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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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Borges

Julián Fuks


I

O som estridente de um telefone assalta o silêncio, atravessa as paredes e provoca sucessivos ecos, inaudíveis. Molécula por molécula, arrasta-se pelo ar modorrento até alcançar, sem carícias contrastantes, os ouvidos do professor Jaime Alazraki. Só quando ele dá por terminada sua mais recente frase, de um ensaio sobre Borges para uma enciclopédia latino-americana, é que se decide a empreender o movimento em sentido contrário ao do som intermitente, para enfim devolver o silêncio ao ar.

“Aconteceu, Jaime. Ele está morto.” É o que lhe anuncia a voz inerme de María Kodama, prescindindo de eventuais detalhes e fazendo-o retrair a primeira resposta que lhe sobrevém aos lábios. Murmura algumas frases triviais, entrecortadas, que não se guardarão em qualquer memória, e logo se vê solitário na tarde de Barcelona. Borges é um corpo inane agora, inane como jamais foi possível imaginar. Em sua mente, já nenhum pensamento se esgueira, nenhuma palavra se destila. E faz sentido que tenha morrido, transformado como estava em um senhor pálido e grisalho, investido de reconhecíveis 86 anos.

Ao anoitecer, Alazraki já se encontra em Genebra, onde o corpo será velado. Assiste a seus próprios sapatos que percorrem a custo o caminho sobre o qual passearam um mês antes, em seu último encontro com o escritor. O derradeiro, compreende, na tarde mais nublada em que caminhou pelas ruas de Genebra em direção ao hotel que Borges e Kodama habitavam. Lembra como, a passos vagarosos, transpôs a cidade às margens do verde Ródano tentando senti-la como Borges. Observou praças, fitou árvores, mediu arcos, saguões e cada ponte diferente de outra ponte, e depois discriminou que Borges não podia percebê-la assim. Fechou os olhos e seguiu caminhando o quanto pôde, tateando as paredes ásperas e dando atenção a ruídos, cheiros, ventos, temperaturas.

Mas que suas pálpebras, cortinas a cobrirem o cenário, não enganassem: essa ainda não devia ser a Genebra de Borges. Para o escritor, assim como sua Buenos Aires natal, Genebra tinha de ser uma cidade antiga, carente dos rumores e estrépitos das mais recentes tecnologias. Tinha de ser aquela onde passara seus anos de juventude, ao lado de amigos colegiais, e onde fizera suas mais importantes leituras, de Verlaine a Virgílio, como descobriria e confessaria com o passar das décadas. Essa era a Genebra de Borges, a de 1919, a última que vira. Quando retornou, meio século depois, já não via, e a cidade se mostrou idêntica para os demais sentidos.

Jaime Alazraki choca os nós dos dedos contra uma porta do hotel L’Arbalète. Desta segunda vez, nenhum passo se deixa auscultar do outro lado, e só mais tarde lhe será informado que Borges e Kodama se mudaram três dias antes da morte. Diante da porta oca, os olhos se fixam na madeira escura, e um pequeno círculo envidraçado que nada deixa entrever quase lhes serve para enxergar o que há um mês se passou. Kodama recebendo-o com um sorriso discreto, apenas um brilho tímido dos dentes orientais deixando-se divisar sob os lábios. Na sala escura, um Borges vestido com meticulosidade, terno e gravata impecáveis, mantinha o rosto voltado para a porta, à espera do visitante previsto:

— Dom Alazraki, quanto tempo?

— Três anos, caro professor. A última vez que nos vimos foi em 1983, na Universidade de Dickinson, lembra?

— Como o senhor sabe, não me dou bem com datas. Um simpósio, não?

Alazraki recorda que se lembrava bem. Da última vez, anterior a esta última, encontrara um Borges vivaz e enérgico, vigoroso e incansável, diferente deste, mera sombra do outro, uma ruína física a entregar o tronco ao encosto da poltrona. Sua cabeça deformada, como se o osso frontal tivesse crescido e ameaçasse desgarrar a pele. Como se seu cérebro seguisse se expandindo à medida que a carcaça se deteriorava.

Uma manhã inteira juntos, conversando sobre tudo menos politica, como era de praxe Borges advertir. De uma conversa afável, por instantes íntima, o pequeno círculo envidraçado desvenda apenas algumas frases soltas, entoadas em voz rouca e por momentos quase surda. “Estou para morrer. A morte já assoma, o senhor deve perceber.” Não diga isso, Borges. Seu sangue é feito para viver. Sua mãe resistiu até os 99, não foi? “Mas ela também esperava a morte.”

— Eu costumava achar estranha a idéia de morrer. Não pelo fato em si, que é dos mais comuns, a todos ocorre, sobretudo na minha idade. Mas porque seria estranho que eu, tão rotineiro, fizesse algo tão distante dos meus hábitos... Agora, não. Agora espero a morte.

— Mas, Borges, o senhor é imortal.

— Sou imortal na medida em que todos somos imortais. Assim como o senhor, assim como Maria. Mas não quero seguir sendo Jorge Luis Borges, quero ser outro. Espero que minha morte seja total. Espero morrer com este companheiro, meu corpo. — A mão sem força para se chocar contra o peito, mas apoiada sobre ele, solene.

Não havia peso nas palavras de Borges daquele último encontro, o derradeiro. Não havia melancolia ou depressão. Havia consternação na voz baixa, na conversa ziguezagueante, saltando de confissões pouco pensadas a temas literários, da mente vasta resgatados. Assim havia sido sempre sua maneira de conversar: ir até onde o levassem as ramificações e os corredores de sua interminável memória. O bastão equilibrado em uma das pernas, com a desenvoltura de quem vem praticando a brincadeira durante trinta anos de cegueira, os olhos absortos num ponto alto e distante, como se visse o que ninguém vê.

Nessas circunstâncias, conversar o cansava. Da voz daquele corpo ancião, era fácil entreouvir a hora de ir embora.

Uma última lembrança: Borges abraçando María Kodama, pendurado nela como uma criança, agarrado a ela num prenúncio da fraqueza final. Uma foto. Um aperto de mão. Firme, com um vigor que fugia do habitual para ele, para aquelas mãos acostumadas ao frio gesticular, nunca a abraçar, a demonstrar qualquer calidez. Era um último adeus. Mas Alazraki só o iria compreender quando batesse na mesma porta um mês depois.

 

II

A porta se fechou e Borges ficou só no apartamento. María havia permanecido do lado de fora, comprometida a acompanhar Alazraki até a estação. Estava cansado, os músculos tesos como sempre nesses dias, mas agora não queria se deitar. Caminhou sem dificuldade pelo apartamento a que já se habituara, e se sentou de novo em sua poltrona, não sem antes voltar a apagar a luz.

A luz não lhe é indiferente. Nem a sua total ausência lhe concede a escuridão perfeita. As pessoas concebem o cego como alguém encerrado em um mundo negro; não sabem que essa é uma das cores das quais mais sente falta. Já o explicara inúmeras vezes, mas não, como poderiam entendê-lo? Se a negrura do cego está encravada tão fundo no imaginário coletivo, se até Shakespeare se enganava com isso. 'Looking at the darkness which the blind do see', Olhando a escuridão que os cegos vêem. Verso falso, se entendido o negro como escuridão. Verso bonito, mas falso.

