
-excerto-
Para que a pessoa com deficiência possa estudar com qualidade na escola
inclusiva, se faz necessário atentar para que esta escola se adapte ao aluno,
e não o contrário, promovendo assim um ambiente que valorize a
diversidade, negando a homogeneização do ensino. Segundo Prieto (2006),
hoje não mais se deve exigir que os alunos se adaptem à escola, mas a
escola é que deve realizar novas elaborações no âmbito dos projetos
escolares, visando o aprimoramento da sua proposta pedagógica, dos
procedimentos avaliativos e da aprendizagem dos alunos.
Neste contexto, para garantir a aprendizagem de alunos em regime de
inclusão em classes comuns, faz-se indispensável, em muitos casos, um
apoio especializado, que deve ser realizado em salas de Atendimento
Educacional Especializado, que prioriza o atendimento de cada aluno de
acordo com sua deficiência. Vale destacar que este não tem níveis ouseriações,
pode ser ofertado tanto na educação básica quanto na superior,
de acordo com as necessidades de cada educando.
Uma das deficiências incluídas no Atendimento Educacional Especializado
são as do tipo sensoriais, dentre elas a visual. Esta pode ser classificada em
duas categorias: a visão reduzida (também denominada baixa visão ou
visão subnormal) e a cegueira, podendo ser de origem congênita, quando
está presente desde o nascimento (geralmente causada por patogenias),
ou, adquirida (por patologias, lesões, tumores, etc.), persistindo mesmo
após terapias e procedimentos clínicos (Costa, 2004).
Para Sá, Campos e Silva (2007, p.15), a cegueira é “uma alteração grave
ou total de uma ou mais funções elementares da visão que afeta de modo
irremediável a capacidade de perceber cor, tamanho, distância, forma,
posição ou movimento em um campo mais ou menos abrangente”. Já na
baixa visão, visão subnormal, ou visão residual, existe uma variedade e
intensidade de comprometimento da visão, que englobam desde a pouca
percepção de luz, até a redução da acuidade e do campo visual.
Amiralian (1992) trata a deficiência visual como um comprometimento de
ordem sensorial que se restringe somente ao sentido da visão. Portanto, ter
deficiência visual não significa apresentar qualquer tipo de deficiência
psicológica ou intelectual.
Em relação ao processo de ensino e aprendizagem, se deve considerar
certos aspectos relevantes quanto às referencias visuais adotadas pelo
educador, pois como afirma Masini (1992), há predominância natural da
visão sobre os outros sentidos, e isso faz com que os conhecimentos não
acessíveis ao discente com deficiência visual sejam utilizados pelo vidente
para falar com ele. Como conseqüência, este aluno desenvolve uma
linguagem e uma aprendizagem conduzida pelo visual, ficando no nível do
verbalismo e da aprendizagem mecânica.
Esta situação não é diferente quando se trata do ensino de ciências, no
qual existe uma dinâmica própria do processo de ensino e aprendizagem
que faz uso de elementos visuais. Segundo Yoshikawa (2010), o ensino de
ciências muitas vezes valoriza o sentido da visão, colocando os educandos
em diversas situações do processo educacional em que o “aprender”
depende do “ver”, por isso, o ensino de Ciências encontra-se estruturado de
modo a atender mais efetivamente aos educandos videntes.
Por esse motivo, os recursos didáticos e Tecnologias assistivas assumem
fundamental importância na educação de alunos com deficiência visual.
Principalmente quando se trata do ensino de ciências, que por diversas
vezes o uso de imagens, tais como fotos, tabelas, e até mesmo vídeos,
contribuem para o entendimento dos alunos sobre o conteúdo que está
sendo abordado.
Essa lacuna no ensino de biologia precisa ser preenchida com o uso de
materiais concretos que possibilitem ao aluno a formação da representação
mental do que lhe é oferecido para tatear, fator imprescindível para que
obtenham o máximo de informações e compreensão do conteúdo (Cardinali
e Ferreira, 2010).
Segundo Cerqueira e Ferreira (2000), essa importância se dá levando-se
em conta que um dos problemas básicos do deficiente visual, em especial o
cego, é a dificuldade de contato com o ambiente físico, a carência de
material adequado, o contato insuficiente da criança com as coisas do
mundo, muitas vezes há falta de motivação do aluno para a aprendizagem.
