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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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Lazer e Turismo para Pessoas com Deficiência

Marina Dias de Faria & Paulo César Motta

James Holman, o viajante cego
James Holman, o famoso viajante cego do séc. XIX, autor de ''A Voyage round the World'


Resumo | A presente pesquisa teve como objetivo identificar os fatores que mais restringem o consumo de serviços de lazer turístico por pessoas com deficiência visual. Os resultados da presente pesquisa apontam sete fatores de restrição ao consumo de serviços de lazer turístico para pessoas com deficiência visual: Tempo, Recursos Financeiros, Questões Pessoais, Importância da Companhia, Barreiras Atitudinais, Barreiras Arquitetônicas e Atendimento. As maiores médias foram atribuídas aos fatores Atendimento e Importância da Companhia. Diante dos resultados, é possível sugerir que, no setor estudado, faltam investimentos em treinamento para que os funcionários de linha de frente estejam capacitados a atender os deficientes visuais de forma adequada. Ao final do artigo são apresentadas sugestões para novos esforços de pesquisa.

 

Ainda que de maneira rudimentar, na década de 1970 surgiram as primeiras excursões organizadas por agências de viagem para pessoas deficientes. Apenas na década de 1980, acompanhando o movimento pela integração social, é que o problema das viagens começou a ganhar espaço e novas discussões acerca do tema começaram a surgir. O lazer turístico passou a ser apontado como oportunidade para possibilitar a inclusão social de pessoas com deficiência (SASSAKI, 2003). Nesse sentido, observa-se atualmente uma tendência de democratização dos serviços turísticos (ALMEIDA, 2006).

De acordo com Sassaki (op. cit.) as barreiras mais comuns encontradas pelos deficientes nos logradouros de lazer são atitudinais, comunicacionais e arquitetônicas. As duas primeiras têm forte ligação com a falta de preparo dos atendentes, em virtude, por exemplo, de a maioria dos funcionários de hotéis e restaurantes não ter qualquer tipo de competência para atender pessoas com deficiência (BAKER, 2006; SCHIVITZ, 2007). Quando o olhar se volta para o deficiente auditivo, por exemplo, as barreiras comunicacionais são muito fortes, ensejando preocupações em razão da absoluta falta de pessoal qualificado para o atendimento a tais clientes. Na pesquisa de Costa (2006), não se encontrou em nenhum hotel da cidade de Belo Horizonte alguém que conhecesse LIBRAS – a Língua Brasileira de Sinais.

As barreiras arquitetônicas estão mais presentes nas vidas dos cadeirantes e outras pessoas com deficiências motoras. O aspecto mais recorrente é a falta de rampas e de banheiros adaptados (SASSAKI, 2003). Para Burnett (1996) e Castell (2008), assim como para Upchurch e Seo (1996), o problema das instalações físicas é o mais comum no que se refere ao impedimento de um deficiente exercer plenamente o papel de consumidor. Como resposta a essa questão, Gilmore e Rentschler (2002) recomendam que os museus utilizem a expertise desenvolvida em marketing e ofereçam instalações físicas e serviços de hospitalidade capazes de melhorar a experiência dos deficientes com o ambiente do serviço. Burnett (op. cit.) estende tais recomendações para quaisquer ambientes físicos de serviços.

No que tange à hotelaria, é importante que todas as áreas do hotel – tais como piscinas, restaurantes e quadras esportivas – sejam acessíveis às pessoas com deficiência (GOULART, 2007). Para Soubeniotis et al. (2007), os hotéis de luxo transmitem a imagem de que são capazes de fornecer serviços adequados quando em seus esforços de comunicação de marketing, além de outros fatores, está incluída a preocupação com indivíduos com deficiências físicas e/ou mentais. Por outro lado, algumas vezes essa imagem pode não corresponder à realidade, como aponta o trabalho de Sansivieiro e Dias (2005), que mostra sérios problemas de acessibilidade para deficientes em hotéis de luxo da cidade de São Paulo.