O vermelho e o negro, as cores de Stendhal, eis as que mais fazem falta a Borges. Resta-lhe de consolo o amarelo apático, o amarelo insosso, que ao menos continua permitindo alguma adoração do ouro dos tigres. Certa vez, confessou no amarelo o início e o fim de sua vida. Foi a primeira cor a que se afeiçoou, a primeira que sua emoção soube ver, no Zoológico de Buenos Aires: o amarelo do tigre asiático, de Bengala, não de qualquer tigre. Agora, é a única que segue sendo precisa, a única que não o abandonou e que ele ainda pode afirmar ver. Outras são apenas zombeteiras. O verde e o azul se revelam sem exatidão: o azul pode ser verde, e o verde pode ser azul. Cores indefinidas que emergem de um mundo indefinido, imerso por sua vez em uma neblina cinzenta, que usurpa também o branco.

Por quase um segundo, essas palavras transitam sem pressa pela mente de Borges. O tempo que tarda para reencontrar a poltrona após alcançar o interruptor, e para que seus olhos se confortem na escassez da luz dos outros. Silêncio. Tudo ao seu redor está quieto, exceto pelo ruído imperceptível de algum arrastar em sua imaginação. Existirá esse ruído?

Já não existe espaço. Há todo um mundo possível sem o espaço. Suponha-se que tenhamos um único sentido. Suponha-se que desapareça o mundo visual, que desapareçam os astros, o firmamento... Que careçamos de nosso tato: se esvai o áspero, o liso, o rugoso. Que sumam também o olfato e o paladar: que sobre apenas a audição. Sim, teremos um mundo que prescinde do espaço. Um mundo de indivíduos que podem se comunicar, podem ser milhares, uma massa de milhões a se alimentar de palavras. Sim, uma linguagem tão complexa ou mais complexa que a nossa. E, é claro, a música. Um mundo de consciências e de música.

No silêncio da sala em um hotel de Genebra, o mundo de Borges agora carece da música, dispondo da consciência. Da consciência e do tempo, pois a um mundo pode faltar o espaço, mas nunca o tempo, nunca a sucessão. Borges imagina a si mesmo em um quarto escuro, e desaparece o mundo visível, e desaparece de seu corpo. Somente quando toca o bastão com a palma da mão é que toma consciência do bastão e da mão, e assim ambos ganham existência. Nesse momento sua consciência passa de um estado a outro, e nessa sucessão de pensamentos é que reside o tempo.

Quanto tempo passou desde que Alazraki e Kodama abandonaram a sala, e Borges pôde se render à escuridão? O tempo de uma sucessão de pensamentos sobre cegueira, espaço e tempo, ou simplesmente da lembrança de palavras ditadas em uma esquecida conferência na Universidade de Belgrano, em um ano que surpreende por não ser tão remoto quanto pareceria.

 

III

O sopro gélido que perpassa as paredes e vem colidir contra sua nuca não pode ser outro senão o do inverno de 1968. Borges toma um livro às mãos e o aproxima do rosto — como faz sempre quando pensa não estar sendo visto. Livro e rosto se fundiriam, não fosse a presença incômoda do nariz. É inútil. Sequer o título, sequer uma letra. Um rastro de amarelo-acinzentado ele alcança com gratidão. Sabe ser de Stevenson, ao menos. Já faz treze anos que não lê.

Devolve o objeto raso a uma das estantes e retoma a caminhada pelos corredores da Biblioteca Nacional de Buenos Aires. Pede a um funcionário que organize a seção de livros expostos e sugere Stevenson, Andrew Lang, Virgílio e seu amigo Alfonso Reyes — há quanto não o vê? Está acostumado a não ser útil em bibliotecas; há trinta anos vem sendo assim. Como primeiro auxiliar da seção Miguel Cané da Biblioteca Municipal, em um bairro sombrio e monótono da cidade, em seu primeiro dia de trabalho classificou e catalogou quatrocentos livros. Advertido por seus colegas de que dessa forma deixaria a todos sem emprego, no segundo dia e desde então passou a catalogar oitenta, cem no máximo. Trabalho terminado em pouco mais de uma hora, passava a vagar pelos corredores ou se retirava para uma sala subterrânea, onde podia realizar suas leituras e escrever um e outro conto. Daquela empoeirada sala, o pequeno edifício da rua Córdoba magnificou-se em “A biblioteca de Babel”.

Naquela sala empoeirada e atemporal, foram concebidas, entre outras coisas, a morte, uma bússola e algumas ruínas circulares.

Cego, caminha pelos corredores com a mesma desenvoltura de tantos anos antes. Sabe os passos que tem de contar em cada um deles, o ponto exato e a curvatura das esquinas, a quantidade de degraus de cada longa escada. Identifica a largura dos corredores por mera percepção da distância entre ele e os livros. Agora já não é primeiro-auxiliar: é o diretor da Biblioteca Nacional, cargo de importância e bom salário.

Clemente, o subdiretor, aparece para cumprimentá-lo e para trocar divertidas palavras sobre algum conhecido mútuo, enquanto saboreiam um café. Por volta das quatro, um grupo de alunas de seu curso de literatura inglesa ministrado pela manhã na Universidade aparece para estudar anglo-saxão. Às seis, para frustração das devotas estudantes, Borges interrompe o encontro, deixa a biblioteca e, meneando o bastão um pouco desajeitado, sobe as ruas em direção a sua casa. A tarde ensolarada de inverno é de ouro.

Janta com a mãe, a quem avisa que se prepare, porque nesse dia ditará um poema inteiro. Leonor se alegra, os dedos imperceptíveis a se aquecerem para o exercício. Apressam o café que encerra o jantar, evitam os temas que possam prolongá-lo, e a mãe sai em busca de papel e caneta. Borges se acomoda na poltrona e procura no equilíbrio do bastão o domínio harmônico das palavras.

“Na tarde de ouro...”, começa, e a mãe não se apressa em anotar. “Na tarde de ouro ou numa serenidade cujo símbolo poderia ser a tarde de ouro”, interrompe. Espera. O pescoço erguido, a voz suave, o pedido a Leonor que as leia. Ouve, e o indicador de sua mão direita acompanha sobre o dorso da mão esquerda o ritmo das palavras lidas, como se percorresse uma página invisível. Uma, duas, três vezes, três versos, até que Borges encontra a continuação. “...o homem dispõe os livros nas prateleiras que aguardam...” Pára mais uma vez. A mãe já sabe o que fazer: retoma a leitura. “Na tarde de ouro ou numa serenidade cujo símbolo poderia ser a tarde de ouro, o homem dispõe os livros nas prateleiras que aguardam...” “...e sente o pergaminho, o couro, a tela”, acrescenta Borges e pára. Leonor recita tudo, desde o começo. Uma, duas, muitas vezes. Borges encontra a continuidade.

Nessa noite, podem ter passado uma hora e meia, talvez duas, ela sob a luz fraquejante de uma lamparina, ele malhado de sombras. Não o suficiente para que se cansassem da brincadeira há treze anos repetida. O título, desta vez, é a última coisa a ser definida: “Junho”. Não: “Junho, 1968”.