Apesar das dificuldades de um ensino voltado à utilização de referências
visuais, ainda são poucos os trabalhos que abordam o ensino de ciências
para alunos cegos no tocante a utilização de materiais didáticos
apropriados. Assim, fez-se necessário realizar um estudo sobre como está
se processando o ensino de ciências a alunos com Deficiência visual e as
condições de ensino que estão sendo oferecidos, para que, de posse destas
informações, seja possível dar respostas a esta lacuna e divulgar as ações
que estão sendo realizadas, afim de que se possa contribuir com o
desenvolvimento de métodos em prol do aperfeiçoamento do processo de
ensino e aprendizagem, para que haja, de fato, um ensino verdadeiramente
inclusivo.
Resultados e discussão
As três professoras entrevistadas são do sexo feminino, licenciadas em
Biologia, Física e Pedagogia, com exercício do magistério variando de sete a
25 anos (Tabela 1). Vale destacar que a professora P3 graduou-se em nível
superior quando já tinha 15 anos de serviço, ela era formada em Ensino
Normal (antigo Magistério), nível médio. Atualmente a P3 possui PósGraduação
Latu sensu em Mídias e Tecnologia na Educação, e em Gestão
escolar; e a P2 em Ensino de Ciências, e em Psicopedagogia.
Os alunos entrevistados apresentaram idade variando de 13 a 30 anos.
Dois deles têm Deficiência visual congênita, o outro, adquirida (Tabela 2).
Dois deles começaram a estudar numa idade regular, segundo a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que regulamenta
dentre outras coisas o início do Ensino Fundamental (Nível de escolaridade
obrigatória no Brasil), devendo iniciar aos seis anos de idade.
Já outra aluna (A3) começou com 29 anos de idade, devido ter havido
problemas em se matricular, pois, segundo ela, todas as instituições em
que tentou fazer a matrícula, se recusaram a recebê-la: “Não fui
matriculada pois não me aceitavam, colocaram muitos empecilhos, não
pode, não tinham curso de Braille. Só agora consegui me matricular, tive
que ir diretamente na Secretaria de Educação do Município, no ministério
público” (A3).
Em relação ao uso de recursos didáticos, todas as professoras afirmam
fazer uso em suas aulas, tais como: “Pequenos experimentos;
demonstrações; peço para trazer uma flor; aquele [experimento] que a
gente faz com feijão, do ninho da formiga; também trago filme para
assistir; aqui não utilizei o data show, que chegou à escola esse ano” (P1);
“Textos de revistas e do ENEM [Exame Nacional do Ensino Médio] porque o
livro didático do EJA [Educação de Jovens e Adultos] acho com um conteúdo
mínino, deixa a desejar principalmente na química e física, então eu
complemento; trabalho em grupos com eles também; uso filme quando a
sala de vídeo está disponível; as vezes trabalho com maquetes para
construir alguma coisa e eles aprenderem” (P2); “Uso vídeos; som; a
dificuldade é agendar, porque às vezes está guardado, e a gente procura e
não tem chave, e aí fica com aquela dificuldade” (P3).
Embora utilizem tais recursos, as docentes acreditam que alguns não são
adequados para alunos cegos: “Só os experimentos que ela pode tocar, com
ela é tudo oral e tato” (P1); “Alguns não, pois são esses recursos que não
são. Para a turma dele não passei filme” (P2); “Não. Só pelo som” (P3).
De fato, a apresentação dos conhecimentos das ciências naturais está
associada à inclusão de imagens, tanto nas exposições orais como nos
textos e divulgações científicas (Bruzzo, 2004). Neste caso, as imagens
complementam a exposição do conhecimento em decorrência da forma oral
e escrita, muitas vezes tornando o conhecimento acessível apenas em
forma “visível”.
Tal dimensão visual pode ser percebida ainda, por exemplo, na utilização
de imagens nos livros didáticos, tais como esquemas, desenhos, diagramas,
fotos, etc. As representações gráficas apresentam informações que podem
substituir páginas e páginas de texto em um livro (Bruzzo, 2004).
Não somente os livros didáticos fazem uso do potencial informativo das
imagens, o professor também o pode realizar em sua aula expositiva, como,
por exemplo, utilizar o quadro para desenhar ou esquematizar
determinados conteúdos, ou mesmo utilizar aparelhos de projeção de
imagens e vídeos. Recursos estes que beneficiam exclusivamente os alunos
videntes quando não usados de maneira adequada, constituindo vias de
exclusão, ao invés de incluir a todos.
