Ξ  

 

 Sobre a Deficiência Visual


James Joyce

Julián Fuks

Joyce

 

I

A sinetinha de Dante tiniu na sala. Era a hora da aula de leitura, e o som agudo transpôs cozinha e quartos antes de encontrar Jim na saleta dos fundos. Lá, o menino erguera pouco menos de um palmo de persiana e, através de uma das tantas vidraças quebradas, podia ver a tranqüila rua de Bray, subúrbio de Dublin, e a residência vizinha dos Vance.

O curto dia de inverno quase que sequer começara, tardio alvorecer que só chega depois do café da manhã. A casa dos Vance, mergulhada na sombra do céu violeta, iluminada com precariedade pelas lanternas da rua ainda acesas, era também interceptada por grossos pingos que batiam contra a terra e tamborilavam nos canteiros encharcados. Ao longe, na casa ao lado, uma única janela acesa ganhava a atenção dos pequenos olhos espremidos. Agradava a Jim ver tão pouco. Seus sentidos todos pareciam se embotar, seu corpinho a ponto de desfalecer, e as mãos tão apertadas que os braços começavam a tremer: Eileen, Eileen.

Uma vez, só de brincadeira, Eileen pousara suas mãos sobre os olhos de Jim. Ela tinha longas e brancas mãos, longas e brancas e finas e frias e macias. Devia ser esse o branco do marfim da Torre de Marfim, que Dante dizia que os protestantes diziam que era a virgem Maria.

Mas a sineta da governanta já soava há tempos e o pequeno Jim decidiu que era hora de se apresentar. Dante esperava impaciente em sua poltrona que mais parecia um trono, as almofadas suavizando suas costas desde sempre machucadas. Abaixo da touca de renda preta e acima das saias pesadas de veludo, sobre as quais descansava o livro aberto, um rosto severo optou por perdoar a demora e não impor nenhuma punição.

Tendo aos pés a pequena Poppie, a mãe completava o quadro, na sala, ninando Stannie no colo. Em breve, ele também se sentaria na frente de Dante para ouvir as lições. Em breve, ambos seriam companheiros, Stannie e Jim; não, Stanislaus e James. A densidade demográfica do reduzido espaço era ainda maior onde o olhar se interceptava: de dentro da barriga da mãe, mais um ou uma esperava para dar as caras.

Dante entreabriu os lábios para iniciar a leitura da primeira frase, que Jim teria de repetir, mas sua voz não se ouviu. No lugar dela, um estrondo grave e violento sacudiu o corpo do menino, ocasionando-lhe um salto involuntário e o choque súbito do traseiro contra o piso. Um trovão. A ira de Deus contra os pecadores, Dante ensinara.

— Jesus de Nazaré, rei dos judeus, livrai-nos de uma morte súbita e despreparada, ó senhor. — A governanta agora se fez ouvir, e os lábios de Jim acompanharam o embalo das palavras conhecidas.

O perigo já passara, mas Jim viu no silêncio, adiamento fortuito da leitura, uma boa oportunidade para despejar a confissão. Com pompa e orgulho, ignorante de que a impudência constituía pecado, anunciou:

— Quando crescer, vou casar com a Eileen.

A mãe achou graça, até riu, mas Dante não estava disposta a brincadeiras:

— Retire o que disse e peça desculpas. Eileen é protestante, você não pode se casar com ela.

A mãe, com um sutil aceno de mão, incentivou a que se retratasse, mas ele se recusou. O pai pensaria diferente. Do alto da escada gritaria para que deixassem o menino em paz, para que o deixassem dizer o que bem entendesse. Mas o pai dormia, tendo bebido e gritado na sala noite adentro, até a hora do alvorecer de outras estações.

— Ah, Jim, se não se desculpar, as águias virão e lhe arrancarão os olhos, Jim.

E Dante já entoava a musiquinha habitual:

— Arranca os olhos desse freguês! Então você diz isso outra vez? Arranca os olhos desse freguês! Então você diz isso outra vez? Arranca os olhos desse freguês! Ah, ele não vai dizer isso outra vez.

