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 Sobre a Deficiência Visual

Aprendendo a Ler e Escrever em Braille

Clarissa Nicolaiewsky

alfabeto braille

 

O Sistema Braille possui aspectos bem mais complexos do que o sistema impresso de escrita. Assim, a criança que se alfabetiza através dele necessita desenvolver não só as habilidades comuns à aquisição de uma língua escrita, como as consciências fonológica, morfossintática e metatextual, como também uma série de habilidades específicas, como a orientação espacial, o domínio da lateralidade, a coordenação motora fina e a percepção tátil.

A orientação espacial e a lateralidade permitirão o desenvolvimento tanto da leitura quanto da escrita em Braille. Além disso, para aprender a escrever a criança precisará desenvolver uma coordenação motora fina e para ler uma percepção tátil aguçada. Embora o aprendizado da leitura e da escrita ocorra simultaneamente e de forma interdependente, algumas das competências são específicas da leitura ou da escrita e, portanto, as atividades propostas também terão como objetivo o desenvolvimento de um ou de outro. É importante deixar claro, no entanto, que os processos de aprendizado da leitura e da escrita são relacionados e que as atividades podem, portanto, ser propostas paralelamente.
 

Aprendendo a ler e a escrever em Braille

A orientação espacial e o domínio da lateralidade são fundamentais para a alfabetização em Braille e poderão ser desenvolvidas concomitantemente. Quando a sua percepção espacial é desenvolvida, a criança tem possibilidade de utilizar a reglete com maior facilidade, podendo localizar-se, saber onde começa uma linha, onde termina, onde parou de escrever e onde deve continuar, organizando, assim, sua própria escrita. A criança precisa aprender que a escrita é sempre iniciada no canto direito da reglete e que as células são utilizadas continuamente na escrita de uma palavra, havendo um espaçamento apenas entre palavras. Os princípios de linearidade e descontinuidade característicos da escrita e que são internalizados a partir do contato informal da criança com o texto escrito (Teberosky,1994) precisam ser, muitas vezes, explicitados para as crianças cegas, devido à escassez de livros infantis publicados no Sistema Braille.
 


régua/reglete braille e punção

Uma simples medida que pode ser tomada para auxiliar o domínio espacial da escrita é fazer um picote em uma das pontas superiores da folha em branco. Assim, a folha é colocada na reglete com o picote do lado direito. Quando ela for lida, ela é virada e o picote passa a estar do lado esquerdo. Desta forma, ele marca o lugar do início dos movimentos tanto de escrita quanto de leitura.

O domínio da lateralidade é também imprescindível. Se se usar a régua braille, o Braille é escrito da direita para a esquerda, lido da esquerda para a direita e a localização dos pontos na célula se inverte, é necessário que a criança entenda este processo. Será necessário também focalizar a coordenação motora fina, desenvolvendo o movimento dos dedos e punho, para facilitar o movimento com o punção e o manuseio e localização independentes na reglete. O movimento dos dedos é essencial não só para a escrita, mas também para a leitura em Braille (Ministério da Educação, 2001).

No entanto, primeiramente, uma série de atividades devem ser realizadas de forma a iniciar a aquisição da escrita em Braille. Estas atividades foram utilizadas em um programa de atendimento a crianças cegas cujo objetivo era a aquisição da língua escrita em Braille (Nicolaiewsky, 2004). A atividade de rasgar jornais e, posteriormente, papéis mais grossos assim como a atividade de enfiar contas em cordão trabalham, entre outras habilidades, o movimento de pinça. As atividades abaixo descritas onde são utilizados adesivos também desenvolvem o movimento de pinça.

Uma atividade fundamental para iniciar a habilidade de preensão do punção, assim como diversos conceitos relacionados à orientação espacial, foi observada no trabalho desenvolvido na Educação Infantil do Instituto Benjamin Constant. Inicialmente pede-se à criança que fure o prato de isopor com o punção, livremente. Posteriormente, é utilizado um prato de isopor com marcação horizontal através da colagem de um cordão ou um palito de churrasco. Pede-se ao aprendiz que fure em cima ou embaixo com o punção, alternadamente. Depois, lança-se mão de um prato de isopor com marcação vertical, propondo à criança que fure à direita ou esquerda. Se necessário, é realizado um trabalho anterior, facilitando a aquisição dos conceitos de direita ou esquerda pedindo à criança que mostre seu joelho direito, seu ombro esquerdo, etc. Por último utiliza-se um prato de isopor com duas marcações horizontais, onde pede-se ao aprendiz que fure em cima, no meio ou embaixo, desenvolvendo, desta forma, estes conceitos.

