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 Sobre a Deficiência Visual

O Processo Histórico de Inserção Social da Pessoa Cega na Antiguidade

Ailton Costa, Alessandra Picharillo & Vanessa Paulino

Homero - Pier Francesco Mola - séc. 17
Homero - Pier Francesco Mola

I. Egito Antigo
II. Mesopotâmia, Pérsia, Fenícia e Israel
III. China, Índia e Japão
IV. Grécia, Roma e Bizâncio
V. América Pré-Colombiana


1. Introdução

Este trabalho tem o propósito de conhecer o processo de inserção social da pessoa cega na história da Antiguidade Clássica e Antiguidade Oriental. Por Antiguidade Clássica entende-se o período da História da Europa que se estende aproximadamente do século VIII a.C., com o surgimento da poesia grega de Homero, à queda do Império romano do ocidente no século V d.C., mais precisamente no ano 476 (MARROU; CASANOVA, 1990). Já Antiguidade Oriental diz respeito a várias sociedades que se desenvolveram em uma extensa área que engloba nordeste da África e parte da Ásia, Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Pérsia e Hebreus (MARROU; CASANOVA, 1990). Neste trabalho também se falará nas civilizações do extremo oriente, como China, Índia e Japão. Quando se fala das pessoas com cegueira, sabe-se que eles sofreram bastante discriminação, abandono e diversas vezes foram alvo de perseguição e extermínio ao longo de toda a história da humanidade, do ponto de vista de Franco e Dias (2005) e Garcia e Cañadas (2009). Para estes mesmos autores, quando se referem à educação, a privação da visão talvez seja uma barreira praticamente intransponível para estas pessoas, e de que essa realidade só começaria a mudar nos séculos XVIII com o advento do Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, e posteriormente com o surgimento da escrita Braille, em meados do século XIX com Louis Braille (FRANCO; DIAS, 2005; GARCIA; CAÑADAS, 2009). Entretanto, para Martínez (1991a), as afirmações anteriores e generalizações, podem ser perigosas, pois nem sempre refletem a verdade, já que ao falar da pessoa cega durante o processo histórico, o conceito de deficiência varia de cultura para cultura, e refletem crenças, valores e ideologias que, materializadas em práticas sociais, estabelecem modos diferenciados de relacionamentos entre esta e outras pessoas, com ou sem deficiências. Ademais, comumente, os referenciais desta área expõem especialmente a cultura ocidental, responsáveis, inclusive, pelo embasamento de publicações científicas na área. A justificativa deste entendimento, mais abrangente, da história da cegueira pode ser acessada em obras como à de Martínez (1991a), as quais expõem um panorama do processo de inserção social das pessoas cegas nas sociedades antigas, tanto ocidental como oriental. Em se tratando da história da cegueira em sociedades orientais, será apresentada um panorama no período histórico da Antiguidade no Egito, Mesopotâmia, China e Japão. Na antiguidade ocidental, se tratará da Grécia, Roma. Bizâncio, como um caso à parte, na fronteira entre o mundo oriental e ocidental, ter-se-á um breve histórico da antiguidade. Por fim, se fala um pouco da cegueira na América Pré-Colombiana.

2. Objetivos
 
Conhecer o processo de inserção social da pessoa cega na história da Antiguidade Clássica e Antiguidade Oriental.

3. Método

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura (HOHENDORFF, 2014), baseada em trabalhos empíricos, nacionais e internacionais, publicados entre janeiro de 1990 e dezembro de 2015. Por sua vez, esta pesquisa também tem um caráter historiográfico, já que se apoia em documentos, artigos, entre outros, com informações referentes à época pesquisada (SAMPEIERI; COLLADO; LÚCIO, 2006). Tais materiais estavam indexados nas bases de dados: SciELO (Scientific Electronic Library Online), EBSCOhost (Academic Search Premier), SAGE Journals e ONCE (Organización Nacional de Ciegos Españoles). Além dessas bases, foi consultado o periódico especializado em deficiência visual, ‘Revista Benjamin Constant’, em todas as edições para o período citado. A busca foi efetuada a partir de descritores representativos à temática de investigação, que foram utilizados, em português, espanhol e em inglês, como segue: ‘matemática’, ‘deficiência visual’, ‘cego’, ‘cegueira’ e ‘história’. Como materiais e equipamentos, foram usados notebook, impressora, papel e caneta. Para análise dos dados, foram produzidas categorias sobre características e conteúdos presentes nos documentos, nos artigos (fichamentos) e nas respostas aos questionários, baseados em Silveira, Enuno e Rosa (2012).