 

II

Os corredores da escola de Conglowes estavam sombriamente iluminados e sombriamente iluminada estava a capela. Sombrio também devia estar embaixo dos cobertores, progredindo rumo ao breu completo à medida que se aproximassem os pés. Em breve, tudo estaria imerso na treva e no sono.

Não bastasse a falta de luz, agora corredores e capela não se viam senão envoltos em densas nuvens, nuvens próximas demais, quase coladas aos olhos de Jim. A bicicleta do colega o havia empurrado e derrubado, e de repente os meninos haviam ficado menores e mais afastados, além de nublosos, assim como se haviam nublado as mais finas traves do gol. Inútil recolher os três pedaços em que se haviam partido os óculos, alguém alertara.

Quando chegasse o escuro absoluto, tudo daria na mesma — era o que o menino aprendia quando fechava os olhos. Os sapatos do vigilante se afastavam e só sobrava a escuridão. Que escura devia estar a estrada entre as árvores, a estrada de volta a Dublin, de volta ao pai e à mãe. Seria verdade o que diziam, que um cão preto passeava por ali de noite, com uns olhos do tamanho de faróis de carruagem? Não devia ser verdade. Não! Como dava arrepio e como era esquisito pensar nisso! Toda a treva, tão fria e estranha. E os rostos estranhos imersos nela, grandes olhos que nem faróis de carruagem.

A luz logo estava de volta, e esse logo era rápido, mas também se sentia que o tempo havia passado. Tudo como sempre acordara enevoado, e nesse dia permaneceria assim, lembrou-se quando percebeu que seus óculos não se encontravam à cabeceira. Três dias é o que demorariam para chegar, longe que estavam do curto braço estendido.

As linhas pouco se vislumbravam, eram quase como fios invisíveis, e era preciso fechar ao máximo o olho direito e abrir ao máximo o esquerdo para poder distinguir um traço grosso de maiúscula. James se sentava com os braços cruzados, porque o professor lhe permitira — mais, recomendara — que não tentasse fazer as lições até que chegassem as novas lentes. E Stanislaus em nada podia ajudar, porque estava em outra classe, com os garotos menores.

Mas o diretor de estudos, o padre Daly, que para desespero dos meninos adentrara a sala e já castigara com a palmatória um de seus colegas, pouco queria saber de permissões. Quebrara os óculos na pista, é? O padre Daly conhecia esse truque. O padre Daly não sabia que ele era o primeiro da classe. Truque de menino vadio, de preguiçoso, esse de dizer que quebrou os óculos sem querer.

Sentiu o toque áspero da mão grossa do diretor de estudos em seus dedinhos, desenrolando-os até esticar por completo a palma. Uma pancada ardente, zunindo, ressoou como a queda pesada de um tronco de árvore, fazendo sua mão tremular e se retorcer toda como uma folha ao fogo; o som e a dor encheram-lhe os olhos de lágrimas escaldantes, turvando-lhe ainda mais a parca visão. Todo o corpo tremia de medo; o braço arriava e a mão entortada e lívida abanava, agora como uma folha solta no ar. Um grito saltou aos lábios, pedindo para acabar.

Mas não, o grito não foi proferido, e ainda faltava o massacre da outra mão.

Uma injustiça, uma tremenda injustiça, dizia aos colegas enquanto esfregava o dorso da mão sobre os lábios para se livrar de toda a baba causada pelo choro. Eles concordavam, grande injustiça. Mas o reitor teria de saber disso. Ah, o reitor saberia. O reitor e os pais, eles também. E os três irmãos e as três irmãs, quando crescessem, e as que mais estivessem por nascer. E Dante e o tio Charles e toda a família Vance, e os demais vizinhos, todos os vizinhos. Bray e Dublin inteiras. A Irlanda inteira. A Europa. O Universo inteiro teria de saber da injustiça. Ah, o Universo inteiro saberia.

