
Resumo |
O presente artigo é fruto de uma pesquisa em desenvolvimento junto ao Programa
de Pós-graduação em Ensino de Ciências, Matemática e Tecnologias (PPGECMT) da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e tem por objetivo apresentar e
discutir alguns materiais didáticos que podem ser utilizados no ensino de
matemática para cegos. A inclusão de educandos cegos nas salas de aulas
regulares representa uma série de desafios nos processos de ensino e
aprendizagem, tanto para os estudantes, que muitas vezes não têm acesso a
recursos didáticos adequados, fato que pode dificultar o seu aprendizado, como
também para os professores, que se deparam com dúvidas de como ensinar
matemática a tais alunos e que precisam estar capacitados para que efetivamente
ocorra uma educação inclusiva.
1. Introdução
A visão é um dos sentidos mais importantes e mais utilizados, pois capta grande
quantidade de informações e orienta o sujeito em diversas situações. Conforme
Vygotsky (2003, p. 258), a ausência do sistema visual “representa a perda de um analisador, o mais importante, que nos permite estabelecer as
relações mais sutis e complexas com o mundo externo”.
Sendo o cego um sujeito privado deste sentido, supõe-se que ele terá diversas
restrições em sua vida e irá se deparar com inúmeras dificuldades em sua
trajetória na escola regular. Além das dificuldades impostas pela cegueira,
Mollossi (2013) descreve que existem diversos problemas de caráter pedagógico,
como a falta de professores qualificados e de materiais didáticos adaptados para
educandos cegos.
Os materiais didáticos podem contribuir com a educação, auxiliando todos os
educandos, e se tratando dos discentes cegos estes recursos possuem um papel
primordial, que segundo Cerqueira e Ferreira (2000), em nenhuma outra forma de
educação, os materiais didáticos têm tamanha relevância quanto nos processos de
ensino e aprendizagem de estudantes cegos.
Além de contribuírem no aprendizado dos educandos, os materiais didáticos podem
proporcionar aulas mais dinâmicas, melhorando a qualidade de ensino, através da
maior participação dos estudantes, tornando-os sujeitos ativos na produção do
conhecimento. Neste sentido, Passos (2006, p. 78) afirma que os materiais
concretos “devem servir como mediadores para facilitar a relação
professor/aluno/conhecimento no momento em que um saber está sendo construído”.
2. Materiais didáticos e a matemática
A matemática lida com abstrações, ideias que são representadas por símbolos,
como incógnitas, números, gráficos e palavras. Isto muitas vezes traz
dificuldades para os educandos que não desenvolveram plenamente o pensamento
lógico-matemático. Para facilitar o aprendizado da matemática e o
desenvolvimento do raciocínio lógico pode-se utilizar materiais didáticos
concretos, uma vez que, conforme Rosa Neto (1992), o processo de aprendizagem
ocorre do concreto para o abstrato.
Neste trabalho, pretende-se abordar a utilização de materiais didáticos no
ensino de matemática para cegos, valendo-se da concepção de Ferronato (2002,
p.41), o criador do multiplano para cegos (artefato descrito mais adiante), de
que “a utilização de materiais concretos se torna imprescindível, haja vista que
tem no concreto, no palpável, seu ponto de apoio para as abstrações”. Para o
autor, essa prática traz bons resultados, pois aumenta o interesse dos educandos
e, no caso dos cegos, o tato é o “sentido mais precioso, pois é através da
exploração tátil que lhe chega a maior parte das informações. É através dela que
ele tem a possibilidade de discernir objetos e formar ideias” (FERRONATO, 2002,
p. 41).
Na sequência, serão apresentados alguns materiais didáticos presentes no ensino
de matemática para cegos, escolhidos por estarem entre os mais comuns nessa área
ou por terem sido criados e utilizados pelo autor.
