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imagem: Self-Portrait During the Eye Disease II - Edvard
Munch, 1930
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Uma criança
deficiente
representa
um tipo de
desenvolvimento
qualitativamente
diferente e
único. [...]
Se uma
criança cega
ou surda
atinge o
mesmo nível
de
desenvolvimento
de uma
criança
normal, ela
o faz de
outra
maneira, por
outro
percurso,
por outros
meios; e,
para o
pedagogo, é
particularmente
importante
estar ciente
da
singularidade
desse
caminho pelo
qual ele
deverá guiar
a criança.
Essa
singularidade
transforma o
negativo da
deficiência
no positivo
da
compensação. Vygotsky
No início de Outubro
de 1991, recebi o
telefonema de um pastor
aposentado do
Centro-Oeste,
falando-me do noivo de
sua filha, um homem de
cinqüenta anos chamado
Virgil, que era
praticamente cego desde
a mais tenra infância.
Tinha densas cataratas e
também fora
diagnosticado como
portador de retinite
pigmentosa, uma doença
hereditária que devora
as
retinas vagarosa porém
implacavelmente. Sua
noiva, Amy, entretanto,
cujo diabetes exigia
exames regulares dos
olhos, levara-o
recentemente ao seu oftalmologista, o Dr. Scott Hamlin, que
lhes dera novas
esperanças. Após escutar
atentamente a história,
o Dr. Hamlin não teve
tanta
certeza de que Virgil
sofresse de retinite
pigmentosa. Era difícil
saber, naquele estágio,
porque as
retinas já não podiam
ser observadas sob as
espessas cataratas, mas
Virgil ainda podia ver
luzes
e sombras, a direção de
onde vinha a luz, e a
sombra de mãos
movendo-se diante de
seus olhos,
portanto era óbvio que
não havia destruição
total da retina. E a
operação de catarata é
uma
cirurgia relativamente
simples, feita com
anestesia local e riscos
cirúrgicos muito
pequenos. Não
havia nada a perder ― e
possivelmente muito a
ganhar. Amy e Virgil iam
se casar em breve ― não
seria fantástico se ele
pudesse ver? Se, após
quase uma vida cego, sua
primeira visão fosse a
de
sua noiva, do casamento,
do padre, da igreja! O
Dr. Hamlin havia
concordado em operá-lo,
e a
catarata do olho direito
fora removida quinze
dias antes, segundo me
informou o pai de Amy.Milagrosamente, a
operação foi
bem-sucedida. Amy, que
iniciou um diário no dia
seguinte ao da
operação ― o dia em que
os curativos foram
removidos ―, escreveu
na primeira página:
“Virgil
pode VER! [...] Todo
mundo no hospital em
lágrimas, primeira vez
que Virgil enxerga em
quarenta
anos. [...] A família
dele excitada, chorando,
não podem acreditar!
[...] O milagre da vista
restaurada
inacreditável!“.Mas no
dia seguinte, ela notou
alguns problemas:
“Tentando se
adaptar à visão, é
difícil passar da
cegueira à visão. Tem
que pensar mais
depressa, ainda não é
capaz de confiar na
visão. [...] Como um bebê aprendendo a ver,
tudo é novo, excitante, amedrontador, está
incerto sobre o que
significa ver”.
A vida de um
neurologista não é
sistemática, como a de
um cientista, mas lhe
fornece situações
novas e inesperadas, que
podem se transformar em
janelas, passagens para
a complexidade da
natureza ― uma
complexidade que não se
pode prever a partir do
curso da vida comum.
“Não há
lugar onde a natureza
exponha mais abertamente
seus mistérios
secretos”, escreveu William
Harvey, no século XVII,
“do que nos casos em que
mostra vestígios de seu
funcionamento fora do
caminho trilhado.” É
certo que esse
telefonema ― sobre a
restauração da visão na
idade adulta,
em um paciente que havia
sido cego desde a tenra
infância ― sugeria tal
coisa. “Na verdade”,
escreve o oftalmologista
Alberto Valvo, em Sight
restoration after
long-term blindness, “o
número
desses casos que
chegaram ao nosso
conhecimento nos últimos
dez séculos não passa de
vinte.”Como seria a visão nesse
paciente? Seria “normal”
a partir do momento em
que foi restaurada?
É o que se imagina de
início. É a noção do
senso comum ― que os
olhos se abrirão, as
crostas
cairão e (nas palavras
do Novo Testamento) o
cego “receberá” a visão.
Christ Gives Sight to One Born Blind - Laura James
(nota 1: Há um indício
de
algo mais estranho, mais
complexo, na descrição
que Marcos faz do
milagre de Betsaida, já
que
nela o cego viu primeiro
“homens como árvores
marchando” e apenas
posteriormente teve a
visão
completa-mente restaurada (Marcos 8:22-6).
Mas será que foi assim
tão simples? Não é
necessária a experiência
para ver? Não é preciso
aprender a ver? Não
estava bem a par da
literatura sobre o
assunto, embora tivesse
lido com
fascínio a história
formidável do caso
publicado no Quarterly
Journal of Psychology,
em 1963, pelo
psicólogo Richard
Gregory (com Jean G.
Wallace), e sabia que
tais casos, hipotéticos
ou reais,
atraíram a atenção de
filósofos e psicólogos
por centenas de anos. O
filósofo do século XVII
William Molyneux, cuja
mulher era cega, colocou
a seguinte questão a seu
amigo John Locke:
“Suponhamos que um homem
nascido cego, e agora
adulto, a quem é
ensinado distinguir o
cubo
da esfera pelo tato,
volte a ver: [será que
poderia agora] pela
visão, antes de tocá-los
[...] distinguir
e dizer qual é o globo e
qual é o cubo?”. Locke
considerou o problema em
seu Essay concerning
human understanding, de
1690, e decidiu que a
resposta era não. Em
1709, examinando mais
detalhadamente o
problema e toda a
relação entre a visão e
o tato, em A new theory
of vision,
George Berkeley concluiu
que não havia
necessariamente conexão
entre o mundo tátil e o
da
visão ― que uma conexão
entre os dois só poderia
ser estabelecida com
base na experiência.Foram necessários vinte
anos para que essas
considerações fossem
testadas ― quando, em
1728, William Cheselden,
um cirurgião inglês,
removeu as cataratas dos
olhos de um menino de
treze anos, nascido
cego. A despeito de sua
grande inteligência e
juventude, o menino
esbarrou
em profundas
dificuldades com as mais
simples percepções
visuais. Não tinha a
menor idéia de
distância. Não tinha a
menor idéia de espaço ou
tamanho. E se confundia
estranhamente com
desenhos e pinturas,
pela idéia de uma
representação
bidimensional da
realidade. Como previra
Berkeley, ele conseguia
dar sentido ao que via
apenas gradualmente e
enquanto fosse capaz de
conectar as experiências
visuais com as táteis. O
mesmo ocorreu com muitos
outros pacientes
nos 250 anos desde a
operação de Cheselden:
quase todos
experimentaram as mais
profundas
confusões e perturbações
lockianas.
(Nota 2: A
remoção (ou, como era
feito no início, o
deslocamento ou
“rebaixamento” do
cristalino com a
catarata) deixa o olho
com uma hipermetropia
pronunciada, precisando
de uma lente artificial;
as lentes espessas
usadas nos
séculos XVIII e XIX, e
na verdade até muito
recentemente, reduziam significativamente a
visão
periférica. Assim, todos
os pacientes operados de
catarata antes do
advento das lentes de contato
e do implante de lentes
tinham dificuldades
ópticas significativas a
enfrentar. Mas eram
apenas os
cegos de nascença ou de
infância que tinham a
dificuldade lockiana
específica de não
conseguir
entender o que viam)
E, ainda assim, fui
informado de que bastou
remover o curativo do
olho de Virgil para que
ele
visse seu médico e sua
noiva, e risse. Não há
dúvida de que viu algo —
mas o quê? O que significava “ver” para esse
homem antes privado da
visão? Em que espécie de
mundo ele foi jogado?Virgil nasceu numa
pequena fazenda do
Kentucky logo após a
deflagração da Segunda
Guerra
Mundial. Parecia um bebê
bastante normal, mas
(segundo sua mãe) já
tinha uma visão fraca
desde pequeno,
esbarrando por vezes em
coisas, parecendo não
vê-las. Aos três anos,
ficou
muito doente com uma
enfermidade tripla ―
uma meningite ou meningoencefalite
(inflamação do
cérebro e suas
membranas), pólio e
febre da arranhadura do
gato. Durante essa
doença aguda,
sofreu convulsões, ficou
praticamente cego, com
as pernas e a respiração
parcialmente
paralisadas, e após dez
dias entrou em coma.
Ficou em coma por duas
semanas. Quando saiu, parecia, segundo sua
mãe, “uma pessoa
diferente”; mostrava uma
curiosa indolência,
displicência,
passividade, não parecia
em nada o menino
impetuoso e travesso que
havia sido.A força nas pernas
voltou no ano seguinte,
e seu peito ficou mais
robusto, embora nunca
completamente normal.
Sua visão também se
recuperou de forma
significativa ― mas
agora suas
retinas estavam
seriamente
comprometidas. Nunca
ficou claro se as lesões
da retina haviam sido
causadas inteiramente
por sua doença aguda ou
quem sabe, em parte, por
uma degeneração retiniana congênita.
Aos seis anos, as
cataratas começaram a se
desenvolver nos dois
olhos e tornou-se
evidente
que ele estava ficando
cego de novo. No mesmo
ano, foi mandado a uma
escola para cegos,
onde acabou aprendendo a
ler em braille e
tornou-se versado no uso
de uma bengala. Mas não
era um aluno destacado;
não era audaz e
agressivamente
independente como alguns
cegos.
Demonstrou uma
impressionante
passividade ao longo de
todo o tempo que passou
na escola ―
como, na realidade,
desde que adoecera.Ainda assim, Virgil
terminou a escola e,
quando tinha vinte anos,
decidiu deixar o
Kentucky e
procurar uma
especialização, um
trabalho e uma vida
própria numa cidade em
Oklahoma. Tornou-se massagista terapeuta
e logo encontrou um
emprego na Associação
Cristã de Moços. Era
obviamente bom no que
fazia, e altamente
respeitado, e a ACM
estava satisfeita em
mantê-lo no
quadro permanente,
dando-lhe uma pequena
casa do outro lado da
rua, onde vivia com um
amigo, também empregado
pela ACM. Virgil tinha
muitos clientes ― é
fascinante ouvir os
detalhes táteis com que pode
descrevê-los ― e
parecia tirar um
verdadeiro prazer e
orgulho de seu
trabalho. Assim, à sua
maneira modesta, Virgil
ganhou a vida: tinha um
emprego fixo e uma
identidade, era
auto-suficiente, tinha
amigos, lia jornais e
livros em braille
(embora menos, com os
anos, à medida que
livros em fita começaram
a aparecer). Era
apaixonado por esportes,
em
especial beisebol, e
adorava ouvir os jogos
no rádio. Tinha um
conhecimento
enciclopédico sobre
jogos, jogadores,
resultados e números do
beisebol. Em mais de uma
ocasião, teve namoradas
e
atravessou a cidade de
ônibus para
encontrá-las. Mantinha
uma ligação estreita com
a família, e
em particular com a mãe
― recebia regularmente
cestos de comida da
fazenda e mandava cestos
de roupa suja para
lavar. A vida era
limitada, mas estável a
sua maneira.Foi quando, em 1991,
encontrou Amy ― ou
melhor,
reencontraram-se, já que
tinham se
conhecido bem havia
vinte anos ou mais. A
formação de Amy era
diferente da de Virgil:
vinha de
uma família culta de
classe média, cursara a
universidade em New
Hampshire e tinha um
diploma
em botânica. Trabalhara
em outra ACM na cidade,
como professora de
natação, e encontrara
Virgil numa exposição de
gatos em 1968. Namoraram
por um tempo ― ela
tinha vinte e poucos, ele era alguns anos mais
velho ―, mas então Amy
decidiu fazer
pós-graduação em
Arkansas,
onde conheceu seu
primeiro marido, e
perdeu o contato com
Virgil. Por um tempo,
manteve o seu
próprio viveiro de
plantas,
especializando-se em
orquídeas, mas foi
obrigada a abrir mão do
negócio quando passou a
sofrer sérios ataques de
asma. Divorciou-se do
primeiro marido poucos
anos depois e voltou
para Oklahoma. Em 1988,
sem mais nem menos,
Virgil lhe telefonou e,
após
três anos de longas
conversas telefônicas
entre os dois,
finalmente se
reencontraram, em 1991. “De repente, era como se
vinte anos não tivessem
passado”, disse Amy.Ao se reencontrarem, a
esta altura de suas
vidas, ambos sentiram
certo desejo de
companhia.
Talvez com Amy isso
tenha tomado uma forma
mais ativa. Via que
Virgil estava paralisado
(era
assim que ela sentia as
coisas) numa vida
vegetativa e apática:
indo para a ACM, fazendo
suas
massagens; voltando para
casa, onde, cada vez
mais, ouvia os jogos no
rádio; saindo pouco e
conhecendo cada vez
menos pessoas com o
passar dos anos. Ela
deve ter sentido que
recobrar a
visão, assim como o
casamento, o arrancaria
dessa existência
indolente de solteiro,
abrindo uma
nova vida para ambos.Virgil era passivo nisso
como em muitas outras
coisas. Fora mandado a
meia dúzia de
especialistas ao longo
dos anos, e todos foram
unânimes em recusar-se a
operá-lo, sentindo que
muito provavelmente não
tinha mais nenhuma
função retiniana útil.