Raposo e López (2002) estudaram serviços de lazer voltados para pessoas com lesões medulares; os resultados apontam que essas pessoas têm muita necessidade de lazer, mas em virtude da falta de opções, acabam se contentando com alternativas simples. Muitas pessoas com deficiência não sabem que podem existir opções de lazer acessíveis, fazendo com que se conformem as limitações e abram mão do lazer (BURNETT,1996; RUDDELL & SHINEW, 2006).

A falta de opção de lazer também se faz presente quando se trata de crianças com deficiências. Knight (2009) denuncia a ausência de alternativas direcionadas a elas, defendendo que deveriam ser adotar medidas imediatas para melhorar tal situação, pois a falta de lazer aumenta o isolamento social dessas crianças. Heikkilä et al. (1999) e Woodliffe (2004) alertam para o fato de que consumidores idosos ou com problemas de saúde enfrentam desvantagens semelhantes no que se refere ao pleno aproveitamento da vida em sociedade.

Chegar aos locais escolhidos para o lazer já constitui um grande problema. Faltam ônibus adaptados e as barreiras de acessibilidade surgem até mesmo em viagens aéreas (BURNETT, 1996; BURNETT & BAKER, 2001; KAUFMAN, 1995). Darcy (2009) estudou as práticas das companhias aéreas para o atendimento às pessoas com deficiência e apontou que são necessárias muitas mudanças, principalmente nos momentos do embarque e do desembarque.

Investigando o consumo de serviços de lazer turístico por pessoas com deficiência motora, Ray e Ryder (2003) apontaram que na busca por informações de viagem – bem como no planejamento da viagem – tais consumidores costumam contar com amigos, com a ajuda da internet e com os serviços de agentes de viagens. Daniels, Rodgers e Wiggins (2005), a seu turno, argumentam que as agências de turismo que se preocupam com a inclusão de pessoas com deficiência no planejamento de suas viagens podem melhorar o serviço oferecido para todos os viajantes. O cenário atual, entretanto, indica que as agências não tem tido essa preocupação: poucas criam pacotes para as pessoas com deficiência (NASCIMENTO et al., 2008).

A EMBRATUR criou um manual de acessibilidade para as pessoas com deficiências (ver: Manual, 2010), em que se define acessibilidade como possibilidade e condição do portador de deficiência utilizar, com segurança e autonomia, edificações e equipamentos de interesse turístico. Outra iniciativa com o mesmo objetivo foi um guia lançado em outubro de 2001, em São Paulo, dedicado à avaliação da acessibilidade da cidade para as pessoas com mobilidade reduzida, o “Guia São Paulo Adaptada” (SANVIEIRO & DIAS, 2005). Tais iniciativas, contudo, não são suficientes para garantir às pessoas com deficiência acesso ao lazer nas cidades brasileiras; como foi sugerido por Yau, McKercher e Packet (2004), pois parece faltar principalmente o treinamento para que as pessoas possam atender a esse público.


Método

O modelo de restrição ao lazer desenvolvido por Crawford, Jackson, & Godbey (1991) é utilizado nesse estudo para a análise dos principais fatores que restringem o consumo de serviços de lazer turístico para deficientes visuais. Anteriormente, valendo-se desse modelo, Daniels, Rodgers e Wiggins (2005) identificaram que os deficientes tendem a enfrentar problemas de ordem interpessoal, intrapessoal e estrutural fortes e de difícil resolução.


Amostra

A amostra da pesquisa foi constituída por critérios não probabilísticos, por conveniência e acessibilidade (VERGARA, 2009), e contou com um total de 218 pessoas com deficiência visual. Os questionários que continham missing values foram eliminados (HAIR et al., 2006), o que fez com que o número de questionários válidos fosse igual a 202. A Tabela 2 resume algumas características da amostra.