 

Junho, 1968

Na tarde de ouro

ou numa serenidade cujo símbolo

poderia ser a tarde de ouro,

o homem dispõe os livros

nas prateleiras que aguardam

e sente o pergaminho, o couro, a tela

e o prazer que dão

a previsão de um hábito

e o estabelecimento de uma ordem.

Stevenson e o outro escocês, Andrew Lang,

reatarão aqui, magicamente,

a lenta discussão que interromperam

os mares e a morte

e a Reyes não desagradará decerto

a proximidade de Virgílio.

(Ordenar bibliotecas é exercer,

de modo silencioso e modesto,

a arte da crítica.)

O homem, que está cego,

sabe que já não poderá decifrar

os belos volumes que manuseia

e que não o ajudarão a escrever

o livro que o justificará perante os outros,

mas a tarde que é talvez de ouro

sorri perante o curioso destino

e sente essa felicidade peculiar

das velhas coisas amadas.

(Tradução de Carlos Nejar)

Num impulso, a mão trêmula atravessa o breu e não encontra destino. O gato Bepo não está lá para ser acariciado. Não é 1968 e Borges não está no pequeno apartamento da rua Maipú. Bepo é apenas um resto de cadáver enterrado sorrateiro em uma senda da praça San Martín. Mais remoto que o Ganges e o poente, dele é a solidão, dele é o segredo. Em outro tempo está. É o dono de um âmbito fechado como um sonho. E Borges ao menos tem os versos A Um Gato.

 

IV

Curiosa, a memória. Feita de sonho e esquecimento. Ao todo, Borges se lembra de dez ou doze imagens de sua infância. A poeira que subia das ruas em Palermo, hoje o velho Palermo, uma árvore idosa do sítio em Adrogué sustentada por hastes de madeira, um porto nebuloso que imagina representar as visitas a Montevidéu, sua irmã Norah nadando num barroso e imóvel rio. Gostaria de esquecê-las. Gostaria de ter sido outro, num sítio mais distante, ele a nadar no rio, o rio menos imóvel, a infância mais barrosa. Quem sabe com outra infância, com outra juventude, poderia ter sido um homem de ações, como seus antepassados, não alguém dado às covardes palavras. Mas não, não foi, e agora toda essa infância se rende a ser transmutada em arte, a ser tema de poesia.

Feita de sonho e esquecimento. As pessoas lamentam esquecimentos, até os condenam. Não deveriam. O olvido é parte indissolúvel da memória, seu vago sótão, a outra cara da moeda. Ter sabido e ter esquecido o latim é uma dádiva para Borges. Talvez o mais significativo seja o que não recordamos de modo preciso, talvez lembremos o mais importante de uma maneira inconsciente, talvez valha mais aquilo que nos habita do que aquilo que habitamos.

No meneio de Borges à procura de Bepo se escondia um gesto de Delia Elena San Marco. Movimento antigo, anterior ao crepúsculo, de um tempo em que ainda se usavam cumprimentos através da rua. Despediram-se em uma esquina mítica e perdida de Buenos Aires. Da outra calçada, Borges voltou a olhar: Delia, já de costas, lhe disse adeus com a mão.

Não se viram mais e, um ano depois, Delia estava morta. Agora — agora ou há muitos anos—, Borges vasculha os dutos da memória, a vê, e percebe que era equivocada a despedida trivial, pois detrás dela se ocultava a separação infinita. Mas também da memória emerge Platão ou o espiritismo, e a possibilidade, ainda que improvável, de que a alma possa fugir quando morre a carne. Talvez tenham errado, ambos, em não dar valor à despedida. Talvez, no entanto, a verdade estivesse justamente naquela impensada trivialidade. Pois se as almas não morrem, não têm sentido as despedidas com grande ênfase, as que se querem definitivas. Sim, podem ter acertado, ele e Delia.

Em algum ano irresoluto da década de 1950, Borges pôde pensar que se os homens inventaram as despedidas triviais foi por se saberem imortais, ainda que se julguem contingentes e efêmeros. E pôde figurar Delia como alguém que voltará a encontrar, e com quem há de recuperar aquele diálogo sempre incerto, até que um dos dois pergunte se algum dia foram Borges e Delia.

A imortalidade. Borges pensa em Fechner, que pensava no embrião. Esse corpo tem braços, pernas, mãos: membros que não servem para nada. Só terão sentido numa vida ulterior. São assim também os temores, as esperanças, as expectativas, coisas de que não precisamos nesta vida puramente mortal. Tudo será usado depois, e é para isso que existe a imortalidade.

Não se trata de uma perenidade pessoal. Há pouco (quanto tempo seria?) sentiu ter consternado Alazraki com a afirmação de ser tão imortal quanto ele e quanto Maria. É verdade, mas poderia ter explicado melhor. Sua mãe uma vez lhe disse que, quando ele recita versos ingleses, repete a voz e a entonação do pai. Não seria absurdo pensar que, cada vez que entoa versos de Schiller, um pouco de seu pai está vivendo nele. Quando fala em castelhano, então, quantos mortos castelhanos vivem nele? Quando entoa um tango no assobio, quando cobre a boca antes de espirrar, quando lê versos de Homero, quando se presta a debater questões políticas. Quantos não vivem nele e nos outros?

Isso é a imortalidade.

 

V

O ar quente de Atenas embaça as janelas de um café pouco arejado, em que a luz solar se mescla a sombras semifrescas. Os intelectuais que o freqüentam têm suas camisas humedecidas de suor e abanam os rostos com mãos ineficientes. Refugiados num canto um tanto mais agradável, o editor de uma revista literária, uma pintora e um poeta. O calor os faz divagar, as palavras a se esfumaçarem no ar, mas não o bastante para que fujam do tema da próxima edição da revista.

— Sabem o que acabo de perceber? — fala o editor. — Estamos em setembro. Já passou o dia 24 de agosto. Borges deveria estar morto.

Os outros se entreolham sem entender, mas também sem disposição para perguntar qualquer coisa. O homem prossegue:

— Não estão lembrados? 24 de agosto de 1983. O dia para o qual Borges anunciou a própria morte. Não se lembram do conto?

— É verdade. Será que morreu?

— Não, acho que não. Os jornais teriam noticiado.

A conversa termina aí, com um leve sorriso em três bocas, três rostos se deslocando alegres e incrédulos de um lado a outro. Sem energia para qualquer outra besteira, o editor volta a organizar as provas da revista. A pintora o ajuda, enquanto o olhar do poeta transita por um espelho pregado à parede, de onde se pode divisar, sem precisão, o reflexo de uma janela embaçada. Através dela se vislumbra, de soslaio, a calçada. No espelho, fugaz, uma incrível imagem:

— Borges. Acabou de passar o Borges.

— Quem? Onde? Você está louco?

— O Borges acabou de passar pela calçada e eu não estou louco. — Já de pé e depressa para fora do café.

Os outros resolvem ir atrás. Pela calçada ensolarada da rua Panepistimiou, um homem e uma mulher caminham a certa distância. O homem, um ancião sutilmente curvado, empunha uma grossa bengala na mão direita, apoiando a outra mão no braço da acompanhante esbelta, cabelos loiros a estabelecer a metade exata das costas. Os gregos apressam o passo e enfim os alcançam. A poucos metros, uma pequena diminuição na velocidade, e o chamado: “Borges”. O ancião se vira: “Sim?”