Além disso, foram feitas as análises desses documentos e interligação dos assuntos supracitados, seguindo a trajetória histórica traçada em Martínez (1991a) e Martínez (1991b), por serem as fontes com mais dados encontrados.

4. Resultados e Discussão

A partir da busca efetuada com os descritores supracitados, foram retirados os estudos repetidos e os divergentes do tema pesquisado. Em seguida, foi realizada a leitura dos títulos e resumos de todos os artigos e livros, além de serem baixados somente os que estavam disponíveis na íntegra nas bases de dados mencionadas. Assim, chegou-se a dois livros e três artigos, os quais foram lidos integralmente. Os resultados provenientes dos artigos e dos livros foram agrupados por civilização ou império. Segue a trajetória histórica traçada em Martínez (1991a) e Martínez (1991b) das civilizações citadas.

I. Egito Antigo

Blind musician playing a harp, from the tomb of the ancient Egyptian scribe called Nakht - 1422-1411 BC
Músico cego a tocar harpa - no túmulo dum escriba egípcio chamado Nakht - 1422-1411 BC

Nas sociedades primitivas, os cegos que sobreviviam, tinham como ocupação a pesca e as artes, já que deviam exercer estas profissões (FRANCO; DIAS, 2005; MARTÍNEZ, 1991a). No Egito Antigo a cegueira era endêmica, pois o tracoma, doença infecciosa, causava a cegueira em uma multidão de pessoas, o que tornava comum, famílias egípcias, terem algum cego entre seus membros (MARTÍNEZ, 1991a). Por esta razão, para este autor, as pessoas cegas desempenhavam praticamente todas as profissões. Todavia, com destaque para as áreas da música e artesanato, o que levou ao surgimento das primeiras escolas de música e arte para pessoas cegas.

Outro fator dos cegos serem bem tratados no Egito Antigo, segundo Martínez (1991a), citando historiadores como Erman e Hanke (1980), deve-se ao fato que o mais famoso cego dessa civilização foi Sesostris I, poderoso Faraó da 12ª dinastia, que governou de 1.995 a 1.965 a. C. Sesotistris I, teria ficado cego na velhice, o que o levou ao suicídio. Seu sucessor, Phénon, ficou cego após assumir o poder (SILVA, 1986). Nestes dois reinados, os cegos sem ofício eram mantidos em asilos pelo Estado, locais em que eram impostas certas ocupações. Ainda se castigava severamente os desocupados, porque o próprio faraó, exemplo vivo de que os privados de vista podiam ser úteis, não tolerava mendigos em seus domínios (MARTÍNEZ, 1991a). Também há registros de mais dois faraós cegos. O primeiro deles, seria o Faraó Anísis, que viveu por volta de 2.500 a.C., durante a IV Dinastia. Há relatos de que tenha passado por muitas tribulações, como a perda por 50 anos do poder, devido a uma ocupação pelos etíopes (SILVA, 1986).

II. Mesopotâmia, Pérsia, Fenícia e Israel

Cego Harpista nos jardins de Senaqueribe em Ninive - baixo relevo em pedra - séc. VII aC
Cego Harpista nos jardins de Senaqueribe em Ninive - baixo relevo em pedra - séc. VII aC

Passando para a Mesopotâmia, região em torno dos rios Tigres e Eufrates, será apresentado um breve panorama das atividades dos cegos, desde 2.000 a. C., nas civilizações dos Sumérios, Assírios, Caldeus e Amoritas. Para Martínez (1991a), existia uma grande quantidade de cegos nas sociedades mesopotâmias, devido a dois fatores principais. O primeiro fator se devia ao costume dos reis castigarem os inimigos com cegueira. Outro fator se deve ao Código de Hammurabi ou lei de Talião, conhecido como o primeiro código de leis do mundo: “olho por olho, dente por dente”. No artigo 218 desse código se escreve (MARTÍNEZ, 1991a, p. 56, tradução nossa): “Se cortará a mão do médico que, errando a operação, provoque a morte do paciente, ou sua cegueira, condenando-o à mendicidade o infeliz”. Quanto à inserção social da pessoa cega nestas sociedades, para Martinez (1991a) a primeira atividade exercida foi na agricultura. Nesta, as pessoas cegas faziam uso do arado e eram guiadas por um ancião vidente. Os cegos também praticavam artesanatos em geral e eram considerados excelentes músicos, tocando principalmente um tipo de flauta.