 

III

James acordou tarde naquela manhã de 1901 e mais uma vez optou por não fazer a escassa barba. Preferiu também não se lavar, já que não iria à universidade. Concentrou os esforços em partir o cabelo ao meio e penteá-lo em curva atrás da orelha. Era um domingo caloroso, sendo preciso limpar duas ou três vezes as lentes embaçadas para poder decifrar no espelho o nariz fino, o azul pálido dos olhos, a boca franzida.

Na mesa da cozinha esperava sua xícara limpa, um e outro pedaço de pão espalhados em volta. Recolheu-os e os mergulhou no chá. O pai, na sala, descobria no jornal a morte da Sra. Cassidy.

— Ah, não me diga que a Sra. Cassidy morreu! — logo se ouvia a voz da mãe.

— Bom, não sei direito — era o pai, solene —, mas alguém tomou a liberdade de enterrar a velha ontem mesmo.

James ria na cozinha, acompanhado agora de Stanislaus. As irmãs todas se preparavam para a missa, George e Charles iriam também, mas ele e Stanislaus já haviam notado, enquanto desciam a escada, o chapéu de palha na cabeça do pai. Era o sinal: sairiam para um passeio dominical pelas ruas de Dublin, para desgosto da mãe, já ausente de forças para dizer qualquer coisa.

John Joyce apenas assomou à entrada da cozinha e acenou para que James viesse atrás. Stanislaus precipitou-se para junto do irmão, e os três deixaram o número 8 da Royal Terrace. No convento ao lado, desta vez não se podiam ouvir os gritos da freira louca, e o pai teve de conter a piada que preparara. Atravessaram a Windsor Avenue, perfizeram a Richmond e em pouco tempo já estavam na North Richmond Street. Em todas elas haviam morado, mas esta era a favorita de John.

— Aqui, Jim, vive Ned Thornton, provador de chá. Dizem que a filha dele, Eveline, está apaixonada por um marinheiro e que a qualquer momento pode fugir com ele para Buenos Aires. Thomton deve estar desesperado, não? Ao menos outro dia, depois de três ou quatro copos, era o que parecia.

Na casa em frente, James e Stanislaus sabiam quem vivia: Eddie Boardman, famoso em todo o norte de Dublin por ter a primeira bicicleta com pneus da vizinhança. Ignoravam que mais abaixo na mesma rua morava Long John Clancy, subxerife da cidade.

— Alfred Bergan, assistente de Clancy, me contou que uma vez teve que colocar um anúncio à procura de um carrasco que enforcasse um criminoso, porque Clancy mesmo não tinha estômago para a tarefa. E Bergan, óbvio, também não. Receberam uma carta sinistra de um barbeiro inglês, Bilington, descrevendo todas suas habilidades com laços e nós, imagine isso!

Uma cálida brisa de verão os acompanhava no trajeto, e o céu fugia do grisáceo habitual. As lojas estavam fechadas, mas em breve algum pub estaria pronto para receber um, outro e mais um dublinense. O pai agora caminhava silencioso, circunspeto. Em breve, se via, perderiam sua companhia.

Ao atravessar uma ponte, James olhou para o Liffey, na direção das docas mais distantes. Sentiu pena dos casebres raquíticos, amontoados como um bando de mendigos nos barrancos do rio, com seus velhos capotes pretos forrados de poeira e fuligem. Sentiu pena, mas logo se desvencilhou dela — ou a transformou em euforia. Um momento. Um momento poético, de plenitude e paixão. A súbita revelação de uma essência. Uma epifania, sim. Conseguiria expressar essa idéia num texto? Conseguiria fazer dela algo original?

O pai apressava o passo e estava prestes a deixá-los, mas virou-se ainda uma vez:

— Sabe, James, andei lendo o tal do Ibsen, de quem você gosta tanto. Não me pareceu imoral, mesmo; os garotos da universidade é que são uns chatos. Sua mãe também achou normal, e olhe que deve ser a primeira vez que lê em vinte anos.

— Achei que você fosse gostar. Ibsen é para a dramaturgia aquilo que Parnell foi para a política irlandesa. Um mártir. Um homem cuja vida é a arte, seja de governar, seja de escrever. Para ambos, a verdade como julgamento e abertura e, em específico para Ibsen, o exílio como condição artística irrevogável.

