

James Holman,
o famoso viajante cego do
séc. XIX, autor de ''A
Voyage round the World'
Resumo
| A presente pesquisa teve como objetivo identificar os fatores que mais restringem o consumo
de serviços de lazer turístico por pessoas com deficiência visual. Os
resultados da presente pesquisa apontam sete fatores de restrição ao consumo de serviços de
lazer turístico para pessoas com deficiência visual: Tempo, Recursos Financeiros, Questões
Pessoais, Importância da Companhia, Barreiras Atitudinais, Barreiras Arquitetônicas e
Atendimento. As maiores médias foram atribuídas aos fatores Atendimento e Importância da
Companhia. Diante dos resultados, é possível sugerir que, no setor estudado, faltam
investimentos em treinamento para que os funcionários de linha de frente estejam capacitados
a atender os deficientes visuais de forma adequada. Ao final do artigo são apresentadas
sugestões para novos esforços de pesquisa.
⁂
Ainda que de maneira rudimentar, na década de 1970 surgiram as
primeiras excursões
organizadas por agências de viagem para pessoas deficientes.
Apenas na década de 1980,
acompanhando o movimento pela integração social, é que o
problema das viagens começou a
ganhar espaço e novas discussões acerca do tema começaram a
surgir. O lazer turístico passou
a ser apontado como oportunidade para possibilitar a inclusão
social de pessoas com
deficiência (SASSAKI, 2003). Nesse sentido, observa-se
atualmente uma tendência de
democratização dos serviços turísticos (ALMEIDA, 2006).
De acordo com Sassaki (op. cit.) as barreiras mais comuns
encontradas pelos deficientes nos
logradouros de lazer são atitudinais, comunicacionais e
arquitetônicas. As duas primeiras têm
forte ligação com a falta de preparo dos atendentes, em virtude,
por exemplo, de a maioria dos
funcionários de hotéis e restaurantes não ter qualquer tipo de
competência para atender
pessoas com deficiência (BAKER, 2006; SCHIVITZ, 2007). Quando o
olhar se volta para o
deficiente auditivo, por exemplo, as barreiras comunicacionais
são muito fortes, ensejando
preocupações em razão da absoluta falta de pessoal qualificado
para o atendimento a tais
clientes. Na pesquisa de Costa (2006), não se encontrou em
nenhum hotel da cidade de Belo
Horizonte alguém que conhecesse LIBRAS – a Língua Brasileira de
Sinais.
As barreiras arquitetônicas estão mais presentes nas vidas dos
cadeirantes e outras pessoas
com deficiências motoras. O aspecto mais recorrente é a falta de
rampas e de banheiros
adaptados (SASSAKI, 2003). Para Burnett (1996) e Castell (2008),
assim como para
Upchurch e Seo (1996), o problema das instalações físicas é o
mais comum no que se refere
ao impedimento de um deficiente exercer plenamente o papel de
consumidor. Como resposta
a essa questão, Gilmore e Rentschler (2002) recomendam que os
museus utilizem a expertise
desenvolvida em marketing e ofereçam instalações físicas e
serviços de hospitalidade capazes
de melhorar a experiência dos deficientes com o ambiente do
serviço. Burnett (op. cit.) estende tais recomendações para quaisquer ambientes físicos de
serviços.
No que tange à hotelaria, é importante que todas as áreas do
hotel – tais como piscinas,
restaurantes e quadras esportivas – sejam acessíveis às pessoas
com deficiência (GOULART, 2007). Para Soubeniotis et al. (2007),
os hotéis de luxo transmitem a imagem de que são capazes de
fornecer serviços adequados quando em seus esforços de
comunicação de
marketing, além de outros fatores, está incluída a preocupação
com indivíduos com
deficiências físicas e/ou mentais. Por outro lado, algumas vezes
essa imagem pode não
corresponder à realidade, como aponta o trabalho de Sansivieiro
e Dias (2005), que mostra
sérios problemas de acessibilidade para deficientes em hotéis de
luxo da cidade de São Paulo.
Raposo e López (2002) estudaram serviços de lazer voltados para
pessoas com lesões
medulares; os resultados apontam que essas pessoas têm muita
necessidade de lazer, mas em
virtude da falta de opções, acabam se contentando com
alternativas simples. Muitas pessoas
com deficiência não sabem que podem existir opções de lazer
acessíveis, fazendo com que se
conformem as limitações e abram mão do lazer (BURNETT,1996;
RUDDELL & SHINEW, 2006).
