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Homero - Pier Francesco Mola
1. Introdução
Este trabalho tem o propósito de conhecer o processo de inserção social
da pessoa cega na história da Antiguidade Clássica e Antiguidade
Oriental. Por Antiguidade Clássica entende-se o período da História da
Europa que se estende aproximadamente do século VIII a.C., com o
surgimento da poesia grega de Homero, à queda do Império romano do
ocidente no século V d.C., mais precisamente no ano 476 (MARROU;
CASANOVA, 1990). Já Antiguidade Oriental diz respeito a várias
sociedades que se desenvolveram em uma extensa área que engloba nordeste
da África e parte da Ásia, Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Pérsia e Hebreus
(MARROU; CASANOVA, 1990). Neste trabalho também se falará nas
civilizações do extremo oriente, como China, Índia e Japão. Quando se
fala das pessoas com cegueira, sabe-se que eles sofreram bastante
discriminação, abandono e diversas vezes foram alvo de perseguição e
extermínio ao longo de toda a história da humanidade, do ponto de vista
de Franco e Dias (2005) e Garcia e Cañadas (2009). Para estes mesmos
autores, quando se referem à educação, a privação da visão talvez seja
uma barreira praticamente intransponível para estas pessoas, e de que
essa realidade só começaria a mudar nos séculos XVIII com o advento do
Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, e posteriormente com o
surgimento da escrita Braille, em meados do século XIX com Louis Braille
(FRANCO; DIAS, 2005; GARCIA; CAÑADAS, 2009). Entretanto, para Martínez
(1991a), as afirmações anteriores e generalizações, podem ser perigosas,
pois nem sempre refletem a verdade, já que ao falar da pessoa cega
durante o processo histórico, o conceito de deficiência varia de cultura
para cultura, e refletem crenças, valores e ideologias que,
materializadas em práticas sociais, estabelecem modos diferenciados de
relacionamentos entre esta e outras pessoas, com ou sem deficiências.
Ademais, comumente, os referenciais desta área expõem especialmente a
cultura ocidental, responsáveis, inclusive, pelo embasamento de
publicações científicas na área. A justificativa deste entendimento,
mais abrangente, da história da cegueira pode ser acessada em obras como
à de Martínez (1991a), as quais expõem um panorama do processo de
inserção social das pessoas cegas nas sociedades antigas, tanto
ocidental como oriental. Em se tratando da história da cegueira em
sociedades orientais, será apresentada um panorama no período histórico
da Antiguidade no Egito, Mesopotâmia, China e Japão. Na antiguidade
ocidental, se tratará da Grécia, Roma. Bizâncio, como um caso à parte,
na fronteira entre o mundo oriental e ocidental, ter-se-á um breve
histórico da antiguidade. Por fim, se fala um pouco da cegueira na
América Pré-Colombiana.
2. Objetivos
Conhecer o processo de inserção social da pessoa cega na história da
Antiguidade Clássica e Antiguidade Oriental.
3. Método
Foi realizada uma revisão sistemática da literatura (HOHENDORFF, 2014),
baseada em trabalhos empíricos, nacionais e internacionais, publicados
entre janeiro de 1990 e dezembro de 2015. Por sua vez, esta pesquisa
também tem um caráter historiográfico, já que se apoia em documentos,
artigos, entre outros, com informações referentes à época pesquisada
(SAMPEIERI; COLLADO; LÚCIO, 2006). Tais materiais estavam indexados nas
bases de dados: SciELO (Scientific Electronic Library Online), EBSCOhost
(Academic Search Premier), SAGE Journals e ONCE (Organización Nacional
de Ciegos Españoles). Além dessas bases, foi consultado o periódico
especializado em deficiência visual, ‘Revista Benjamin Constant’, em
todas as edições para o período citado. A busca foi efetuada a partir de
descritores representativos à temática de investigação, que foram
utilizados, em português, espanhol e em inglês, como segue:
‘matemática’, ‘deficiência visual’, ‘cego’, ‘cegueira’ e ‘história’.
Como materiais e equipamentos, foram usados notebook, impressora, papel
e caneta. Para análise dos dados, foram produzidas categorias sobre
características e conteúdos presentes nos documentos, nos artigos
(fichamentos) e nas respostas aos questionários, baseados em Silveira,
Enuno e Rosa (2012).
Além disso, foram feitas as análises desses documentos e interligação
dos assuntos supracitados, seguindo a trajetória histórica traçada em
Martínez (1991a) e Martínez (1991b), por serem as fontes com mais dados
encontrados.