Tabela 2 - Caracterização da amostra por gênero, faixa etária e renda

Gênero
Ocorrências
%
       
Feminino
103
51%
       
Masculino
99
49%
       
             
Faixa etária
Ocorrências 
%
 
Renda
Ocorrências 
%
até 25 anos
19
9%
 
até R$ 2.000
89
44%
de 26 a 40 anos
56
28%
 
de R$ 2.001 a R$ 5.000
61
30%
de 41 a 55 anos
49
24%
 
de R$ 5.001 a R$ 10.000
38
19%
Acima de 55 anos
78
39%
 
acima de R$ 10.000
14
7%

       

Coleta de dados

O questionário utilizado na pesquisa foi elaborado com base na revisão da literatura e em oito entrevistas pessoais com informantes-chaves selecionados por seu potencial em contribuir para a compreensão do fenômeno (COOPER & SCHINDLER, 2003; YIN, 2004). A validade e a confiabilidade do protocolo de utilização de múltiplos informantes-chaves foram atestadas por John e Reve (1982), por Svensson (2006) e por Hemmington e King (2000), sendo que estes últimos valeram-se da técnica para a pesquisa de serviços de hotelaria.

A escolha dos 8 informantes-chaves privilegiou indivíduos que atendessem a pelo menos dois dentre os seguintes critérios: a) pessoas que tivessem contato sistemático com portadores de deficiência visual há pelo menos cinco anos; b) pessoas que tivessem contato direto com um grande número de pessoas com deficiência visual; e (c) pessoas com conhecimento da vivência de situações de lazer por portadores de deficiência visual. Apenas três dentre os 8 informantes eram deficientes. As interações com os informantes podem ser classificadas como entrevistas focalizadas, semi-estruturadas e não padronizadas (GIL, 2008, 2009; KERLINGER & LEE, 2000). A Tabela 3 sintetiza as principais qualificações dos informantes, dos quais se optou por preservar os nomes, sendo sua identificação codificada a partir de I-01 (primeira informante) até I-8 (décimo-primeiro informante).


Tabela 3- Informantes da pesquisa e suas principais qualificações

Informante
Qualificação
I-01
cocriadora da maior comunidade de pessoas com deficiências no site de relacionamentos Orkut
I-02
cocriadora da maior comunidade de pessoas com deficiências no site de relacionamentos Orkut
I-03
deficiente visual/professora do Instituto Benjamin Constant
I-04
membro da Rede Interamericana de Turismo Acessível / co-criador da ONG Turismo Adaptado
I-05
profissional de recursos humanos voltada para a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
I-06
coordenadora do curso de graduação em Turismo de uma IFES localizada no Rio de Janeiro
I-07
Ex-diretora da Associação dos Pais e Amigos de Excepcionais (APAE) de Porto Alegre
I-08
Ex-presidente da Associação dos Pais e Amigos de Excepcionais (APAE)de Porto Alegre


Em consonância com as ideias de Dencker (2007) acerca de pesquisas no campo de Turismo, utilizou-se um questionário, que na presente pesquisa contou com 27 assertivas, cobrindo diversos aspectos de restrição ao turismo para pessoas com deficiência visual. As assertivas tinham como propósito a avaliação da seguinte proposta de lazer turístico, extraída da pesquisa de Diniz e Motta (2006, p. 6) sobre restrições a lazer para pessoas de mais idade e adaptada de acordo com os resultados obtidos nas entrevistas com os informantes-chaves:

Suponha que tenha sido oferecida a você uma viagem de 15 dias para o litoral sul do país. A viagem cobrirá 3 estados da região e terá início daqui a 30 dias. Você irá e voltará de avião, mas o transporte entre cidades será feito de ônibus e você ficará hospedado em hotéis com amplas áreas de lazer. As viagens de ônibus não terão duração superior a 3 horas, porém, haverá um dia em que você fará 2 viagens de ônibus de 3 horas cada uma. Haverá alguns passeios de barco. O custo total da excursão é estimado em R$ 3.000,00 já incluindo despesas pessoais básicas.

As assertivas foram elaboradas com o auxílio dos resultados obtidos nas entrevistas com os informantes-chaves. As assertivas “Não iria a essa excursão por ter medo que os comissários e outras pessoas da companhia aérea não estivessem preparados para me auxiliar” e “Não iria a essa excursão por ter medo que os atendentes do hotel não estivessem preparados para me auxiliar por não saberem lidar com pessoas deficientes”, por exemplo, emergiram das entrevistas com os informantes I-4 e I-6.