Virgil parecia aceitar
esse fato
com serenidade. Mas Amy
discordava. Já que era
cego, ela dizia, não
tinha nada a perder, e
havia uma possibilidade
real, remota, mas quase
demasiado excitante de
imaginar, de que ele
pudesse realmente
recuperar alguma visão
e, após quase 45 anos,
ver outra vez. E, assim,
Amy
insistiu na cirurgia. A
mãe de Virgil, temendo o
transtorno, era
categoricamente contra
(“Ele está
bem do jeito que está”,
dizia). Por sua vez,
Virgil não se
posicionava sobre a
questão; parecia
satisfeito em acatar o
que quer que decidissem.Por fim, em meados de
Setembro, chegou o dia
da cirurgia. Removeram a
catarata do olho
direito de Virgil e
colocaram uma lente; o
olho foi tapado com um
curativo, como de
costume, por
24 horas. No dia
seguinte, o curativo foi
retirado, e o olho de
Virgil foi afinal
exposto, descoberto,
ao mundo. A hora da
verdade tinha chegado
finalmente.Será que tinha? A
verdade da coisa (como
concluí mais tarde), se
menos “milagrosa” do que
sugeria o diário de Amy,
era infinitamente mais
estranha. O momento
dramático ficou por vir, demorou-se, cedeu.
Nenhuma exclamação
(“Estou vendo“)
escapou dos lábios de Virgil. Parecia
estar fitando o vazio,
desorientado, sem foco,
com o cirurgião a sua
frente, ainda com o
curativo
na mão. Foi só quando o
cirurgião falou ―
dizendo: “Então?” ― que
um olhar de
reconhecimento
atravessou o rosto de Virgil.Depois ele me disse que,
nesse primeiro momento,
não fazia a menor idéia
do que estava
vendo. Havia luz,
movimento e cor, tudo
misturado, sem sentido,
um borrão. E então, do
meio da
nódoa veio uma voz que
dizia: “Então?”. Foi
nesse instante, e
somente nesse instante,
ele disse,
que finalmente se deu
conta de que aquele caos
de luz e sombra era um
rosto ― e, na
realidade, o
rosto de seu cirurgião.Sua experiência foi
praticamente idêntica à
do paciente de Gregory,
S. B., que ficou
acidentalmente cego na
infância e recebeu um
transplante de córnea
quando já estava com
mais
de cinqüenta anos:
Quando os curativos
foram removidos [...]
ele ouviu uma voz vindo
da sua frente e de um
dos
lados: virou-se na
direção da origem do som
e viu um “borrão”.
Compreendeu que aquilo
devia ser
um rosto. [...] Parecia
crer que não saberia que
aquilo era um rosto se
não tivesse ouvido
previamente a voz,
sabendo que as vozes vêm
de rostos.Nós que nascemos com a
visão mal podemos
imaginar tal confusão.
Já que, possuindo de
nascença a totalidade
dos sentidos e fazendo
as correlações entre
eles, um com o outro,
criamos
um mundo visível de
início, um mundo de
objetos, conceitos e
sentidos visuais. Quando
abrimos
nossos olhos todas as
manhãs, damos de cara
com um mundo que
passamos a vida
aprendendo
a ver. O mundo não nos é
dado: construímos nosso
mundo através de
experiência,
classificação,
memória e reconhecimento
incessantes. Mas quando
Virgil abriu os olhos,
depois de ter sido cego
por 45 anos ― tendo um
pouco mais que a
experiência visual de
uma criança de colo, há
muito
esquecida ―, não havia
memórias visuais em que
apoiar a percepção; não
havia mundo algum de
experiência e sentido
esperando-o. Ele viu,
mas o que viu não tinha
qualquer coerência. Sua
retina e nervo óptico
estavam ativos,
transmitindo impulsos,
mas seu cérebro não
conseguia lhes
dar sentido; estava,
como dizem os
neurologistas, agnósico.Todos, incluindo Virgil,
esperavam algo mais
simples. Um homem abre
os olhos, a luz entra e
bate na retina: ele vê.
Como num piscar de
olhos, nós imaginamos. E
a própria experiência do
cirurgião, como a da
maioria dos
oftalmologistas, era com
a remoção de cataratas
de pacientes
que quase sempre haviam
perdido a visão tarde na
vida ― e tais pacientes
têm, de fato, se a
cirurgia é bem-sucedida,
uma recuperação
praticamente imediata da
visão normal, já que não
perderam de forma alguma
a capacidade de ver.
Assim sendo, embora
tenha havido uma
cuidadosa consideração
cirúrgica da operação e
de possíveis
complicações
pós-operatórias,
houve pouca discussão ou
preparação para as
dificuldades
neurológicas e
psicológicas que Virgil
poderia encontrar.Removida a catarata, ele
pôde ver cores e
movimentos, ver (mas não
identificar) grandes
objetos e formas e,
espantosamente, ler
algumas letras na
terceira linha da
tabela-padrão de
Snellen para exame de
vista ― a linha
correspondente a uma
acuidade visual de
20/100 ou um
pouco mais. Mas ainda
que sua melhor visão
fosse de cerca de 20/80,
faltava-lhe um campo
visual coerente, porque
sua visão central era
fraca, sendo quase
impossível para o olho
fixar-se
em pontos específicos;
seguia perdendo-os,
fazendo movimentos de
busca ao acaso,
encontrando-os, e então
perdendo-os de novo. Era
evidente que a parte
central ou macular da
retina, especializada em
alta precisão e fixação,
mal funcionava, e era
apenas a área
paramacular à sua volta que tornava
possível uma visão tal
como a dele. A própria
retina tinha uma
aparência
malhada, como se tivesse
sido comida por traças,
com áreas de maior ou
menor pigmentação ―
ilhotas intactas ou
relativamente intactas em
alternância com áreas
atrofiadas. A mácula era
degenerada e pálida, e
os veios sangüíneos de
toda a retina
mostravam-se
estreitados.Os exames, pelo que me
disseram, sugeriram
traços ou resíduos de
uma antiga doença, mas
nenhum processo de
enfermidade atual ou
ativa; e, sendo assim, a
visão de Virgil, do
jeito que
estava, podia permanecer
estável para o resto de
sua vida. Era de se
esperar, além do mais
(já
que o pior olho fora
operado primeiro), que
seu olho esquerdo, que
devia ser operado no
período
de algumas semanas,
tivesse uma retina em
estado consideravelmente
melhor que a do direito.Não pude ir a Oklahoma
logo ― minha vontade
era pegar o primeiro
avião depois daquele
primeiro telefonema ―,
mas me mantive informado
sobre o progresso de
Virgil nas semanas
seguintes, em conversas
com Amy, com a mãe de
Virgil e, é claro, com o
próprio. Também
conversei longamente com
o Dr. Hamlin e com
Richard Gregory, na
Inglaterra, para saber
que tipo
de testes eu devia
levar, já que
pessoalmente nunca tinha
visto um caso parecido,
nem conhecia
ninguém (à exceção de
Gregory) que o tivesse.
Juntei algum material ―
objetos sólidos,
figuras,
desenhos, ilusões
visuais, vídeos e testes
de percepção especiais,
concebidos por um colega
fisiologista, Ralph
Siegel; liguei para um
amigo oftalmologista,
Robert Wasserman
(havíamos
trabalhando juntos
anteriormente no caso do
pintor daltônico, e
começamos a planejar a
visita.
Sentíamos que era
importante não apenas
testar Virgil, mas ver
como se comportava na
vida em
geral, dentro e fora de
casa, do lado de fora,
em ambientes naturais e
situações sociais; era
crucial também que o
víssemos como uma
pessoa, trazendo sua
própria história de vida
― suas
inclinações,
necessidades e
expectativas
particulares ― para
essa passagem crítica;
que
conhecêssemos sua noiva,
que tanto insistiu na
operação, e com quem sua
vida estava agora tão
intimamente associada;
que dirigíssemos nossos
olhares não apenas para
seus olhos e
capacidades de
percepção, mas para a
totalidade do teor e
padrão de sua vida.Virgil e Amy
― agora
recém-casados ― nos
receberam à saída do
desembarque no
aeroporto.
Virgil era de estatura
mediana, mas muito
gordo; movia-se
lentamente e tinha a
tendência de
tossir e ofegar ao menor
esforço. Não era, estava
claro, um homem
completamente saudável.Seus olhos erravam de um
lado para o outro, à
procura de movimentos, e
quando Amy nos
apresentou ― Bob e eu
― a ele pareceu não nos
ver de imediato ― olhou
na nossa direção, mas
não exatamente para nós.
Tive a impressão,
momentânea porém forte,
de que na realidade não
olhava para nossos
rostos, embora tenha
sorrido, rido e escutado
com atenção.Lembrei-me do que
Gregory observara em seu
paciente S. B. ― que
“ele não olhava para o
rosto
de um interlocutor, e
não se dava conta de
expressões faciais". O
comportamento de Virgil
não
era por certo o de um
homem de visão, mas
também não era o de um
cego. Era, antes, o
comportamento de alguém
mentalmente cego, ou
agnósico ― capaz de
ver, mas não de decifrar
o
que estava vendo. Ele me
lembrou um de meus
pacientes agnósicos, o
Dr. P. (o homem que
confundiu sua mulher com
um chapéu), que, ao me
receber, em vez de olhar
para mim de uma
maneira normal, tinha de
repente estranhas
fixações ― pelo meu
nariz, minha orelha
direita,
descendo até meu queixo,
e de volta ao meu olho
direito ― sem conseguir
ver, “apreender” meu
rosto como um todo.Caminhamos pelo
aeroporto apinhado, Amy
segurando o braço de
Virgil, guiando-o até o
estacionamento onde
tinham deixado o carro.
Virgil adorava carros, e
um de seus primeiros
prazeres após a cirurgia
(assim como com S. B.)
tinha sido observá-los
da janela de sua casa,
apreciar seus movimentos
e identificar suas cores
e formas ― as cores,
sobretudo. Por vezes, ficava desorientado com
as formas. “Que carros
você está vendo?”,
perguntei enquanto
atravessávamos o
estacionamento. Ele
apontava para todos os
carros por que
passávamos.
“Aquele é azul, aquele é
vermelho — uau! Aquele é
dos grandes!” Ele achava
algumas formas
surpreendentes. “Olhe
aquele lá”, exclamou uma
vez. “Tenho que olhar de
perto!” E, curvando-se, ele o tocou — era um
Jaguar V-12, sinuoso e
aerodinâmico — e
confirmou suas formas
discretas.
Mas eram apenas as cores
e as formas gerais que
ele percebia; teria
passado direto por seu
próprio carro se Amy não
estivesse com ele. E Bob
e eu ficamos
impressionados pelo fato
de
Virgil só olhar, só
prestar atenção
visualmente, quando
chamado ou quando lhe
apontavam algo
— não espontaneamente.
Sua visão podia ter sido
restaurada em grande
parte, mas era óbvio
que o uso dos olhos, o
olhar, estava longe de
ser natural para ele;
continuava com muitos
dos
hábitos e comportamentos
de um cego.
(Nota 3: Não
se vê, sente ou percebe
em isolamento —
a percepção está sempre
ligada ao comportamento
e ao movimento, à busca
e à exploração do
mundo. Ver não é
suficiente; é preciso
olhar também. Embora
tenhamos falado, no caso
de Virgil.
sobre uma incapacidade
perceptiva, ou agnosia,
havia igualmente uma
falta de capacidade ou
de
impulso para olhar, para
agir com a visão — uma
ausência de
comportamento visual.
Von Senden
menciona o caso de duas
crianças cujos olhos
ficaram tampados desde a
mais tenra idade e que, quando as vendas foram
retiradas aos cinco
anos, não tiveram
nenhuma reação, não
tinham nenhum olhar, pareciam
cegas. Fica o sentimento
de que essas crianças,
que construíram seus
mundos com outros
sentidos e
comportamentos, não
sabiam como usar os
olhos. O ato de olhar — como
uma orientação, um
comportamento — pode até
desaparecer naqueles
que ficam cegos já em
idade madura, a despeito
do fato de terem sido
“olhadores” durante toda
a
vida. Muitos exemplos
espantosos disso são
dados por
John Hull em
seu livro autobiográfico
Touching the rock. Hull
viveu como um homem
normal, com visão, até
seus quarenta e poucos
anos, mas cinco anos
após tornar-se
completamente cego
perdeu a própria idéia
de “encarar” as
pessoas, de “olhar” para
seus interlocutores.)
O percurso do aeroporto
à casa deles foi longo,
através do coração da
cidade, e nos deu a chance de conversar com
Virgil e Amy e observar
as reações dele a sua
nova visão.
Manifestamente, gostava
do movimento, olhava o
espetáculo em permanente
mutação pelas
janelas do carro, e o
movimento dos outros
veículos na estrada.
Detectou um motorista
vindo à
toda atrás de nós e
identificou carros,
ônibus (gostava
particularmente dos
escolares, amarelos-vivos), caminhões de
dezoito rodas e, uma
vez, numa estrada
secundária, um vagaroso
e
barulhento trator.
Parecia muito sensível —
e intrigado — aos
grandes sinais e
anúncios de néon,
e gostava de identificar
as letras quando
passávamos. Tinha
dificuldade de ler
palavras inteiras,
embora com freqüência as
deduzisse corretamente a
partir de uma ou duas
letras ou do estilo do
anúncio. Havia outros
que ele podia enxergar,
mas não ler. Foi capaz
de ver e discernir as
cores
cambiantes das luzes dos
sinais de trânsito ao
entrarmos na cidade.Ele e Amy nos contaram
sobre outras coisas que
ele vira desde a
operação e sobre algumas
confusões inesperadas
que podiam ocorrer. Vira
a Lua; era maior do que
esperava.
(Nota 4: O
paciente de Gregory
também se surpreendeu
com a Lua: esperava que
o primeiro quarto de Lua
tivesse a forma de uma
fatia, como um pedaço de
bolo, e ficou pasmo e
entretido ao descobrir, em vez disso, um quarto
crescente.).
Em certa
ocasião, ficou confuso
ao ver “um avião gordo”
no
céu — “petrificado, sem
se mexer”. Era um
dirigível.
Eventualmente, tinha
visto pássaros; eles o
faziam pular, às vezes,
se chegavam muito perto.
(É claro que não vinham
tão perto, Amy
explicou. Virgil
simplesmente não tinha o
menor senso de
distância.)
Recentemente, passaram
boa parte do tempo
fazendo compras — havia
os preparativos do
casamento, e Amy queria
exibir Virgil aos
outros, contar sua
história a vendedores e
lojistas que
os conheciam, deixá-los
ver a transformação de
Virgil com os próprios
olhos.
(Nota 5: Robert
Scott, sociólogo e
antropólogo do Instituto
de Estudos Avançados do
Comportamento em
Stanford, tem se
interessado
especialmente pela
reação social aos cegos,
e o desprezo e a
estigmatização tão
freqüentemente
conferidos a eles.