A falta de opção de lazer também se faz presente quando se trata
de crianças com
deficiências. Knight (2009) denuncia a ausência de alternativas
direcionadas a elas,
defendendo que deveriam ser adotar medidas imediatas para
melhorar tal situação, pois a falta
de lazer aumenta o isolamento social dessas crianças. Heikkilä
et al. (1999) e Woodliffe
(2004) alertam para o fato de que consumidores idosos ou com
problemas de saúde enfrentam
desvantagens semelhantes no que se refere ao pleno
aproveitamento da vida em sociedade.
Chegar aos locais escolhidos para o lazer já constitui um grande
problema. Faltam ônibus
adaptados e as barreiras de acessibilidade surgem até mesmo em
viagens aéreas (BURNETT, 1996; BURNETT & BAKER, 2001; KAUFMAN,
1995). Darcy (2009) estudou as práticas
das companhias aéreas para o atendimento às pessoas com
deficiência e apontou que são
necessárias muitas mudanças, principalmente nos momentos do
embarque e do desembarque.
Investigando o consumo de serviços de lazer turístico por
pessoas com deficiência motora,
Ray e Ryder (2003) apontaram que na busca por informações de
viagem – bem como no
planejamento da viagem – tais consumidores costumam contar com
amigos, com a ajuda da
internet e com os serviços de agentes de viagens. Daniels,
Rodgers e Wiggins (2005), a seu
turno, argumentam que as agências de turismo que se preocupam
com a inclusão de pessoas
com deficiência no planejamento de suas viagens podem melhorar o
serviço oferecido para
todos os viajantes. O cenário atual, entretanto, indica que as
agências não tem tido essa preocupação: poucas criam pacotes
para as pessoas com deficiência (NASCIMENTO et al., 2008).
A EMBRATUR criou um manual de acessibilidade para as pessoas com
deficiências (ver:
Manual, 2010), em que se define acessibilidade como
possibilidade e condição do portador de
deficiência utilizar, com segurança e autonomia, edificações e
equipamentos de interesse
turístico. Outra iniciativa com o mesmo objetivo foi um guia
lançado em outubro de 2001, em
São Paulo, dedicado à avaliação da acessibilidade da cidade para
as pessoas com mobilidade
reduzida, o “Guia São Paulo Adaptada” (SANVIEIRO & DIAS, 2005).
Tais iniciativas,
contudo, não são suficientes para garantir às pessoas com
deficiência acesso ao lazer nas
cidades brasileiras; como foi sugerido por Yau, McKercher e
Packet (2004), pois parece faltar
principalmente o treinamento para que as pessoas possam atender
a esse público.
Método
O modelo de restrição ao lazer desenvolvido por Crawford,
Jackson, & Godbey (1991) é
utilizado nesse estudo para a análise dos principais fatores que
restringem o consumo de
serviços de lazer turístico para deficientes visuais.
Anteriormente, valendo-se desse modelo,
Daniels, Rodgers e Wiggins (2005) identificaram que os
deficientes tendem a enfrentar
problemas de ordem interpessoal, intrapessoal e estrutural
fortes e de difícil resolução.
Amostra
A amostra da pesquisa foi constituída por critérios não
probabilísticos, por conveniência e
acessibilidade (VERGARA, 2009), e contou com um total de 218
pessoas com deficiência
visual. Os questionários que continham missing values foram
eliminados (HAIR et al., 2006),
o que fez com que o número de questionários válidos fosse igual
a 202. A Tabela 2 resume
algumas características da amostra.