4. Resultados e Discussão
A partir da busca efetuada com os descritores supracitados, foram
retirados os estudos repetidos e os divergentes do tema pesquisado. Em
seguida, foi realizada a leitura dos títulos e resumos de todos os
artigos e livros, além de serem baixados somente os que estavam
disponíveis na íntegra nas bases de dados mencionadas. Assim, chegou-se
a dois livros e três artigos, os quais foram lidos integralmente. Os
resultados provenientes dos artigos e dos livros foram agrupados por
civilização ou império. Segue a trajetória histórica traçada em Martínez
(1991a) e Martínez (1991b) das civilizações citadas.
I. Egito Antigo

Músico cego a tocar harpa - no túmulo dum
escriba egípcio chamado Nakht - 1422-1411 BC
Nas sociedades primitivas, os cegos que sobreviviam, tinham como
ocupação a pesca e as artes, já que deviam exercer estas profissões
(FRANCO; DIAS, 2005; MARTÍNEZ, 1991a). No Egito Antigo a cegueira era
endêmica, pois o tracoma, doença infecciosa, causava a cegueira em uma
multidão de pessoas, o que tornava comum, famílias egípcias, terem algum
cego entre seus membros (MARTÍNEZ, 1991a). Por esta razão, para este
autor, as pessoas cegas desempenhavam praticamente todas as profissões.
Todavia, com destaque para as áreas da música e artesanato, o que levou
ao surgimento das primeiras escolas de música e arte para pessoas cegas.
Outro fator dos cegos serem bem tratados no Egito Antigo, segundo
Martínez (1991a), citando historiadores como Erman e Hanke (1980),
deve-se ao fato que o mais famoso cego dessa civilização foi Sesostris
I, poderoso Faraó da 12ª dinastia, que governou de 1.995 a 1.965 a. C.
Sesotistris I, teria ficado cego na velhice, o que o levou ao suicídio.
Seu sucessor, Phénon, ficou cego após assumir o poder (SILVA, 1986).
Nestes dois reinados, os cegos sem ofício eram mantidos em asilos pelo
Estado, locais em que eram impostas certas ocupações. Ainda se castigava
severamente os desocupados, porque o próprio faraó, exemplo vivo de que
os privados de vista podiam ser úteis, não tolerava mendigos em seus
domínios (MARTÍNEZ, 1991a). Também há registros de mais dois faraós
cegos. O primeiro deles, seria o Faraó Anísis, que viveu por volta de
2.500 a.C., durante a IV Dinastia. Há relatos de que tenha passado por
muitas tribulações, como a perda por 50 anos do poder, devido a uma
ocupação pelos etíopes (SILVA, 1986).
II. Mesopotâmia, Pérsia, Fenícia e Israel

Cego Harpista nos jardins de Senaqueribe em Ninive - baixo relevo em
pedra - séc. VII aC
Passando para a Mesopotâmia, região em torno dos rios Tigres e Eufrates,
será apresentado um breve panorama das atividades dos cegos, desde 2.000
a. C., nas civilizações dos Sumérios, Assírios, Caldeus e Amoritas. Para
Martínez (1991a), existia uma grande quantidade de cegos nas sociedades
mesopotâmias, devido a dois fatores principais. O primeiro fator se
devia ao costume dos reis castigarem os inimigos com cegueira. Outro
fator se deve ao Código de Hammurabi ou lei de Talião, conhecido como o
primeiro código de leis do mundo: “olho por olho, dente por dente”. No
artigo 218 desse código se escreve (MARTÍNEZ, 1991a, p. 56, tradução
nossa): “Se cortará a mão do médico que, errando a operação, provoque a
morte do paciente, ou sua cegueira, condenando-o à mendicidade o
infeliz”. Quanto à inserção social da pessoa cega nestas sociedades,
para Martinez (1991a) a primeira atividade exercida foi na agricultura.
Nesta, as pessoas cegas faziam uso do arado e eram guiadas por um ancião
vidente. Os cegos também praticavam artesanatos em geral e eram
considerados excelentes músicos, tocando principalmente um tipo de
flauta.