Também fez palestras
sobre “curas
milagrosas”, a
extravagância da emoção
que pode acompanhar a
recuperação da visão.
Foi o Dr.
Scott que, alguns anos
atrás, enviou-me uma
cópia do livro de Valvo.).
Foi divertido; a
televisão
local levou ao ar uma
reportagem sobre a
operação de Virgil, as
pessoas o reconheciam e
vinham
cumprimentá-lo. Mas
supermercados e outras
lojas também eram densos
espetáculos visuais de
objetos de todo tipo,
com freqüência em
embalagens vistosas, e
serviam como um bom
“exercício" para a nova
vista de Virgil. Entre
os primeiros objetos que
reconheceu, apenas um
dia
após tirarem o curativo,
estavam rolos de papel
higiênico em
prateleiras. Apanhara um
pacote e o
entregara a Amy para
provar que podia ver.
Três dias após a
cirurgia, foram a um
hipermercado e
Virgil enxergou
prateleiras, frutas,
enlatados, pessoas,
corredores, carrinhos —
tantas coisas que
ficou amedrontado. “Tudo
corria junto”, disse.
Teve de sair da loja e
fechar os olhos por um
momento.
Apreciava paisagens
ordenadas, dizia, de
montes verdes e grama —
sobretudo depois dos
espetáculos visuais
sobrecarregados e
excessivos das lojas —,
embora lhe fosse
difícil, segundo
Amy, conectar as formas
visuais dos montes com
os montes reais em que
caminhava, e não
tivesse senso algum de
tamanho ou perspectiva.
(nota 6: A sensação em
si não tem “marcadores”
para tamanho e
distância, que precisam
ser aprendidos com base
na experiência. Assim,
tem sido
relatado que pessoas que
viveram a vida inteira
em densas florestas
tropicais, com um
horizonte
de não mais que alguns
metros à frente, quando
colocadas em paisagens
amplas e vazias podem
chegar a esticar os
braços e tentar tocar as
montanhas com as mãos;
não fazem idéia da
distância das montanhas. Helmholtz (em Thought in
rnedicine, um relato
autobiográfico) descreve
como, aos dois anos de
idade, caminhando por um
parque, viu o que achou
ser uma pequena torre
com uma balaustrada
no alto e manequins ou
bonecos pequeninos
andando por trás do
parapeito. Quando
perguntou à
mãe se ela podia
alcançar um deles para
ele brincar, ela
exclamou que a torre
ficava a um
quilômetro de distância
e a duzentos metros de
altura, e que essas
pequenas figuras não
eram
manequins, mas pessoas
lá no alto. Bastou dizer
isso, escreve Helmholtz,
para que ele de repente
se desse conta da escala
de tudo, e nunca mais
cometesse tal erro
perceptivo — embora a
percepção visual do
espaço como tema nunca
tenha deixado de
exercitá-lo (ver Cahan,
1993). Poe conta, em “O
escaravelho de ouro”,
uma história inversa:
como o que parecia ser
uma
enorme criatura cheia de
articulações num morro
distante acaba se
revelando um pequeno inseto
na janela. Uma experiência pessoal,
a primeira vez que fumei
maconha, me vem á cabeça
agora. Olhava
para minha mão contra o
fundo de uma parede
lisa. Ela parecia
escapar de mim, ao mesmo
tempo em que mantinha o
mesmo tamanho aparente,
até começar a parecer
enorme, uma mão
cósmica, através de
parsecs do espaço.
Provavelmente, essa
ilusão tornou-se
possível, entre
outras coisas, pela
falta de marcos ou
contextos para indicar o
tamanho e a distância
real, e talvez
por algum distúrbio da
imagem corporal e da
central processadora de
visão.) Mas o primeiro
mês
com a visão fora
predominantemente
positivo: “Cada dia
parece uma grande
aventura,
enxergando mais pela
primeira vez a cada
dia”, Amy escrevera,
sintetizando, em seu
diário.Quando chegamos em casa,
Virgil caminhou por
conta própria, sem
bengala, até a porta da
frente, tirou a chave do
bolso, segurou a
maçaneta, destrancou e
abriu a porta. Era
impressionante — não poderia ter
feito isso de primeira,
ele disse, era algo que
vinha praticando desde o
dia seguinte à cirurgia.
Era o seu show. Mas ele
dizia que, em geral,
caminhar era
“assustador” e
“confuso” sem o tato,
sem sua bengala, com
suas noções incertas e
instáveis sobre o espaço
e a
distância. Por vezes,
superfícies e objetos
pareciam avultar-se,
estar em cima dele,
quando na
realidade continuavam a
uma grande distância;
por outras, confundia-se
com a própria sombra
(todo o conceito de
sombras, de objetos
bloqueando a luz, era
enigmático para ele) e
parava, ou
dava um passo em falso,
ou tentava passar por
cima dela. Degraus, em
particular, apresentavam
um risco especial,
porque tudo o que podia
ver era uma confusão,
uma superfície plana, de
linhas
paralelas ou
entrecruzadas; não
conseguia vê-los (embora
os conhecesse) como
objetos sólidos
indo para cima ou para
baixo num espaço
tridimensional. Agora,
cinco semanas depois da
cirurgia, sentia-se com
freqüência mais incapaz
do que se sentira quando
era cego, e perdera a
confiança, a facilidade
de movimento que
possuíra então. Mas
tinha a esperança de que
tudo isso
entrasse nos eixos com o
tempo.Eu não tinha tanta
certeza; todos os
pacientes descritos na
literatura médica
enfrentaram, após
a cirurgia, grandes
dificuldades na
apreensão do espaço e da
distância — por meses,
até mesmo
anos. Tinha sido o caso
mesmo com o paciente
extremamente inteligente
de Valvo, H. S., que
havia enxergado
normalmente até os
quinze anos, quando seus
olhos foram danificados
por uma
explosão química. Ficou
totalmente cego até
receber um transplante
de córnea 22 anos mais
tarde. Mas, a partir
daí, enfrentou sérias
dificuldades de toda
espécie, que ele
registrou, minuciosamente, em fita:
Durante as primeiras
semanas [após a
cirurgia], eu não tinha
nenhum senso de
profundidade ou
distância; as luzes da
rua eram manchas
luminosas grudadas aos
vidros das janelas, e os
corredores do hospital
eram buracos negros. Ao
atravessar a rua, o
tráfego me aterrorizava, mesmo quando estava
acompanhado. Sinto-me
muito inseguro ao andar;
na realidade, tenho
mais medo agora do que
antes da operação.Ficámos na cozinha, nos
fundos da casa, onde
havia uma grande mesa de
pinho branco. Bob e
eu despejámos todos os
nossos objetos de testes
— tabelas coloridas,
tabelas de letras,
desenhos, ilusões
visuais — sobre a mesa e
preparamos a câmera de
vídeo para registrar o
exame. Assim que nos
instalamos, o gato e o
cachorro de Virgil
apareceram para nos
receber e
examinar — e Virgil, nós
notamos, teve alguma
dificuldade em
estabelecer qual era
qual. Esse
problema cômico e
embaraçoso persistia
desde que voltara para
casa após a cirurgia:
ambos os
animais eram, por
coincidência,
preto-e-brancos, e ele
continuava a
confundi-los — para a
tristeza
dos dois — até poder
tocá-los. Por vezes,
disse Amy, ela o via
examinando o gato
cuidadosamente, olhando
para sua cabeça, suas
orelhas, patas, seu
rabo, e tocando ao mesmo
tempo cada parte.
Observei a mesma coisa
no dia seguinte — Virgil
tocando e olhando para
Tibbles com
extraordinária
concentração,
correlacionando o gato
com o gato. Ficava
fazendo a
mesma coisa, segundo Amy
(“Você poderia achar que
uma vez seria
suficiente”), mas as
novas
idéias, os
reconhecimentos visuais,
continuavam escapando à
sua mente.Cheselden descreveu uma
cena espantosamente
semelhante com seu jovem
paciente na década
de 1720:
Um detalhe apenas,
embora possa parecer
frívolo, devo relatar:
tendo com freqüência
esquecido qual era a
gata, e qual o cão,
envergonhava-se de
perguntar; mas ao pegar
a gata, que
conhecia pelo tato, foi
observado olhando
fixamente para ela e, em
seguida, colocando-a de
volta
ao chão, dizer: Então,
bichano, hei de
reconhecer-te em outra
ocasião. [...] Ao ser
informado sobre
o que eram as coisas
[...] ele comentava com
cautela que poderia vir
a conhecê-las de novo; e
(como disse) tomar
conhecimento, e mais uma
vez esquecer, milhares
de coisas num dia.Os primeiros
reconhecimentos formais
de Virgil após a remoção
do curativo foram de
letras na
tabela de acuidade
visual, e decidimos
testá-lo, primeiro, com
a identificação de
letras. Não
conseguia enxergar
claramente o texto comum
de jornal — sua acuidade
continuava apenas em
cerca de 20/80 —, mas
percebeu prontamente
letras com mais de 0,85
centímetros de altura.Aqui, saiu-se
relativamente bem, em
grande parte,
reconhecendo todas as
letras de uso mais
corrente (as maiúsculas,
pelo menos) com
facilidade — assim como
havia sido capaz de
fazer
desde que o curativo
fora removido. Como era
possível que tivesse
tanta dificuldade em
reconhecer rostos, ou o
gato, tanta dificuldade
com as formas em geral,
com o tamanho e a
distância, e contudo tão
pouca, relativamente,
para reconhecer as
letras? Quando lhe
perguntei
sobre isso, disse-me que
aprendera o alfabeto
pelo tato na escola,
onde usavam letras em
três
dimensões, ou
recortadas, para ensinar
aos cegos. Fiquei
impressionado e me
lembrei de S. B., o
paciente de Gregory:
“Para nossa grande
surpresa, ele era capaz
até de dizer a hora a
partir de
um grande relógio na
parede. Ficamos tão
impressionados com isso
que, de início, não
acreditamos que pudesse ter
sido cego antes da
operação”. Mas em seus
dias de cegueira S. B.
usara
um grande relógio de
caçador, sem o vidro,
dizendo a hora pelo tato,
e aparentemente fizera
uma
transferência, para usar
o termo de Gregory,
“modal cruzada”
instantânea do tato para
a visão.
Virgil, ao que parecia,
também devia estar
fazendo apenas uma
transferência desse
tipo.Mas se por um lado
Virgil era capaz de
reconhecer com
facilidade letras
separadas, por outro não
conseguia amarrá-las
— não podia ler ou mesmo
ver as palavras. Achei
isso enigmático, já que
ele
dissera que usavam não
apenas braille, mas
inglês com letras
tridimensionais ou em
alto-relevo
na escola — e que
aprendera a ler com
total fluência. De fato,
ainda era capaz de ler
com
facilidade as inscrições
em monumentos de guerra
ou lápides pelo tato.
Mas seus olhos pareciam
se fixar em letras
específicas e ser
incapazes de um
movimento livre, de uma
passada de olhos,
necessária para a
leitura. O mesmo ocorreu
com o alfabetizado H.
S.:
Minhas primeiras
tentativas de ler foram
penosas. Podia pinçar
letras separadas, mas me
era
impossível ler palavras
inteiras; consegui
fazê-lo apenas depois de
semanas de esforços
exaustivos. Na verdade,
era-me impossível
lembrar todas as letras
juntas, após tê-las lido
uma a
uma. Também não me era
possível, durante as
primeiras semanas,
contar meus próprios
cinco
dedos: tinha a sensação
de que estavam todos lá,
mas.., não era possível
para mim passar de um
ao outro enquanto
contava.Outros problemas se
manifestaram ao longo do
dia. Virgil pinçava
detalhes incessantemente
—
um ângulo, uma quina,
uma cor, um movimento —,
mas não era capaz de
sintetizá-los, de formar
uma percepção complexa
com uma passada de
olhos. Esta era uma das
razões por que o gato, visualmente, era tão
enigmático: via a pata,
o focinho, o rabo, uma
orelha, mas não
conseguia ver
tudo junto, o gato como
um todo.Amy anotou em seu diário
como mesmo as conexões
mais “óbvias” — visual e
logicamente —
precisavam ser
aprendidas. Assim, ela
nos contou, poucos dias
após a operação, “ele
disse que
as árvores não se
pareciam com nada na
Terra”, mas em 21 de outubro, um mês depois
da
cirurgia, ela escreveu:
“Virgil finalmente deu
unidade a uma árvore —
agora sabe que o tronco
e
as folhas se juntam para
formar uma coisa só”. E
em outra ocasião:
“Estranhamento de
arranha-céus, não consegue
entender como ficam de
pé sem cair".Muitos dos pacientes —
ou talvez todos — na
situação de Virgil
tiveram dificuldades
semelhantes. Uma dessas
pacientes (descrita por
Eduard Raehlmann em
1891), embora tivesse
tido uma pequena visão
anteriormente á operação
e segurado cachorros com
freqüência, “não
fazia a menor idéia de
como a cabeça, as patas
e as orelhas eram
conectadas ao animal”.
Valvo
cita seu paciente T. G.:
Antes da operação, eu
fazia uma idéia
completamente diferente
do espaço e sabia que um
objeto só podia ocupar
um único ponto tátil.
Sabia [...l também que,
se houvesse um obstáculo
ou
degrau ao fim de uma
varanda, esse obstáculo
surgia após certo
período de tempo, ao
qual eu
estava acostumado.
Depois da operação, por
vários meses, não podia
mais coordenar as
sensações visuais com a
velocidade do meu passo.
[...] Tinha que
coordenar a visão e o
tempo
necessários para cobrir
a distância. Achava isso
muito difícil. Se o
passo fosse muito lento
ou
muito rápido, eu
tropeçava.Valvo observa: “A
dificuldade real aqui é
que a percepção
simultânea de objetos
não é algo
habitual para aqueles
acostumados a uma
percepção seqüencial
através do tato”. Nós,
com a
totalidade dos sentidos,
vivemos no espaço e no
tempo; os cegos vivem
num mundo só de tempo.Porque os cegos
constróem seus mundos a
partir de seqüências de
impressões (táteis,
auditivas,
olfativas) e não sendo
capazes, como as pessoas
com visão, de uma
percepção visual
simultânea, de conceber
uma cena visual
instantânea.