O pai o interrompeu:

— Na verdade, não me pareceu imoral, me pareceu tranqüilizadoramente profundamente impressionantemente tedioso. — E antes de se afastar em definitivo, despejou-lhe nos bolsos, sorrateiro, uma ou duas moedas.

— Para os livros — sussurrou em seu ouvido, sem que Stannie tivesse certeza do que havia escutado.

Apenas dois, portanto, seguiam o caminho de volta. Os outros já deviam ter retornado da missa, e Stanislaus e James podiam ser úteis em providenciar o almoço. De volta à Royal Terrace, pouco antes de se alinharem à porta da casa, James puxou o irmão pela manga:

— Tenho uma outra epifania para lhe mostrar — e do bolso da calça amarfanhada, tirou um papelzinho tão amassado quanto.

O encanto de braços e vozes — os alvos braços das estradas, sua promessa de abraços estreitos, e os negros braços dos altos navios parados diante da lua, sua lenda de nações distantes. Eles estão expostos para dizer: estamos sozinhos — venha. E as vozes dizem como eles: “Nós somos sua gente.” E o ar está denso da sua presença quando me chama seu povo, prontos para partir, sacudindo os ventos de sua exultante e terrível juventude.

 

IV

Passavam das dez, onze horas, quando Joyce deixou o bar. Talvez fosse mais tarde, não sabia ao certo, e tinha de se concentrar em destrançar as pernas pelas ruas de Trieste. A brisa quente da cidade não rugia pelos cimos das árvores, e as ruas escuras estavam mergulhadas no mais profundo sossego, perturbado tão-somente pelo ruído de seus sapatos cambaleantes. A essa hora, livrava-se do maldito sol idiota do Mediterrâneo, a amolecer os ossos e transformar todos os homens em manteiga. O clima de Dublin até que não era tão ruim, pôde pensar.

Havia mais de três anos, desde que chegara com Nora, vinha percorrendo essas mesmas ruas. Só com Nora. Sem camaradas, sem amigos e sozinho, como dissera a lady Gregory ao anunciar sua primeira partida de Dublin. Daquela vez partira efetivamente só, entregando-se sem testemunhas aos infortúnios que constituiriam seu destino. Seu destino que o levara de volta a Dublin, a acompanhar a mãe no leito de morte, e o expelira logo de lá, desta vez com Nora, para Trieste. Em 1902, a primeira partida; agora era 1908, e Joyce não sabia medir por que descaminhos, de Paris, Dublin ou Trieste, esses seis anos se haviam perdido.

Por um instante, seus olhos a perscrutar a escuridão, teve a falsa impressão de que Nora caminhava ao lado, o passo forte de mulher de Galway, a voz lhe roçando os ouvidos, a mão encostando-se à dele sem enroscá-la. Momentos da vida íntima irromperam como estrelas na memória, imagens da vida em comum que ninguém conhecia nem jamais viria a conhecer, estrelas iluminando-lhe a memória. O alívio que ele sentiu, em 1904, ao vê-la embarcar através da neblina de Dublin, contra as previsões pessimistas de que desistiria na última hora, e a súbita consciência de que ela confiara nele o bastante para fugir assim, às pressas e às escondidas. O alivio que ele viu nos olhos dela, com um deliberado desfalecer da pupila na íris, quando ela o viu voltar para apanhá-la no parque de Londres, não desaparecendo na cidade desconhecida, depois de tê-la deixado esperar por mais de duas horas enquanto procurava resoluções financeiras.

Logo a impressão se deixou suceder por uma nova imagem. Nora, nesse momento, estaria dormindo ou estaria a ninar Giorgio ou a recém-nascida Lucia ou estaria a confabular com Stanislaus contra os passos de seu marido nunca consumado, ou contra seus copos de bêbado inveterado. Sucedeu-se, então, de uma nova tomada de consciência: fugira da família de seu pai, em Dublin, para se enredar em sua própria família. Alguém contara que Ibsen, agora em seus anos derradeiros, abandonara a mulher nesse final de vida. Quem o culparia? Como poderia Ibsen gostar da idéia de um lar? Como poderia ele, James Joyce, gostar da idéia de um lar? Se seu lar fora simplesmente um caso de classe média arruinada por hábitos perdulários, os quais herdara. Se sua mãe fora assassinada pelos paulatinos maus-tratos do marido, pelos anos de seguidas encrencas e pela cínica fraqueza de conduta do filho. E agora James não era mais James, era Joyce esposa e filhos, e com um irmão para lhe emprestar dinheiro e importuná-lo com pedidos de que fosse responsável.