Falando agora dos Fenícios, sua história foi um compêndio de todos os
povos com os quais comercializaram, demonstrando muita habilidade nos
negócios e perícia no mar, influenciando e sendo influenciados
profundamente por seus vizinhos (MARTÍNEZ, 1991a). O primeiro registro
de ocupação exercida pelos cegos fenícios data de 2.500 a. C., no
reinado de Sushratta, que empregava os como vigilantes noturnos. No
século XVIII a. C., as guerras travadas entre o Império Fenício e o
Império Egípcio levaram a aumentar consideravelmente o número de cegos,
pois os Egípcios cegavam grande parte de seus prisioneiros (MARTÍNEZ,
1991a). Alguns destes prisioneiros escravizados, que demonstrassem
habilidades excepcionais, eram usados pela coorte dos Faraós Egípcios
como músicos. Além disso, os cegos Fenícios eram empregados como
remadores e trabalhadores para reparar barcos, exercendo grande
importância na sociedade Fenícia no século IX a. C. (MARTÍNEZ, 1991a).
Passando a Israel, se destaca o primeiro relato de uma escola para
pessoas cegas da história, justamente ao ensino de música, tão
valorizado na antiguidade. Foi a Escola de Música de Ramah, no século X
a. C., que chegou a ter 4.000 cantores e músicos cegos, divididos em 288
coros. Nos séculos seguintes, em uma sociedade profundamente religiosa,
o cego exerceu atividade de vigilância noturna, de adivinhação e de
música, porém a mendicância era comum (MARTÍNEZ, 1991a).
III. Inserção Social de Pessoas Cegas no
Oriente: China, Índia e Japão

Siddhartha Gautama, o Buddha, Dá Vista a Uma
Criança Cega
Partindo agora para China Antiga, encontra-se uma sociedade em que a
pessoa cega era bem valorizada. Para Martínez (1991a), citando o
historiador L. I. Chen, se inicia a trajetória histórica na China Antiga
pelo ano de 2.697 a. C. Na ocasião, foi sistematizada a escrita pelo
imperador Huang-ti, nascendo então uma classe privilegiada de letrados,
restrita a poucas pessoas, entre elas, os mandarins cegos. Eles foram
governantes de cidades e províncias, administrando com justiça, segundo
as prerrogativas do cargo, e escrevendo de próprio punho. Alguns destes
sabiam escrever quando perderam a visão e conservaram seus hábitos de
escrita, todavia, outros, nasceram cegos. Na China os cegos eram ainda
eficientes agricultores, jardineiros e sericultores (beneficiamento do
bicho da seda), além de curandeiros.
Seguindo o percurso histórico, Martínez (1991) relata que durante os
séculos V e VI a. C., os cegos continuavam a ser muito bem tratados em
todos os domínios do Império, porque se estenderam as ideias de amor
universal e pacifismo, preconizadas por Mo-tzu e Mo-ti. Neste contexto,
havia o entendimento que os mais desgraçados deviam ser os mais amados.
Entretanto, mais tarde, no ano 249 a. C., os cegos voltaram a ser
excluídos dos cargos públicos. Como no Egito Antigo, se destaca a
fundação de escolas de música, filosofia e artes marciais (século IV a.
C.). Ainda, há relatos de organização de grupos de pessoas cegas, no
século II a. C., para lutarem pelos seus direitos (GARCIA; CAÑADAS,
2009). Na Índia, o cego passava pelas condições mais adversas,
precisamente arraigadas nas suas crenças religiosas, que atribuíam à
cegueira um valor punitivo de culpas por encarnações anteriores, o que
os levavam à mendicância e à prostituição. Todavia, em diversos períodos
da história da Índia, os cegos gozavam alguns direitos, sendo
considerados homens úteis (MARTÍNEZ, 1991a).