Falando agora dos Fenícios, sua história foi um compêndio de todos os povos com os quais comercializaram, demonstrando muita habilidade nos negócios e perícia no mar, influenciando e sendo influenciados profundamente por seus vizinhos (MARTÍNEZ, 1991a). O primeiro registro de ocupação exercida pelos cegos fenícios data de 2.500 a. C., no reinado de Sushratta, que empregava os como vigilantes noturnos. No século XVIII a. C., as guerras travadas entre o Império Fenício e o Império Egípcio levaram a aumentar consideravelmente o número de cegos, pois os Egípcios cegavam grande parte de seus prisioneiros (MARTÍNEZ, 1991a). Alguns destes prisioneiros escravizados, que demonstrassem habilidades excepcionais, eram usados pela coorte dos Faraós Egípcios como músicos. Além disso, os cegos Fenícios eram empregados como remadores e trabalhadores para reparar barcos, exercendo grande importância na sociedade Fenícia no século IX a. C. (MARTÍNEZ, 1991a). Passando a Israel, se destaca o primeiro relato de uma escola para pessoas cegas da história, justamente ao ensino de música, tão valorizado na antiguidade. Foi a Escola de Música de Ramah, no século X a. C., que chegou a ter 4.000 cantores e músicos cegos, divididos em 288 coros. Nos séculos seguintes, em uma sociedade profundamente religiosa, o cego exerceu atividade de vigilância noturna, de adivinhação e de música, porém a mendicância era comum (MARTÍNEZ, 1991a).

III. Inserção Social de Pessoas Cegas no Oriente: China, Índia e Japão

Siddhartha-Gautama-the-Buddha-He-Heals-a-Blind-Child
Siddhartha Gautama, o Buddha, Dá Vista a Uma Criança Cega

Partindo agora para China Antiga, encontra-se uma sociedade em que a pessoa cega era bem valorizada. Para Martínez (1991a), citando o historiador L. I. Chen, se inicia a trajetória histórica na China Antiga pelo ano de 2.697 a. C. Na ocasião, foi sistematizada a escrita pelo imperador Huang-ti, nascendo então uma classe privilegiada de letrados, restrita a poucas pessoas, entre elas, os mandarins cegos. Eles foram governantes de cidades e províncias, administrando com justiça, segundo as prerrogativas do cargo, e escrevendo de próprio punho. Alguns destes sabiam escrever quando perderam a visão e conservaram seus hábitos de escrita, todavia, outros, nasceram cegos. Na China os cegos eram ainda eficientes agricultores, jardineiros e sericultores (beneficiamento do bicho da seda), além de curandeiros.

Seguindo o percurso histórico, Martínez (1991) relata que durante os séculos V e VI a. C., os cegos continuavam a ser muito bem tratados em todos os domínios do Império, porque se estenderam as ideias de amor universal e pacifismo, preconizadas por Mo-tzu e Mo-ti. Neste contexto, havia o entendimento que os mais desgraçados deviam ser os mais amados. Entretanto, mais tarde, no ano 249 a. C., os cegos voltaram a ser excluídos dos cargos públicos. Como no Egito Antigo, se destaca a fundação de escolas de música, filosofia e artes marciais (século IV a. C.). Ainda, há relatos de organização de grupos de pessoas cegas, no século II a. C., para lutarem pelos seus direitos (GARCIA; CAÑADAS, 2009). Na Índia, o cego passava pelas condições mais adversas, precisamente arraigadas nas suas crenças religiosas, que atribuíam à cegueira um valor punitivo de culpas por encarnações anteriores, o que os levavam à mendicância e à prostituição. Todavia, em diversos períodos da história da Índia, os cegos gozavam alguns direitos, sendo considerados homens úteis (MARTÍNEZ, 1991a).