Todos se entreolham, estupefatos, e balbuciam quaisquer palavras de surpresa, de assombro, de desconcerto. Incomodado pelos monossílabos que se seguem e na ausência torpe do que dizer, o editor não se contém:

— Mas o senhor deveria estar morto. Escreveu que morreria no dia 24 de agosto de 1983. Como é possível que esteja aqui?

— Não, o senhor se engana. Não fui eu que escrevi isso. Foi o outro. O Borges.

 

VI

No escuro, Borges se reclina para trás até que, deitado, o sangue se distribua uniforme por todo o corpo. Em instantes, sabe, uma forte luz lhe arrebatará os velhos olhos, que ainda terão de resistir a alguns incômodos instrumentos. Está mais calmo do que em qualquer outra das oito ocasiões em que teve seus globos oculares perfurados. É a primeira após ter ficado cego por completo, ao menos para os fins de leitor e escritor, e essa ínfima diferença é que faz com que se sinta duplo: eis a fonte de suas veladas esperanças.

Difícil definir se a ocorrência data de outubro de 1960 ou de algum mês quente de 1935. Talvez esse instante seja, em simultâneo, os dois instantes, e não sé trate apenas de dois episódios idênticos, e sim do exato mesmo episódio. Se o único tempo em que se pode viver é o presente, sendo passado e futuro meras abstrações, não há história, não existe a vida de um homem, e sequer uma noite sua: cada momento existe de modo autônomo, sendo o conjunto de momentos imaginário. O universo vem a ser a soma de todos os instantes, de todos os homens, mas nada descarta a possibilidade de haver um número finito de instantes, compartilhados pelos homens de todos os tempos. Tal espera de Jorge Luis Borges por uma cirurgia ocular em 1960 é a exata mesma espera de Jorge Borges, seu pai, em 1935.

Borges se sente duplo e essa é sua esperança porque ele conhece o destino de seu outro. Se ele e seu pai compartilham, em diferentes anos, o mesmo momento, assim como compartilharam a cegueira e o culto aos livros, talvez o resultado da cirurgia seja idêntico, e Borges volte a ver: se esse pequeno módulo da sucessão de instantes for o mesmo, Borges voltará a ver. Logo descobrirá que não é, que os destinos não são similares, que ele e o pai compartilharam sucessos e fracassos. Um foi grande escritor, realizando o sonho do outro; o outro se livrou da neblina particular. Ao menos dispõe, o primeiro, nessa espera que decorre de outra espera, da lembrança feliz de algumas horas do outro.

As vendas foram substituí das pelas duas mãos antigas de Leonor. As mãos nunca deixaram de existir, nunca o abandonaram, mas fazia anos que não as via, com todas as curvas, todas as pequenas rugas, os pêlos macios, as sinuosas veias esverdeadas. Leonor as deixou imóveis, entregues ao olhar renascido, enquanto seis olhos sãos deixavam cair algumas lágrimas. Chorava Leonor e chorava Norah e chorava Jorge, o pai, e este podia ver suas próprias lágrimas e as lágrimas de Norah e as lágrimas de Leonor.

À noite, saiu para caminhar pelas ruas e, na volta, deitou-se no gramado da ampla casa da rua Quintana. Observou, por horas, a lua e as estrelas, e a lua e as estrelas também o observavam, com aqueles infinitos olhos que se haviam cegado junto aos dele. “Mas não chegarei à idade de ver surgir a noite enorme, uma nuvem que é maior que o mundo e o monstro feito de olhos.” Chesterton estava errado: Jorge havia alcançado, na noite, o monstro feito de olhos. Tímido detrás da janela, estava o jovem Borges, espiando e compartilhando o prazer do pai a contemplar o universo. O prazer daquele homem que queria ver, mas, de tão modesto, teria preferido ser invisível.

Jorge Borges entrou na casa e se enfurnou na biblioteca para recobrar um mundo que havia tempos lhe fora vetado. Pelos cômodos, com ajuda de grossos óculos e grossa lupa, passou a vagar recitando Keats, velho hábito que fora obrigado a perder:

Thou wast not born for death, immortal Bird!

No hungry generations tread thee down;

The voice I hear this passing night was heard

In ancient days by emperor and clown:

Perhaps the self-same song that found a path

Through the sad heart of Ruth, when, sick for home,

She stood in tears amid the alien com

Os versos soavam como a infância, para Borges, o filho. Em outra noite quente, de 1907, aqueles versos já haviam alcançado seus ouvidos — talvez 1935 e 1907 é que fossem, então, o mesmo instante. Não entendia o conjunto das palavras, tal como agora não tentava entender. Os versos são música. Até ouvir essas específicas sílabas, o garoto Borges pensava que a linguagem fosse um modo de dizer as coisas, de externar queixas, de expressar que se está feliz ou triste. Quando escutou os versos de Keats pela primeira vez, soube que a linguagem também podia ser música e paixão. E lhe foi revelada a poesia.

Na casa da rua Quintana a escutar seu pai, ou numa sala de operações de um hospital de Buenos Aires, ou ao reclinar a poltrona num quarto de hotel em Genebra, Borges se diverte com uma idéia. Embora a vida de uma pessoa seja composta de milhares de momentos e dias, eles podem ser reduzidos a um único: aquele em que ela finalmente sabe quem é, em que se vê diante de si. Quando Judas beijou Jesus, se é que o fez, sentiu naquele instante que era um traidor, que ser traidor era seu destino. Quando, em 1907 e de novo em 1935, Borges escutou, da boca de seu pai, os versos melódicos de Keats, teve a súbita sensação de que aquela era uma grande experiência que o inaugurava como um ser literário. De que o fato central de sua vida seria a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia.

 

VII

A luz forte lhe atravessou as pálpebras, mas Borges tardou em identificar o que ocorria. Foi a voz de Emir Rodríguez Monegal que lhe devolveu uma possível lucidez. Deu-se conta de estar em sua sala de diretor da Biblioteca Nacional, num fim de tarde que lhe esfriava as mãos. Logo entendeu: Emir entrara sem bater e acendera de súbito a luz, desnorteando-o por instantes.

Não via o amigo uruguaio havia alguns anos e, após os cumprimentos efusivos, resolveu levá-lo a dar uma volta pela biblioteca. Mantendo-se sempre poucos passos à frente, conduziu-o por um percurso irrequieto, detendo-se apenas para situar um e outro livro, abrindo-os em uma página qualquer e fingindo ler. Lia-os, em seu acervo mais particular, num jogo de memória que enganaria qualquer ouvinte desatento. Abandonava-os e seguia percorrendo os corredores alinhados por estantes, agora virando em esquinas repentinas e, com precisão, entrando em passagens antes invisíveis, meras gretas incrustadas nos muros de livros. Sem olhar para trás, sem olhar para qualquer lado, sem olhar, seguia pela distribuição invariável de idênticas galerias, do alto das quais se podiam ver outras tantas galerias e outros tantos corredores idênticos. E se precipitava abaixo por escadas espirais que terminavam abruptas na escuridão de um saguão, idêntico a outros tantos saguões.