Com concentração, retidão e silêncio, perpetrou os últimos passos antes de alcançar seu apartamento. Ao atravessar o quarto de Stanislaus, porém, requisito para chegar ao seu, tropeçou em possíveis roupas espalhadas pelo chão e estalou na parede vazia da pequena habitação. Stanislaus acudiu nervoso:

— Andou bebendo de novo?

A dificuldade de Joyce em se levantar era resposta suficiente.

— Você é burro? Não sabe que beber agrava a irite? Quer ficar cego? Quer passear pelas ruas com a ajuda de um cachorrinho? — e lhe desferiu um tapa na nuca que fez voar longe os óculos.

Joyce, incapaz de responder qualquer coisa e com a visão que se turvava em névoa, apenas pôde adivinhar a presença de Nora, sonolenta, encostada no batente da porta. Não precisava ver para saber que em seus olhos não havia o sutil desfalecer da pupila na íris. Não precisava ver para saber que seu olhar era de raiva e desprezo. Arrastou-se patético diante de Nora e por fim alcançou a cama. Não estava acordado para sentir o corpo dela deitando-se ao seu lado.

Uma branca luz dominava o quarto e incomodava os olhos. Deviam ser dez, onze horas. O calor lhe esquentou a face até que ele acordou, e sua mão vasculhou em vão o piso ao lado da cama. Os óculos, ou algo que parecia ser seus óculos, jaziam a uns dois metros de distância, debaixo da porta, e de lá, depois de se arrastar, já era possível ver a entrada do apartamento. Nenhuma carta.

Onde estava, Joyce se recostou e sentiu o frescor do toque de suas costas no piso, mas a sensação em nada aliviava a primeira frustração matutina. Nem Grant Richards, nem John Lane, nem Heinemann, nem Constable, nem nenhum outro maldito editor lhe escrevera. Qualquer um. Que lhe pedisse a supressão de todos os “malditos”, todos os “droga de”, todas as mulheres que roçassem com a perna a cadeira de um homem, todos os homens que à noite “tivessem” uma mulher. Nesse dia aceitaria mudar tudo, mutilar sete ou oito contos, excluir dois, três ou quantos quisessem, contanto que publicassem de uma vez os Dublinenses. E aceitaria até republicar o Música de câmara, que o maldito Stanislaus o convencera a levar adiante, com todos os seus desonestos e perfumados poemas amorosos de versinhos perfeitos. Que sejam publicados e republicados, e que sejam malditos. Ah, ilusão. Todos os 127 leitores da primeira edição prefeririam vender seus exemplares a recomendar a qualquer outra pessoa que o comprasse, que dirá que o resenhasse em qualquer revista insignificante.

Escrever. Nenhuma aula para dar, nenhum aluno ou cobrador a lhe tocar a campainha, nem ânimo para sentar ao piano. Levantar e escrever. Mas escrevera bastante e, antes de criar mais, precisava ter um motivo para isso, dissera a Stanislaus. Não era um Cristo literário, arrematara, e dessa vez fora o irmão quem ficara sem palavras. Mas não era verdade. Mais verdade havia no que tinha dito depois. Sua boca está cheia de dentes podres e ambições decadentes. Sem falar nos olhos podres.

Sobre a mesa que servia de escrivaninha, papéis espalhados e canetas-tinteiro o esperavam. Sentou-se e assumiu uma delas. Transformar-se em Stephen Dedalus e transformar o Stephen Dedalus do enfadonho e interminável Stephen Hero no Stephen Dedalus do Retrato do artista quando jovem: essa era a tarefa agora. Retomar as últimas palavras escritas no dia anterior, O sermão do padre da escola de Conglowes, mas transfigurado em padre do colégio Belvedere, porque Stephen já havia de ter crescido e pecado antes de ouvi-lo.