Para tanto, faz-se necessário realizar as devidas adaptações, como por
exemplo, descrever detalhadamente toda a aula expositiva e os materiais
utilizados, inclusive as imagens e os vídeos projetados com auxílio de
aparelhos. Em caso do uso de filmes e documentários, segundo Sá, Campos
e Silva (2007, p. 25), é requerida a “[...] descrição oral de imagens, cenas
mudas e a leitura de legenda simultânea se não houver dublagem, para que
as lacunas sejam preenchidas com dados da realidade e não apenas com
imaginação. É recomendável apresentar um resumo ou contextualizar a
atividade programada para esses alunos”.
Assim, tais elementos visuais merecem mais atenção por parte dos
docentes que também ensinam ciências a alunos cegos. No caso das
professoras desta pesquisa, que não consideram adequados aos alunos
cegos os recursos que utilizam, mesmo que não queiram, estes recursos devem
estar se constituindo uma via de exclusão dos alunos que não dispõe
do sentido da visão.
As professoras também responderam em entrevista que não utilizam
recursos didáticos específicos para alunos cegos. Consequentemente,
igualmente afirmaram não sentir dificuldade na condução de aulas que
utilizem estes recursos, nem na sua elaboração, por não terem feito uso,
nem tentado produzi-los. Também não estão disponíveis recursos deste tipo
pela escola.
Quanto aos alunos, todos afirmaram que as professoras de ciências não
usam nenhum tipo de materiais específicos ou atividade, e também que não
fazem uso de materiais didáticos táteis quaisquer para facilitar sua
aprendizagem nas aulas de ciências.
A ausência de recursos didáticos específicos para alunos cegos é
preocupante, pois pode não somente torna a aprendizagem mais difícil,
como também favorecer uma forma de aprendizagem em que se valoriza a
memorização de conceitos, pois o aluno pode não compreender
determinados processos por não conseguir visualizá-los espacialmente e/ou
estruturalmente.
A prática das professoras está, em parte, de acordo com o que é sugerido
nos Parâmetros Curriculares Nacionais quanto ao que pode ser utilizado
para o ensino de Ciências e Biologia para alunos com deficiência visual,
dentre eles, a explicação verbal sobre todo o material visual apresentado
em aula (Secretaria de Educação Fundamental, 1998). Mas este documento
educacional também recomenda que os alunos tenham acesso a textos que
contenham outros elementos, como ilustrações táteis para melhorar a
compreensão, o que não está ocorrendo.
Vale ressaltar ainda que os materiais didáticos táteis tridimensionais não
são citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Fato que pode não
estimular sua utilização pelos professores, o que é um atraso, já que
recursos deste tipo poderiam melhorar a compreensão de conteúdos
abordados fazendo referência a figuras e imagens. Segundo Sá, Campos e
Silva (2007), desenhos, gráficos e ilustrações deveriam ser adaptados e
representados em relevo, o que facilitaria a compreensão dos alunos.
Embora as professoras acreditem que alguns recursos didáticos dos quais
dizem utilizar não são acessíveis aos seus alunos cegos, nenhum recurso
didático ou atividade diferenciada foi experimentada pelas professoras. De
fato, existem muitas dificuldades no ensino de ciências, dentre elas a escola
não fornecer suporte algum, no sentido de prover materiais didáticos.
Essa problemática é complexa, pois as professoras desta pesquisa, ao
que mostraram, não fizeram uso de materiais adequados até então pelo
motivo destes não estarem disponíveis, mas, se são recomendados pelos
próprios documentos educacionais brasileiros, deveriam estar. Situação que
necessita ser revista, pois a aprendizagem dos alunos que não dispõem do
sentido da visão não poderia ser mitigada em função de tais obstáculos.
A prática da inclusão de pessoas com esse tipo de deficiência sensorial
exige a sensibilidade de educadores para perceber que uma forma de leitura
do mundo para os cegos é a partir do tato, pois o processo de aprendizagem pelo
aluno cego demanda adaptações, uma vez que, privado
do sentido da visão, ele precisa de material concreto e palpável para formar
a imagem tátil e assim poder construir sua representação mental, tornando
o aprendizado significativo (Cardinali e Ferreira, 2010).