Efetivamente, se alguém
não consegue
mais ver no espaço, a
idéia de espaço torna-se
incompreensível — mesmo
para pessoas muito
inteligentes que ficaram
cegas relativamente
tarde na vida — essa é a
tese central da
formidável
monografia de Von Senden,
que é vigorosamente
transmitida por John
Hull em sua notável
autobiografia, Touching
the rock, quando fala de
si, do cego, como
“vivendo (quase que
exclusivamente) no
tempo”. Com o cego, ele
escreve:
este sentido de estar
num lugar é menos
pronunciado. [...] O
espaço é reduzido ao seu
próprio
corpo, e a posição deste
é conhecida não pelos objetos que passaram por
ele, mas pelo tempo
que esteve
em movimento. [...] Para
o cego, as pessoas não
estão lá se não falam.
[...] As pessoas estão
em
movimento, são
temporais, vêm e vão.
Aparecem do nada;
desaparecem.
Embora Virgil pudesse
reconhecer letras e
números, e também
pudesse escrevê-los,
confundia
as letras mais parecidas
(“A” e “H”, por exemplo)
e, certa vez, escreveu
algumas ao contrário.(Hull descreve como,
após apenas cinco anos
de cegueira, aos
quarenta anos, suas
próprias
memórias visuais se
tornaram de tal forma
incertas que ele já não
sabia para que lado
estava
virado um “3” e tinha
que traçá-lo no ar com
os dedos. Dessa forma, o
numeral era guardado
como um conceito
tátil-motor, mas não
mais visual.) Ainda
assim, o desempenho de
Virgil impressionava para um
homem que não tinha
enxergado por 45 anos.
Mas o mundo não consiste
apenas em letras e
números. Como se sairia
com objetos e imagens?
Como se sairia com o
mundo real?Suas primeiras
impressões ao retirarem
o curativo foram
especialmente de cores,
e parecia ser
a cor, sem analogias no
mundo do tato, o que
mais o excitava e
encantava — isso ficou
muito
claro pela maneira como
falava e pelo diário de
Amy. (O reconhecimento
das cores e do
movimento parece ser
inato.) Era às cores que
Virgil aludia
continuamente, o
inesperado cromático de novas visões.
Comera salada grega e esparguete na noite
anterior, contou-nos, e
o
esparguete o surpreendeu:
“Linhas brancas e
esféricas, como linha de
pescar”, disse. “Pensava
que seriam marrons.Ver a luz, a forma e os
movimentos, ver as cores
sobretudo, havia sido
algo completamente
inesperado e teve um
impacto físico e
emocional quase que
chocante, explosivo.
(“Senti a
violência dessas
sensações”, escreveu H.
S., o paciente de Valvo,
“como uma explosão na
cabeça. A violência da
emoção [...] era análoga
à emoção muito forte que
tive ao ver minha
mulher pela primeira vez
e quando, saindo de
carro, vi os grandes
monumentos de Roma.”)
Percebemos que Virgil
distinguia facilmente
uma grande quantidade de
cores e as combinava
sem dificuldade. Mas,
confuso e de uma maneira
atabalhoada, por vezes
dava nomes errados às
cores: chamou, por
exemplo, amarelo de
rosa, mas sabendo que se
tratava da mesma cor da
banana. No começo
ficamos na dúvida se ele
tinha uma agnosia ou
anomia de cor — falhas
na
associação ou definição
das cores são
conseqüência de lesões
em áreas específicas do
cérebro.
Mas as dificuldades
dele, ao que nos
parecia, vinham
simplesmente da falta de
aprendizado (ou
do esquecimento) — do
fato de que a cegueira
prematura e prolongada o
impedira por vezes de
associar as cores aos
seus nomes ou o levara a
esquecer algumas dessas
associações que havia
feito. Essas associações
e as conexões neurais
que as sustentam,
inicialmente fracas,
ficaram
soltas em seu cérebro,
não por alguma lesão ou
doença, mas simplesmente
por falta de uso.Embora Virgil
acreditasse ter memórias
visuais, incluindo
memórias de cor, do
passado remoto
— em nosso percurso do
aeroporto falou de ter
crescido na fazenda em
Kentucky (“Vejo o riacho
correndo entre as
plantações”, “pássaros
nas cercas”, “a velha
casa grande branca”) —,
eu não
conseguia saber se estas
memórias eram genuínas,
imagens visuais em sua
mente, ou meras
descrições sem imagens
(como as de
Helen Keller).
Como se saía com as
formas? Aqui as coisas
ficavam mais
complicadas, porque
tinha se
exercitado nas semanas
após a cirurgia,
correlacionando a
aparência e o tato.
Nenhum desses
exercícios foi
necessário com as cores.
Primeiro, foi incapaz de
reconhecer qualquer
forma
visualmente — mesmo as
mais simples, como o
quadrado ou o circulo,
que identificava
imediatamente pelo
toque. Para ele, um
quadrado tocado não
correspondia em nada a
um
quadrado visto. Esta era
a sua resposta à questão
de Molyneux. Por essa
razão, Amy havia
comprado, entre outras
coisas, um quadro de
madeira para crianças,
com grandes blocos
simples
— quadrado, triângulo,
círculo e retângulo — a
serem encaixados nos
buracos correspondentes,
e
fez Virgil se exercitar
com o brinquedo
diariamente. A
princípio, ele achou a
incumbência
impossível, mas, após um
mês de prática,
tornou-se absolutamente
fácil. Ele continuava
com a
tendência de tocar os
buracos e as formas
antes de encaixá-las,
mas quando o impedimos
de
fazê-lo ele conseguiu
arrumá-las
espontaneamente apenas
pela visão.Evidentemente, objetos
sólidos apresentavam uma
dificuldade bem maior,
porque sua aparência
era muito variável; e
grande parte das últimas
cinco semanas fora
dedicada à exploração
destes,
de suas inesperadas
vicissitudes de
aparência quando vistos
de perto ou de longe, ou
semi-encobertos, ou de
diferentes pontos e
ângulos.
No dia em que Virgil
voltou para casa, após a
retirada dos curativos,
a casa e o que havia em
seu interior eram
ininteligíveis para ele,
e teve de ser guiado
pelo caminho no jardim,
pela casa,
em cada quarto, e
apresentado a cada
cadeira. Em uma semana,
com a ajuda de Amy,
estabeleceu um fio
condutor — uma linha de
referências seguindo o
caminho no jardim,
através
da sala de estar até a
cozinha, com outras,
sempre que necessário,
até o banheiro e o
quarto. No
começo, era somente a
partir dessas
referências que
conseguia reconhecer o
que quer que fosse
— embora isso tenha
exigido uma boa dose de
interpretação e
inferência; assim,
aprendeu por
exemplo que “uma
brancura à direita”,
vista quando vinha em
diagonal da porta da
frente, era na
realidade a mesa de
jantar na outra sala,
embora a esta altura nem
“mesa” nem “sala de
jantar”
fossem conceitos visuais
claros. Se se desviasse
desse fio, ficava
completamente
desorientado.
Então, cuidadosamente,
com a ajuda de Amy,
começou a usá-lo como
base para a casa,
fazendo
pequenos desvios e
excursões para ambos os
lados, de forma que
pudesse ver os cômodos, perceber suas paredes e
móveis de diferentes
ângulos, e construir um
sentido de espaço, de
solidez e de
perspectiva.Conforme Virgil
explorava os cômodos da
casa, investigando, por
assim dizer, a
construção
visual do mundo, veio-me
a imagem de um bebê
movendo a mão de um lado
para o outro diante
de seus olhos,
balançando a cabeça,
virando-a de um lado
para o outro, em sua
construção
primal do mundo. A
maioria de nós não faz a
menor idéia da
enormidade dessa
construção, já que
a desempenhamos
inconsútil e
inconscientemente,
milhares de vezes todos
os dias, num piscar
de olhos. Mas não é
assim com um bebê, como
não era assim com Virgil,
e também não o é,
digamos, com um artista
que deseja experimentar
suas percepções
elementares renovadas,
como
pela primeira vez.
Cézanne escreveu certa
vez: “A mesma coisa
vista de um ângulo
diferente
fornece um tema de
estudo do mais alto
interesse e tão variado
que creio poder passar
meses
ocupado sem mudar de
posição, simplesmente
curvando-me mais à
direita ou à esquerda”.Atingimos a constância
perceptiva — a
correlação de todas as
diferentes aparências,
as
modificações dos objetos
— muito cedo, nos
primeiros meses de vida.
Trata-se de uma enorme
tarefa de aprendizado,
mas que é alcançada tão
suavemente, tão
inconscientemente, que
sua
imensa complexidade mal
é percebida (embora seja
uma conquista a que nem
mesmo os maiores
super-computadores
conseguem começar a
fazer face). Mas para
Virgil, com meio século
esquecendo todos os
engramas visuais que
construíra, o
aprendizado, ou
reaprendizado, dessas
modificações demandava
horas de uma exploração
consciente e sistemática
a cada dia. Este
primeiro mês, então, foi
cena de uma exploração
sistemática, pela vista
e pelo tato, de todas as
pequenas coisas da casa:
frutas, legumes,
garrafas, latas,
faqueiros, flores, os
enfeites sobre o
consolo da lareira —
mexendo e remexendo
nelas, observando-as bem
perto de si e depois de
longe, com o braço
esticado, tentando
sintetizar suas várias
aparências num sentido
de objeto
único.
(Nota 7: Houve
problemas semelhantes
com o paciente de Gregory, S. B., que
nunca
deixava de “se
impressionar pela
maneira como os objetos
mudavam de forma
conforme andava
em volta deles. [...]
Olhava para um poste de
luz, contornava-o,
analisava-o de um ângulo
diferente e pensava por
que parecia ao mesmo
tempo diferente e
igual”. De fato, todas
as
pessoas que acabam de
recobrar a visão têm
dificuldades radicais
com as aparências,
sentindo-se subitamente imersas
num mundo que, para
elas, pode ser um caos
de aparências instáveis, evanescentes, em
permanente modificação.
Podem sentir-se completamente perdidas,
à deriva
nesse fluxo de
aparências, que para
elas ainda não está
firmemente ancorado no
mundo dos objetos, no mundo do
espaço. As pessoas que
acabam de recuperar a
visão, e que antes
dependeram de outros
sentidos, são derrotadas
pelo próprio conceito de
“aparência”, que, por
ser
óptico, não tem analogia
nos outros sentidos. Nós
que nascemos no mundo
das aparências (e de
suas eventuais ilusões,
miragens e enganos)
aprendemos a dominá-lo,
a nos sentir em casa
nele,
mas isso é extremamente
difícil para alguém cuja
visão é recente. O
filósofo F. H. Bradley
escreveu um livro
célebre chamado
Appearance and reality
(1893) —mas para os que
acabam de
recuperar a visão, a
princípio, aparência e
realidade não têm
qualquer conexão).Apesar de todas as
amolações que podem
decorrer dos esforços
para ver, Virgil se
empenhou
nisso com espírito
esportivo, e aprendeu
com perseverança. Agora,
tinha poucas
dificuldades em
reconhecer as frutas, as
garrafas, as latas na
cozinha, as diferentes
flores na sala, e outros
objetos comuns na casa.Objetos a que não
estivesse habituado eram
muito mais difíceis.
Quando tirei um aparelho
de
medir a pressão de minha
maleta médica, ele ficou
completamente sem ação,
sem a mínima idéia
do que se tratava, mas o
reconheceu imediatamente
quando lhe permiti
tocá-lo. Objetos em
movimento apresentavam
um problema especial, já
que mudavam de aparência
constantemente.
Mesmo o seu cachorro,
ele me disse, parecia
tão diferente a cada
momento que ele se
perguntava se era de
fato o mesmo cachorro.
(Nota
8: Quando Virgil disse
isso, lembrei-me de uma
descrição no conto de
Borges “Funes, o
memorioso”, em que a
dificuldade de Funes com
conceitos termos gerais a
coloca numa situação
semelhante: Não lhe era
apenas difícil
compreender que
o termo genérico cão
abrangesse tantos
indivíduos díspares e de
diferentes formas e
tamanhos;
aborrecia-o também que o
cão às três e catorze
(visto de perfil)
tivesse o mesmo nome que
o cão
às três e quinze (visto
de frente).).
Ficava
absolutamente perdido
diante de movimentos
rápidos
nas fisionomias dos
outros. Tais
dificuldades são quase
universais entre cegos
de infância que
voltam a enxergar. O
paciente de Gregory, S.
B., continuava sem
conseguir reconhecer os
rostos
das pessoas, ou suas
expressões, um ano
depois de seus olhos
terem sido operados, a
despeito
de ter uma visão
elementar perfeitamente
normal.E quanto às figuras?
Recebi, nessa área,
relatos contraditórios
sobre Virgil. Diziam que
adorava
ver televisão,
acompanhar tudo o que ia
ao ar — e, com efeito,
um enorme televisor
ficava na
sala, um emblema da nova
vida de Virgil como uma
pessoa que vê. Mas
quando o submetemos a
figuras imóveis,
fotografias em revistas,
não teve o menor
sucesso. Não conseguia
ver as
pessoas, nem os objetos
— não compreendia a
idéia de representação.
S. B., o paciente de
Gregory, tinha problemas
semelhantes. Diante de
uma foto de Cambridge
Backs, mostrando o rio
e a King’s Bridge,
Gregory nos relata:
Não entendeu nada. Não
percebeu que a cena era
de um rio, e não
reconheceu água ou
ponte.