2.1 Cubaritmo
O cubaritmo (figura 1) é um material didático que foi utilizado até a década de
1960 para efetuar operações aritméticas. É constituído por uma caixa de madeira
com uma grade metálica na parte superior e com uma gaveta na parte lateral. Na
gaveta, ficam guardados pequenos cubos que possuem gravações em braille em cinco
faces, sem sinal de número. Com uma mesma face, é possível montar mais de um
número, sendo necessário apenas mudar sua posição no material (por exemplo, os
números quatro, seis, oito e zero tem uma marcação semelhante na cela braille,
sendo necessário apenas rotacionar essa combinação para que um número dê lugar a
outro). Na sexta face, há um traço utilizado para representar os sinais
operatórios. Os cubos são colocados na grade metálica, onde são armadas as
contas da maneira como os videntes as resolvem com lápis e papel (FERNANDES et
al, 2006).
Uma das dificuldades na sua utilização é que, caso a caixa caia, perde-se todo o
exercício construído. Posteriormente, o cubaritmo foi substituído pelo soroban,
entretanto, tem a vantagem de ter a representação espacial das operações, o que
o torna mais didático (RODRIGUES, 2004).

Figura 1: Cubaritmo
Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2016.
2.2 Soroban
Outro material que pode ser utilizado para auxiliar o ensino de matemática é o
soroban (figura 2) adaptado para cegos, que foi desenvolvido para facilitar a
resolução de cálculos, sendo capaz de efetuar adição, subtração, multiplicação,
divisão, radiciação e potenciação, de números naturais, decimais e fracionários.
Sua adaptação foi feita por Joaquim Lima de Moraes, que ficou cego no período
escolar e, após ter aprendido o método Braille, percebeu a complexidade de
executar as operações matemáticas (FERNANDES et al., 2006).
Logo nos primeiros contatos com o soroban, Moraes percebeu a facilidade de
manuseio deste instrumento. No entanto, também notou que as contas do soroban
eram muito leves e isto traria dificuldade, então, inseriu um tecido
emborrachado para evitar que as contas se mexessem. A melhoria com tal alteração
foi tamanha que se registrou, em 1951, que educandos cegos utilizando o soroban
adaptado faziam as contas com a mesma velocidade que educandos videntes com
lápis e papel (FERNANDES et al, 2006). Ainda, o Ministério da Educação, por meio
da portaria nº 1.010 de 10 de maio de 2006 (4), regulamentou o soroban como
instrumento facilitador no processo de inclusão destes educandos nas escolas
regulares.

Figura 2: Soroban
Fonte: Mollossi (2013).
2.3 Multiplano
O multiplano (figura 3) é um material didático que foi criado pelo professor
Rubens Ferronato. Segundo ele, este material começou a ser construído no ano
2000, quando estava lecionando a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral
para uma turma de quarenta estudantes, sendo que um desses era cego e possuía
dificuldades para acompanhar os conteúdos da disciplina (FERRONATO, 2002).
Constatando que as práticas pedagógicas convencionais não eram o suficiente para
ensinar seu aluno, e que, além de escassos, os materiais didáticos disponíveis
não eram adequados para cegos, o professor Rubens Ferronato confeccionou um
artefato feito a partir de uma placa perfurada, alguns rebites e elásticos, que
fez com que o estudante conseguisse compreender os conteúdos que são necessários
para o aprendizado de Cálculo Diferencial e Integral.
O material foi aperfeiçoado, tornando o multiplano, um instrumento que
possibilita a aprendizagem de diversos conteúdos matemáticos, tais como:
operações básicas, plano cartesiano, simetria e gráficos.

Figura 3: Multiplano
Fonte: Assistiva (2016).
2.4 Placa de madeira
Mollossi (2013), baseando-se em Fernandes e Healy (2010), produziu uma placa
quadrada de madeira para ensinar os conceitos de área e perímetro para um
educando cego participante de sua pesquisa. A placa possuía lados medindo 25 cm,
sendo estampada em baixo relevo com um quadrado pequeno, com 5 centímetros de
lado; um retângulo com lados de 6 e 7 centímetros; um quadrado com 10
centímetros de lado e outro retângulo com lados de 10 e 5 centímetros, conforme
a figura 5.