Para a avaliação das assertivas foi utilizada uma escala Likert de 5 pontos variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). Também foram incluídas perguntas de caráter sociodemográfico, tais como gênero, idade e renda mensal familiar. O questionário foi enviado via internet (GIL, 2008) por ter sido considerado que esse era o modo mais fácil de conseguir atingir as pessoas com deficiência, principalmente aquelas com deficiência visual que utilizam softwares especiais de leitura de texto no computador. O questionário foi prétestado com 10 pessoas com deficiência visual. Para atingir um número maior de respostas, o questionário foi enviado para grupos de email de pessoas com deficiência visual. A amostra final da pesquisa foi composta por 202 pessoas com deficiência visual.


Tratamento dos dados

Seguindo o caminho de estudos anteriores que também focaram em restrições ao turismo (ALEXANDRIS & CARROL, 1997; DINIZ & MOTTA, 2006; PENNINGTON-GRAY & KERTETTER, 2002) o tratamento dos dados foi feito por meio de análise de fatores com a utilização do software estatístico SPSS versão 17. O objetivo da análise de fatores é encontrar um meio de condensar a informação contida em um número de variáveis originais em um conjunto menor de variáveis estatística (fatores) com perda mínima de informação (HAIR et al., 2006). Na presente pesquisa a análise fatorial foi feita para condensar as informações sobre as restrições ao lazer para as pessoas com deficiência visual formando fatores que podem representar as restrições mais importantes para essas pessoas.


Análise dos Resultados

Como resultado da análise fatorial foram encontrados sete fatores: Tempo, Recursos Financeiros, Questões Pessoais, Importância da Companhia, Barreiras Atitudinais, Barreiras Arquitetônicas e Atendimento. Alguns desses fatores já haviam aparecido nas entrevistas com informantes-chaves. Analisando os fatores formados, percebeu-se que os fatores Tempo e Recursos Financeiros, ambos classificados como estruturais de acordo com o modelo de restrição ao lazer de Crawford, Jackson & Godbey (1991), são apontados pela literatura em lazer como importantes restrições ao lazer independentemente do segmento de consumidores que esteja sendo considerado (BAHL, 2003; DINIZ & MOTTA, 2006).

Os fatores Questões Pessoais e Importância da Companhia apareceram, ainda que caracterizados de forma um pouco diferente, em estudo anterior que utilizou o modelo de restrições ao lazer de Crawford, Jackson & Godbey (1991) para pessoas idosas (DINIZ & MOTTA, 2006). Adicionalmente, vale notar que outros fatores encontrados na presente pesquisa aparecem na literatura como barreiras que dificultam o consumo de serviços de lazer para as pessoas com deficiências. Esses fatores são Atendimento (BAKER, 2006), Barreiras Atitudinais e Barreiras Arquitetônicas (CASTELL, 2008; SASSAKI, 2003).

A Tabela 4 traz os fatores encontrados na presente pesquisa. Os números que precedem as assertivas são as cargas de fatores, selecionadas por valores superiores a 0,50. Duas assertivas foram eliminadas por não alcançar 0,50 de comunalidade. Foram calculadas as médias aritméticas para cada assertiva com o objetivo de verificar que fatores seriam mais restritivos para pessoas com deficiência visual no consumo de serviços de lazer turístico.