[...] Até onde
entendemos, S. B. não
fazia a menor idéia de
que objetos estavam na
frente ou
atrás de outros em
nenhuma da fotos
coloridas. [...] Ficamos
com a impressão de que
via pouco
além de fragmentos de
cor.O mesmo ocorreu, mais
uma vez, com o jovem
paciente de Cheselden:
Pensávamos que ele logo
saberia o que
representavam as figuras
[...] mas percebemos em
seguida que tínhamos nos
enganado; pois, cerca de
dois meses após suas
cataratas terem sido
removidas, descobriu de
repente que
representavam corpos
sólidos, o que até então
tinha
percebido apenas como
planos de cores
variadas, ou superfícies
diversificadas com uma
variedade de tintas; mas
mesmo então ficou não
menos surpreso, achando
que as imagens teriam
a mesma textura da coisa
que representavam, [...]
e perguntou qual era o
sentido enganoso, o
tato ou a visão?As coisas também não
melhoravam com as
imagens em movimento na
tela de TV. Conhecendo
a paixão de Virgil por
escutar jogos de
beisebol, achamos um
canal com uma partida em
andamento. A princípio,
parecia que a estava
acompanhando
visualmente, porque
podia dizer
quem estava rebatendo a
bola, o que estava
acontecendo. Mas bastou
desligarmos o som para
que ficasse perdido.
Ficou claro que ele
próprio percebia pouco
além de faixas de luz,
cores e
movimentos, e que todo o
resto (o que parecia
ver) era interpretação,
desempenhada rápida e
talvez
inconscientemente, em
consonância com o som.
Não tínhamos a menor
certeza de como
seria com um jogo ao
vivo — parecia-nos
possível que pudesse
assistir e desfrutar de
boa parte
dele; era na
representação
bidimensional, pictórica
ou televisiva, da
realidade que ele
continuava
completamente à deriva.Virgil já havia passado
por duas horas de testes
e começava a ficar
cansado — tanto visual
como cognitivamente,
como costumava ocorrer
desde a operação —, e,
uma vez cansado, via
cada vez menos, e tinha
cada vez mais
dificuldade de entender
o que via.
(Nota 9:
Devido a seu
esgotamento a esta
altura, não podíamos
testá-lo com as ilusões
visuais que tínhamos
trazido.
Era uma pena, porque
“ver" ou “não ver”
ilusões visuais abre um
caminho objetivo e
comprobatório para o
exame das capacidades
visuais-construtivas do
cérebro. Ninguém
explorou
essa abordagem com mals
profundidade que Gregory,
e seu relato detalhado
das respostas de S.B. às ilusões visuais é
portanto de grande
interesse. Uma das
ilusões visuais consiste
em linhas
paralelas que, aos olhos
normais, parecem
divergir por causa do
efeito das linhas
divergentes a
elas superpostas; nada
desse efeito
“gestáltico” se deu com
S. B., que viu as linhas
absolutamente paralelas
— uma falta de
“influência” semelhante
foi observada com outras
ilusões.
Particularmente
interessante foi a
resposta de S. B. a
figuras reversíveis,
como cubos e escadas
desenhados em
perspectiva, normalmente
percebidos em
profundidade e
invertendo sua configuração aparente de
tempos em tempos; as
figuras não se invertiam
para S. B., que também
não
via a profundidade.
Também não havia
flutuação do plano com
figuras ambíguas.
Aparentemente,
não “via” mudanças de
distância/tamanho nas
ilusões visuais, como
também não experimentou
o
chamado efeito em
cascata, o habitual
efeito de percepção do
movimento a posteriori.
Em todos
esses casos, a ilusão é
“vista” (mesmo se a
mente sabe que a
percepção é ilusória)
por todos os
adultos com visão
normal. Muitos desses
efeitos ilusórios também
podem ser demonstrados
em
crianças pequenas, em
macacos e mesmo na
“criatura” artificial de Edelman, Darwin IV. Que
S. B.
não tenha conseguido
“vê-las” ilustra o quão
rudimentares eram suas
capacidades cerebrais de
construção visual, em
conseqüência da falta
efetiva de uma
experiência visual
primordial).De fato, nós mesmos
estávamos ficando
impacientes e queríamos
sair após toda uma manhã
de testes. Nós lhe
perguntamos, como última
tarefa antes de darmos
uma volta de carro, se
estava disposto a fazer
alguns desenhos.
Sugerimos de início que
desenhasse um martelo
(foi o
primeiro objeto que S.
B. desenhou). Virgil
concordou e começou a
desenhar, trêmulo.
Guiava o
movimento do lápis com a
outra mão, que estava
livre (“Só faz isso
porque agora está
cansado”,
disse Amy). Depois,
desenhou um carro (muito
alto e antigo); um avião
(sem a cauda: teria sido
complicado fazê-lo
voar); e uma casa (plana
e grosseira, como o
desenho de uma criança
de três
anos de idade).Quando finalmente
saímos, era uma luminosa
manhã de Outubro e
Virgil ficou ofuscado
por um
minuto, até colocar um
par de óculos
verde-escuros. Mesmo a
luz comum do dia, ele
disse,
parecia-lhe demasiado
clara, resplandecente;
sentia que via melhor
sob uma luz totalmente
baixa.
Perguntamos a ele aonde
gostaria de ir, e depois
de refletir um pouco ele
disse: “Ao zoológico”. Nunca tinha ido a um
zoológico, disse ele, e
estava curioso para
saber a cara de vários
animais.
Amava animais desde sua
infância na fazenda.O mais impressionante,
assim que chegamos ao
zoológico, era a
sensibilidade de Virgil
para o
movimento. Ficou
sobressaltado de início
por um curioso movimento
empertigado, que o fez
sorrir
— nunca vira nada
parecido. “Que é isto?”,
perguntou.“Um emu.”
Ele não estava muito
seguro sobre o que era
um emu, por isso pedimos
que o descrevesse para
nós. Sentiu dificuldade
e a única coisa que pôde
dizer é que era da mesma
altura que Amy
ela e o emu estavam lado
a lado nesse momento —,
mas que seus movimentos
eram totalmente
diferentes dos dela. Ele
quis tocá-lo, apalpá-lo
inteiro. Se o fizesse,
pensou, o veria melhor.
Mas
tocar, infelizmente, não
era permitido.Sua atenção foi fisgada
em seguida por um
movimento saltitante nas
proximidades, e ele
imediatamente concluiu —
ou melhor, presumiu —
que devia ser um
canguru. Seu olho
acompanhou de perto os
movimentos do canguru,
mas não conseguiria
descrevê-lo, ele disse,
a menos
que pudesse tocá-lo. A
esta altura, já
estávamos colocando em
questão exatamente o que
ele
podia ver — e o que,
efetivamente, queria
dizer com “ver”.Pareceu-nos que, no
geral, se conseguia
identificar um animal,
era ou por seu movimento
ou
através de um único dado
específico — assim, era
possível identificar um
canguru porque saltava, uma girafa pela altura,
ou uma zebra por suas
listras — mas não podia
formar uma impressão de
conjunto do animal.
Também era preciso que o
bicho estivesse definido
com precisão contra um
fundo; não pôde
identificar os
elefantes, a despeito
das trombas, porque
estavam a uma distância
considerável, na frente
de um fundo
cinza-azulado.Por fim, fomos à jaula
do gorila; Virgil estava
curioso em vê-lo. Não
conseguiu enxergá-lo de
todo enquanto o gorila
permaneceu
semi-escondido entre
algumas árvores, e
quando ele finalmente saiu para o
espaço aberto Virgil
pensou que, embora se
movesse de uma maneira
diferente, parecia igual
a um homem grande.
Felizmente, havia uma
estátua de bronze de um
gorila em tamanho
natural na seção dos
macacos, e dissemos a
Virgil, que desejava
ardentemente tocar em
todos os animais, que
podia, na falta de outra
coisa, pelo menos
examinar
a estátua. Ao fazê-lo
rápida e minuciosamente
com as mãos, ganhou um
ar de segurança que
nunca havia mostrado ao
examinar o que quer que
fosse com os olhos.
Ocorreu-me — talvez isso
tenha ocorrido a todos
nós nesse momento — o
quanto tinha sido hábil
e auto-suficiente como
um
cego, o tanto de
naturalidade e
facilidade com que havia
experimentado o seu
mundo com as
mãos e o quanto
estávamos agora, por
assim dizer, forçando-o
contra o que lhe era
natural:
exigindo que renunciasse
a tudo o que lhe vinha
com facilidade, que
passasse a perceber o
mundo de uma maneira
inacreditavelmente
difícil para ele, e
estranha.
(Nota 10:
Anteriormente, Virgil tinha detectado o
som distante do rugido
dos leões em sua jaula,
ficou com os ouvidos
ligados e virou-se de
repente na direção
deles. “Ouçam!”, ele
disse. “São os leões —
estão
alimentando os leões.”
Nós não tínhamos ouvido
nada e, mesmo quando
Virgil chamou nossa
atenção, achamos o som
muito fraco e não
soubemos dizer de onde
vinha. Estávamos impressionados pela qualidade
da audição de Virgil,
sua atenção, agudeza e
orientação auditivas, o
quanto era proficiente
com a escuta. Tal
agudeza e alta
sensibilidade auditiva
ocorrem em muitos
cegos, mas sobretudo nos
cegos de nascença ou de
infância; parecem
acompanhar a constante
concentração da atenção,
afetos e capacidades
cognitivas nessas
esferas e, com isso, um
hiperdesenvolvimento dos
sistemas
auditivo-cognitivos do
cérebro).Seu rosto pareceu se
iluminar com o
entendimento enquanto
tocava a estátua. “Não
parece em
nada com um homem”,
murmurou. Uma vez
examinada a estátua, ele
abriu os olhos e
virou-se
para o verdadeiro gorila
de pé à sua frente,
dentro da jaula. E
agora, de um jeito que
teria sido
impossível antes,
descreveu a postura do
macaco, a maneira como
as juntas dos dedos
tocavam
o solo, as pequenas
pernas arqueadas, os
grandes caninos, a
enorme ruga na cabeça,
apontando
para cada característica
enquanto falava. Gregory
escreve sobre um
episódio maravilhoso com
seu paciente S. B., que
nutria um interesse de
longa data por
ferramentas e máquinas.
Gregory o
levou ao Museu de
Ciência em Londres para
ver a grande coleção:
O episódio mais
interessante foi sua
reação ao admirável
torno de corte em rosca
mantido num
compartimento especial
de vidro. [...] Nós o
levamos até o
compartimento, que
estava fechado, e
lhe pedimos para nos
dizer o que havia no
interior. Ele foi
totalmente incapaz de
dizer qualquer
coisa sobre o objeto, à
exceção de que achava
que a parte mais próxima
era uma manivela. [...]
Pedimos em seguida ao
auxiliar do museu (como
previamente combinado)
que abrisse o
compartimento, e S. B.
pôde tocar o torno. O
resultado foi
surpreendente. [...] Ele
correu com as
mãos por sobre o torno,
com os olhos fechados,
apertados. Depois,
afastou-se um pouco,
abriu os
olhos e disse: “Agora
que o toquei, posso
vê-lo”.O mesmo aconteceu com
Virgil e o gorila. Esse
exemplo espetacular de
como o tato podia
tornar possível a visão
explicava algo mais que
me intrigara. Desde a
operação, Virgil vinha
comprando soldadinhos de
brinquedo, carros,
bichos e prédios
célebres em miniatura —
todo um
mundo liliputiano — e
passando horas com eles.
Não era uma mera
infantilidade ou
espírito lúdico
que o levaram a tais
recreações. Tocando-os,
ao mesmo tempo em que os
olhava, podia forjar
uma correlação crucial;
podia preparar-se para
ver o mundo real
aprendendo antes a ver
esse
mundo de brinquedo. A
disparidade de escala
não importava, assim
como não havia importado
para S. B., que foi
capaz de dizer a hora
imediatamente num grande
relógio de parede porque
podia correlacioná-lo
com o que conhecia pelo
toque de seu relógio de
bolso.Fomos almoçar num
restaurante de peixes e,
enquanto comíamos,
fiquei observando Virgil
de
tempos em tempos. Notei
que começou a comer de
maneira normal, como
quem enxerga,
cortando com precisão
pedaços de tomate de sua
salada. Em seguida,
conforme continuava, sua
mira foi piorando: seu
garfo passou a errar os
alvos e a pairar
indeciso no ar. Por fim,
incapaz de
“ver”, ou compreender, o
que estava em seu prato,
abandonou os esforços e
passou a usar as
mãos para comer como
antes, como um cego. Amy
já havia me falado sobre
essas recaídas,
descrevendo-as no
diário. Houve reversões
parecidas, por exemplo,
ao fazer a barba,
começando
com um espelho, pela
visão, com uma
concentração tensa. Em
seguida, o movimento da
lâmina
se tornava mais lento, e
ele começava a examinar
incerto seu rosto no
espelho ou tentava
confirmar pelo toque o
que via pela metade. Por
fim, dava as costas ao
espelho, ou fechava os
olhos, ou apagava a luz,
e terminava o trabalho
pelo tato.Que Virgil tivesse
períodos de cansaço
visual agudo em
decorrência do esforço
ou uso
prolongado da vista não
era de surpreender;
todos nós passamos pelo
mesmo se exigimos
demais da nossa visão.
Algo acontece, por
exemplo, com o meu
próprio sistema visual
se passo
três horas olhando
direto para um
eletroencefalograma:
começo a perder coisas
nas linhas e fico
vendo garatujas
ofuscantes em toda parte
— nas paredes, no teto,
em todo o campo visual
—, e
nesse momento tenho que
parar e fazer outra
coisa ou, o que é ainda
melhor, ficar com os
olhos
fechados por uma hora. E
o sistema visual de
Virgil, comparado ao
normal, devia ser, nesse
estágio, extremamente
instável.Menos fáceis de
entender, e mais
alarmantes, talvez
ameaçadores, eram os
longos períodos de
“turvação” — de visão ou
conhecimento
deteriorados —, por
horas ou mesmo dias, que
surgiam
de repente, sem razões
claras. Bob Wasserman
ficou muito intrigado
com as descrições que
Virgil
e Amy fizeram dessas
flutuações; praticava a
oftalmologia havia cerca
de 25 anos, tendo
operado
muitas cataratas, mas
nunca encontrara nada
dessa espécie.Depois do almoço, fomos
todos ao consultório do
Dr. Hamlin. Ele havia
tirado fotografias
detalhadas da retina
logo após a cirurgia e
Bob, examinando agora o
olho (tanto por
oftalmoscopia
direta como indireta) e
comparando-o com as
fotografias, não via
qualquer sinal de
complicações
pós-operatórias. (Um
exame especial — a
angiografia por
fluoresceina — havia
mostrado um
edema macular cistóide,
mas que não teria
causado as súbitas
flutuações tão
impressionantes.)