Assim, faz-se necessário buscar soluções, pois a pessoa cega tem uma
dialética de aprendizagem diferente, em função do seu conteúdo que não é
visual, sendo importante desenvolver atuações pedagógicas que valorizem o
tato, a audição, o olfato e a sinestesia como vias de acesso a construção do
conhecimento (Masini, 1992).
Por isso, como já falado anteriormente, a percepção tátil para aqueles
que não enxergam assume o papel dos olhos nos videntes. Desse modo,
não é difícil conceber que a imagem tátil formada a partir do contato com
modelo tridimensional favoreça a sua compreensão, uma vez que constitui
elemento de aproximação dos inúmeros recursos visuais disponibilizados
aos alunos videntes no processo ensino-aprendizagem desse conteúdo
(Cardinali e Ferreira, 2010).
No entanto, uma utilização eficaz de tais recursos não é tão simples
quanto aparenta, para isso, os professores precisam
[...] Adquirir competências a fim de contribuir na construção de
abordagens educacionais dinâmicas e inclusivas a partir das quais os
estudantes com deficiência visual tenham acesso às mesmas
oportunidades de aprendizagem e de participação na vida escolar e na
comunidade que têm os demais alunos (Silveira, 2010, p. 25).
Para as professoras desta pesquisa, existem certas dificuldades no ensino
de ciências em turmas que têm alunos com deficiência visual, apenas P3
afirmou que até agora não sentiu alguma dificuldade. As outras duas
professoras, afirmam sentir, principalmente no tocante à dinâmica do
processo de ensino e aprendizagem de ciências, que a todo instante faz uso
de referências visuais: Em alguns momentos, a dificuldade é alguns
conteúdos ter muita visualização. Hoje mesmo pedi para os alunos trazerem
uma flor, aí tem outras figuras, e experimentos. Aí ela não vê, mas, assim,
quando dá, ela toca, sente o tato. A prova dela é oral (P1); Sim [sinto
dificuldade], [como] a falta de recurso pedagógico, o livro didático, e outros
recursos porque eu queria mostrar pra ele algum fenômeno da física, ou
química, então eu procurava como explicar isso. Trazer o contexto, pois o
átomo não é palpável, então como eu explicava o átomo? Então ficava
realmente difícil. A reação química por exemplo, existe reação que dá para
perceber as propriedades pelo cheiro, dá para perceber, já outras são
inodoras, pela cor das reações químicas (P2).
Tais dificuldades apontadas pelas professoras se concentram basicamente
na necessidade de utilização de referências visuais no ensino de ciências.
Neste caso, “o ensino de Biologia encontra-se estruturado de modo a
atender mais efetivamente aos educandos videntes” (Yoshikawa, 2010, p. 15).
As dificuldades e pontos de entrave percebidos pelas professoras podem
ser causados, em parte, pelo não conhecimento do professor em relação ao
“saber fazer” quando se trata do ensino das ciências aos alunos com
deficiência visual, muitas vezes por falta de especialização.
As falas das professoras refletem a carência de formação inicial e
continuada destas profissionais, pois todas elas afirmam que não tiveram
oportunidade de acesso a conhecimentos acerca da inclusão nem na
formação inicial, nem em formação continuada. Todas elas afirmam sentir
necessidade de formação específica para atuar em classes comuns que
tenham alunos com deficiência: “Sim, justamente por estar vivenciando
[estar ensinando a uma aluna cega]” (P1); “Sim, porque ele [o aluno] é
“jogado” na escola e o professor tem que se virar” (P2); “Sim, pois quando
a gente tem uma formação, a gente age bem melhor, o resultado é mais
positivo” (P3).
Em pesquisa realizada por Silva, Pereira e Vieira (2011), com professores
da rede pública do interior de Sergipe que lecionam a alunos em regime de
inclusão, também foi constatado a ausência de formação inicial e
continuada destes profissionais no que diz respeito à educação inclusiva.
A questão da formação nos remete a um problema de ordem bastante
significativa: o da formação inicial e continuada dos professores atuantes no
ensino fundamental e médio, que, infelizmente, em muitos casos deixam a
desejar.
A formação do professor é uma ação contínua e progressiva, envolvendo
várias instâncias e atribuindo uma valorização significativa para a prática
pedagógica, a partir do trabalho transdisciplinar com uma equipe
permanente de apoio, que é um componente indispensável na atuação do
profissional (Silveira, 2010).