Tabela 2 - Caracterização da amostra por gênero, faixa etária e
renda
Gênero
|
Ocorrências
|
%
|
|
|
|
|
Feminino
|
103
|
51%
|
|
|
|
|
Masculino
|
99
|
49%
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Faixa etária
|
Ocorrências
|
%
|
|
Renda
|
Ocorrências
|
%
|
até 25 anos
|
19
|
9%
|
|
até R$ 2.000
|
89
|
44%
|
de 26 a 40 anos
|
56
|
28%
|
|
de R$ 2.001 a R$ 5.000
|
61
|
30%
|
de 41 a 55 anos
|
49
|
24%
|
|
de R$ 5.001 a R$ 10.000
|
38
|
19%
|
Acima de 55 anos
|
78
|
39%
|
|
acima de R$ 10.000
|
14
|
7%
|
Coleta de dados
O questionário utilizado na pesquisa foi elaborado com base na
revisão da literatura e em oito
entrevistas pessoais com informantes-chaves selecionados por seu
potencial em contribuir
para a compreensão do fenômeno (COOPER & SCHINDLER, 2003; YIN,
2004). A validade
e a confiabilidade do protocolo de utilização de múltiplos
informantes-chaves foram atestadas
por John e Reve (1982), por Svensson (2006) e por Hemmington e
King (2000), sendo que
estes últimos valeram-se da técnica para a pesquisa de serviços
de hotelaria.
A escolha dos 8 informantes-chaves privilegiou indivíduos que
atendessem a pelo menos dois
dentre os seguintes critérios: a) pessoas que tivessem contato
sistemático com portadores de
deficiência visual há pelo menos cinco anos; b) pessoas que
tivessem contato direto com um
grande número de pessoas com deficiência visual; e (c) pessoas
com conhecimento da
vivência de situações de lazer por portadores de deficiência
visual. Apenas três dentre os 8
informantes eram deficientes. As interações com os informantes
podem ser classificadas
como entrevistas focalizadas, semi-estruturadas e não
padronizadas (GIL, 2008, 2009;
KERLINGER & LEE, 2000). A Tabela 3 sintetiza as principais
qualificações dos
informantes, dos quais se optou por preservar os nomes, sendo
sua identificação codificada a
partir de I-01 (primeira informante) até I-8 (décimo-primeiro
informante).
Tabela 3- Informantes da pesquisa e suas principais
qualificações
Informante
|
Qualificação
|
I-01
|
cocriadora da maior comunidade de pessoas
com deficiências no site de relacionamentos
Orkut
|
I-02
|
cocriadora da maior comunidade de pessoas
com deficiências no site de relacionamentos
Orkut
|
I-03
|
deficiente visual/professora do Instituto
Benjamin Constant
|
I-04
|
membro da Rede Interamericana de Turismo
Acessível / co-criador da ONG Turismo Adaptado
|
I-05
|
profissional de recursos humanos voltada
para a inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho
|
I-06
|
coordenadora do curso de graduação em
Turismo de uma IFES localizada no Rio de Janeiro
|
I-07
|
Ex-diretora da Associação dos Pais e Amigos
de Excepcionais (APAE) de Porto Alegre
|
I-08
|
Ex-presidente da Associação dos Pais e
Amigos de Excepcionais (APAE)de Porto Alegre
|
Em consonância com as ideias de Dencker (2007) acerca de
pesquisas no campo de Turismo,
utilizou-se um questionário, que na presente pesquisa contou com
27 assertivas, cobrindo
diversos aspectos de restrição ao turismo para pessoas com
deficiência visual. As assertivas
tinham como propósito a avaliação da seguinte proposta de lazer
turístico, extraída da
pesquisa de Diniz e Motta (2006, p. 6) sobre restrições a lazer
para pessoas de mais idade e
adaptada de acordo com os resultados obtidos nas entrevistas com
os informantes-chaves:
-
-
Suponha que tenha sido oferecida a você uma viagem de 15 dias
para o
litoral sul do país. A viagem cobrirá 3 estados da região e terá
início daqui a
30 dias. Você irá e voltará de avião, mas o transporte entre
cidades será feito
de ônibus e você ficará hospedado em hotéis com amplas áreas de
lazer. As
viagens de ônibus não terão duração superior a 3 horas, porém,
haverá um
dia em que você fará 2 viagens de ônibus de 3 horas cada uma.
Haverá
alguns passeios de barco. O custo total da excursão é estimado
em R$
3.000,00 já incluindo despesas pessoais básicas.
As assertivas
foram elaboradas com o auxílio dos resultados obtidos nas
entrevistas com os
informantes-chaves. As assertivas “Não iria a essa excursão por
ter medo que os comissários e
outras pessoas da companhia aérea não estivessem preparados para
me auxiliar” e “Não iria a
essa excursão por ter medo que os atendentes do hotel não
estivessem preparados para me
auxiliar por não saberem lidar com pessoas deficientes”, por
exemplo, emergiram das
entrevistas com os informantes I-4 e I-6.