Já que não parecia haver
uma causa local ou
ocular suficiente para
tais flutuações, Bob
levantou
a hipótese de que fossem
conseqüência de um
estado médico subjacente
— ficamos
impressionados com a má
aparência de Virgil logo
que o conhecemos — ou
pudessem
representar uma reação
neural do sistema visual
do cérebro a condições
de sobrecarga sensória
ou cognitiva. Não é um
esforço para pessoas com
a visão normal construir
formas, contornos,
objetos e cenas a partir
de sensações puramente
visuais; elas fazem
essas construções
visuais,
um mundo visual, desde o
nascimento e para tanto
desenvolvem um vasto e
desembaraçado
aparato cognitivo.
(Normalmente, metade do
córtex cerebral é
dedicado ao
processamento visual.)
Mas em Virgil essas
capacidades cognitivas,
subdesenvolvidas, eram
rudimentares; as partes
visuais-cognitivas de
seu cérebro podiam
facilmente ter sido
esmagadas.Os sistemas cerebrais,
em todos os animais,
podem responder a um
estímulo esmagador, ou a
um estímulo que
ultrapassa um ponto
critico, com um
desligamento súbito.
(Nota 11: “Pavlov,
falando dessas reações
nos cães, chamou-as
“inibição transmarginal
em conseqüência de
estímulo supramaximizado”,
e viu tais desligamentos
como defesas naturais).
Essas reações
nada têm a ver com os
indivíduos ou suas
motivações. São
estritamente locais e
fisiológicas e
podem ocorrer até mesmo
em parcelas isoladas do
córtex cerebral: são uma
defesa biológica
contra uma sobrecarga
neural.Todavia, os processos
perceptivos-cognitivos,
enquanto fisiológicos,
também são pessoais —
não se trata de um mundo
que a pessoa percebe e
constrói, mas de seu
próprio mundo —, e
levam a, estão ligados
a, um eu perceptivo, com
uma vontade, uma
orientação e um estilo
próprios. Esse eu
perceptivo pode sucumbir
com a paralisação de
sistemas perceptivos,
alterando
a orientação e a própria
identidade do indivíduo.
Se isso acontece, a
pessoa não apenas fica
cega, mas deixa de se
comportar como um ser
que enxerga, sem
apresentar nenhum
registro de
qualquer mudança em seu
estado interior,
esquecendo-se
completamente da visão
que teve, ou
do fato de tê-la
perdido. Esse estado de
total cegueira psíquica
(conhecido como síndrome
de
Anton) pode ocorrer se
houver uma lesão
extensa, como a de um
derrame, nas partes
visuais do
cérebro. Mas também
parecia acontecer, vez
por outra, com Virgil.
Nessas ocasiões, com
efeito,
ele podia falar de “ver”
enquanto, na realidade,
agia como um cego, sem
qualquer tipo de
comportamento visual.
Éramos levados a nos
perguntar se toda a base
da percepção visual e da
identidade de Virgil não
seria ainda demasiado
fraca, de modo que ele
podia entrar e sair não
apenas de uma cegueira
física, mas de uma
cegueira psíquica total,
semelhante à síndrome de
Anton.Um tipo completamente
diferente de suspensão —
ou retração — visual
parecia associado a
situações de grande
estresse ou conflito
emocional. E para Virgil
esse período foi de fato
um dos
mais estressantes por
que passou: acabara de
ser operado, acabara de
se casar; o curso
tranqüilo de sua vida de
cego e de solteiro fora
estilhaçado; estava sob
uma enorme pressão de
expectativa; e o próprio
ato de ver era
atordoante e exaustivo.
Essas pressões
aumentaram com a
proximidade do dia do
casamento, especialmente
com a chegada de sua
própria família à
cidade;
eles não apenas tinham
sido contra a operação a
princípio, mas agora
insistiam que na
realidade
ele continuava cego.
Tudo isso foi
documentado por Amy em
seu diário:
9 de outubro: Fomos à
igreja para fazer a
decoração do casamento.
A visão de Virgil
completamente turva.
Incapaz de distinguir
grande coisa. É como se
a visão tivesse entrado
em
queda livre. Virgil age
como “cego” de novo.
[...] Tenho que guiá-lo
por toda parte.11 de outubro: A família
de Virgil chega hoje.
Sua vista parece ter
saído de férias. [...] É
como se
tivesse voltado a ser
cego! A família chegou.
Não podiam acreditar que
ele pudesse ver. Toda
hora em que ele afirmava
que podia ver alguma
coisa, eles diziam:
“Ah, você está
chutando”. Trataram-no
como se fosse totalmente
cego — guiando-o por
todo lado,
dando-lhe tudo o que
quisesse. [...] Estou
muito nervosa, e a visão
de Virgil desapareceu.
[...]
Queria ter certeza de
que estamos fazendo a
coisa certa.12 de outubro: Dia do
casamento. Virgil muito
calmo [...] visão um
pouco melhor, mas ainda
turva. [...] Pôde me ver
vindo pelo corredor, mas
estava muito turva.
[...] Belo casamento.
Festa na
casa de mamãe. Virgil
cercado pela família.
Ainda não aceitam a
visão dele, ele não
conseguia
ver grande coisa.
Despediu-se de sua
família esta noite. A
visão começou a melhorar
assim que
partiram.Nesses episódios, Virgil
foi tratado por sua
família como um cego,
tendo sua identidade
visual
negada ou solapada, e
reagiu, de acordo,
comportando-se como tal
ou mesmo ficando cego —
urna retração ou
regressão extensiva de
parte do seu ego a uma
negação esmagadora e
aniquilante da
identidade. Tal
regressão poderia ser
vista como motivada,
ainda que
inconscientemente — uma
inibição de base
“funcional”. Assim,
parecia haver duas
formas
distintas de
“comportamento cego” ou
“atuação cega” — a
primeira, uma
paralisação do
processamento e da
identidade visual, de
base orgânica (um
processo “de baixo para
cima” ou
distúrbio
neuropsicológico, no
vernáculo neurológico);
a outra, uma paralisação
ou inibição da
identidade visual, de
base funcional (um
distúrbio “de cima para
baixo” ou psiconeurótico),
embora
não menos real para ele.
Dada a extrema
debilidade orgânica de
sua visão — a
instabilidade de
seus sistemas visuais e
da identidade visual
neste momento —, era
muito difícil, por
vezes, saber
o que se passava,
distinguir entre o
“fisiológico” e o
“psicológico”. Sua visão
era tão marginal, tão
próxima dos limites, que
tanto uma sobrecarga
neural como um conflito
de identidade podiam
empurrá-la para além
deles.
(Nota 12: Quando
existe uma fraqueza
orgânica específica, o estresse emocional pode
facilmente assumir uma
forma física; assim,
asmáticos têm crises de
asma sob estresse,
parkinsonianos ficam
mais parkinsonianos, e
uma pessoa como Virgil,
com
uma visão limítrofe,
pode ser empurrado para
além desses limites e
ficar (temporariamente)
cego.
Era, por conseguinte,
extremamente difícil por
vezes distinguir nele o
que era uma
vulnerabilidade
fisiológica e o que era
um “comportamento
motivado”).Marius von Senden,
repassando em seu livro
clássico Space and sight
(1932) todos os casos
publicados num período
de trezentos anos,
concluiu que todo adulto
que acaba de recobrar a
visão passa, mais cedo
ou mais tarde, por uma
“crise de motivação" — e
que nem todo paciente
consegue superá-la. Fala
de um paciente que se
sentia tão ameaçado pela
visão (o que
significava ter de
deixar o instituto de
cegos e sua noiva lá)
que ameaçou arrancar os
próprios
olhos; cita caso após
caso de pacientes que
“se comportam como
cegos” ou “se recusam a
ver”
após uma operação, e
outros que, temendo o
que a visão pode
acarretar, recusam a
operação
(um desses relatos,
intitulado “L’aveugle qui refuse de voir”, foi
publicado já em 1771).
Tanto Gregory como Valvo
estendem-se sobre os
perigos emocionais de se
impor um novo sentido a
um
cego — como, após uma
exaltação inicial, pode
seguir-se uma depressão
devastadora (e até
mesmo letal).
Foi exatamente essa
depressão que tomou o
paciente de Gregory: no
hospital, S. B. mostrava
grande excitação e
progresso perceptivo.
Mas a promessa não se
cumpriu. Seis meses após
a
operação, Gregory
relata,
ficamos com uma forte
impressão de que, para
ele, sua visão era quase
que inteiramente
decepcionante. Ela lhe
permitia fazer algumas
coisas a mais [..] mas
ficou claro que as
oportunidades que lhe
oferecia eram menores do
que ele havia imaginado.
[...] Em grande parte, continuava vivendo a
vida de um cego, por
vezes nem se dando ao
trabalho de acender as
luzes
à noite. [...] Não se
dava bem com os vizinhos
[agora], que o achavam
“esquisito”, e seus
colegas
de trabalho [antes tão
respeitosos] pregavam
peças nele e o
provocavam por não
conseguir ler.Sua depressão aumentou,
ele ficou doente e, dois
anos após a operação, S.
B. morreu. Tivera
uma saúde perfeita,
havia desfrutado da vida
no passado; tinha apenas
54 anos.Valvo nos fornece seis
histórias exemplares, e
uma profunda discussão,
sobre os sentimentos e
comportamento de pessoas
cegas desde a infância
quando confrontadas com
a “dádiva” da visão
e com a necessidade de
renunciar a um mundo, a
uma identidade, por
outro.
(Nota 13: Em seu
ironicamente intitulado
Lettre sur les aveugles
à l’usage de ceux
qui voient (1749), o
jovem Diderot mantém uma
posição de relativismo
cultural e
epistemológico —
que os cegos podem, a
sua maneira, construir
um mundo completo e
suficiente, ter uma
“identidade cega”
completa e nenhum
sentimento de
incapacidade ou
inadequação, e que o
“problema” de sua
cegueira e o desejo de
curá-la, por
conseguinte, é nosso,
não deles. Ele também acha que a
inteligência e a cultura
podem fazer uma
diferença fundamental
quanto
aquilo que os cegos
podem entender; podem
lhes dar, ao menos, um
entendimento formal de
muito do que não podem
perceber diretamente.
Ele é levado a essa
conclusão especialmente
ao
ponderar sobre o caso de
Nicholas Saunderson, o
celebrado matemático e
newtoniano cego, que
morreu em 1740. Que
Saunderson, que nunca
viu a luz, pudesse
concebê-la tão bem,
pudesse
ser (entre tantas
coisas!) um professor de
óptica, pudesse
construir, a sua própria
maneira, um
quadro sublime do
universo, é algo que
excita imensamente
Diderot).
Um dos maiores conflitos
de Virgil, como em todos
os que acabam de
recobrar a visão, era a
incômoda relação entre
tato e visão — sem saber
quando tocar ou olhar.
Isso era óbvio em Virgil
desde o dia da operação
e muito evidente no dia
em que o vimos, quando
mal conseguia ficar
com as mãos longe do
brinquedo de formas para
crianças, ansiava tocar
os animais e desistiu de
cortar sua comida. Seu
vocabulário, toda a sua
sensibilidade e sua
imagem do mundo eram
expressos em termos
táteis — ou, pelo menos,
não visuais. Ele era, ou
tinha sido até a
operação,
uma pessoa inteiramente
tátil.Foi demonstrado que em
surdos de nascença
(especialmente se sempre
se comunicaram pela
linguagem dos signos)
algumas das partes
auditivas do cérebro são
realocadas para uso
visual.
Também ficou provado que
em cegos que lêem em
braille o dedo leitor
tem uma representação
excepcionalmente grande
nas partes táteis do
córtex cerebral. É de se
suspeitar que as partes
táteis (e auditivas) do
córtex são alargadas nos
cegos e podem até se
expandir para o que
normalmente é o córtex
visual. O que sobra do
córtex visual, sem o
estímulo visual, pode
ficar em
grande parte sem se
desenvolver. Parece
provável que tal
diferenciação do
desenvolvimento
cerebral acompanhe a
perda de um sentido na
infância e a
intensificação
compensatória de outros
sentidos.Se este fosse o caso de
Virgil, que poderia
acontecer se a função
visual se tornasse
subitamente possível,
passasse a ser exigida?
Podia-se esperar
certamente algum
aprendizado
visual, algum
desenvolvimento de novos
caminhos nas partes
visuais do cérebro.
Nunca houve
nenhuma documentação
sobre o despertar da
atividade no córtex
visual de um adulto, e
tínhamos
a esperança de fazer
tomografias de emissão
de pósitrons especiais
do córtex visual de
Virgil
para mostrar essa
atividade enquanto ele
aprendia a ver. Mas com
que se pareceria esse
aprendizado, essa
ativação? Seria como um
bebê aprendendo a ver
pela primeira vez? (Era
o que
Amy pensava de início.)
Mas a pessoa que começa
a enxergar não está na
mesma linha
primordial,
neurologicamente
falando, dos bebês,
cujos córtices cerebrais
são eqüipotenciais —
igualmente prontos para
se adaptar a qualquer
forma de percepção. O
córtex de um adulto cego
desde a infância, como
Virgil, já se tornou
altamente adaptado a
percepções organizadas
no
tempo e não no espaço.
(Nota 14: O psicólogo
canadense Donald Hebb
tinha um interesse
profundo pelo
desenvolvimento da visão
e apresentou muitas
provas experimentais
contra a idéia
de que fosse, tanto em
animais superiores como
no homem, “inata”, como
se pensava
freqüentemente.
Ele era
fascinado,
compreensivelmente, pelo
raro “experimento” (se
me permitem
tal termo) de restaurar
a visão na vida adulta
aos cegos congênitos, e
faz longas
considerações,
em The organization of
behaviour, sobre os
casos coletados por Von
Senden (o próprio Hebb
não
teve qualquer
experiência pessoal com
esse tipo de caso).
Estes forneceram uma
abundante confirmação para sua tese
de que para ver é
preciso experiência e
aprendizado; com efeito,
ele
achava que eram
necessários, no homem,
quinze anos de
aprendizado para
alcançar o pleno
desenvolvimento da
visão.Mas um porém deve ser
feito (também é feito
por Gregory) em relação
à comparação que Hebb
faz entre o adulto que
começa a ver e um bebê.
