhe restaura a visão. O que Sacks pretende é entender como Virgil apreende a realidade, percebendo que um cego, após uma operação que lhe restitui uma visão parcial, tem dificuldades na percepção de objectos, memorização, e, surpreendentemente, se sentia mais inválido após a cirurgia do que quando era cego.

A autora Simi Linton (2005:162) remete-nos para a ideia de “habilismo”, termo que se refere a uma forma de descriminação que se caracteriza por preterir as pessoas com deficiência. A forma inglesa deste conceito, ableism/disabilism, vem traduzida por “descriminação contra os portadores de deficiência” no Dicionário de Inglês – Português da Porto Editora. Linton aborda a denominação “especial” dada aos/às alunos/as cujas capacidades não se enquadram no currículo-padrão de uma escola. Este conceito é tido por Linton como um eufemismo, nublando a realidade que consiste no facto de nem os alunos nem a sua formação serem considerados desejáveis, não sendo de esperar que ultrapassem o que é comum.

A sociedade em geral não sabe lidar com a diferença. As pessoas sentem-se incomodadas pelos que lhes são estranhos, reagindo ora com pena, ora com repulsa, ora com desprezo. No nosso entender, tal acontece pela falta de conhecimento sobre a deficiência e também pelo facto de reagirmos ao que nos é desigual em termos visuais. De facto, a importância da imagem ainda assume um papel preponderante na nossa percepção do que nos rodeia e a observação do outro enquanto elemento dissonante (se é cego, surdo, mudo, se não tem pé, mão, perna ou braço) ainda persiste.

Voltando a Linton, referir a educação e os educandos como “especiais” pode ter sido uma tentativa deliberada de conferir legitimidade à prática educativa de apoiar um grupo que a autora designa como “descartado”. Este termo expressa a forma como a sociedade lida com as crianças deficientes, sendo cartas fora do “baralho”, metáfora para os grupos sociais (considerados pelas comunidades médica, pedagógica, política e jurídico-legal) como normais.

Termos como “aleijadinho”, “vegetal”, “burro”, “deformado”, atrasado”, “inválido”, “mongo”, “surdo-mudo” “ceguinho”, entre outros, têm sido, de forma a praticar o socialmente correcto, abolidos das conversas públicas, mas continuam a ser inseridos em vários tipos de discurso. O termo “deficiente” tem vindo a ser substituído, desde a década de 1970, por expressões mais socialmente correctas como “pessoas portadoras de deficiência”. Segundo Linton (2005:163), existem, ainda outras palavrinhas simpáticas tais como: fisicamente limitados, portadores de deficiência física, pessoas/crianças especiais, que não são usadas quer pelas pessoas com deficiência, quer pelos activistas dos direitos das pessoas com deficiência, nem por académicos desta área. Todavia, perante um texto de 2005, é importante lembrar que o “politicamente correcto” é algo mutável e, por isso, existe alguma dificuldade em encontrar em cada momento os termos certos para denominar a situação de deficiência. Nos dias que correm, é politicamente incorrecto dizer “ portadores de deficiência”, usando-se o termo “deficiente” novamente como o mais correcto, bem como o termo “incapacidade”.

Para Ana Fontes (contacto pessoal), cega congénita, professora aposentada de inglês e de alemão a alunos cegos e normovisuais, a expressão “pessoas portadoras de deficiência” em Portugal é de uso mais recente e muitas pessoas cegas dizem com frequência “sou deficiente visual” em vez de “sou “cego/a”, por este adjectivo soar de forma mais dura aos ouvintes, quando não também a eles/as próprios/as. Segundo esta ex-professora, já raramente se ouve dizer “aleijadinho” – nunca se diz “surdinho” – mas ainda não desapareceu o termo “ceguinho”, usado como eufemismo mas, que é, ironicamente, mais depreciativo para quem o ouve.