Tabela 4 - Fatores de restrição ao lazer encontrados na pesquisa

Fator
Assertivas
Média geral
Classificação
Tempo
[ 0,86] Não posso ficar tanto tempo longe de casa.
[0,73] Tenho ocupações que me impedem de fazer essa excursão.
[0,67] 30 dias é muito pouco tempo para planejar essa viagem.
1,83
1,76
1,67
Estrutural
Recursos Financeiros
[0,82] Não tenho condições financeiras para fazer uma excursão como essa.
[0,78] Se essa excursão fosse mais barata, talvez eu pudesse viajar.
1,72
1,91
Estrutural 
Questões pessoais
[0,64] Não faria essa excursão porque não gosto de viajar 
[0,67] Não faria essa excursão porque não tenho o costume de viajar
[0,86] Não me sinto preparado para fazer essa excursão por causa das necessidades especiais que eu tenho 
[-0,65] Tenho sempre vontade de fazer uma excursão como essa.
[0,70] Tenho medo de ir a essa excursão e não gostar.
1,23
1,34
2,45
3,22
1,32
Intrapessoal
Importância da companhia
[0,81] Acho mais importante a pessoa ou pessoas que vão comigo na excursão do que o local escolhido para viajar 
[0,87] Minha maior dificuldade para fazer uma excursão é não ter companhia. 
[0,57] As pessoas que poderiam ir comigo não têm tempo.
[0,61] Prefiro viajar em excursões do que viajar por conta própria. 
[0,83] Preciso viajar sempre acompanhado.
3,42
3,63
3,13
2,33
4,16
Interpessoal
Barreira atitudinais
[-0,84] Penso que as pessoas das minhas relações me incentivariam a fazer essa excursão 
[0,85]Penso que as pessoas das minhas relações acham que uma excursão como essa não é apropriada para mim.
[0,88] Não iria a essa excursão por ter medo que as outras pessoas de excursão não soubessem entender e respeitar as minhas limitações físicas.
1,32

2,21

2,86
Interpessoal
Atendimento
[0,84] Não iria a essa excursão por ter medo que os comissários e outras pessoas da companhia aérea não estivessem preparados para me auxiliar.
[0,89] Não iria a essa excursão por ter medo que os atendentes do hotel não estivessem preparados para me auxiliar. Por não saberem lidar com pessoas deficientes.
3,65

4,04
Interpessoal
Barreiras arquitetônicas
[0,72] Não iria a essa excursão por ter medo que o avião não estivesse fisicamente adaptado para atender as minhas necessidades.
[0,76] Não iria a essa excursão por ter medo que o ônibus não estivesse fisicamente adaptado para atender as minhas necessidades.
[0,80]Não iria a essa excursão por ter medo que o quarto do hotel não estivesse fisicamente adaptado para atender as minhas necessidades.
[0,81]Não iria a essa excursão por ter medo que a área de lazer do hotel não estivesse fisicamente adaptada para atender as minhas necessidades.
[0,79] Não iria a essa excursão por ter medo que os locais dos passeios não estivessem fisicamente adaptados para atender as minhas necessidades.
2,31

2,82

2,36

3,28

2,29
Estrutural

 
Pela análise das médias foi possível verificar que as assertivas aparentemente mais importantes no que tange à restrição ao lazer para pessoas com deficiência visual são as que compõem os fatores Atendimento e Importância da Companhia, ambos classificados como interpessoais, de acordo com o modelo hierárquico de restrições ao lazer (CRAWFORD, JACKSON & GODBEY, 1991). A assertiva que apresentou a maior média foi “Preciso viajar sempre acompanhado” que compõe o fator Importância da Companhia; vale notar que os informantes I-1, I-2 e I-8 apontaram essa assertiva como a mais realista. Esse resultado parece indicar que não existir acessibilidade nos locais e ambientes de serviços de lazer turístico, pois a acessibilidade pressupõe que as pessoas com deficiência tenham autonomia.

A assertiva “Prefiro viajar em excursões do que viajar por conta própria” apresentou a menor média entre as assertivas que compõem o fator Importância da Companhia. Esse resultado talvez confronte a posição de McKercher et al. (2003), que acreditam que os pacotes turísticos constituam a melhor opção para os consumidores com deficiência visual, em função de serem mais baratos e mais fáceis de adquirir, de poderem ser melhor planejados e de favorecerem o encontro com pessoas com as quais o consumidor possa se socializar.