Para a avaliação das assertivas foi utilizada uma escala Likert
de 5 pontos variando de 1
(discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). Também foram
incluídas perguntas de
caráter sociodemográfico, tais como gênero, idade e renda mensal
familiar. O questionário foi
enviado via internet (GIL, 2008) por ter sido considerado que
esse era o modo mais fácil de
conseguir atingir as pessoas com deficiência, principalmente
aquelas com deficiência visual
que utilizam softwares especiais de leitura de texto no
computador. O questionário foi prétestado com 10 pessoas com
deficiência visual. Para atingir um número maior de respostas, o
questionário foi enviado para grupos de email de pessoas com
deficiência visual. A amostra
final da pesquisa foi composta por 202 pessoas com deficiência
visual.
Tratamento dos dados
Seguindo o caminho de estudos anteriores que também focaram em
restrições ao turismo
(ALEXANDRIS & CARROL, 1997; DINIZ & MOTTA, 2006; PENNINGTON-GRAY
&
KERTETTER, 2002) o tratamento dos dados foi feito por meio de
análise de fatores com a
utilização do software estatístico SPSS versão 17. O objetivo da
análise de fatores é encontrar
um meio de condensar a informação contida em um número de
variáveis originais em um
conjunto menor de variáveis estatística (fatores) com perda
mínima de informação (HAIR et
al., 2006). Na presente pesquisa a análise fatorial foi feita
para condensar as informações
sobre as restrições ao lazer para as pessoas com deficiência
visual formando fatores que
podem representar as restrições mais importantes para essas
pessoas.
Análise dos Resultados
Como resultado da análise fatorial foram encontrados sete
fatores: Tempo, Recursos
Financeiros, Questões Pessoais, Importância da Companhia,
Barreiras Atitudinais, Barreiras
Arquitetônicas e Atendimento. Alguns desses fatores já haviam
aparecido nas entrevistas com
informantes-chaves. Analisando os fatores formados, percebeu-se
que os fatores Tempo e
Recursos Financeiros, ambos classificados como estruturais de
acordo com o modelo de
restrição ao lazer de Crawford, Jackson & Godbey (1991), são
apontados pela literatura em
lazer como importantes restrições ao lazer independentemente do
segmento de consumidores
que esteja sendo considerado (BAHL, 2003; DINIZ & MOTTA, 2006).
Os fatores Questões Pessoais e Importância da Companhia
apareceram, ainda que
caracterizados de forma um pouco diferente, em estudo anterior
que utilizou o modelo de
restrições ao lazer de Crawford, Jackson & Godbey (1991) para
pessoas idosas (DINIZ &
MOTTA, 2006). Adicionalmente, vale notar que outros fatores
encontrados na presente
pesquisa aparecem na literatura como barreiras que dificultam o
consumo de serviços de lazer
para as pessoas com deficiências. Esses fatores são Atendimento
(BAKER, 2006), Barreiras
Atitudinais e Barreiras Arquitetônicas (CASTELL, 2008; SASSAKI,
2003).
A Tabela 4 traz os fatores encontrados na presente pesquisa. Os
números que precedem as
assertivas são as cargas de fatores, selecionadas por valores
superiores a 0,50. Duas assertivas
foram eliminadas por não alcançar 0,50 de comunalidade. Foram
calculadas as médias
aritméticas para cada assertiva com o objetivo de verificar que
fatores seriam mais restritivos
para pessoas com deficiência visual no consumo de serviços de
lazer turístico.
Tabela 4 - Fatores de restrição ao lazer encontrados na pesquisa
Fator
|
Assertivas
|
Média geral
|
Classificação
|
Tempo
|
[ 0,86] Não posso ficar tanto tempo longe de
casa.
[0,73] Tenho ocupações que me impedem de fazer
essa excursão.
[0,67] 30 dias é muito pouco tempo para planejar
essa viagem.
|
1,83
1,76
1,67
|
Estrutural
|
Recursos Financeiros
|
[0,82] Não tenho condições financeiras para
fazer uma excursão como essa.