No século III a. C., para o historiador Romain Rousell, autor de ‘Los
peregrinages à travers de les siécles’, o rei Asoka fez uma grande
reforma social. Tal rei, influenciado pelos ideais religiosos do
Budismo, criou asilos e albergues, além de distribuir alimentos. Agora,
tratando do Japão, segundo Martínez (1991a), o estudo do tema nessa
milenar Civilização é como um oásis onde repousa a dor e a miséria. Para
este autor, sempre existiu uma pequena porcentagem de cegos no Japão, em
relação aos demais países asiáticos, devido às medidas de higiene
pessoal. Por isso, vai-se extrapolar no tempo e dar uma visão da
cegueira na sociedade japonesa, desde a antiguidade até o final de seu
período medieval. Para Martínez (1991a), citando o historiador Gabriel
Ferrell, os cegos japoneses praticaram quase todas as profissões que
exerceram seus companheiros da China, país que transmitiu seus
conhecimentos ao povo japonês. É incalculável a influência dos cegos na
cultura japonesa, pese que seu trabalho não se enquadre somente as
atividades intelectuais, isto porque existia uma corporação de cegos que
se dedicava a investigação da ciência e da história japonesa. A partir
do século III a. C., têm-se notícias de uma orquestra de cegos na corte
do Imperador Jingo, passando a música ter grande importância como
atividade para os cegos. Também se sabe que, durante inúmeros séculos
antes de Cristo, quase todos os massagistas e acupunturistas do Japão
eram exclusivamente cegos, por decretos do Imperador, devido às suas
habilidades e a incomensurável ética profissional, existindo até escolas
para o ensino destas profissões. O historiador japonês Hideyuki
Iboahash, mencionado por Martínez (1991a), indica que uma melhora
substancial na qualidade de vida dos cegos aconteceu quando um membro da
família imperial ficou cego, o príncipe Itoyashu. Sendo muito bem
instruído na literatura chinesa e japonesa, e com profundos
conhecimentos musicais e filosóficos; o príncipe, sabendo das
possibilidades educativas de seus companheiros cegos, começou a reunir
no palácio de Kioto, então capital do Império, um considerável número
deles, com os quais conversava sobre música, literaturas clássicas,
filosofia e outros temas. Dessa feita, a tal príncipe foi confiado o
governo de uma província do império para onde foi feliz, exercendo o
poder e propondo em prática seus excelentes dotes de governança.
Itoyashu, continua Martínez (1991a); acompanhado por vários amigos,
muitos deles cegos, com excelentes “dotes de mando”; instituiu uma
pensão do Estado a todos os cegos, o que permaneceu mesmo depois dele
morto e por sucessivos imperadores. Logo, quando seu irmão, KokoTenno,
virou Imperador, os cegos contavam com proteção, constituindo-se uma
classe social considerada intocável. Também, por determinação do
Imperador, foi criada uma organização de cegos cultos, em memória de seu
irmão, passando a chamar os cegos de Amayo-no-Mikoto. Este Imperador
também ordenou construir uma série de albergues para os cegos do país,
levando a mendicidade, dessa população, praticamente desaparecer no
Japão. Por fim, pode-se dizer que a história dos cegos no Japão é
conhecida principalmente graças à obra “Gun-sho-rui-yuu” ou
“Enciclopédia da literatura japonesa”, do historiador e filosofo cego
HanawaHoki-Ichi (1746-1822), pela qual se pode concluir, segundo
Martínez (1991a), que desde os tempos mais remotos, o Japão, sempre
proporcionou aos cegos as melhores condições de vida que nenhum outro
país ou sociedade tenha oferecido ao longo dos séculos.
IV. Inclusão de Pessoas Cegas na Grécia,
Roma e Bizâncio

The Blinding of Polyphemus - Ânfora grega do período arcaico, séc. VII
a.C.
As constantes vicissitudes sofridas pelo povo grego durante os dois mil
anos que transcorreram até a sua conquista por Roma em 146 a. C.,
motivaram diferentes conceitos sociais com respeito à cegueira
(MARTÍNEZ, 1991a). Segundo Franco e Dias (2005), em Atenas, na Grécia
Antiga, os recém-nascidos com alguma deficiência eram colocados em uma
vasilha de argila e abandonados. Em Esparta, onde o cidadão pertencia ao
Estado, os pais tinham o dever de apresentar seus filhos perante os
magistrados em praça pública. Por fim, Martínez (1991a) releva que o
povo grego reconhecia a cegueira desde o século V a. C., começando a
buscar sua cura, por alguns médicos, sendo o mais famoso deles Alcmeon
de Cretona, o qual descobriu, já em 381 a. C., o nervo ótico. Também
neste século se destacam os relatos de ensino de geometria para pessoas
cegas.
Na Roma Antiga, nos seus primeiros séculos, conforme Lowenfeld (1974), a
cidade viveu inúmeras lutas contra seus vizinhos para não sucumbir, de
modo que seus habitantes eram adestrados para a guerra. Com isso, eram
suprimidos todos os indivíduos incapacitados ou não úteis ao serviço
militar. Poderiam ser condenados à morte, ou seja, o procedimento mais
comum também era o da eliminação. Naqueles tempos difíceis, para
Martínez (1991a), alguns cegos serviam de mensageiros, guardas dos
cavalos, massagistas nas termas, vigias noturnos ou desempenhavam
pequenos serviços, conquanto, a maior parte praticava a mendicância. Já
as pessoas que ficaram cegas durante a guerra, gozavam especial
consideração do Estado e dos cidadãos, tinham preferência em receber
donativos. Entre os séculos dois e três, segundo Martínez (1991a),
têm-se notícias de que muitos cegos trabalharam como curandeiros, e de
alguns anciãos, como juízes, além de na casa da moeda de Roma, devido ao
“tato sensível”. Também, neste período há notícias que os cegos foram os
primeiros pedagogos, ensinando música e instrumentos musicais.