Neste caso, é fundamental, para orientar adequadamente o processo de
ensino e aprendizagem, que os professores de ciências conheçam não só
conteúdo a ser ensinado, mas também as orientações metodológicas
empregadas na construção dos conhecimentos (Carvalho; Gil-Pérez, 2009;
Astolfi e Develay, 1990).
Para construir sistemas educacionais inclusivos, que constituem o meio
mais eficaz para combater a exclusão educacional e promover a inclusão
social das pessoas com deficiência, inclusive dos cegos, faz-se essencial
professores competentes, que reflitam sobre as práticas de ensino em sala
de aula, bem como trabalhem em colaboração com seus pares (Silveira,
2010). Esta autora afirma ainda que a formação de professores é um
problema relevante, pois se entendermos que a inclusão é um processo,
sabemos que ela precisa de tempo para que as ações sejam efetivamente
realizadas.
Para Silveira (2010) é visível que a formação de professores depende de
vários fatores, diante desse “problema educacional” as responsabilidades se
dividem, uma parte é da esfera pública em preocupar-se com a
continuidade da formação dos professores e, a outra é do próprio educador
que deve procurar aperfeiçoar-se como profissional, buscando a melhoria da
sua práxis educativa. “Afinal, é de responsabilidade de cada cidadão e,
principalmente, do professor procurar sua atualização, aproximando-se da
realidade vigente e que é mundial” (Silveira, 2010, p. 37).
Na fala das professoras participantes da pesquisa ficou evidenciada certa
deficiência na formação (no que se refere à educação inclusiva) em relação
às orientações metodológicas e didáticas a serem aplicadas, e é nesse ponto que
devem ser focadas os cursos de formação continuada, pois em nenhum
momento foram citadas dificuldades em relação aos conhecimentos dos
conteúdos conceituais a serem ensinados.
As questões apresentadas até então refletem que as turmas de ensino
regular estudadas não estão suprindo as necessidades dos alunos cegos,
principalmente no sentido de buscar as vias de acesso que ele tem com o
ambiente, seja por falta de recursos materiais e/ou por despreparo dos
professores, e, pela ausência de serviços de apoio pedagógicos
especializados nas escolas, para o apoio de alunos e o suporte aos
professores.
Neste caso, o disposto no artigo 59, inciso III da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional ainda não está sendo cumprido, ao menos nas
escolas visitadas. Este referido artigo, mais especificamente em seu inciso
III, propõe assegurar aos educandos com deficiência “Professores com
especialização adequada em nível médio ou superior, para o atendimento
especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a
integração desses educandos nas classes comuns”.
Diante das dificuldades de formação docente por falta de capacitação, o
mínimo que se deve esperar das escolas inclusivas é o suporte para
professores e alunos. No Brasil, este apoio está disponível através dos
serviços de apoio pedagógicos especializados, pois para que o ensino
inclusivo funcione bem, deve haver uma união/parceria entre o ensino
regular e o fornecido pelo Atendimento Educacional Especializado, em salas
de recursos multifuncionais, visando complementação curricular com a
utilização de materiais e técnicas específicos.
A escola regular, para atender à diversidade de todos os seus alunos,
necessita de profissionais especializados e dispor de equipamentos e
recursos materiais mais diferenciados, para ser uma “organização
diferenciada de aprendizagem” que ofereçam o acesso ao conhecimento
escolar (Rodrigues, 2006). Assim, o desenvolvimento de estratégias e
métodos de ensino diferenciados são constantemente realizados com a
experiência do Atendimento Educacional Especializado, pois são
instrumentos fundamentais para que o aluno com deficiência possa
encontrar respostas pedagógicas apropriadas e individualizadas.
Apesar de não dar suporte aos professores, os alunos participantes desta
pesquisa frequentam o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às
Pessoas com Deficiência visual (CAP/DV - SE). Nesta instituição são
desenvolvidas atividades de ensino do método de leitura e escrita em
Braille, o uso do soroban, aulas de orientação e mobilidade, de música, de
capoeira, uso do computador, estimulação visual, e diversas outras
atividades. Dispõe também de uma biblioteca com livros ampliados e em
Braille, e alguns recursos ópticos para os alunos com baixa visão.