Quase não havia luz ali. Emir procurava segui-lo e tropeçava, mais cego e incerto do que o próprio Borges. Os corredores, as galerias, os saguões e os degraus se sucediam, e o uruguaio por fim começava a compreender: tropeçava e se perdia porque contava com os olhos como únicos guias. Esquecera de observar que o mundo em que se encontravam não era o mundo real, e sim um espaço composto de palavras, signos e símbolos. Era um labirinto.

Borges o paralisou, exaustos e ofegantes os dois, no centro da escuridão. Emir se mantinha em sobressalto, preocupado em adivinhar se a aventura teria continuidade. Uma luz se acendeu em outro corredor, e ele então soube que a realidade prosaica os aguardava de retorno — ou, ao menos, aguardava a um deles. Como quem emerge de um mar que o dominara por completo, que lhe roubara o fôlego e a razão, Emir foi recuperando a capacidade de ver o mundo feito de luzes e contornos precisos, desprovido de grutas e sombras. Foi recobrando do a capacidade de ver as convenções que estava acostumado a reconhecer, e percebendo o largo sorriso do velho escritor que lhe pregara uma peça.

Era o divertimento do senhor grisalho a quem lhe concederam, como a uma criança, o melhor brinquedo que poderia encontrar: a maior coleção de estantes e livros da cidade. Só não melhor que a antiga biblioteca de seu pai, que ocupava todo um aposento na velha casa de Palermo. Na verdade, ele nunca a deixou. Borges se esqueceu da maioria dos rostos de então — quando pensa em seu avô, talvez esteja pensando no retrato dele —, mas a biblioteca persiste na memória, e ele ainda consegue vê-la, com suas estantes envidraçadas e seus poucos milhares de livros, próximos ou inalcançáveis.

Saíram os dois pelas ruas, cansados e alegres, e fascinados em tentar fazer da cidade também uma infinita e inextricável estrutura. Não conseguiam, é claro, pois Buenos Aires, mesmo sem se deixar ver, era por demais milimétrica e quadriculada. A nostalgia remetia Borges aos antigos entardeceres em Adrogué, quando ele, sua mãe e seu pai saíam a se perder por seus estreitos enredados. Adrogué sim era um povoado labiríntico, com suas tantas casas de veraneio, todas com grades de ferro e jarrões de alvenaria, suas praças e ruas que convergiam e divergiam sob o onipresente cheiro dos eucaliptos. Quantas noites agradáveis de verão foram vencidas naquelas ruas. De início, custando-lhes um pouco para se desentenderem, tendo de caminhar por algumas horas antes de corromper o norte. Depois, anos seguidos de aperfeiçoamento, bastava virarem uma esquina e não sabiam onde estavam.

Os labirintos, esses símbolos inevitáveis da perplexidade. Nessa tarde, como nas noites de Adrogué, Borges havia conseguido brincar sem peso com suas simetrias e semelhanças. Nem sempre fora assim. Os labirintos exteriores são fáceis, pensava após se despedir de Emir, o difícil é encarar o labirinto que cada homem, por sua conta, engendra e forja. O labirinto múltiplo de passos que sua vida tece a partir de um dia desconhecido da infância.

Odeie, quem sabe, senão aquele dos versos de Keats, seria o dia em que avistara, num velho livro da biblioteca de seu pai, as litogravuras com as sete maravilhas do mundo, entre elas o labirinto de Creta. Um edifício de janelas exíguas, semelhante a uma praça de touros. De criança, pensava que se examinasse o desenho bem de perto, espremendo firme os olhos e t1vez com a ajuda de uma lupa, chegaria a ver o tão sonhado Minotauro, o ubíquo monstro de seus pesadelos. Depois é que soube, aborrecido, que ninguém nunca o vê antes de vê-lo em definitivo, e que a vida de cada um não é mais do que a espera por esse inevitável encontro.

Numa noite amargurada de solidão (talvez arrebatado por uma espera tão ansiosa como esta por María Kodama), foi-lhe impossível não transformar o sentimento em versos.


O labirinto

Zeus não poderia desatar as redes

de pedra que me cercam. Olvidado

dos homens que antes fui,

sigo o odiado caminho de monótonas paredes

que é meu destino. Retas galerias

que se curvam em círculos secretos

depois de anos. Parapeitos

que gretou a usura dos dias.

No pálido pó tenho decifrado

rastros que temo. Chega-me pelo ar trazido

nas côncavas tardes um bramido

ou o eco de um bramido desolado.

Sei que na sombra há Outro, cuja sorte

é fatigar as longas soledades

que tecem e destecem este Hades

e ansiar meu sangue e devorar minha morte.

Buscamo-nos os dois. Quem dera

fosse este o último dia da espera.


(Tradução de Carlos Nejar)

 

VIII

María Kodama demora e o calor de maio, em Genebra, evidencia o caminho avançado da tarde em direção às horas quentes. Quando Borges se levanta para cruzar a sala e abrir o vidro, algo lhe roça a fronte, e ele é lançado, de chofre, ao chão. As costas retas, nenhum osso que doa, nenhum afago do tapete, o peso a se concentrar nas pernas. Não, ele segue em pé, e o vulto luminoso da janela ainda lhe é perceptível. Trata-se apenas da lembrança renitente de um Natal de 1938.

Eram as poucas horas que antecediam a ceia, e ele, impaciente para esperar o elevador, subiu correndo as escadas do prédio de uma amiga. Foi no rosto dela que identificou o horror em que se encontrava, após golpear a cabeça na aresta de um batente de janela. Uma rápida passada de mão pela fronte lhe desvendou o vermelho de que depois sentiria tanta falta.

Lembra sem nitidez o que se passou em seguida. Uma noite ou uma semana, maldormida ou isenta de todo sono, pesadelos decorados pelas Mil e uma noites ou alucinações. A testa mais molhada de suor do que de sangue. Durante oito dias, os amigos de visita, os sorrisos constantes e exagerados repetindo-lhe que parecia muito bem. Só mais tarde alguém diagnosticaria a septicemia de que estava sofrendo, depois de vida e morte perpetrarem um longo debate acerca de seu futuro. Nessa ocasião, Borges era partidário da vida.

A razão parecia-lhe fugir. A impossibilidade de se mover por conta própria, de se comunicar, de se relacionar com seus próximos, com familiares, de se dedicar às nuances da metafísica, o movimento, a memória, a imortalidade. Nenhuma dessas ameaças o amedrontava. Entre a vida e a morte, a consciência e o delírio, só temia a impossibilidade de ler e escrever. Logo descobriria que nem por um instante a literatura o abandonara.

Robert Frost não deixaria, povoando de claros versos suas alucinações. The woods are lovely, dark, and deep, But I have promises to keep, And miles to go before I sleep, And miles to go before I sleep. Com o inglês aprendido do pai, a mãe pôde identificar algumas dessas palavras proferidas pela boca seca do rapaz convalescente.