É possível que o adulto
que acaba de recobrar a
visão passe de fato por
alguns estágios de
aprendizado e
desenvolvimento da
infância; mas um
adulto não é,
neurológica e
psicologicamente, como
um bebê — já está
comprometido com uma
vida de experiências
perceptivas — e tais
casos não podem, por
conseguinte (como supõe
Hebb),
informar-nos sobre como
é o mundo de um bebê,
servir como uma janela
ao de outra forma
inacessível
desenvolvimento de sua
percepção).
Uma criança de colo
apenas aprende. E uma
tarefa enorme, sem fim,
mas que não está
carregada de um conflito
sem solução. Um adulto
que recobra a visão, em
contrapartida, tem que
fazer uma mudança
radical de um modo
seqüencial para outro
visual-espacial e essa
mudança
desafia a experiência de
toda uma vida. Gregory
enfatiza isso, mostrando
como conflito e crise
são inevitáveis se “os
hábitos e estratégias
perceptivos de toda uma
vida” têm que mudar.
Tais
conflitos são erguidos
no âmago do próprio
sistema nervoso, uma vez
que o adulto cego de
infância, que passou a
vida adaptando e
especializando seu
cérebro, tem que pedir a
este que
inverta tudo agora.
(Além disso, o cérebro
de um adulto não tem
mais a maleabilidade do
de uma
criança — esta é a razão
por que se torna mais
difícil aprender novas
línguas ou habilidades
com
a idade. Mas, no caso de
um homem previamente
cego, aprender a ver não
é como aprender
outra língua; é, segundo
Diderot, como aprender
uma língua pela primeira
vez.)
Nos que acabam de ganhar
a visão, aprender a ver
exige uma mudança
radical no
funcionamento
neurológico e, com isso,
uma mudança radical no
funcionamento
psicológico, no
eu, na identidade. A
mudança pode ser
experimentada
literalmente em termos
de vida e morte.
Valvo cita um de seus
pacientes que diz:
“É
preciso morrer como uma
pessoa que vê para poder
renascer como um cego”,
e a recíproca é
igualmente verdadeira: é
preciso morrer como um
cego para renascer como
uma pessoa que vê. E o ínterim, o limbo —
“entre dois mundos, um
morto,/ O
outro impotente a
nascer” —, que é tão
terrível. Embora a
cegueira possa a
princípio ser uma
terrível perda e
privação, isso pode
atenuar-se com o passar
do tempo, já que se dá
uma
profunda adaptação, ou
reorientação, pela qual
o cego reconstitui e se
reapropria do mundo em
termos não visuais. Ela
se torna então um estado
diferente, uma forma
diferente de ser, com
suas
próprias sensibilidades,
coerência e sentimentos.
John Hull a chama de
“cegueira profunda” e a
vê
como “uma das ordens do
ser humano”.
(Nota 15:
“Se a cegueira tem uma
positividade própria, é
uma das ordens do ser
humano, o mesmo (ou
ainda mais) deve ser
dito em relação á
surdez, que
não apenas compreende um
aumento das capacidades
visuais (e, em geral,
espaciais), mas toda
uma comunidade de
surdos-mudos, com sua
própria linguagem visual-gestual (signos)
e cultura.
Problemas parecidos com
os de Virgil podem ser
enfrentados por surdos
de nascença, ou de
tenra infância,
submetidos a implantes
da cóclea. O som para
eles não produz, a
principio,
qualquer associação ou
significado — por isso,
sentem-se, ao menos de
início, num mundo de
caos auditivo, ou agnosia. Mas além desses
problemas cognitivos
existem também problemas
de
identidade; em certo
sentido, essas pessoas
precisam morrer como
surdos para renascer
como
quem ouve.
Potencialmente, isso é
muito mais grave e tem
implicações de
ramificação social e
cultural, uma vez que a
surdez pode não ser
apenas uma identidade
pessoal, mas
compartilhada
lingüística, comunitária
e culturalmente. Essa
questões bastante
complexas são debatidas
por
Harlan Lane em The mask
of benevolence:
disabling the deaf
communhty).No dia 31 de
Outubro, a
catarata do olho
esquerdo de Virgil foi
removida, revelando uma
retina,
e uma acuidade,
semelhante à do direito.
Foi uma grande decepção,
já que havia esperança
de que este olho pudesse
estar bem melhor que o
outro — o suficiente
para fazer uma diferença
crucial em sua visão.
Sua vista de fato
melhorou um pouco:
conseguia fixar melhor
os objetos, os
movimentos dos olhos à
procura das coisas
tornaram-se menos
freqüentes e estendeu-se
seu
campo visual.Agora com os dois olhos
em funcionamento, Virgil
voltou ao trabalho, mas
passou a achar, cada
vez mais, que havia
outro lado da visão, que
muito dela era
atordoante e parte
absolutamente
chocante. Tinha
trabalhado contente na
ACM por trinta anos, ele
dizia, e pensava
conhecer todos
os corpos de seus
clientes. Agora ficava
espantado ao ver os
corpos e as peles que
antes
conhecera apenas pelo
toque; ficava estupefato
com a gama de cores de
pele e ligeiramente
enojado com manchas e
“nódoas” em peles que
suas mãos haviam sentido
como perfeitamente
lisas.
(Nota 16: Gregory
observa em relação a S.
B.: “Também achou feias
algumas coisas que
amava (incluindo sua
mulher e a si mesmo!) e
ficava com freqüência
chateado com os defeitos
e
imperfeições do mundo
visível”.
Sentia um
alívio, ao fazer
massagens, quando
fechava os olhos. Continuou melhorando,
visualmente, nas semanas
seguintes, em especial
quando ficava livre
para determinar seu
próprio ritmo. Fez tudo
para viver a vida de um
homem com visão, mas
também ficou mais
atormentado nesse
período. Expressava
ocasionalmente o temor
de ter que
jogar a bengala fora e
sair, atravessar as
ruas, só com a visão; e,
certa vez, falou do medo
de que
“tivessem a expectativa”
de que ele viesse a
dirigir e conseguisse um
trabalho inteiramente
“baseado na visão”. Este
foi, portanto, um tempo
de muita luta e sucessos
reais — mas alcançados, sentia-se, a um
custo psicológico, um
custo de profundo
esforço e cisões
interiores.Numa de suas saídas, na
semana anterior ao
Natal, ele e Amy foram a
um balet. Virgil gostou
de
O quebra-nozes: sempre
adorara música e agora,
pela primeira vez,
também via alguma coisa.“Pude ver as pessoas
saltando sobre o palco.
Mas não dava para ver a
roupa que usavam”,
disse.
Pensou que gostaria de
ver um jogo de beisebol
ao vivo e ficou
esperando a abertura da
temporada na primavera.O Natal foi uma data
particularmente festiva
e importante — o
primeiro Natal após seu
casamento, o primeiro
com visão — e ele
voltou, com Amy, à
fazenda da família no
Kentucky. Viu
a mãe pela primeira vez
em mais de quarenta anos
— mal tinha conseguido
vê-la, ou qualquer
outra coisa, na época do
casamento — e a achou
“realmente bonita”. Viu
novamente a velha casa
da fazenda, as cercas, o
córrego no pasto, que
também não via desde
criança; nunca havia
deixado de acalentá-los
na imaginação. Algumas
de suas visões haviam
sido muito decepcionantes, mas não a da casa e
da família — foi puro
júbilo.Não menos importante foi
a mudança na atitude da
família em relação a
ele. “Parecia mais
alerta”, disse sua irmã.
“Caminhava, andava pela
casa, sem apalpar as
paredes — levantava-se e
ia.” Ela sentiu que
houvera “uma grande
diferença” desde que
havia sido operado pela
primeira
vez, e a mãe e o resto
da família acharam o
mesmo.
Telefonei-lhes na
véspera do Natal e falei
com sua mãe, sua irmã e
os outros. Convidaram-me
para me juntar a eles, e
eu gostaria de ter
podido ir, porque
parecia um momento
alegre e positivo
para todos eles. A
oposição inicial da
família à visão de
Virgil (e talvez também
a Amy, por ter
insistido nisso) e a
descrença deles no fato
de que pudesse realmente
enxergar foi algo que
ele
internalizou, algo que
podia literalmente
aniquilar sua visão.
Agora que a família
tinha se
“convertido”, era de se
esperar que um dos
principais bloqueios
psicológicos se
dissolvesse. O
Natal foi o climax, mas
também a resolução, de
um ano extraordinário.O que aconteceria,
fiquei pensando, no
próximo ano? O que ele
poderia esperar, na
melhor das
hipóteses? Quanto de um
mundo visual, de uma
vida visual, ainda o
esperava? Não tínhamos, francamente, nenhuma
certeza nesse ponto.
Ainda que as histórias
de tantos pacientes
fossem
soturnas e assustadoras,
alguns, pelo menos,
superaram o pior de suas
dificuldades para sair
com uma nova visão
relativamente não
conflitante.Valvo, normalmente
cauteloso ao
expressar-se, deixa-se
levai um pouco ao
descrever alguns
dos resultados mais
felizes de seus
pacientes:
Uma vez que nossos
pacientes adquirem
modelos visuais, e
conseguem trabalhar com
eles de
forma autônoma, parecem
experimentar uma grande
alegria no aprendizado
visual [...] um
renascimento da
personalidade. [...]
Começam a pensar em
áreas totalmente novas
da
experiência.“Um renascimento da
personalidade” — era
justamente o que Amy
queria para Virgil. Era
difícil,
para nós, imaginarmos
tal renascimento nele,
já que se mostrava tão
fleumático, tão
assentado
em suas maneiras. E
ainda assim, a despeito
de uma quantidade de
problemas — retinianos, corticais, psicológicos,
possivelmente médicos —,
tinha se saído de certa
forma muito bem,
mostrando um aumento
constante em sua
capacidade de apreender
o mundo visual. Com sua
motivação
predominantemente
positiva, e o óbvio
prazer e vantagens que
podia tirar do ato de
ver, parecia não haver
razão para que não
progredisse ainda mais.
Não poderia nunca
esperar
uma vista perfeita, mas
certamente uma vida
radicalmente ampliada
pela visão.
A catástrofe, quando
veio, foi muito
repentina. No dia 8 de
Fevereiro, recebi um
telefonema de
Amy: Virgil desfalecera
e fora levado, cinza e
letárgico, para o
hospital. Tinha uma
pneumonia
lobar, uma consolidação
extensa de um dos
pulmões, e estava na UTI,
com oxigênio e
antibióticos
na veia.Os primeiros
antibióticos usados não
surtiram efeito: ele
piorou; seu estado ficou
crítico; e por
alguns dias oscilou
entre a vida e a morte.
Depois de três semanas,
a infecção foi
finalmente
dominada e o pulmão
começou a reexpandir.
Mas Virgil continuou
seriamente doente, já
que,
embora a pneumonia se
dissipasse, deixou-o com
uma deficiência
respiratória — quase uma
paralisia do centro
respiratório do cérebro,
que o impossibilitava de
responder adequadamente
aos níveis de oxigênio e
dióxido de carbono no
sangue. Os níveis de
oxigênio no sangue
começaram a cair — abaixo da
metade do normal. E o
nível de dióxido de
carbono começou a subir
— até
quase três vezes o
normal. Precisava
constantemente de oxigênio, mas só podiam
lhe dar um
pouco, temendo que seu
centro respiratório
combalido ainda ficasse
pior. Com seu cérebro
privado de oxigênio e
intoxicado pelo dióxido
de carbono, a
consciência de Virgil
flutuava e se
apagava, e nos piores
dias (quando o oxigênio
em seu sangue estava
mais baixo e o dióxido
de
carbono mais alto) não
podia ver nada: ficava
completamente cego.Muita coisa contribuiu
para a continuidade
dessa crise
respiratória: os
próprios pulmões de
Virgil
estavam compactos e
fibrosados; estava com
uma bronquite avançada e
enfisema; não tinha
movimento do diafragma
de um dos lados, em
conseqúência da
poliomielite na
infância; e, para
culminar, estava
extremamente obeso — o
suficiente para causar
uma síndrome de Pickwick
(cunhada a partir do
menino gordo e
sonolento, Joe, em As
aventuras do sr.
Pickwick). Nela, há
uma séria depressão
respiratória,
impossibilitando a
oxigenação completa do
sangue, associada a
uma crise do centro
respiratório do cérebro.Virgil provavelmente já
vinha ficando doente
havia alguns anos; vinha
engordando desde 1985. Mas entre seu casamento
e o Natal ganhou mais
dezoito quilos —
chegando, em duas
semanas,
a 127 quilos —, em parte
por retenção de líquidos
em decorrência da
deficiência cardíaca, e
em
parte por não parar de
comer, o que costumava
fazer sob estresse.
Agora tinha que passar
três semanas no
hospital, com o oxigênio
no sangue ainda
despencando
a níveis
assustadoramente baixos,
apesar de estar
recebendo oxigênio — e a
cada vez que o nivel ficava muito baixo
ele se tornava letárgico
e totalmente cego. Amy
sabia no momento em que
abria a porta que tipo
de dia era aquele — em
que nível estava o
oxigênio no sangue —,
dependendo se ele usava os
olhos, olhava em volta,
ou se ficava
atrapalhado, apalpando
as coisas,
“agindo como um cego”.
(Nós nos perguntamos, em
retrospectiva, se as
estranhas flutuações
apresentadas por sua
visão desde praticamente
o dia da operação não
teriam também sido
causadas, ao menos em
parte, por flutuações de
oxigênio no sangue, com
conseqüente hipoxia
retiniana ou cerebral.
Provavelmente, Virgil
tivera uma leve síndrome
de Pickwick por anos, e
podia ter chegado perto
de uma crise
respiratória e de uma
hipoxia mesmo antes de
sua
enfermidade aguda.)
Havia um outro estado,
intermediário, que Amy
achou muito intrigante;
em tais momentos, ele
dizia não ver nada de
nada, mas ia na direção
dos objetos, evitava
obstáculos, e se
comportava
como se enxergasse. Amy
não conseguia entender
esse estado singular, em
que ele
manifestamente reagia
aos objetos, podia
localizá-los, estava
vendo, e contudo negava
toda
consciência da visão.