Nas visitas realizadas pela pesquisadora a esta Unidade de Ensino, pôde
ser percebido que o ambiente é bastante acolhedor. Lá os alunos são muito
bem tratados, sendo também um lugar de encontro e socialização, onde
eles conversam, brincam e riem durante o intervalo entre as aulas.
Em relação ao CAP/DV, todos os alunos entrevistados afirmaram que as
atividades desenvolvidas facilitam e complementam o aprendizado na sala de aula.
A3 diz: “Complementa, pois eu estudo matemática com o soroban
para ter noção dos cálculos; na leitura, o Braille, se eu quiser traduzir a
aula, eu escrevo no Braille e eu vou saber resolver sozinha. Tenho
aprendizagem em computação, tenho meu próprio computador. Me ajuda
bastante, fez ser gente”.
É muito comum acreditar que os recursos pedagógicos necessários para
pessoas cegas se resumem à grafia Braille, e, para as de baixa visão, a
escrita ampliada (Oliveira, 2007). Por esse motivo, é possível perceber a
importância da integração entre os professores da sala de aula regular e do
Atendimento Educacional Especializado, pois todos estes instrumentos e
técnicas tornam a aprendizagem do aluno com deficiência visual e dos que
apresentam baixa visão mais efetiva, principalmente quando se trata da sua
inclusão escolar.
Como nas escolas destes alunos não existe sala de Atendimento
Educacional Especializado, ou sala de recursos multifuncionais, não há
integração entre os profissionais envolvidos, pois o atendimento, neste
caso, é realizado no CAP/DV, localizado na Capital de Sergipe.
Considerando as afirmações dos professores e seus alunos, é possível
perceber que não está havendo uma organização no campo político para o
devido atendimento dos alunos com deficiência visual nas escolas que eles
estudam. Pois o feito até agora, segundo ficou implícito nas falas, foi o
direito à matrícula nas classes comuns. Deve-se tomar providência ao
fornecimento, nas escolas, dos recursos pedagógicos especiais, para o apoio
aos programas educativos e ações destinadas à capacitação de recursos
humanos para atender as demandas desses alunos, como prevê as
diretrizes nacionais para a educação especial (Secretaria de Educação
Especial, 2001). Segundo estas diretrizes, a escola regular, ao viabilizar a
inclusão de alunos com deficiência, deverá promover a organização de
classes comuns e de serviços de apoio especializado.
Uma possível solução para este impasse seria a utilização do serviço de
orientação e supervisão pedagógica fornecida por professores itinerantes,
profissionais especializados, que fazem visitas periódicas às escolas para
trabalhar com alunos com deficiência e com seus professores da classe
comum. Já que a inclusão de alunos com deficiência “exige interação
constante entre professor da classe comum e os dos serviços de apoio
pedagógico especializado, sob pena de alguns educandos não atingirem
rendimento escolar satisfatório” (Secretaria de Educação Especial, 2001, p. 51).
Como opiniões dos alunos para melhorar as aulas de Ciências, para que
eles pudessem aprender mais, A1 não soube responder e não teve
nenhuma sugestão, mas quando a entrevistadora perguntou se recursos
didáticos táteis facilitariam a sua aprendizagem, A1 respondeu
afirmativamente. Por sua vez, A2 citou desenhos em Braille: “Tem que ter
uns materiais do tipo certo, próprio para a deficiência de cada um.” [que
tipo?] “Tipo alguns desenhos em Braille para explicar algumas coisas,
alguns objetos para explicar melhor.” [para ter noção mais espacial?] “É”.
A3 colocou também a questão do relevo: “Às vezes é preciso que tivesse
um pouquinho de relevo, que na última prova a professora queria que desenhasse
uma figura, se tivesse com relevo até eu conseguia. Que eles
[os professores] se especializem”.
É interessante notar que os alunos não consideraram a ausência de
recursos didáticos específicos nas aulas de seus professores de ciências
como uma atitude negativa, embora tenham sugerido a utilização de relevo
e desenhos em Braille que, acreditam eles, poderiam melhorar o seu
aprendizado em ciências.