José Guerra (contacto pessoal), ex-Presidente da ACAPO e bibliotecário responsável pela Secção para Deficientes Visuais da Biblioteca Municipal de Coimbra, comentou estas definições esclarecendo que “a pessoa cega é aquela não vê. Eu não sou invisual, ou as pessoas não me vêem a mim? Invisual é o objecto que não se consegue ver e não a pessoa que tem a limitação da visão.“

Ainda a este respeito Sylvia Santin e Joyce Nesker Simmons (1997) observam no artigo “Problemas das crianças portadoras de deficiência visual congênita na construção da realidade”:

[...] Propõe-se que uma conceituação de cegueira como diferença e não como deficit é fundamental para se compreender como uma criança que nasceu totalmente cega conhece o mundo, obtém informações sobre ele, e constrói a sua realidade. Neste ponto de vista fica implícita a ideia de um sistema integrado de processamento de informações, gerado por insumos singulares.

Esta dissertação pretende essencialmente defender o direito de acesso da criança com deficiência visual à literatura. O que se define é uma analise às dificuldades sentidas pela criança deficiente visual aquando da aquisição da leitura e uma tentativa de minorar as suas dificuldades. De facto, a diferença não implica deficit, apenas alguma dificuldade ou, mais concretamente, algum tempo extra em realizar as mesmas tarefas que uma criança dita “normal”.

As crianças cegas, sem outras patologias que afectem a cognição, são crianças que cedo aprendem a viver sem o sentido da visão e que suplantam essa “lacuna” desenvolvendo os restantes sentidos.

 

CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOPEDAGÓGICA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL

What does not destroy me, makes me stronger; thanks to adaptation, strength arises from weakness, ability from deficiencies”  W. Stern


Em “The Fundamental Problems of Defectology” (1929) Vygostky afirma que quando há falta de um órgão, o próprio corpo encarrega-se de o substituir, desenvolvendo outro mais consolidadamente. No caso dos olhos, as pessoas cegas acabam por ter a audição e o tacto mais desenvolvidos.

A cegueira como insuficiência orgânica dá impulso aos processos de compensação por parte da pessoa deficiente. Se, por um lado, a deficiência visual traz a noção de “limitação”, “fraqueza” ou até “atraso” (no desenvolvimento), por outro, estimula o aperfeiçoamento, precisamente porque gera dificuldade. A criança cega compensa, em larga escala com uma capacidade táctil mais apurada, que lhe permite observar e ponderar diferenças entre objectos, desenvolvendo uma mestria no domínio do espaço.

A autora Penny Florence (1999:281) afirma que o tacto informa os cegos sobre todas as fases da experiência e do trabalho artístico. Em comparação com uma criança normovisual, a criança cega possui uma maior sensibilidade no que concerne ao mundo que é acessível aos que vêem, graças ao sentido do tacto.

Por outro lado, possui uma memória ultra-desenvolvida, uma atenção redobrada e uma elevada capacidade verbal.

Com efeito, para Vygotsky (1929) a criança com deficiência visual consegue desenvolver-se de forma diferente da criança normovisual, e esse desenvolvimento efectua-se por outras vias, tomando outros rumos. Neste caso, é importante que a criança cega seja bem orientada, de modo a que possa transformar o menos da sua deficiência no mais da sua compensação.

A criança que nasce cega não tem consciência directa da sua deficiência, tem consciência das dificuldades que advêm dessa deficiência e a consequência imediata é a sua sensação de diminuição em sociedade. Logo, a criança desenvolve o “complexo de inferioridade” que é depois contrariado pelo “complexo de compensação”. A criança cega desenvolve uma super-estrutura psicológica que tem como único objectivo a substituição da visão. Facto é que o desenvolvimento e educação de uma criança cega não se centram tanto na cegueira em si, mas nas consequências sociais da cegueira.

Todavia, é preciso ressalvar – tal como Vygostky ao relembrar W. Stern – que uma criança com deficiência não é, necessariamente, uma criança deficiente.