Esse estado — chamado de
visão implícita,
inconsciente, ou de
visão cega
— ocorre quando as
partes visuais do córtex
cerebral estão
desativadas (como pode
ocorrer em
caso de falta de
oxigênio, por exemplo),
mas os centros visuais
na região subcortical
permanecem
intatos. Os sinais
visuais são percebidos e
recebem respostas
adequadas, mas nada
dessa
percepção chega à
consciência.Por fim, Virgil pôde
deixar o hospital e
voltar para casa, mas
como um aleijado
respiratório. Foi
ligado a um torpedo de
oxigênio e não podia nem
se mover de sua cadeira
sem ele. Parecia
improvável a esta altura
que se recuperasse algum
dia o bastante para sair
e voltar a trabalhar, e
a ACM sentiu que era
preciso acabar com seu
trabalho. Alguns meses
depois, foi forçado a
deixar
a casa onde tinha vivido
como funcionário da ACM
por mais de vinte anos.
Essa era a situação
naquele verão: Virgil
perdera não apenas a
saúde, mas o emprego e a
casa também.Em Outubro, entretanto,
ele já estava se
sentindo melhor e podia
largar o oxigênio por
uma hora
ou duas a cada vez. Não
tinha ficado
inteiramente claro para
mim, ao falar com Virgil
e Amy, o
que finalmente
acontecera com sua visão
depois de todos esses
meses. Amy disse que
esta
havia “quase
desaparecido”, mas que
agora sentia que ela
estava voltando conforme
ele melhorava. Quando
telefonei para o centro
de reabilitação visual
onde Virgil fora
avaliado, contaram-me outra história.
Virgil, pelo que me
disseram, parecia ter
perdido toda a visão que
recuperara no
ano anterior,
sobrando-lhe apenas
alguns traços. Kathy,
sua terapeuta, achava
que ele via as
cores, mas pouco além
disso — e às vezes cores
sem objetos: assim,
podia ver uma auréola ou
névoa rosa em torno de
um frasco de
Pepto-Bismol sem
enxergar claramente o
próprio frasco.
(Nota 17: Semir Zeki
observou em alguns casos
de anoxia cerebral que
as áreas do córtex
visual
dedicadas á construção
da cor podem ser
relativamente
preservadas, de forma
que o paciente
pode ver cores e nada
mais — nenhuma forma,
nenhum contorno, nenhum
sentido de objetos,
qualquer que seja).
Essa
percepção da cor, ela
disse, era a única visão
constante; em relação ao
resto, ele se mostrava
quase cego, não via objetos, tateava,
parecia visualmente
perdido. Estava
de novo com os velhos
movimentos dos olhos,
cegos e ao acaso. E, no
entanto, às vezes tinha, espontaneamente, sem
mais nem menos, momentos
repentinos e
surpreendentes de visão,
em
que via até os menores
objetos. Mas em seguida
essas percepções
desapareciam tão
repentinamente quanto
haviam aparecido, e
normalmente ele não
conseguia recuperá-las.
Na prática, ela disse, Virgil
agora estava cego.Fiquei chocado e
perplexo quando Kathy me
disse isso. Estes
fenômenos eram
radicalmente
diferentes de tudo o que
ele havia mostrado
antes: o que estava
acontecendo agora com
seus
olhos e seu cérebro? À
distância, eu não podia
saber ao certo o que
estava acontecendo,
especialmente porque Amy,
do seu lado, sustentava
que a visão de Virgil
estava melhorando.
Com efeito, ficava
furiosa quando alguém
dizia que Virgil era
cego, e retrucava que na
realidade o
centro de reabilitação
visual estava
“ensinando-o a ser
cego”. Assim sendo, em
fevereiro de 1993,
um ano após o início de
sua doença devastadora,
trouxemos Virgil e Amy
para Nova York para
nos encontrarmos mais
uma vez e submetê-lo a
alguns exames
fisiológicos
especializados das
funções retinianas e
cerebrais.Assim que me deparei com
Virgil no portão de
desembarque do aeroporto
de LaGuardia, pude
ver por mim mesmo que
tudo tinha dado
terrivelmente errado.
Estava agora quase vinte
quilos
mais gordo do que quando
o conheci em Oklahoma.
Carregava um torpedo de
oxigênio amarrado
num dos ombros. Tateava,
seus olhos erravam,
parecia totalmente cego.
Amy o guiava, com a
mão sob seu cotovelo,
onde quer que fossem. E
todavia, enquanto
atravessávamos a ponte
da
rua 59 em direção à
cidade, por vezes ele
notava algo — uma luz na
ponte —, não numa
tentativa de adivinhar,
mas vendo-a com a maior
precisão. Mas não
conseguia nunca manter a
visão ou recuperá-la, e
portanto ficava
visualmente perdido.Quando o examinamos em
meu consultório —
primeiro usando grandes
alvos coloridos, e em
seguida amplos
movimentos e lanternas
—, ele não enxergou
nada. Parecia
completamente cego
— mais cego do que havia
sido antes de suas
operações, porque na
época pelo menos podia
detectar a luz
coerentemente, mesmo
através das cataratas, a
direção da luz e a
sombra de mãos
movendo-se diante de si.
Agora não conseguia
detectar nada de nada,
parecia não ter mais
nenhum receptor
fotossensível: era como
se suas retinas tivessem
acabado. Ainda que não
completamente — o que
era mais estranho. Vez
por outra conseguia ver
algo com precisão: uma
vez, ele viu, descreveu
e pegou uma banana; em
duas ocasiões, foi capaz
de acompanhar o
movimento casual de uma
barra de luz com suas
mãos numa tela de
computador; e por vezes
tentava alcançar objetos,
ou “adivinhava-os”
corretamente, mesmo se
continuasse dizendo que
não via “nada” nessas
ocasiões — a visão cega
primeiro observada no
hospital.Ficamos consternados com
sua deficiência quase
uniforme, e ele estava
afundando num estado
desmoralizado, derrotado
—já era hora de
interrompermos os testes
e fazermos uma pausa
para
almoço. Quando lhe
passamos uma cumbuca de
frutas, e ele as tocou
com dedos ágeis,
habilidosos e sensíveis,
seu rosto se iluminou, e
ele recobrou a animação.
Deu-nos, enquanto manuseava as frutas, uma
admirável descrição
tátil, mencionando o
aspecto encerado,
lustroso da
casca da ameixa, a
penugem suave do pêssego
e a maciez das
nectarinas (“como as
bochechas
de um bebê”), e a casca
áspera e enrugada das
laranjas. Pesava as
frutas na mão, falava do
peso
e da consistência, das
sementes e dos caroços;
e depois, levando-as ao
nariz, de seus
diferentes
cheiros. Sua apreciação
tátil (e olfativa)
parecia muito mais
apurada que a nossa.
Incluímos uma
pêra de cera
extremamente verosímil
entre as frutas de
verdade; com sua forma e
coloração
realistas, tinha
enganado completamente
pessoas com visão.
Virgil não caiu nem por
um minuto:
bastou tocá-la para
explodir numa
gargalhada. “É uma
vela”, disse
imediatamente, de certa
maneira perplexo. “Com a
forma de um sino ou de
uma pêra.” Podia ter
sido de fato, nas
palavras
de Von Senden, “um
exilado da realidade
espacial”, mas sentia-se
profundamente em casa no
mundo do tato, no tempo.Mas se seu sentido do
tato tinha sido
perfeitamente
preservado, sobraram, o
que era evidente,
apenas alguns lampejos
de sua retina —
centelhas raras,
momentâneas, de retinas
que agora
pareciam 99% mortas. Bob
Wasserman, que não via
Virgil desde nossa
visita a Oklahoma,
também ficou aterrado
pela degradação da vista
e quis reexaminar as
retinas. Ao fazê-lo,
constatou que estavam
exatamente como antes —
manchadas, com áreas de
maior e menor
pigmentação. Não havia
qualquer evidência de
uma nova doença. Ainda
que o funcionamento
mesmo das áreas
preservadas da retina
tenha caído para zero.
Os eletrorretinogramas, concebidos para
registrar a atividade
elétrica da retina
quando estimulada pela
luz, eram
completamente planos, e
os potenciais visuais
evocados, concebidos
para mostrar a atividade
nas
partes visuais do
cérebro, também eram
inexistentes — não havia
mais nada, eletricamente, acontecendo em ambas as
retinas ou no cérebro
que pudesse ser
registrado (pode ser que
tenha
havido centelhas de
atividade raras,
momentâneas, mas se
houve não conseguimos
captá-las).
Essa inatividade não
podia ser atribuida à
doença original,
retinite, havia muito
inativa. Algo mais
tinha surgido no ano
anterior e extinguido,
efetivamente, o que lhe
restava do funcionamento
da
retina.Lembramos como Virgil
tinha se queixado
constantemente de
clarões, mesmo em dias
relativamente pouco
luminosos, nublados —
como a luz parecia por
vezes ofuscá-lo, de
forma que
precisava dos óculos
mais escuros. Seria
possível (como sugeriu
meu amigo Kevin Halligan)
que,
com a remoção de suas
cataratas — que talvez
tivessem protegido suas
frágeis retinas por
décadas —, a luz natural
tenha se mostrado fatal,
inutilizando suas
retinas? Dizem que
pacientes
com outros problemas de
retina, como degeneração
macular, podem ser
intolerantes em demasia
à luz — não apenas
ultravioleta, mas de
todos os comprimentos de
onda — e que esta pode
acelerar a degeneração
de suas retinas. Seria
isso o que tinha
acontecido com Virgil?
Era uma
possibilidade. Será que
devíamos tê-lo previsto
e racionado de alguma
maneira a vista de
Virgil,
ou a luz ambiente?Outra possibilidade —
mais verosímil — dizia
respeito à hipoxia
contínua de Virgil, ao
fato de
não ter oxigenado o
sangue adequadamente por
um ano. Tivemos indícios
muito claros de sua
visão aumentando e
decaindo no hospital
conforme os gases no
sangue aumentavam ou
diminuíam. Será que a
indigência repetida e
continuada de oxigênio
em suas retinas (e
talvez também nas áreas visuais do
córtex) foi o fator que
as matou? Cogitou-se, a
esta altura, se
aumentando a oxigenação
do sangue para 100% (que
teria requerido uma
prolongada respiração
artificial com oxigênio
puro) não poderíamos
restaurar parte do
funcionamento retiniano
e
cerebral. Mas foi
decidido que esse
procedimento seria muito
arriscado, já que podia
causar uma
depressão permanente ou
de longo prazo do centro
respiratório do cérebro.Esta é, portanto, a
história de Virgil, a
história da recuperação
“milagrosa” da visão por
um
homem cego, uma história
basicamente semelhante à
do jovem paciente de
Cheselden, em 1728,
e de um punhado de
outros nos últimos três
séculos — mas com uma
estranha e irônica
reviravolta final.
O
paciente de Gregory, tão
bem adaptado à cegueira
antes da operação,
primeiro
ficou encantado com a
visão, mas logo esbarrou
em esforços e
dificuldades
intoleráveis, vendo a
“dádiva” ser
transformada em
maldição, ficando
profundamente deprimido,
para morrer pouco depois. Quase todos os
primeiros pacientes, de
fato, após a euforia
inicial, foram esmagados
pelas
imensas dificuldades de
adaptação a um novo
sentido, embora uns
poucos, como salienta Valvo,
tenham se adaptado e se
saído bem. Será que
Virgil poderia ter
superado essas
dificuldades e se
adaptado à visão quando
tantos outros sucumbiram
no meio do caminho?Nunca saberemos, já que
o curso da adaptação —
e, de fato, da vida como
a conhecera — foi
subitamente atravessado
por uma trapaça gratuita
da sorte: uma doença
que, de um só golpe,
roubou-lhe trabalho,
casa, saúde e
independência,
deixando-o seriamente
comprometido, incapaz
de sustentar-se por
conta própria. Para Amy,
que tanto insistira na
operação, e que
investira tão
apaixonadamente na visão
de Virgil, era um
milagre perdido, uma
calamidade. Virgil, por
sua vez,
mantém-se filosófico:
“Essas coisas
acontecem”. Mas foi
estraçalhado por esse
golpe, e deu vazão a
ataques de
raiva: raiva de sua
incapacidade e de sua
doença; raiva de uma
promessa e um sonho
despedaçados; e
subjacente a isso, e
mais fundamental que
tudo, uma raiva que foi
sendo
alimentada nele quase
desde o início — raiva
de ter sido empurrado
para uma batalha que não
podia nem abandonar, nem
vencer. No começo, houve
certamente espanto,
admiração e por
vezes júbilo. Houve
também, é claro, uma
grande coragem. Foi uma
aventura, uma excursão
para
dentro de um novo mundo,
do tipo que é dado a
poucos. Mas então
surgiram os problemas,
os
conflitos, de ver mas
não ver, de não ser
capaz de criar um mundo
visual, e ao mesmo tempo
ser
obrigado a abrir mão do
seu próprio mundo.
Viu-se entre dois
mundos, exilado em ambos
— um
tormento ao qual não
parecia ser possível
escapar. Mas aí,
paradoxalmente, veio uma
libertação,
na forma de uma segunda
e derradeira cegueira —
uma cegueira que ele
recebeu como uma
dádiva. Agora, por fim,
a Virgil é permitido não
ver, escapar do mundo
ofuscante e atordoante
da
visão e do espaço, para
retornar ao seu próprio
e verdadeiro ser, o
mundo íntimo e
concentrado
de todos os outros
sentidos que havia sido
seu lar por quase
cinqüenta anos.
FIM
ϟ
Ver e Não Ver
Oliver Sacks
texto integral
in 'UM ANTROPÓLOGO EM MARTE
- Sete histórias
paradoxais'
O caso do pintor
daltónico |
O último hippie |
Uma vida de cirurgião
| Ver e não ver
| A paisagem dos seus
sonhos
| Prodígios
| Um antropólogo em Marte |
Autor:
OLIVER SACKS
Título original:
An Anthropologist on Mars -
Seven paradoxical tales
by Oliver Sacks, 1995
Tradução: BERNARDO
CARVALHO
Edição: COMPANHIA DAS LETRAS
28.Set.2011
Publicado por
MJA
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