Como as células Braille possuem um tamanho bastante reduzido, as crianças encontram muita dificuldade em localizar os pontos na célula na reglete. Pode-se, então, propor uma série de atividades com o método da Célula Simulada, desenvolvido pela professora Maria da Glória Almeida em conjunto com a DPME do Instituto Benjamin Constant. Este método é composto por 22 etapas e tem por objetivo prontificar a criança para o uso da reglete. Foram selecionadas, dentre as 22 etapas, quatro delas. Esta escolha teve que ser feita devido à natureza do atendimento já que a passagem por todas as etapas implicaria na necessidade de um atendimento diário. Além da especificidade de trabalho de cada etapa, deve-se iniciar a utilização do dedo guia, o indicador esquerdo, caso a criança seja destra, pois este é um facilitador fundamental na escrita do Sistema Braille. As crianças canhotas deverão ter uma atenção maior pela ausência do dedo guia para auxiliar sua orientação espacial na reglete. É fundamental definir a lateralidade da criança para saber se ela será canhota ou destra na escrita.

Após a utilização das células simuladas e a conseqüente aproximação de tamanho e forma da última célula simulada em relação à reglete, é possível, então, que a criança comece a se localizar na reglete, tendo, assim, já desenvolvido uma coordenação motora fina e orientação espacial suficientes para escrever na mesma.


Aprendendo a ler em Braille

É fundamental na leitura do Braille a percepção tátil, sem o que fica impossibilitado o reconhecimento das letras. As letras em Braille, por serem formadas a partir da combinação de seis pontos, são bem mais semelhantes entre si do que as letras do sistema impresso, o que torna o Sistema Braille mais difícil de ser aprendido (Pring, 1994). Como afirmaram Barlow-Brown e Harris (1997), sendo o objetivo do aprendizado da leitura a apreensão do significado de um texto, muitas vezes o nível mais básico do processo, o reconhecimento das letras, não é tão valorizado. No entanto, uma falha neste nível pode acarretar em uma falta de motivação e interesse em aprender a ler, o que trará conseqüências enormes no processo de desenvolvimento da leitura e escrita da criança. Por conseguinte, quanto mais assertiva e mais rápida se der a identificação das letras, maior também será a velocidade de desenvolvimento da leitura de palavras e, posteriormente, de compreensão do texto. Desta forma, é imprescindível para o ensino do Sistema Braille que seja realizado um trabalho de desenvolvimento da percepção tátil eficaz. É importante verificar em qual mão há uma percepção mais desenvolvida para que o aprendiz a utilize como predominante na leitura e, assim, a aquisição da língua escrita seja mais fluida.

É importante ressaltar que o desenvolvimento da percepção tátil, no caso da criança cega, é de grande importância para a construção de diversos conceitos, entre eles o de igual/diferente, maior quantidade/menor quantidade, em cima/embaixo, direita/esquerda, entre outros. Portanto, o desenvolvimento da percepção tátil não depende de atividades repetitivas e automáticas e sim de atividades reflexivas.

Inicialmente, foi utilizado como base o método do Dedinho Sabido, desenvolvido pela professora Luzia Vilela Pedra do Instituto Benjamin Constant. Neste tipo de atividade a criança deve ir seguindo as linhas e encontrar as letras iguais àquela que estava como referência no topo da folha, colocando um adesivo em cima delas. Não é necessário pedir ao aprendiz que identifique as letras nestas atividades. Elas podem ser chamadas, pelo professor, pelo seu fonema, ou seja, pode-se perguntar: "vamos achar outro /r/?", "este também é /r/?". Esse tipo de atividade permite também que a criança se familiarize com a linearidade existente nos textos.

Uma atividade bastante atraente é pedir para a criança marcar com um adesivo, entre duas ou três letras, aquela igual à primeira como, por exemplo, a: m ou a; p: c, p ou l.

Outra sugestão bastante lúdica é o jogo do bingo, onde a criança deve sortear letras e compará-las com a sua cartela, marcando as letras repetidas com um adesivo. Já no jogo do dado o aprendiz deve marcar com o adesivo em sua cartela a letra igual àquela do dado lançado.

Um artifício interessante é o Brailito, recurso desenvolvido pelo LARAMARA, com peças de borracha no formato da célula Braille, ampliada, que permite a colocação e retirada dos pinos para escrita e leitura de letras com crianças que não desenvolveram ainda a sensibilidade tátil para o aprendizado do Braille padrão no papel. Caso não seja possível sua aquisição, pode-se fazer células Braille ampliadas com caixas de fósforo e pinos.