[0,78] Se essa excursão fosse mais barata,
talvez eu pudesse viajar.
|
1,72
1,91
|
Estrutural
|
Questões pessoais
|
[0,64] Não faria essa excursão porque não
gosto de viajar
[0,67] Não faria essa excursão porque não tenho
o costume de viajar
[0,86] Não me sinto preparado para fazer essa
excursão por causa das necessidades especiais
que eu tenho
[-0,65] Tenho sempre vontade de fazer uma
excursão como essa.
[0,70] Tenho medo de ir a essa excursão e não
gostar.
|
1,23
1,34
2,45
3,22
1,32
|
Intrapessoal
|
Importância da companhia
|
[0,81] Acho mais importante a pessoa ou
pessoas que vão comigo na excursão do que o
local escolhido para viajar
[0,87] Minha maior dificuldade para fazer uma
excursão é não ter companhia.
[0,57] As pessoas que poderiam ir comigo não têm
tempo.
[0,61] Prefiro viajar em excursões do que viajar
por conta própria.
[0,83] Preciso viajar sempre acompanhado.
|
3,42
3,63
3,13
2,33
4,16
|
Interpessoal
|
Barreira atitudinais
|
[-0,84] Penso que as pessoas das minhas
relações me incentivariam a fazer essa excursão
[0,85]Penso que as pessoas das minhas relações acham que uma
excursão como essa não é apropriada para mim.
[0,88] Não iria a essa excursão por ter medo que as outras
pessoas
de excursão não soubessem entender e respeitar as minhas
limitações físicas.
|
1,32
2,21
2,86
|
Interpessoal
|
Atendimento
|
[0,84] Não iria a essa excursão por ter medo que os comissários
e
outras pessoas da companhia aérea não estivessem preparados para
me auxiliar.
[0,89] Não iria a essa excursão por ter medo que os atendentes
do
hotel não estivessem preparados para me auxiliar. Por não
saberem
lidar com pessoas deficientes.
|
3,65
4,04
|
Interpessoal
|
Barreiras arquitetônicas
|
[0,72] Não iria a essa excursão por ter medo que o avião não
estivesse fisicamente adaptado para atender as minhas
necessidades.
[0,76] Não iria a essa excursão por ter medo que o ônibus não
estivesse fisicamente adaptado para atender as minhas
necessidades.
[0,80]Não iria a essa excursão por ter medo que o quarto do
hotel
não estivesse fisicamente adaptado para atender as minhas
necessidades.
[0,81]Não iria a essa excursão por ter medo que a área de lazer
do
hotel não estivesse fisicamente adaptada para atender as minhas
necessidades.
[0,79] Não iria a essa excursão por ter medo que os locais dos
passeios não estivessem fisicamente adaptados para atender as
minhas necessidades.
|
2,31
2,82
2,36
3,28
2,29
|
Estrutural
|
Pela análise das médias foi possível verificar que as assertivas
aparentemente mais
importantes no que tange à restrição ao lazer para pessoas com
deficiência visual são as que
compõem os fatores Atendimento e Importância da Companhia, ambos
classificados como
interpessoais, de acordo com o modelo hierárquico de restrições
ao lazer (CRAWFORD,
JACKSON & GODBEY, 1991). A assertiva que apresentou a maior
média foi “Preciso viajar
sempre acompanhado” que compõe o fator Importância da Companhia;
vale notar que os
informantes I-1, I-2 e I-8 apontaram essa assertiva como a mais
realista. Esse resultado parece
indicar que não existir acessibilidade nos locais e ambientes de
serviços de lazer turístico, pois
a acessibilidade pressupõe que as pessoas com deficiência tenham
autonomia.
A assertiva “Prefiro viajar em excursões do que viajar por conta
própria” apresentou a menor
média entre as assertivas que compõem o fator Importância da
Companhia. Esse resultado
talvez confronte a posição de McKercher et al. (2003), que
acreditam que os pacotes turísticos
constituam a melhor opção para os consumidores com deficiência
visual, em função de serem
mais baratos e mais fáceis de adquirir, de poderem ser melhor
planejados e de favorecerem o
encontro com pessoas com as quais o consumidor possa se
socializar.