Práticas pedagógicas bem escolhidas assumem fundamental importância
na educação que privilegie a diversidade. Discutindo sobre “pluralismo
metodológico no ensino de ciências” Laburu, Arruda e Nardi (2003), tratam
da diversidade existente em sala de aula, pois os estudantes diferem em
suas motivações e preferências, no que se refere ao estilo ou ao modo de
aprender, e mesmo na sua relação com o conhecimento, com as suas
habilidades mentais específicas, nível de motivação e interesses diversos e
experiências vividas pelo grupo social a que pertencem. Fatores estes que
influenciam não somente a qualidade e a profundidade da sua
aprendizagem, mas também, a decisão do emprego da estratégia
metodológica por parte do professor. Para tanto, este deve ter a maturidade
de saber selecionar os métodos de ensino em função dos conteúdos e
objetivos que se pretende alcançar, considerando a diversidade dos alunos
e as demandas sociais e políticas vigentes.
Na escola inclusiva, os recursos didáticos para os alunos com deficiência
devem ir além do ouvir. Em sua pesquisa com educandos com deficiência
visual, Oliveira (2007), aponta que os alunos pesquisados revelaram que
houve em suas trajetórias escolares barreiras no processo de ensino e
aprendizagem por existir carência de recursos pedagógicos, supridos pelos
próprios alunos e pelo auxílio de pais e de colegas de escola. Também foi
relatado que recursos didáticos e adaptações curriculares são necessários
constantemente.
Neste caso, tais recursos e adaptações são feitas de acordo com o perfil
dos alunos e os contextos nos quais estão inseridos. Pois não existem
“enlatados pedagógicos” universais, e desta forma, as soluções precisam
ser construídas coletivamente no cotidiano da escola, inseridas num
contexto social, cultural e político (Sander, 2007).
As sugestões apontadas pelas professoras para que o processo de
ensino-aprendizagem em regime de inclusão seja aperfeiçoado, foram:
Fazer a adaptação, a gente não tem rampa, não tem porta na largura
adequada, nada, primeira sugestão seria ver essa questão de estrutura,
acessibilidade, e também os materiais, para a gente trabalhar que não tem
(P1); A escola tem que conseguir um equipamento Braille. Usar o alto
relevo, criar, bolar, inventar uma maneira, e eu ainda, por falta de tempo,
não me disponibilizei, foi até uma falha da minha parte, em tentar criar
algo. Foi a primeira vez que ensinei a um aluno cego. Por exemplo, um
átomo cortar com TNT em forma de circulo, para explicar as partículas, mas
essa ideia veio depois (P2); Se eles tivessem uma sala especial, com
recursos apropriados para eles. A escola não tem sala de recursos, a escola
não oferece nada para eles. [tem mais alguma sugestão?] nem sei porque
fica tudo tão complicado sabe? a gente às vezes quer melhorar e aí...
ficamos de mãos atadas, fica difícil. (P3).
As sugestões de P2 e P3 revelam a necessidade que o professor tem de
aperfeiçoar seus métodos de ensino, sugerindo estes profissionais que a
escola disponibilize recursos, ou criando-os, como sugeriu P2, que só teve e
idéia de produzir recursos didáticos na forma de relevo após o término o
semestre letivo, não tendo oportunidade até o momento de aplicá-la. Já P3
não aparenta ter tido essa idéia, ou pelo menos não atentou para a
importância que estes recursos têm, pois afirmou que: “Nunca elaborei.”
[porque sente dificuldade ou nunca tentou?] “Porque na verdade, nunca
ninguém chegou pra dizer que temos que elaborar, até porque é o primeiro
ano que a gente trabalha com essa aluna especial”.
Foi possível observar uma lacuna no processo de ensino de ciências que
poderia ser preenchida caso estas professoras tivessem o suporte
proporcionado pelo Atendimento Educacional Especializado, que lhes
orientariam em relação aos métodos e técnicas a serem utilizados com
alunos cegos. Segundo Rodrigues (2006), o desenvolvimento de estratégias
e metodologias de intervenção diferenciadas não podem ser perdidas, já
que são instrumentos fundamentais para encontrar respostas pedagógicas
adequadas.
Conclusões
Com este artigo percebeu-se a existência de certas dificuldades em
relação ao processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos de Ciências,
principalmente quando se leva em consideração a dimensão visual
existente, pois a todo instante se faz uso de referências visuais no ensino.
Por isso, seria viável atender as sugestões das professoras para o
aperfeiçoamento do processo de ensino e aprendizagem, dentre elas, que a
escola se torne acessível no sentido físico e pedagógico, disponibilizando
equipamentos e recursos didáticos, além do apoio do Atendimento
Educacional Especializado.