Barreiras interpessoais são apontadas pela literatura como muito prejudiciais para o consumo de serviços de lazer pelas pessoas com deficiência. Mais especificamente, os teóricos apontam como um dos principais problemas a falta de treinamento dos funcionários que têm que lidar com as pessoas com deficiência na prestação do serviço de lazer (BAKER, 2006; SCHIVITZ, 2007). A presente pesquisa confirma a importância de que os funcionários sejam bem treinados, já que o fator Atendimento apresentou médias muito elevadas.

O fator Barreiras Arquitetônicas, que havia sido apontado em alguns estudos acadêmicos como crítico para pessoas com deficiência motora (SASSAKI, 2003), também apresentou médias elevadas, demonstrando que as pessoas com deficiência visual sofrem também com a falta de adaptações físicas dos locais de lazer turístico. Dentro do fator Barreiras Arquitetônicas, a assertiva “Não iria a essa excursão por ter medo que a área de lazer do hotel não estivesse fisicamente adaptada para atender as minhas necessidades” apresentou a maior média. Esse resultado confirma o que a literatura apontou, mostrando que os hotéis têm que ser acessíveis, não apenas no que ser refere às acomodações, como também no que diz respeito ás áreas de lazer do hotel (GOULART, 2007).

As menores médias foram obtidas nas assertivas que compunham os fatores Recursos Financeiros e Tempo; ambos os fatores podem ser classificados como restrições estruturais, de acordo com o modelo de Crawford, Jackson e Godbey (1991). Esse resultado – talvez refletindo a natureza da amostra constituída para o estudo, composta por sujeitos com acesso a computador – indica que dinheiro e tempo não se apresentaram como fatores tão restritivos para o consumo de serviços de lazer por pessoas com deficiência visual, diferentemente do que se encontrou em pesquisas sobre restrição ao lazer para outros segmentos da população. Diniz e Motta (2006), por exemplo, apontaram a falta de tempo e de dinheiro como maior restrição ao lazer para pessoas idosas. Bahl (2003) também aponta a falta de tempo como um dos maiores obstáculos para o consumo de lazer para a maioria das pessoas.

As assertivas ligadas a questões intrapessoais apresentaram médias baixas. A menor média foi a da assertiva “Não faria essa excursão porque não gosto de viajar” o que parece indicar que as pessoas com deficiência visual constituem um público potencial para as empresas de lazer turístico. Aparentemente outros fatores, que não os intrapessoais, parecem dificultar que as pessoas com deficiências visuais consumam serviços de lazer.


Considerações Conclusivas

O objetivo da presente pesquisa foi identificar os fatores que mais restringem o consumo de serviços de lazer turístico pelas pessoas com deficiência visual. Seguindo o modelo de Crawford, Jackson e Godbey (1991), os resultados sugerem que as pessoas com tal deficiência parecem não ter problemas em formar preferências de lazer, uma vez que restrições intrapessoais não se mostraram muito significativas. As restrições interpessoais, por outro lado, mostraram-se muito fortes, principalmente no que diz respeito à necessidade de companhia e ao despreparo dos atendentes que prestam os serviços de lazer turístico. No que tange às restrições estruturais, somente aquelas relativas às barreiras arquitetônicas parecem ter forte influência na participação das pessoas com deficiência visual no lazer turístico.

Pessoas com deficiência visual parecem constituir um público potencial para o consumo de serviços de lazer turístico, tanto em função de sua representatividade numérica quanto pela vontade de viajar que demonstraram ter. Outro ponto que faz com que os deficientes visuais configurem-se como potenciais consumidores de lazer turístico é o fato de essas pessoas não apresentarem restrições expressivas de tempo ou de recursos financeiros, segundo foi apurado no presente trabalho. Deve-se atentar para os argumentos de McKercher et al. (2003), para quem que o grande contingente de pessoas com deficiências visuais representa um mercado significativo a ser explorado pelas empresas ligadas ao lazer e ao turismo, especialmente quando se considera que tais consumidores costumam viajar acompanhados por amigos e/ou parentes. Aparentemente, todavia, as empresas que oferecem serviços de lazer turístico ainda não se deram conta do retorno financeiro que pode ser proporcionado por esse segmento de consumidores, os quais continuam enfrentando diversas barreiras para consumir esse tipo de serviço. A inadequação física dos ambientes de serviços de lazer para as pessoas com deficiência visual configura uma barreira importante, mas o que o presente estudo parece confirmar é que as barreiras mais difíceis são as de ordem interpessoal.