A verdade é que o grau da sua deficiência ou normalidade depende do desfecho da sua adaptação em sociedade, da construção da sua personalidade.

No que concerne, especificamente, à alfabetização das crianças cegas ou com baixa visão, consideremos o seguinte diagrama elaborado com base no efectuado por Gisele Ramos Lima e Luciene Vieira Gonçalves (2006):
 


diagrama: A Instrução da Criança Cega


Este diagrama sugere que para o desenvolvimento dos recursos necessários à aprendizagem da criança cega (em particular), há que conhecer as dificuldades exactas da criança com deficiência, insistindo numa metodologia específica, preparada para colmatar as necessidades específicas inerentes à sua deficiência.

À semelhança do que acontece em termos globais, de um modo geral, as crianças com dificuldades visuais são classificadas em dois grupos: cegos ou com visão parcial ou reduzida. A definição de cegueira pode oscilar segundo as leis dos vários países, mas podemos considerá-la através das necessidades pedagógicas das crianças em causa: as crianças cegas requerem educação por meio de métodos e/ou sentidos que não o da visão. Estes direitos estão, inclusivamente, consignados na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) em cujo artigo 29º, se pode constatar que educação da criança deve destinar-se a promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicas na medida das suas potencialidades.

Em finais do século XIX, o ensino para as pessoas com deficiência da visão era o modelo de ensino segregado denominado “escola especial”, sendo que o cego não tinha sequer acesso à escola “normal”. A preocupação com a escolaridade da pessoa cega começou a alterar-se depois da década de 50 do século XX – quando o Estado assume o ensino especial em algumas escolas, onde as crianças aprendem a técnica de ler em Braille, e a conseguir serem autónomas com o uso da bengala.

No final da década de 60 do século XX, sobretudo com a Declaração de Salamanca, na qual a UNESCO proclamou as virtudes do ensino integrado, não havendo segregação ou discriminação, começou a fazer-se a integração das crianças cegas, mas, em Portugal, não se tratou esta questão de forma adequada.

As escolas especiais foram encerradas e as crianças entraram em escolas regulares sem que estas estivessem preparadas para as receber. Não havia professores especializados em número suficiente, bem como respostas em termos de materiais didácticos, o que levou a que se falasse de uma “desbrailização” (c.f: Belarmino: 2001) começando a fazer-se manuais em cassetes que os cegos se limitavam a ouvir, privados do contacto com a palavra escrita.

Segundo J. Guerra (contacto pessoal), apesar de o Estado querer que, até ao final de 2010, todas as crianças, independentemente das suas deficiências, sejam integradas nas escolas regulares, esta vontade de “reformar” e integrar não tem um suporte técnico necessário. A diferença entre escola integrada, que supostamente aceita todos, e escola inclusiva é grande. A escola inclusiva é aquela que tem real capacidade e condições para receber todos. O ideal seria as crianças cegas frequentarem o ensino regular, mas que também tivessem o apoio dos centros de recursos, onde não só se produzem materiais específicos ou se traduzem manuais, como se ensina a mobilidade (com a bengala), se realizam cursos de formação para professores, permitindo a essas crianças ganharem competências que não se adquirem no ensino regular.

Além de livros em Braille, a criança ou o jovem com deficiência visual deve ter ao seu dispor audiolivros, materiais e equipamentos especiais para orientação e mobilidade, e/ou software que os auxiliem. Segundo o Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro intitulado “Apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário”, a escola inclusiva pressupõe individualização e personalização das estratégias educativas, enquanto método de prossecução do objectivo de promover competências universais que permitam a autonomia e o acesso à condução plena da cidadania por parte de todos.