No século III a. C., para o historiador Romain Rousell, autor de ‘Los peregrinages à travers de les siécles’, o rei Asoka fez uma grande reforma social. Tal rei, influenciado pelos ideais religiosos do Budismo, criou asilos e albergues, além de distribuir alimentos. Agora, tratando do Japão, segundo Martínez (1991a), o estudo do tema nessa milenar Civilização é como um oásis onde repousa a dor e a miséria. Para este autor, sempre existiu uma pequena porcentagem de cegos no Japão, em relação aos demais países asiáticos, devido às medidas de higiene pessoal. Por isso, vai-se extrapolar no tempo e dar uma visão da cegueira na sociedade japonesa, desde a antiguidade até o final de seu período medieval. Para Martínez (1991a), citando o historiador Gabriel Ferrell, os cegos japoneses praticaram quase todas as profissões que exerceram seus companheiros da China, país que transmitiu seus conhecimentos ao povo japonês. É incalculável a influência dos cegos na cultura japonesa, pese que seu trabalho não se enquadre somente as atividades intelectuais, isto porque existia uma corporação de cegos que se dedicava a investigação da ciência e da história japonesa. A partir do século III a. C., têm-se notícias de uma orquestra de cegos na corte do Imperador Jingo, passando a música ter grande importância como atividade para os cegos. Também se sabe que, durante inúmeros séculos antes de Cristo, quase todos os massagistas e acupunturistas do Japão eram exclusivamente cegos, por decretos do Imperador, devido às suas habilidades e a incomensurável ética profissional, existindo até escolas para o ensino destas profissões. O historiador japonês Hideyuki Iboahash, mencionado por Martínez (1991a), indica que uma melhora substancial na qualidade de vida dos cegos aconteceu quando um membro da família imperial ficou cego, o príncipe Itoyashu. Sendo muito bem instruído na literatura chinesa e japonesa, e com profundos conhecimentos musicais e filosóficos; o príncipe, sabendo das possibilidades educativas de seus companheiros cegos, começou a reunir no palácio de Kioto, então capital do Império, um considerável número deles, com os quais conversava sobre música, literaturas clássicas, filosofia e outros temas. Dessa feita, a tal príncipe foi confiado o governo de uma província do império para onde foi feliz, exercendo o poder e propondo em prática seus excelentes dotes de governança. Itoyashu, continua Martínez (1991a); acompanhado por vários amigos, muitos deles cegos, com excelentes “dotes de mando”; instituiu uma pensão do Estado a todos os cegos, o que permaneceu mesmo depois dele morto e por sucessivos imperadores. Logo, quando seu irmão, KokoTenno, virou Imperador, os cegos contavam com proteção, constituindo-se uma classe social considerada intocável. Também, por determinação do Imperador, foi criada uma organização de cegos cultos, em memória de seu irmão, passando a chamar os cegos de Amayo-no-Mikoto. Este Imperador também ordenou construir uma série de albergues para os cegos do país, levando a mendicidade, dessa população, praticamente desaparecer no Japão. Por fim, pode-se dizer que a história dos cegos no Japão é conhecida principalmente graças à obra “Gun-sho-rui-yuu” ou “Enciclopédia da literatura japonesa”, do historiador e filosofo cego HanawaHoki-Ichi (1746-1822), pela qual se pode concluir, segundo Martínez (1991a), que desde os tempos mais remotos, o Japão, sempre proporcionou aos cegos as melhores condições de vida que nenhum outro país ou sociedade tenha oferecido ao longo dos séculos.

IV. Inclusão de Pessoas Cegas na Grécia, Roma e Bizâncio

The-Blinding-of-Polyphemus-Ânfora grega do período arcaico, séc. VII a.C.
The Blinding of Polyphemus - Ânfora grega do período arcaico, séc. VII a.C.

As constantes vicissitudes sofridas pelo povo grego durante os dois mil anos que transcorreram até a sua conquista por Roma em 146 a. C., motivaram diferentes conceitos sociais com respeito à cegueira (MARTÍNEZ, 1991a). Segundo Franco e Dias (2005), em Atenas, na Grécia Antiga, os recém-nascidos com alguma deficiência eram colocados em uma vasilha de argila e abandonados. Em Esparta, onde o cidadão pertencia ao Estado, os pais tinham o dever de apresentar seus filhos perante os magistrados em praça pública. Por fim, Martínez (1991a) releva que o povo grego reconhecia a cegueira desde o século V a. C., começando a buscar sua cura, por alguns médicos, sendo o mais famoso deles Alcmeon de Cretona, o qual descobriu, já em 381 a. C., o nervo ótico. Também neste século se destacam os relatos de ensino de geometria para pessoas cegas.

Na Roma Antiga, nos seus primeiros séculos, conforme Lowenfeld (1974), a cidade viveu inúmeras lutas contra seus vizinhos para não sucumbir, de modo que seus habitantes eram adestrados para a guerra. Com isso, eram suprimidos todos os indivíduos incapacitados ou não úteis ao serviço militar. Poderiam ser condenados à morte, ou seja, o procedimento mais comum também era o da eliminação. Naqueles tempos difíceis, para Martínez (1991a), alguns cegos serviam de mensageiros, guardas dos cavalos, massagistas nas termas, vigias noturnos ou desempenhavam pequenos serviços, conquanto, a maior parte praticava a mendicância. Já as pessoas que ficaram cegas durante a guerra, gozavam especial consideração do Estado e dos cidadãos, tinham preferência em receber donativos. Entre os séculos dois e três, segundo Martínez (1991a), têm-se notícias de que muitos cegos trabalharam como curandeiros, e de alguns anciãos, como juízes, além de na casa da moeda de Roma, devido ao “tato sensível”. Também, neste período há notícias que os cegos foram os primeiros pedagogos, ensinando música e instrumentos musicais.