No Império Bizantino, de uma forma geral, as pessoas cegas eram alvo de
grande consideração social. Tal sociedade foi inclinada a benevolência
em relação a elas, porém, repleta de contrastes. Desse modo, ao abordar
a trajetória do cego na história do Império Bizantino, faz-se necessária
uma breve descrição da massa da população urbana do Império. De acordo
com Martínez (1991a), a população urbana estava composta com grande
contingente de cegos, os quais, em sua maioria, trabalhavam com
artesanatos, exibidos nas calçadas da principal Rua de Constantinopla,
para a venda. Por fim, destacam-se os principais períodos do Império
Bizantino, nos quais há menção da trajetória histórica dos cegos, de
acordo com Martínez (1991a), citando as obras ‘Bizâncio’, de Bailly e
‘Grandeza e Decadência de Bizâncio’, de Ch. Dil. No governo do Imperador
Arcádio, de 395 a 408 d. C., os cegos tinham trabalho, preferencialmente
nos portos. Durante este período, a princípio, foi concedido um tipo de
pensão a eles, porém, posteriormente, recebiam somente ração diária de
pão. Já o Imperador Anastásio, de 491 a 518 d. C., empreendeu grandes
esforços para que os asilos e monastérios acolhessem o maior número
possível de cegos, a fim de evitar a mendicância. Ele também
providenciou alojamento seguro e alimentação aos cegos, dando inclusive
plena liberdade a todos.
V. A Cegueira na América Pré-Colombiana
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Cerâmica Moche (Peru) representando um cego, 300 AD
Para Martínez (1991b), a vida dos cegos entre os povos ameríndios não
era muito diferente da dos povos primitivos. Exerciam feitiçaria, motivo
pelo qual, fundamentada na crença popular, eram identificados como
bruxos: caminhavam no escuro e distinguiam com o tato, ouvido ou olfato
as pessoas, animais e coisas. Entre os Maias, para Martínez (1991b), os
cegos exerciam ofícios como olaria; fabricação de objetos de pedras,
madeira e couro; a elaboração de perfumes e a construção de habitações,
bem como o trabalho como músicos. Entre os astecas não eram diferentes
as atividades desempenhadas, das já citadas entre os povos primitivos.
Por fim, como relata Martínez (1991b), entre os Incas existia uma quarta
categoria de cidadãos de seu império, a ‘Unoc Runa’, compreendendo os
enfermos, surdos, mudos, cegos, anões e coxos, a quem se exigia que
trabalhassem segundo suas possibilidades, desde que estivessem dispostos
a servir de diversão aos demais, em qualquer momento. Das atividades
praticadas, estava a construção de calçadas. Também era permitido aos
cegos serem mensageiros.
5. Considerações Finais
Pode-se concluir que, de fato, a concepção da pessoa cega durante o
processo histórico varia de cultura para cultura, refletindo crenças,
valores e ideologias, pelos quais são estabelecidos diferenciados modos
de relacionamento entre esta e outras pessoas. Com isso entende-se que
devem ser evitadas generalizações, comuns nos embasamentos históricos da
área, tendo em vista que cada época, em cada civilização, tem-se uma
concepção, indo da morte e mendicância, até aos sistemas de albergues,
de pensão e educativos, aos cegos. Pôde-se perceber que nas civilizações
orientais, existiram programas educativos para pessoas cegas, passando
por China, Japão e Mesopotâmia. Sobretudo, notaram-se muitos contrastes,
que vão desde as sociedades em que a morte e a mendicidade eram regras
aplicadas aos cegos, às culturas como do Japão, onde existiram albergues
e escolas para ensino de profissões aos cegos.
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Marília/SP, 2012.
ϟ
O Processo Histórico de Inserção Social da Pessoa Cega na
Antiguidade
Authors:
Ailton Barcelos da Costa, Universidade Federal de São Carlos
Alessandra Daniele Messali Picharillo, Universidade Federal de São
Carlos
Vanessa Paulino, Universidade Federal de São Carlos
November 2016
Conference: VII Congresso Brasileiro de Educação Especial
fonte:
https://www.researchgate.net/
25.Out.2025
Publicado por
MJA
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