Barreiras interpessoais são apontadas pela literatura como muito
prejudiciais para o consumo
de serviços de lazer pelas pessoas com deficiência. Mais
especificamente, os teóricos apontam
como um dos principais problemas a falta de treinamento dos
funcionários que têm que lidar
com as pessoas com deficiência na prestação do serviço de lazer
(BAKER, 2006; SCHIVITZ, 2007). A presente pesquisa confirma a
importância de que os funcionários sejam bem
treinados, já que o fator Atendimento apresentou médias muito
elevadas.
O fator Barreiras Arquitetônicas, que havia sido apontado em
alguns estudos acadêmicos
como crítico para pessoas com deficiência motora (SASSAKI,
2003), também apresentou
médias elevadas, demonstrando que as pessoas com deficiência
visual sofrem também com a
falta de adaptações físicas dos locais de lazer turístico.
Dentro do fator Barreiras
Arquitetônicas, a assertiva “Não iria a essa excursão por ter
medo que a área de lazer do hotel
não estivesse fisicamente adaptada para atender as minhas
necessidades” apresentou a maior
média. Esse resultado confirma o que a literatura apontou,
mostrando que os hotéis têm que ser acessíveis, não apenas no
que ser refere às acomodações, como também no que diz
respeito ás áreas de lazer do hotel (GOULART, 2007).
As menores médias foram obtidas nas assertivas que compunham os
fatores Recursos
Financeiros e Tempo; ambos os fatores podem ser classificados
como restrições estruturais, de acordo com o modelo de Crawford,
Jackson e Godbey (1991). Esse resultado – talvez
refletindo a natureza da amostra constituída para o estudo,
composta por sujeitos com acesso a
computador – indica que dinheiro e tempo não se apresentaram
como fatores tão restritivos
para o consumo de serviços de lazer por pessoas com deficiência
visual, diferentemente do
que se encontrou em pesquisas sobre restrição ao lazer para
outros segmentos da população. Diniz e Motta (2006), por
exemplo, apontaram a falta de tempo e de dinheiro como maior
restrição ao lazer para pessoas idosas. Bahl (2003) também
aponta a falta de tempo como um
dos maiores obstáculos para o consumo de lazer para a maioria
das pessoas.
As assertivas ligadas a questões intrapessoais apresentaram
médias baixas. A menor média foi
a da assertiva “Não faria essa excursão porque não gosto de
viajar” o que parece indicar que
as pessoas com deficiência visual constituem um público
potencial para as empresas de lazer
turístico. Aparentemente outros fatores, que não os
intrapessoais, parecem dificultar que as
pessoas com deficiências visuais consumam serviços de lazer.
Considerações Conclusivas
O objetivo da presente pesquisa foi identificar os fatores que
mais restringem o consumo de
serviços de lazer turístico pelas pessoas com deficiência
visual. Seguindo o modelo de
Crawford, Jackson e Godbey (1991), os resultados sugerem que as
pessoas com tal deficiência
parecem não ter problemas em formar preferências de lazer, uma
vez que restrições
intrapessoais não se mostraram muito significativas. As
restrições interpessoais, por outro
lado, mostraram-se muito fortes, principalmente no que diz
respeito à necessidade de
companhia e ao despreparo dos atendentes que prestam os serviços
de lazer turístico. No que
tange às restrições estruturais, somente aquelas relativas às
barreiras arquitetônicas parecem
ter forte influência na participação das pessoas com deficiência
visual no lazer turístico.
Pessoas com deficiência visual parecem constituir um público
potencial para o consumo de
serviços de lazer turístico, tanto em função de sua
representatividade numérica quanto pela
vontade de viajar que demonstraram ter. Outro ponto que faz com
que os deficientes visuais
configurem-se como potenciais consumidores de lazer turístico é
o fato de essas pessoas não
apresentarem restrições expressivas de tempo ou de recursos
financeiros, segundo foi apurado
no presente trabalho. Deve-se atentar para os argumentos de
McKercher et al. (2003), para
quem que o grande contingente de pessoas com deficiências
visuais representa um mercado
significativo a ser explorado pelas empresas ligadas ao lazer e
ao turismo, especialmente
quando se considera que tais consumidores costumam viajar
acompanhados por amigos e/ou
parentes. Aparentemente, todavia, as empresas que oferecem
serviços de lazer turístico ainda
não se deram conta do retorno financeiro que pode ser
proporcionado por esse segmento de
consumidores, os quais continuam enfrentando diversas barreiras
para consumir esse tipo de
serviço. A inadequação física dos ambientes de serviços de lazer
para as pessoas com
deficiência visual configura uma barreira importante, mas o que
o presente estudo parece
confirmar é que as barreiras mais difíceis são as de ordem
interpessoal.