Pois, lembrai-vos, o fogo do inferno não emite nenhuma luz. Assim como, ao comando de Deus, o fogo da fornalha babilônica perdeu o seu calor mas não perdeu sua luz, assim, ao comando de Deus, o fogo do inferno, conquanto retenha a intensidade de seu calor, arde eternamente nas trevas. É uma tempestade que nunca mais acaba de trevas, de negras chamas e de negra fumaça de enxofre a arder, por entre as quais os corpos estão amontoados uns sobre os outros sem uma nesga de ar. De todas as pragas com que a terra dos faraós foi flagelada, uma só, a treva, foi chamada de horrível. Qual o nome, então, que devemos dar às trevas do inferno, que hão de durar não por três dias apenas, mas por toda a eternidade?

Pousou a caneta no papel para prosseguir a escrita, mas cruzou-lhe a mente a lembrança de uma frase incompleta. Quando sua obra e sua vida são uma só, quando são tramadas no mesmo tecido, dissera a Stanislaus, e mais uma vez não soube como dar continuidade à declaração.

V

Amália Popper espera pela aula à porta, imersa na sombra amarela do vestíbulo. Uma capa xadrez escudando da friagem os ombros caídos. Joyce arremete as ancas contra a madeira e desliza pelo corrimão da escada, até despencar à frente da menina Amália. Ela, o rosto pálido rodeado por perfumadas peles, não desaprova a brincadeira do professor, mas sua saudação é glacial, seja através da lente do monóculo, seja direto, olho a olho. As longas pestanas batem e sobem: uma ponta de agulha em brasa pica e vibra nas íris velosas.

Ela vai adiante dele pela escada e, no que vai, um cacho negro de cabelo se desenrola lentamente e cai. Lentamente desenrolando, cabelo cadente. Ela não sabe e vai adiante, orgulhosa e simples.

— E como vai a sua pequena protetora? — Ela pergunta por Lucia, e Joyce acompanha o movimento frente e trás dos dedos frios e calmos e puros (não se lembra de Eileen). Uma flor dada por ela à sua filha. Frágil a rosa branca e frágil a mão doadora e frágil a criança de veias azuis.

— Na tarefa de proteger meus olhos, não vai muito bem a minha Santa Lucia particular, minha padroeirinha, mas está feliz a tagarela. Descontente só com a perspectiva de termos de ir embora de Trieste, descontente porque os outros também estão, ela mesma quase que nem entende nada, a pequenina.

Agora no topo da escada, o polegar de Joyce vasculha um dedo nu e dá conta da falta do anel. Deve ter escorregado de seu dedo na inércia escorregativa do corrimão. Despenca pé ante pé pelos degraus e tateia o piso à beira da porta, à procura do brilhoso objeto metálico. Os lábios trêmulos dela espremem um breve riso, mas logo o alento se liberta, e ela ri, e ele escuta, pouco antes de encontrar o pequeno círculo de metais variados.

— Perdeu a aliança?

— Não uso aliança —já subindo a escada—, elas são o símbolo da escravidão a que nenhum homem livre deve se submeter.

— Então por que usa esse anel?

— É uma aliança preventiva contra a cegueira. E eu já sou escravo do meu problema de vista, e sempre serei.

Ela já se encontra sentada à mesa, debruçada, a revelar um macio e flexível colo tendinoso, um crânio delgado. A cabeça se ergue e os lábios se descolam:

— Pelo rumo em que vão as coisas, vejo que vamos ler mais algum conjuro de cigano ou mendigo, ou qualquer outra previsão supersticiosa. Ou hoje é o dia em que vai me presentear com uma leitura do novo livro? — E o tom de zombaria se aprofunda na voz macia. — A história de um dia em que não acontece nada, não é isso? De um homem que passeia inutilmente por Dublin, não é? Não sabe como estou ansiosa!