Figura 4: Placa de madeira
Fonte: Mollossi (2013).
Utilizando-se apenas essa placa de madeira é possível ensinar aos discentes
cegos o conceito de quadrilátero, área e perímetro. Para que o discente aprenda
a calcular a área e o perímetro de quadrados e retângulos, pode-se utilizar essa
placa juntamente com as peças unitárias do material dourado, deixando que o
estudante preencha os quadriláteros.
Em um primeiro momento, se oferece ao educando o número de peças necessárias
para preencher toda a figura, de forma que ele só precise contá-las para
descobrir o valor da área ou do perímetro (quando se tratar do cálculo de área e
perímetro, é melhor abordá-los em momentos separados). Depois, distribuem-se
menos peças, e pede-se que ele descubra a área ou perímetro. Diminui-se o número
de peças a ponto de sobrar o número de peças necessário para que se determine
apenas o tamanho de um lado do quadrado, e de dois lados do retângulo.
2.5 Geometria plana e espacial com palitos de madeira
Este material didático (figura 5) também foi criado por Mollossi (2013), para
ensinar os conceitos de geometria plana e espacial para um estudante cego.
Utilizaram-se palitos de madeira que formavam as arestas e, para unir os
palitos, no vértice, usou-se uma peça de madeira vazada, onde os palitos eram
encaixados.
Para trabalhar a geometria plana Mollossi (2013) construiu os seguintes
polígonos: triângulo equilátero, quadrado, pentágono regular e hexágono regular.
Para o conteúdo de geometria espacial produziu-se um cubo.

Figura 5: Polígonos regulares e cubo, produzidos com palitos de madeira.
Fonte: Mollossi (2013).
2.6 Folha braille
Mollossi (2013) também utilizou o soroban para ensinar as quatro operações
básicas para um educando cego. Entretanto, constatou que este aluno se deparava
com dificuldades, errava a composição dos números, fazia as operações em locais
inadequados, tendo declarado que as “bolinhas (contas) são muito próximas”
(MOLLOSSI, 2013, p. 89).
Por esse motivo, Mollossi (2013) criou um material didático intitulado folha
braille, uma placa de madeira com 60 centímetros de largura e 43 centímetros de
comprimento, planejada para ocupar o tamanho de uma carteira.
Na placa, estão gravadas cinquenta celas Braille, divididas em dez colunas e
cinco linhas. Entre as linhas existe um vinco para facilitar a localização dos
educandos cegos, e da primeira para segunda linha, para diferenciação, existe um
relevo, semelhante a uma lixa, feita com serragem. Para a marcação dos símbolos
braille na placa são utilizadas bolas de gude que ficam guardadas em um
compartimento anexado a placa (figura 6).
O modo de funcionamento da folha braille baseia-se em proporcionar que os cegos
efetuem a resolução de exercícios problemas matemáticos da mesma maneira dos
videntes, possibilitando maior facilidade na resolução dos exercícios. Com este
material, é possível ensinar as quatro operações, o conceito de matriz,
fatoração, potenciação e, utilizando o relevo diferenciado entre a primeira e
segunda linha, pode-se ensinar adição com transporte e subtração com reserva.

Figura 6: Folha braille
Fonte: Mollossi (2013).
3. Considerações Finais
Por ser o sentido que mais capta informações do meio e orienta o indivíduo nas
mais amplas situações, a visão é um sentido primordial. Assim, sua ausência é
sentida pelo sujeito como a falta de um dos mais importantes receptores de
informação e que oportuniza o estabelecimento de inúmeras relações com o mundo à
sua volta.
A matemática oportuniza o desenvolvimento do raciocínio abstrato e lógico a
partir da internalização e compreensão de seus conteúdos pelos estudantes.
Estes, entretanto, podem se deparar com dificuldades nesta disciplina quando
ministrada somente através da metodologia tradicional, fazendo-se necessário
despertar nos estudantes o interesse por meio de atividades lúdicas e
estimulantes.