Quando começou a se recuperar, pediu à mãe que lesse em voz alta um livro de C.S. Lewis, Out of the Silent Planet, que encomendara pouco antes do acidente. Por duas noites Borges a interrompeu, pedindo que parasse de ler, diante da apreensão de Leonor e Norah, que um ano antes haviam acompanhado o lento falecimento do pai. Na terceira noite, enquanto lia, Leonor percebeu que Borges começava a chorar:

— Estou chorando porque entendo, mãe. — E o pranto já não era tão modesto. Leonor também não segurava as lágrimas, aliviada como nunca antes se sentira.

Borges descobria que ainda podia ler, e isso era o que mais importava, por ser a tarefa mais prazerosa que lhe cabia. Mas não podia ignorar a outra apreensão: conseguiria voltar a escrever? Até o acidente, já havia escrito uma boa quantidade de poemas e dúzias de artigos breves. Era preciso cautela na retomada. Se nesse momento tentasse escrever uma resenha e fracassasse, o trauma da frustração talvez lhe roubasse de vez a escrita. Tinha de fazer algo diferente, algo que nunca tivesse feito antes. Se fracassasse, poderia justificar para si mesmo como uma mera inadequação ao gênero.

Um romance estava fora de questão, pois nunca teria coragem ou vontade suficiente para iniciá-lo. Tampouco quis arriscar um poema épico, a mais antiga e talvez mais louvável forma de poesia, pois essa era uma possibilidade que não queria correr o risco de perder (curioso que nunca tenha se dedicado a ela). Pôs-se, então, a escrever um conto. Durante três jornadas, trabalhou sob a espreita dos fantasmas do acidente; antes de terminar, soube que estavam extintos. De três receosos dias e outros três de legítimo alívio, surgiu “Pierre Ménard, autor do Quixote”. E Borges se soube contista.

A passos mais certos, agora, de volta à segurança de sua poltrona, Borges se pergunta sobre a fatalidade que o levou a escrever contos. Há algo de assombroso, semelhante apenas à sensação de horror dos pesadelos (porque o pesadelo é sobretudo a sensação de horror), em se encarar no destino a possibilidade de uma predeterminação. Deveria ele agradecer por ter sido levado a escrever contos? Agradecer a quê, a quem? Não, não era Deus o responsável, a decisão havia sido dele. Borges era quem escrevia, quem selecionava as palavras e as alinhava, não um outro, ou ao menos não esse Outro. Por que, então, teria construído versos que o condenam? “Também o jogador é prisioneiro (a sentença é de Ornar) de outro tabuleiro de negras noites e de brancos dias. Deus move o jogador, e este, a peça. Que Deus detrás de Deus a trama começa, de pó, e tempo, e sonho e agonia?” Não, isso era sobre o xadrez, Borges não seria o prisioneiro.

Se suas próprias palavras não o salvam dessa sina, ao menos Boécio pode salvá-lo. Há um espectador de uma corrida de cavalos que está no hipódromo e vê os animais, a partida, as oscilações na liderança, a chegada dianteira de um deles, tudo em sucessão. Há também outro espectador que assiste ao espectador e à corrida. Vê todo o trajeto, mas num só instante: a partida, as oscilações e a chegada a um só tempo, tudo numa instantânea eternidade. Também assim vê toda a história universal, passado, presente e futuro, mas sem tocá-la. Deus não interferiu no resultado da corrida, apenas o conhecia antes que ela ocorresse. Se Borges não se acovardasse atrás das letras e fosse, como seus antepassados, um militar, a decisão teria sido do próprio Borges. Se um outro o saberia com antecipação, isso importa pouco.

 

IX

Em um bonde de volta da Biblioteca, compenetrado no purgatório da Divina comédia. Na luz vacilante de um entardecer, as letras foram desbotando e se apagando, fugindo do foco e perdendo nitidez, e pouco a pouco o universo o foi abandonando. Uma tenaz neblina lhe borrou a palma da mão, a noite se apresentou despovoada de astros, a terra se mostrou insegura debaixo de seus pés, tudo se afastou e se confundiu.

As pessoas, então, fixaram-se a seus últimos rostos — que já não envelheceriam, ao menos isso podia comemorar —, as ruas escolheram suas últimas cores, as velhas casas dos arrabaldes estabeleceram uma última forma na planície. O céu optou por um número indefinido porém preciso de estrelas, e as folhas das árvores adequaram-se a uma semi-estação, que valesse por todas as outras. As coisas, que talvez existam em demasia neste mundo, limitaram-se ao que coubesse no espaço rígido da memória. Borges também escolheu seu próprio rosto. Já não saberia qual a cara que o olha quando olha a cara do espelho.

Uma linha de Verlaine ele não voltaria a recordar, uma rua próxima estaria vedada a seus passos, uma porta ele fechou até o fim do mundo. Assim foi seu enceguecer (não pelas palavras de um doutor que lhe estabeleceu a proibição terminante de qualquer leitura). Um processo que, para além dos quinze minutos de um bonde, durara mais de meio século. Um lentíssimo crepúsculo de verão cujo início seria exato instante, em 24 de agosto de 1899, em que Borgas abriu os olhos pela primeira vez. Quase sem dramatismo, portanto, que pesarosos são os casos em que se perde a vista de súbito, sem sobreavisos. Legou-lhe um bom pensamento: Demócrito arrancara os próprios olhos para pensar; o tempo havia sido seu Demócrito.

Quase sem dramatismo, exceto por um detalhe. Borges acabara de ser nomeado diretor da Biblioteca Nacional, aquela que freqüentara desde criança com seu pai e que sempre sonhara em ter a sua disposição. O paraíso, enquanto outros imaginam jardins ou etéreas nuvens, para Borges, a biblioteca. Agora a tinha por completo. Perguntou a um funcionário de quantos volumes dispunha o acervo: oitocentos mil. Estava a postos a ironia: Deus lhe dera, de uma vez, oitocentos mil livros e a inelutável noite.

Com algo mais brincava o destino. Pelos mesmos corredores e sob a mesma sina, por quarenta anos caminhara também um outro diretor e escritor, tão cego ou mais cego que Borges: Paul Groussac. Quando menino, por diversas vezes Borges ameaçara procurar o renomado escritor franco-argentino. Freqüentou a biblioteca e esteve a poucos metros dele, mas, tímido demais até para pedir um livro, amedrontava-se e se contentava em ler a Enciclopédia Britânica, que tinha ao alcance das mãos sem a ajuda dos atendentes.

Borges e Groussac, um deus irônico lhes definira o destino (ah, esse cruel espectador das corridas de cavalo!). Dois homens de vidas entregues às histórias escritas tinham sob seus comandos um universo de livros vedados. De livros em branco, sem letras, zombando de seus quatro olhos escuros.

Assim nascia o Borges da arte dos ditados. Se um acidente o construíra contista, este outro tinha de lhe trazer algo em troca. Nascia o Borges oral, o Borges das conferências, das palestras, das memoráveis aulas em salas lotadas. E não era só. Aos poucos retomava a métrica, o verso decassílabo, o ritmo, o peso das palavras. No conforto dos sonetos clássicos, encontrou abençoadas capacidades mnemônicas. Bastava compor mentalmente, em um bonde a caminho de casa, na madrugada serena de um quarto escuro, nas caminhadas pelas ruas do sul de Buenos Aires, ritmando as sílabas com os choques da bengala contra o piso. Em qualquer lugar, um momento poético, um tema poético. Não se pode ser poeta das dez às seis, dizia a cada instante, e logo se afundava em poesia. Assim vivia a cegueira, ao menos nos bons dias.