Diante dos resultados obtidos e da literatura revista, é
possível sugerir que no setor estudado
faltam investimentos em treinamento para que os funcionários da
linha de frente estejam
capacitados a atender os deficientes visuais de forma adequada.
No entanto, para que essa
capacitação seja efetiva é preciso que as organizações voltadas
para a prestação de serviços de
lazer saibam o que realmente é importante para tais
consumidores. Curiosamente, pode-se
especular, contudo, que as empresas não estão preocupadas em
oferecer serviços de lazer
turístico realmente acessíveis para as pessoas com deficiência.
Algumas até investem em
adaptações físicas, mas poucas levam em consideração todas as
mudanças que deveriam ser
feitas para que de fato os serviços de lazer turístico fossem
acessíveis para as pessoas com
deficiência visual. Cabe recordar que para Corrêa (2009, p.
171), “acessibilidade” é “garantir
que todas as pessoas tenham acesso a todas as áreas de seu
convívio (...) relacionadas aos
espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, sistemas e meios de
comunicação e informação”.
Um forte indício de que a acessibilidade parece, por ora,
distante de ser alcançada nos
serviços de lazer turístico é a importância que apresentou a
companhia – fator que envolve o
aproveitamento dos serviços e das atividades de lazer com outras
pessoas – para as pessoas com deficiência visual no contexto
investigado. Tal importância, que foi confirmada pela
presente pesquisa, revela haver ainda muita coisa a ser
modificada, uma vez que as pessoas
com deficiência visual parecem não ter autonomia para consumir
serviços de lazer, como se
poderia pressupor pelo conceito de acessibilidade.
Acredita-se que a principal contribuição para teóricos e
praticantes apresentada pela presente
pesquisa seria a possível complementação e adaptação do modelo
de Crawford, Jackson e
Godbey (1991) para pessoas com deficiência visual. A Figura 3
apresenta esse modelo que
poderá auxiliar no entendimento das restrições aos serviços de
lazer turístico para as pessoas
com deficiência visual.
Figura 3 - Modelo de restrição ao lazer turístico para pessoas
com deficiência visual
Restrições ao lazer
|
Restrições intrapessoais
Restrições interpessoais
Restrições Estruturais
|
Questões pessoais
|
Importância da companhia
Atendimento
Barreiras atitudinais
|
Tempo
Recursos Financeiros
Barreiras Arquitetônicas
|
Por se tratar de um assunto ainda pouco explorado, muitas são as
possibilidades de estudos
futuros que podem contribuir para o avanço do conhecimento e da
prática acerca das
restrições ao consumo para deficientes visuais e, igualmente,
para pessoas que apresentam
outras deficiências. Como primeira indicação para novos esforços
de pesquisa, portanto,
recomenda-se fortemente que sejam conduzidos estudos sobre
restrições ao consumo de lazer
turístico com pessoas que tenham outras deficiências que não a
visual. Em um segundo
momento, sugere-se que sejam empreendidos esforços para tentar
desenvolver formas de
obter, junto a tais segmentos de mercado, informações que ajudem
as organizações a superar
os obstáculos impostos a tais consumidores. Além disso, em uma
outra instância, pode-se
planejar projetos de pesquisas que contemplem as necessidades
das pessoas com deficiência
visual como consumidores de outros serviços e produtos que não
os de lazer turístico.
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excerto do artigo
'Pessoas com
Deficiência Visual: barreiras para o lazer turístico'
autores:
- Marina Dias de Faria: Mestre em Administração pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO); Docente da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Instituto COPPEAD.
E-mail: marinfaria86@hotmail.com. e
- Paulo César Motta: Doutor em Administração pela University of Kansas, Estados
Unidos. Docente da PUC/Rio. E-mail:
pcmotta@iag.puc-rio.br.
Publicação: Turismo em Análise, vol. 23 - n.º 3 - Dez. 2012
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