Diante dos resultados obtidos e da literatura revista, é possível sugerir que no setor estudado faltam investimentos em treinamento para que os funcionários da linha de frente estejam capacitados a atender os deficientes visuais de forma adequada. No entanto, para que essa capacitação seja efetiva é preciso que as organizações voltadas para a prestação de serviços de lazer saibam o que realmente é importante para tais consumidores. Curiosamente, pode-se especular, contudo, que as empresas não estão preocupadas em oferecer serviços de lazer turístico realmente acessíveis para as pessoas com deficiência. Algumas até investem em adaptações físicas, mas poucas levam em consideração todas as mudanças que deveriam ser feitas para que de fato os serviços de lazer turístico fossem acessíveis para as pessoas com deficiência visual. Cabe recordar que para Corrêa (2009, p. 171), “acessibilidade” é “garantir que todas as pessoas tenham acesso a todas as áreas de seu convívio (...) relacionadas aos espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, sistemas e meios de comunicação e informação”.

Um forte indício de que a acessibilidade parece, por ora, distante de ser alcançada nos serviços de lazer turístico é a importância que apresentou a companhia – fator que envolve o aproveitamento dos serviços e das atividades de lazer com outras pessoas – para as pessoas com deficiência visual no contexto investigado. Tal importância, que foi confirmada pela presente pesquisa, revela haver ainda muita coisa a ser modificada, uma vez que as pessoas com deficiência visual parecem não ter autonomia para consumir serviços de lazer, como se poderia pressupor pelo conceito de acessibilidade.

Acredita-se que a principal contribuição para teóricos e praticantes apresentada pela presente pesquisa seria a possível complementação e adaptação do modelo de Crawford, Jackson e Godbey (1991) para pessoas com deficiência visual. A Figura 3 apresenta esse modelo que poderá auxiliar no entendimento das restrições aos serviços de lazer turístico para as pessoas com deficiência visual.


Figura 3 - Modelo de restrição ao lazer turístico para pessoas com deficiência visual

Restrições ao lazer
Restrições intrapessoais



Restrições interpessoais



Restrições Estruturais
Questões pessoais
 
Importância da companhia
Atendimento
Barreiras atitudinais
Tempo
Recursos Financeiros

Barreiras Arquitetônicas

       

Por se tratar de um assunto ainda pouco explorado, muitas são as possibilidades de estudos futuros que podem contribuir para o avanço do conhecimento e da prática acerca das restrições ao consumo para deficientes visuais e, igualmente, para pessoas que apresentam outras deficiências. Como primeira indicação para novos esforços de pesquisa, portanto, recomenda-se fortemente que sejam conduzidos estudos sobre restrições ao consumo de lazer turístico com pessoas que tenham outras deficiências que não a visual. Em um segundo momento, sugere-se que sejam empreendidos esforços para tentar desenvolver formas de obter, junto a tais segmentos de mercado, informações que ajudem as organizações a superar os obstáculos impostos a tais consumidores. Além disso, em uma outra instância, pode-se planejar projetos de pesquisas que contemplem as necessidades das pessoas com deficiência visual como consumidores de outros serviços e produtos que não os de lazer turístico.

 

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excerto do artigo
'Pessoas com Deficiência Visual: barreiras para o lazer turístico'
autores:
- Marina Dias de Faria: Mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO); Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Instituto COPPEAD. E-mail: marinfaria86@hotmail.com. e
- Paulo César Motta: Doutor em Administração pela University of Kansas, Estados Unidos. Docente da PUC/Rio. E-mail: pcmotta@iag.puc-rio.br.

Publicação:
Turismo em Análise, vol. 23 - n.º 3 - Dez. 2012
fonte: http://riberdis.cedd.net/
 

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8.Jun.2020
Maria José Alegre