Como sugestões, os alunos citaram a utilização de figuras em relevo e
em Braille para melhorar o seu aprendizado em Ciências. Essas sugestões
denotam a carência da utilização de recursos específicos ou apropriados,
situação já prevista em outros estudos (Oliveira, 2007; Santos, 2007;
Yoshikawa, 2010). Para confirmar se de fato figuras em relevo e em Braille
são mais eficientes no aprendizado das ciências, poderiam ser realizados
trabalhos futuros para ratificar ou não essa possibilidade. Uma sugestão de
investigação poderia ser uma série de intervenções em sala de aula
inclusiva utilizando recursos táteis diferenciados.
Os professores participantes da pesquisa utilizam recursos didáticos que
não são, em sua maioria, inteiramente adequados para alunos cegos.
Entretanto, o fato de ter alunos com deficiência visual em sua sala não
limita o professor de utilizar os recursos que costuma, apenas deve ter o
cuidado de adaptá-los para que os alunos cegos tenham também acesso às
informações necessárias ao aprendizado. De toda forma, poderiam também
ser utilizados recursos específicos com estes alunos a fim de que suas
possibilidades de aprendizagem sejam ampliadas assim como os demais.
Materiais estes que deveriam ser disponibilizados na escola.
As dificuldades apontadas pelas professoras em suas práticas docentes as
levam a afirmar que sentem necessidade de formação específica, pois todas
contam que não tiveram oportunidade de acesso a conhecimentos acerca da
diversidade humana nem na formação inicial, nem em formação
continuada. Resultado que concorda com investigação análoga já publicada
(Silva, Pereira e Vieira, 2011).
Outro problema evidenciado foi a ausência de salas de Atendimento
Educacional Especializado ou salas de recursos em funcionamento, e de
profissionais especializados que atuem ou não nestas salas (no caso de
professor itinerante), para que estes possam dar suporte ao aluno e ao
professor da sala de aula comum. Por esse motivo, falta uma
complementação de profissionais capacitados para que os professores da
sala de aula regular desenvolvam as metodologias específicas adequadas
para estes alunos, como está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, o que não está ocorrendo.
Implicações
Devido a não utilização de recursos didáticos que atendam às exigências
deste público nas aulas de ciências, não foi possível alcançar o objetivo de
identificar a opinião dos alunos em relação ao seu uso. Assim como também
não foi possível, somente com as entrevistas, verificar quais as maiores
dificuldades e acertos dos docentes em elaborar e utilizar recursos didáticos
que atendam às exigências deste público. Sendo, portanto, necessárias
novas pesquisas na área, que poderiam ser de intervenções e observações,
para que se possa analisar mais detalhadamente esses aspectos do
processo de ensino e aprendizagem.
A presente investigação, em seus resultados, reforça a necessidade não
somente de acessibilidade física e pedagógica, mas também de formação
inicial e continuada, que permita a completa inclusão educacional de alunos
com deficiências na ação educativa dos professores de ciências. Dessa
forma, compreendemos que cursos de formação inicial e continuada de
professores deveriam voltar-se um pouco mais para a discussão e
problematização da inclusão escolar das pessoas com deficiência, já que
essa temática deve fazer parte da realidade de uma sociedade que busca
ser inclusiva e tem como ideal a valorização da diversidade humana, pois
todas as pessoas são diferentes, sejam elas com deficiência ou não.
De certo, esta investigação possui limitações, especialmente por não
permitir originar proposições gerais devido ao limitado número de
participantes localizados no mesmo Estado. Entretanto, a relevância desta
investigação para o ensino das ciências consiste principalmente no ouvir, no
ato de dar voz aos atores da inclusão, aflorando suas concepções sobre o
processo de inclusão que ocorre em suas realidades, levando em
consideração sobretudo a (não) utilização de recursos e materiais
específicos para o ensino e aprendizagem das ciências, fator que poderia ser
decisivo na aprendizagem dos alunos com deficiência visual.
FIM
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excerto de
A Utilização de recursos didáticos no processo de ensino e aprendizagem de
Ciências de alunos com Deficiência Visual
autoras: Tatiane Santos Silva,
Myrna Friederichs Landim e
Verônica dos Reis Mariano
Souza
Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Brasil.
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