O Artigo 24.º, “Educação de alunos cegos e com baixa visão” define as escolas de referência como escolas para a educação de alunos cegos e com baixa visão que integram docentes com formação especializada em educação especial no domínio da visão e outros profissionais com competências para o ensino de Braille e de orientação e mobilidade. As escolas de referência para a educação de alunos cegos e com baixa visão devem estar apetrechadas com equipamentos informáticos e didácticos adequados às necessidades da população a que se destinam. No distrito de Coimbra, existem duas escolas preparadas para as necessidades educacionais específicas dos portadores de deficiência visual: a Escola Básica Poeta Manuel da Silva Gaio, que presta apoio aos alunos de 1º, 2º e 3º ciclos, e a Escola Secundária Infanta D. Maria, para os alunos de 3º ciclo e de ensino secundário.

De acordo com o mesmo Decreto-Lei, são objectivos das escolas de referência para a educação de alunos cegos e com baixa visão:

  1. assegurar a observação e avaliação visual e funcional;

  2. assegurar o ensino e a aprendizagem da leitura e escrita do Braille bem como das suas diversas grafias e domínios de aplicação;

  3. assegurar a utilização de meios informáticos específicos, entre outros, leitores de ecrã, software de ampliação de caracteres, linhas Braille e impressora Braille;

  4. assegurar o ensino e a aprendizagem da orientação e mobilidade;

  5. assegurar o treino visual específico;

  6. orientar os alunos nas disciplinas em que as limitações visuais ocasionem dificuldades particulares, designadamente a educação visual, educação física, técnicas laboratoriais, matemática, química, línguas estrangeiras e tecnologias de comunicação e informação;

  7. assegurar o acompanhamento psicológico e a orientação vocacional;

  8. assegurar o treino de actividades de vida diária e a promoção de competências sociais;

  9. assegurar a formação e aconselhamento aos professores, pais, encarregados de educação e outros membros da comunidade educativa.


No que concerne às estratégias pedagógicas para as crianças com deficiência visual, nas alíneas 6 e 7 do mesmo artigo consideram-se materiais didácticos adequados os seguintes: material em caracteres ampliados, em Braille; em formato digital, em áudio e materiais em relevo. Consideram-se equipamentos informáticos adequados: computadores equipados com leitor de ecrã com voz em português e linha Braille, impressora Braille, impressora laser para preparação de documentos e concepção de relevos; scanner; máquina para produção de relevos, máquinas Braille; calculadoras electrónicas; lupas de mão; software de ampliação de caracteres; software de transcrição de texto em Braille; gravadores adequados aos formatos áudio actuais e suportes digitais de acesso à Internet.

Estas estratégias pedagógicas são imprescindíveis ao desenvolvimento da criança cega atendendo aos direitos à educação das pessoas com deficiência contemplados na Constituição Portuguesa. Segundo A. Fontes e J. Guerra (contacto pessoal), é de ressalvar que até há relativamente poucos anos, a criança cega guiava-se essencialmente pelo saber que ouvia dos outros. Muitas vezes o cego decorava para fazer os testes e esquecer depois, porque as palavras não eram consubstanciadas por vivências.

No que à literatura infantil e à cegueira diz respeito, é ainda necessária a análise do papel da memória na aquisição do conhecimento da criança cega, uma vez que o mundo cognitivo do cego se desenvolve através da sua capacidade de reunir e correlacionar conteúdos.

Para o linguista Steven Pinker (2008), a memorização e combinação de palavras são os dois motores da linguagem. Inserir os deficientes visuais em ambientes estimulantes do ponto de vista auditivo potencializa mais ainda a alfabetização, pois, com a linguagem oral, conseguem receber explicações e entender melhor conceitos abstractos e com a convivência aprenderão a fazer os gestos e expressões faciais que têm significado linguístico.

O termo “memória” vem do grego mnêmê que deu origem à palavra latina memoria significando a capacidade de recordar, a aptidão para adquirir, consolidar e evocar informações disponíveis. A memória é tida como a base do conhecimento.