Para o estudante cego, as adaptações às possíveis dificuldades e restrições que
encontrará ao longo da vida, principalmente durante o período escolar, podem ser
facilitadas por materiais didáticos que funcionem como mediadores da
aprendizagem. Assim, percebe-se que é inegável a colaboração dos materiais
didáticos para o ensino de matemática. Estes recursos são especialmente
relevantes para os discentes cegos e primordiais em seu processo de
aprendizagem, proporcionando, assim, uma educação mais inclusiva.
Neste artigo, expuseram-se as contribuições e um breve histórico do cubaritmo,
soroban, multiplano, placa de madeira, folha braille e a utilização de palitos
de madeira para o ensino de geometria plana e espacial. Ressalta-se, ainda, que
há outros materiais didáticos feitos para videntes, mas que com sutis adequações
podem ser utilizados no ensino de matemática para cegos, tais como: material
dourado, geoplano, círculo de frações em relevo, entre outros. Como recurso
didático, também existe o Monet (5), e ainda, há materiais didáticos construídos
por professores de matemática que trabalham com discentes cegos.
Notas
-
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Matemática e
Tecnologias – PPGECMT/UDESC. E-mail: luimollossi@hotmail.com
-
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Matemática e
Tecnologias – PPGECMT/UDESC. E-mail: rogerio.aguiar@udesc.br
-
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Matemática e
Tecnologias – PPGECMT/UDESC. E-mail: mthmoretti@gmail.com
-
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO – Nº89 – 11/05/2006 – SEÇÃO 1 – p. 9
-
Um software livre que faz desenhos, gráficos de função e gráficos de barras,
para serem reproduzidos em relevo através de uma impressora braille.
Referências
-
CERQUEIRA, Jonir, B.; FERREIRA, Elise, M. B. Os recursos didáticos na educação
especial. Rev. Benjamin Constant, Rio de Janeiro, ed. 15, jan/abr. 2000.
Disponível em: <http://www.ibc.gov.br/?catid=4&itemid=57>. Acesso em abr. 2016.
-
FERNANDES, Cleonice, T.; et al. A construção do conceito de número e o
pré-soroban. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial,
2006.
-
FERNANDES, Solange. H. A. A.; HEALY, Lulu. A Inclusão de Alunos Cegos nas Aulas
de Matemática: explorando Área, Perímetro e Volume através do Tato. Rev. Bolema,
Rio Claro, v. 23, n.37, p. 1111-1135, dez. 2010.
-
FERRONATO, Rubens. A construção de instrumento de inclusão no ensino de matemática. 2002, 126 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
-
LIRA, Ana, K. M.; BRANDÃO, Jorge. Matemática e Deficiência Visual. Fortaleza:
UFC. 2013.
-
MOLLOSSI, Luí, F. S. B. Educação Matemática no Ensino Fundamental: Um Estudo de
Caso com Estudante Cego. Trabalho de Conclusão de Curso. Joinville: Universidade
do Estado de Santa Catarina, Curso Licenciatura em Matemática, Departamento de
Matemática; 2013.
-
PASSOS, Carmen L. B. Materiais manipuláveis como recursos didáticos na formação
de professores de matemática. In: LORENZATO, Sérgio. Laboratório de Ensino de
Matemática na formação de professores. Campinas: Autores Associados, 2006. p.
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RODRIGUES, Débora, A. A arte de ver com as mãos e a construção de uma
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Rio de Janeiro. Livro de resumos... Rio de Janeiro: Universidade do Estado do
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ROSA NETO, Ernesto. Didática da matemática. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1992.
-
VIGOTSKI, Liev, S. Psicologia Pegagógica. Tradução Claudia Schilling. Porto
Alegre: Artmed, 2003.
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Materiais Didáticos para a Inclusão de Educandos Cegos no Ensino de
Matemática
autores: Luí Fellippe Mollossi, Rogério de Aguiar
& Méricles Moretti
in II Colbeduca – 5 e 6 de setembro de 2016 – Joinville, SC, Brasil
Colóquio Luso-Brasileiro de Educação
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