No Império Bizantino, de uma forma geral, as pessoas cegas eram alvo de grande consideração social. Tal sociedade foi inclinada a benevolência em relação a elas, porém, repleta de contrastes. Desse modo, ao abordar a trajetória do cego na história do Império Bizantino, faz-se necessária uma breve descrição da massa da população urbana do Império. De acordo com Martínez (1991a), a população urbana estava composta com grande contingente de cegos, os quais, em sua maioria, trabalhavam com artesanatos, exibidos nas calçadas da principal Rua de Constantinopla, para a venda. Por fim, destacam-se os principais períodos do Império Bizantino, nos quais há menção da trajetória histórica dos cegos, de acordo com Martínez (1991a), citando as obras ‘Bizâncio’, de Bailly e ‘Grandeza e Decadência de Bizâncio’, de Ch. Dil. No governo do Imperador Arcádio, de 395 a 408 d. C., os cegos tinham trabalho, preferencialmente nos portos. Durante este período, a princípio, foi concedido um tipo de pensão a eles, porém, posteriormente, recebiam somente ração diária de pão. Já o Imperador Anastásio, de 491 a 518 d. C., empreendeu grandes esforços para que os asilos e monastérios acolhessem o maior número possível de cegos, a fim de evitar a mendicância. Ele também providenciou alojamento seguro e alimentação aos cegos, dando inclusive plena liberdade a todos.

V. A Cegueira na América Pré-Colombiana

Cerâmica Moche (Peru) representando um cego, 300 AD
Cerâmica Moche (Peru) representando um cego, 300 AD

Para Martínez (1991b), a vida dos cegos entre os povos ameríndios não era muito diferente da dos povos primitivos. Exerciam feitiçaria, motivo pelo qual, fundamentada na crença popular, eram identificados como bruxos: caminhavam no escuro e distinguiam com o tato, ouvido ou olfato as pessoas, animais e coisas. Entre os Maias, para Martínez (1991b), os cegos exerciam ofícios como olaria; fabricação de objetos de pedras, madeira e couro; a elaboração de perfumes e a construção de habitações, bem como o trabalho como músicos. Entre os astecas não eram diferentes as atividades desempenhadas, das já citadas entre os povos primitivos. Por fim, como relata Martínez (1991b), entre os Incas existia uma quarta categoria de cidadãos de seu império, a ‘Unoc Runa’, compreendendo os enfermos, surdos, mudos, cegos, anões e coxos, a quem se exigia que trabalhassem segundo suas possibilidades, desde que estivessem dispostos a servir de diversão aos demais, em qualquer momento. Das atividades praticadas, estava a construção de calçadas. Também era permitido aos cegos serem mensageiros.

5. Considerações Finais

Pode-se concluir que, de fato, a concepção da pessoa cega durante o processo histórico varia de cultura para cultura, refletindo crenças, valores e ideologias, pelos quais são estabelecidos diferenciados modos de relacionamento entre esta e outras pessoas. Com isso entende-se que devem ser evitadas generalizações, comuns nos embasamentos históricos da área, tendo em vista que cada época, em cada civilização, tem-se uma concepção, indo da morte e mendicância, até aos sistemas de albergues, de pensão e educativos, aos cegos. Pôde-se perceber que nas civilizações orientais, existiram programas educativos para pessoas cegas, passando por China, Japão e Mesopotâmia. Sobretudo, notaram-se muitos contrastes, que vão desde as sociedades em que a morte e a mendicidade eram regras aplicadas aos cegos, às culturas como do Japão, onde existiram albergues e escolas para ensino de profissões aos cegos.

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O Processo Histórico de Inserção Social da Pessoa Cega na Antiguidade
Authors:
Ailton Barcelos da Costa, Universidade Federal de São Carlos
Alessandra Daniele Messali Picharillo, Universidade Federal de São Carlos
Vanessa Paulino, Universidade Federal de São Carlos
November 2016
Conference: VII Congresso Brasileiro de Educação Especial

fonte: https://www.researchgate.net/

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25.Out.2025
Publicado por MJA