Silvia H. Cardoso (1997) escreve no artigo “Memória: O Que é e Como Melhorá-la” que existem três tipos de memória bastante importantes: a fotográfica, a sensorial, e a sentimental.

O ser humano compreende o mundo apreendendo conhecimento sobre pessoas e objectos, acessíveis à consciência, usando uma forma de memória que é em geral chamada de explícita, ou aprende como fazer coisas, adquirindo habilidades motoras ou perceptivas a que a consciência não tem acesso, usando para isto a memória implícita. De entre estes tipos de memória, segundo Cardoso (Ibid.), surgem-nos a Memória declarativa – que é a capacidade de verbalizar um facto, que se classifica, por sua vez, em:

Memória imediata – a memória que dura de fracções de segundos.

Memória de curto prazo – a memória com duração de alguns segundos ou minutos.

Neste caso existe a formação de traços de memória. O período para a formação destes traços é o período de consolidação. Um exemplo desta memória é a capacidade de nos lembrarmos de eventos recentes que aconteceram nos últimos minutos.

Memória de longo prazo – a memória com duração de dias, meses e anos. Como engloba um tempo muito grande pode ser diferenciada em alguns textos como memória de longuíssimo prazo quando envolve memória de muitos anos.

Memória de procedimentos – a capacidade de reter e processar informações que não podem ser verbalizadas, como tocar um instrumento ou andar de bicicleta.

A abordagem da memória parece-nos relevante para compreender a aquisição de léxico por parte da criança cega e como ela processará a memória, tendo em conta que a memória tem como grande motor o estímulo visual. Além de ser vantajoso para a criança cega possuir uma boa memória, é-lhe sobretudo necessário estimulá-la.

Em 2007, o neurobiólogo Ehud Zohary lançou os resultados de um estudo efectuado pela Universidade de Jerusalém no qual se analisaram 38 pessoas, sendo 19 cegas e 19 normovisuais; aos participantes eram lidas listas de 20 palavras sobre as quais eram depois efectuadas perguntas, nomeadamente, sobre os vocábulos e a ordem em que tinham sido lidos. Em todos os testes, as pessoas cegas de nascença suplantaram os resultados das normovisuais, sendo bastante mais eficientes no que toca à memória. Os investigadores envolvidos consideram que a cegueira estimula uma maior capacidade de memorizar a ordem dos acontecimentos, de modo a que o cego possa distinguir objectos que apenas diferem de forma visual (por exemplo, num guarda-roupa, a ordem é essencial, para que saiba que cor está a vestir e com que outras poderá conjugá-la, de acordo com o que aprendeu na escola ou em família). Tal atenção face à ordem e à sequência ajuda a memória do cego de forma generalizada. A organização é muito importante para um/a cego/a. Ele/ela arruma a louça, a roupa e todos os seus utensílios pessoais e domésticos segundo uma determinada ordem, ordem essa que é memorizada e servirá de guia para ele/ela saber que/quais objectos estão guardados em determinado local.

Os nossos sentidos espoletam a memória, sendo elemento primordial no desenvolvimento intelectual dos humanos. Retomando Sílvia H. Cardoso, (1997) o odor permite uma memorização mais intensa de experiências, visto que a primeira associação feita com um odor parece interferir com a formação de associações subsequentes (ocorrendo uma interferência proactiva).

FIM

 

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excerto (caps 2 e 3) da
TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA: “TRADUZIR A VISÃO NOUTROS SENTIDOS” GUIÃO DE PRODUÇÃO DE LIVRO INFANTIL PARA CRIANÇAS CEGAS
autora: Sara Joana Branco dos Santos
Dissertação de Mestrado em Tradução, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob a orientação da Professora Doutora Isabel Pedro dos Santos e da Professora Doutora Josélia Neves.
Coimbra, 2010
fonte do texto integral: https://estudogeral.sib.uc.pt/

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5.Set.2017
publicado por MJA