Inicialmente, pode-se propor, utilizando o Brailito, uma contagem dos pontos de diferentes letras, assim como uma comparação entre letras, percebendo semelhanças e diferenças quanto à localização e quantidade de pinos. Posteriormente, é possível transformar uma letra em outra, tomando uma letra como referência e transformando, com a criança, outras letras naquela primeira.

Outra atividade inicial interessante é a loja de letras com Brailito, onde a criança é a vendedora. As letras são descritas e ela deve achá-las para vender, sem que seja necessário identificar seus nomes. Alguns exemplos de descrição são: quero comprar aquela "toda cheia" (letra é), aquela que só tem um ponto (letra a), a que tem 3 pontos, de um lado só e tem som /l/, etc.

Após o trabalho de percepção tátil com o Brailito é possível passar para um trabalho com as letras em Braille no tamanho convencional. Pode ser realizada uma atividade de transição, pedindo que compare combinações de pontos no Brailito e no Braille, encontrando os pares.

A partir daí pode ser proposta uma contagem dos pontos das letras em Braille para possibilitar um desenvolvimento mais fino da percepção tátil. Deve-se iniciar com as letras a - l e depois a letra b. Depois se faz a contagem da a - c. Apenas após a criança conseguir fazer esta contagem com facilidade, passar para as letras p, f, o, etc. É importante nesta contagem seguir a ordem da localização dos pontos, isto é, iniciando na esquerda de cima para baixo e depois subindo para a direita e contando de cima para baixo.

Como exemplo de atividade temos a comparação de pares de letras em Braille, marcando com adesivo qual delas possui mais pontos e outra atividade interessante é uma na qual são utilizados cartões com diversas letras. Pede-se para o aprendiz contar quantos pontos há em cada letra e colocar na caixa correspondente: se na caixa do b (2 pontos), se na do l (3 pontos) ou se no lixo (mais ou menos pontos.

Através dessas atividades, a criança vai adquirindo uma percepção tátil aguçada, sendo capaz, assim de discriminar e identificar letras.

Uma atividade extremamente importante, a ser realizada num período posterior, após o aprendiz já estar começando a ler e escrever tem como objetivo perceber a localização dos pontos de forma a auxiliar a escrita de letras quando são reconhecidas na leitura mas não foram decorados seus pontos. Assim, apresenta-se, no Brailito, a letra em questão e a criança verifica seus pontos. Caso ocorra o contrário, isto é, caso seja necessário auxiliar a leitura de letras cujos pontos na escrita já foram decorados, mas que não são reconhecidas, pede-se que a criança coloque os pinos nos pontos daquela letra determinada, podendo-se utilizar o punção como apoio para a localização. Depois, pede-se a ela que vire o Brailito e verifique onde estão os pinos. Outra atividade com este mesmo propósito é propor que a criança compare letras no Brailito, letras estas que costumam confundir, averiguando seus pontos e verificando as diferenças entre elas quanto à localização dos pontos.

Por último, a seguinte atividade pode ser realizada durante a leitura e reprodução de uma palavra ou texto, tornando-a mais significativa e funcional, pedindo à criança que descubra os pontos de uma letra que reconhece, mas não sabe escrever, verificando, desta forma, no próprio texto, a escrita daquela letra, ao invés do professor ditar seus pontos. Assim o aprendiz é capaz de desenvolver estratégias que o possibilitem lidar com as situações de forma mais autônoma, tomando para si o processo de construção de conhecimento. A utilização das atividades acima descritas é, portanto, fundamental para que o desenvolvimento da leitura e da escrita em Braille ocorra de forma reflexiva e fluida.
 

Referências


Está na Rede

  • http://www.ibc.gov.br
    Sítio do Instituto Benjamin Constant, referência nacional em educação e atendimento a deficientes visuais.

  • http://www.laramara.org.br/init.htm
    Sítio da Associação Brasileira de Assistência ao deficiente visual, um centro de referência nacional para habilitação, reabilitação e inclusão da pessoa com deficiência visual

  • http://portal.mec.gov.br/seesp/index.php?option=content&task=view&id=98&Itemid=227
    MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2001). Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental: deficiência visual vol. 2. Fascículo IV / Marilda Bruno e Maria Glória Mota (coord.), colaboração Instituto Benjamin Constant. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial.

 

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Fonte: http://www.psicologia.ufrj.br/

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17.Set.2013
publicado por MJA