Certa noite, receoso de incomodar a mãe, que já dormia, foi ao encontro da amiga María Esther Vázquez. Pediu que escrevesse rápido o que ele ditasse, pois já havia bastante tempo queria se livrar de algumas palavras. Ditaria de qualquer modo e depois corrigiria, alertou, iniciando pelo título: “Poema dos dons”. Antes que Vázquez terminasse de anotar, as palavras já escapavam dos lábios de Borges como um longo e organizado desabafo.

Poema dos dons

Ninguém rebaixe a lágrima ou rejeite

esta declaração da maestria

de Deus, que com magnífica ironia

deu-me a um só tempo os livros e a noite

Da cidade de livros tomou donos

estes olhos sem luz, que só concedem

em ler entre as bibliotecas dos sonhos

insensatos parágrafos que cedem

As alvas a seu afã. Em vão o dia

prodiga-lhes seus livros infinitos,

árduos como os árduos manuscritos

que pereceram em Alexandria.

De fome e de sede (narra uma história grega)

morre uni rei entre fontes e jardins;

eu fatigo sem rumo os confins

dessa alta e funda biblioteca cega.

Enciclopédias, atlas, o Oriente

e o Ocidente, centúrias, dinastias,

símbolos, cosmos e cosmogonias

brindam as paredes, mas inutilmente.

Em minha sombra, o oco breu com desvelo

investigo, o báculo indeciso,

eu, que me figurava o Paraíso

tendo uma biblioteca por modelo.

Algo, que por certo não se vislumbra

no termo acaso, rege estas coisas;

outro já recebeu em outras nebulosas

tardes os muitos livros e a penumbra.

Ao errar pelas lentas galerias

sinto às vezes com vago horror sagrado

que sou o outro, o morto, habituado

aos mesmos passos e nos mesmos dias.

Qual de nós dois escreve este poema

e uma só sombra e de um eu plural?

o nome que me assina é essencial,

se é indiviso e uno o anátema?

Groussac ou Borges, olho este querido

mundo que se deforma e que se apaga

numa empalidecida cinza vaga

que se parece ao sonho e ao olvido.


(Tradução de Josely Vianna Baptista)

Poucos dias depois é que Borges foi descobrir um terceiro cego diretor da Biblioteca Nacional e escritor: José Mármol. Aqui encontrava o sagrado número três — não por acaso tão insistente na Divina comédia e nas Mil e uma noites —, o número que fecha as coisas. A cifra que ignora a fatalidade do um e desmente a coincidência do dois. Três é uma confirmação. Restava descobrir (e ainda resta) que vago fato isso tudo confirmaria.

 

X

Na manhã de Cambridge, o farfalhar da folhagem e o fluir das águas se aliam numa orquestra de ruídos antigos. Recostado em um banco em frente ao rio Charles, Borges examina a impressão que recém o tomou de já ter vivido esse momento. Mede o próprio cansaço para avaliar se disso decorre a distorção, e logo percorre uma e outra lembrança que julga não quererem ser lembradas: nada do que possa encontrar parece justificar o recalque que, sabe, provocou do déjà vu. Dando-se por vencido, Borges volta a atenção ao ambiente outrora deserto e sente que, na outra ponta de seu banco, alguém se sentou. Preferiria estar só, mas não quer arcar com a impolidez de se levantar.

O outro começa a assobiar, e ele reconhece o estranho estilo vacilante e também a melodia pretendida. A voz jovem que se segue, em cantoria, é ainda mais reconhecível. Borges não pode deixar de entabular contato:

— O senhor é argentino?

— Argentino, mas desde 1914 moro em Genebra — responde o jovem.

— No número dezessete da rua Malagnou, em frente à igreja russa?

Sim, mora lá.

— Nesse caso, você se chama Jorge Luis Borges. Eu também sou Jorge Luis Borges. Estamos em 1969, na cidade de Cambridge.

— Não. Eu estou aqui em Genebra, num banco a poucos metros do Ródano. O estranho é que de fato somos parecidos, embora o senhor seja muito mais velho e tenha os cabelos grisalhos.

Borges resolve provar que não mente, citando elementos da vida do jovem que um desconhecido só poderia ignorar. As duas fileiras de livros no armário de seu quarto, a biblioteca de estantes envidraçadas de seu pai, os três volumes das Mil e uma noites, o Minotauro na litogravura com o labirinto de Creta, o Dom Quixote, o dicionário de latim, um entardecer na praça Dubourg.

— Dufour — corrige o jovem.

— Dufour, está certo. Satisfeito?

— Não, nada disso prova nada. Se estou sonhando, é natural que o senhor saiba as coisas que eu sei.

A objeção é justa. Cada um deles pode ser o sonhador desse sonho. A tácita obrigação é aceitar as circunstâncias, tal como se aceitam o universo e o fato de ser necessário olhar com os olhos e respirar. Borges resolve mudar de assunto.

— Você não quer saber algo do meu passado, que é o porvir que lhe espera? A mãe tem saúde, está bem num apartamento da rua Maipú, mas o pai morreu do coração faz uns trinta anos, Morreu com impaciência para morrer, mas sem queixas, assim como a mãe dele, nossa avó, na mesma casa alguns anos antes. Norah, nossa irmã, se casou e tem dois filhos.

O jovem escuta sem muito detimento, recusando-se a desempenhar a função fática que lhe cabe. Apenas para abalar a onipresença do silêncio é que resolve perguntar:

— E o senhor?

— Não sei ao certo o número de livros que você escreverá, mas sei que serão muitos. Você escreverá poemas que lhe darão um prazer não compartilhado e contos de índole fantástica. Também dará aulas, como seu pai e tantos outros de nosso sangue.

Entendendo no silêncio do jovem uma evidência de seu desinteresse, Borges interrompe o relato. O fato de tudo isso ser impossível faz com que ambos se sintam pouco à vontade. Embora perceba em si um grande afeto pelo jovem que recém encontrou, mais íntimo que um filho de sua carne, o mal-estar de Borges vai se tornando cada vez mais irracional e insuportável. Não estavam preparados, conclui. O encontro já se demora demais para a vontade de ambos.

Borges lhe propõe que se reencontrem no dia seguinte, nos mesmos dois lugares. Quando o sobrenatural ocorre duas vezes, justifica, deixa de ser tão aterrador. O rapaz assente no ato e se despede, mas Borges trata de impedir a partida, sentindo que nunca mais se cruzarão:

— Ah, só mais uma coisa — e o jovem, que Borges sente distanciado, parece se deter para atentar às últimas palavras. — Você será dois. Dois além de nós dois, é claro. Um deles sou eu, o outro é aquele a quem chamam de Borges. Eu caminho por Buenos Aires e me demoro, talvez mecanicamente, à frente de um saguão. Mecanicamente porque já não posso ver. Na minha idade, você terá perdido a vista quase por completo. Gosto dos relógios de areia, dos mapas, da tipografia do século XVIII, das etimologias, do sabor do café. O outro, o Borges, gosta dessas coisas também, mas de um modo diferente, vaidoso, convertendo-as em atributos de um ator. Recebo notícias dele pelo correio, e às vezes vejo seu nome em algum dicionário biográfico. A ele é que ocorrem as coisas. Nos livros dele, até há algumas boas páginas, mas me reconheço menos nelas do que em muitas de outros autores. Alguns anos atrás, tratei de me livrar dele e passei das mitologias dos arrabaldes aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos são do Borges agora, e eu terei que idear outras coisas. Assim, minha vida é uma fuga e tudo eu perco e tudo é do esquecimento, ou do outro.

O jovem não está lá e Borges está ciente de que fala ao vento, às folhas, ao rio. Solitário, já não ouve a resposta lenta das águas, e nem a brisa quer dispor seu assobio. Não sabe ao certo onde se encontra. Por um instante, pensa que pode ser o outro sonhador, que está em Genebra e que ainda não viveu tudo aquilo que imagina. Incapaz de ver seu próprio corpo, suas mãos, suas pernas, Borges não se sabe novo ou velho. Vigília ou sonho, aquilo o atormenta, e Borges tem de se livrar do episódio. Incapaz de esquecer, só o escreverá três anos mais tarde, em forma de conto, “O outro”. Quem sabe a ficção tome o lugar da realidade, e Borges enfim possa conviver em paz com a história.

 

XI

Realidade ou ficção, vigília ou sonho. A lembrança de algo vivido ou de algo sonhado ou de algo criado faz com que Borges, no quarto do hotel L’Arbalète, subtraia-se do tempo e abstraia o espaço. Estaria María Kodama por chegar em um quarto de Genebra, ou estaria ela prestes a entrar em sua vida, aluna em uma de suas turmas da Universidade de Buenos Aires? Existiria María Kodama?

A realidade é mais estranha que a ficção: eis a frase que ecoou e ecoa através da história e a que poucos escritores souberam dar ouvidos. Entre os que o fizeram, ninguém conseguiu explicar melhor do que Chesterton. A realidade é mais estranha que a ficção porque a ficção somos nós que fazemos, enquanto a realidade é feita por um outro, o Outro, Deus. E talvez não seja apenas mais estranha. Talvez a tênue linha que separa realidade e ficção seja por demais indiferente, ou quiçá a realidade sequer exista; e o mundo seja a mais pura ficção: a ficção de um único homem.

Está no sonho a mais antiga forma de ficção. O sonho concede a cada homem mais uma ínfima eternidade pessoal. Nele, somos nós o espectador da corrida de cavalos e somos nós o espectador do espectador da corrida de cavalos. Somos nós os cavalos. Somos a pista, a arquibancada, os cavaleiros, os chicotes, as esporas. Os brados, as palavras que escutamos. E se sonhamos ler um livro, sem perceber estamos inventando cada palavra desse livro. De uma só vista, como Deus, o sonhador vê seu passado, seu presente, seu futuro, e só depois, quando o lembra ou conta, é que lhe dá a linearidade que o relato requer.

Borges leu em Frazer sobre a existência de selvagens que não distinguem o sonho da vigília, ou que simplesmente pensam que se trata de um episódio da vigília. Segundo Frazer, se o selvagem sonha que sai pelo bosque e mata um leão, quando acorda pensa que sua alma realmente saiu pelo bosque e matou um leão, ou que sua alma matou o sonho ou a alma de um leão. Não há razão para pensar que estejam certos os tais selvagens, pois nada indica que aquilo que o dormente figura tenha algo de real, mas talvez valha um raciocínio diferente: também não há razão para pensar que aquilo que encaramos como realidade seja real, e que os nossos sonhos não sejam sonhos dentro de um sonho.

Num quarto de hotel em Genebra, é possível que Borges sonhe estar em um quarto de hotel em Genebra, à espera da volta de um personagem de seu sonho. Borges é o único sonhador, que sonha todo o processo cósmico, toda a história universal, inclusive sua própria história. (Sentir que a vigília é outro sonho, que sonha não sonhar, e que a morte que teme nossa carne é essa morte de cada noite, que se chama sonho — teria escrito esses versos há trinta anos ou é nesse instante que os está escrevendo?) E sonha com uma tarde na Biblioteca Nacional, e com os amigos que lá encontra, e com as mãos da mãe e as lágrimas da irmã, e sonha ao mesmo tempo com um jovem que encontra em Cambridge e com alguns literatos em Atenas e nessa parte do sonho sequer está presente.

Há imagens nesse sonho, há imagens porque Borges as cria. Quando abre os olhos, elas não existem mais, e o mundo é uma neblina cinzenta. Será esse o mundo real, esse da neblina cinzenta? Ou será o das imagens sobrepostas? Talvez não seja nenhum dos dois, e Borges não seja o sonhador. Talvez seja apenas o sonho de um outro, que o cria enquanto pensa que o lê, que o inventa com passado, presente e futuro. Eu sonhei o mundo como tu sonhaste tua obra, meu Shakespeare, e entre as formas de meu sonho estavas tu, que como eu és muitos e ninguém. Certa vez o próprio Deus disse isso a Shakespeare, em alguma página amarelada da literatura.

Não, um homem que sonha não é dotado de uma eternidade pessoal. Só o seria se não lhe faltasse um único ponto. Borges pode sonhar com o ruído das chaves contra a porta do quarto de hotel, com a luz se acendendo e com um beijo caloroso e real que se estampa em sua face. Pode sonhar até com outras chaves, num outro quarto, de um apartamento do qual criaria apenas a memória de três dias. Não pode sonhar, no entanto, com os ecos inaudíveis provocados pelo som de um telefone que atravessa a tarde de Barcelona, ou com o ulterior ressoar da madeira oca que cercaria seu corpo.

FIM

'Histórias de Literatura e Cegueira: Borges, João Cabral e Joyce'

Julián Fuks é um escritor e crítico literário brasileiro, filho de pais argentinos. Nasceu em São Paulo, no Brasil, em 1981. Em 2012, foi eleito pela revista Granta um dos vinte melhores jovens escritores.
O autor publicou o primeiro livro, 'Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e eu', em 2004, tendo ganhado o Prémio Nascente da Universidade de São Paulo. Em 2007 e 2012 foi finalista do Prémio Jabuti, com o livro 'Histórias de Literatura e Cegueira'. O autor foi também finalista do Prémio Portugal Telecom, atual Oceanos, e do Prémio São Paulo de Literatura, com 'Procura do romance'.
'A Resistência', publicado em 2015, recebeu no ano passado, no Brasil, o Prémio Jabuti para o Melhor Romance. Classificou-se entre os finalistas do Prémio Oceanos, e recebeu a Menção Honrosa no Prémio Rio de Literatura. Este romance valeu-lhe em 2017, o Prémio José Saramago instituído pela Fundação Círculo de Leitores, com o objetivo de distinguir jovens escritores de língua portuguesa. | DN Artes

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excerto de
«Histórias de Literatura e Cegueira: Borges, João Cabral e Joyce»
autor: Julián Fuks
Rio de Janeiro: Editora Record, 2007

 



Δ

16.Jan.2018
publicado por MJA