Ele encosta o ombro no batente da janela e sente as costas observadas. De desdém, basta-lhe Nora. O dedo indicador esquerdo elevado à altura do rosto vacila em movimento rápido e tímido, a chamar a senhorita Popper à janela. Ela se junta a ele, a observar o mesmo ponto da rua movimentada.

— Está vendo aquele homem que acaba de saltar do bonde? Imagine, se ele tivesse sido atropelado, como se tomaria subitamente significativo cada um de seus atos e gestos. E não estou falando do inspetor de polícia. Falo de todo mundo que o conhecia. E seus pensamentos também se tornariam subitamente significativos, e as mil complexidades de sua mente, para todo mundo que os pudesse conhecer. Essa é a idéia de significação das coisas triviais que quero dar aos dois ou três miseráveis que talvez venham a me ler.

VI

O crepúsculo cuidou de acinzentar as brancas e impecáveis ruas de Zurique, as únicas brancas de toda a Europa em guerra. Era pouco mais de meio-dia. As claustrofóbicas montanhas, aqueles desagradáveis e tediosos grandes montes de açúcar, se esfarinharam e escorreram pela Bahnhofstrasse em sua direção, subiram pelos joelhos fraquejantes, percorreram-lhe a espinha retorcida e esmagaram seus olhos, vertendo-lhe lusco-fusco e penumbra. Uma dor o fulminava de dentro, em oposição à escuridão de fora, e por vinte minutos paralisava seus músculos, ficando Joyce estirado na rua invisível, suas costelas a beijar o piso.

Apagado, não pôde ouvir o ruído de ferros buliçosos arrastando e removendo pedaços de sua íris. A faca cirúrgica se movendo e atritando por sobre esse algo-qualcerto. Um toque por vez. Ferro no tecido ocular, ferro no tecido ocular. Um muito curto espaço de tempo através dos muito curtos tempos de espaço. Exatamente: é isso a inelutável modalidade do invisível. Um esparadrapo que lhe beija a pele e lhe cobre um olho. Um esparadrapo que lhe beija a pele e lhe cobre o outro. Um tapa- olho. Dois.

Quatro semanas. O tampão suava a umidade da cidade abafada. Quatro semanas. Até que estou me deslocando bem neste escuro. Minha espada de freixo pende a meu lado. Tateia com ela: é assim que se faz. Estou eu andando para a eternidade pelo areal de Sandymount? Tritura, trila, trila? Não, um toque, um toque, um toque. É madeira. Os dedos atravessam o ar e encontram as teclas de marfim, mas não o da Torre de Marfim. Os dedos sabem as teclas certas e as erradas. Os dedos não precisam ver. A voz de tenor vacila um segundo, mas logo se desamarram as amarras da garganta, e a voz se deixa cantar. Para Philipp Jarnach. O vizinho Jarnach deve estar alegre por poder ouvir através das finas paredes sua extraordinariamente forte mas crua voz de tenor, a ressoar pela manhã, enquanto os dedos escolhem teclas certas e erradas pelo piano. Talvez um pouco precisassem ver. Nora também deve se alegrar, com a voz de homem do menino que um dia a comoveu. Mas ele preferira escrever, mesmo escrevendo com aquela linguagem vulgar e de mau gosto e não sabendo terminar as histórias.

As folhas amontoadas na escrivaninha acumulam pó. Folhas de letras e palavras e frases soltas, coloridas com a cor do destino que terão. Verdemuco, Nestor. Azulargênteo, Proteu. Variações coloridas também para início, meio ou fim. Quatro semanas sem tocá-las, sem empunhar caneta-tinteiro ou lápis de qualquer cor.

Ezra Pound e Harriet Shaw Weaver e também a misteriosa doadora que recém o brindou com cinqüenta libras que esperem, bons que são. Que esperem, que James Joyce convalesce. Este vai demorar. Que se vendam todos os Dublinenses e todos os Retrato de uma vez, que o Ulisses vai demorar. Que se encene de uma vez a peça dos Exilados, ou ao menos que saia em livro, que o Ulisses vai demorar. A história da literatura que espere um pouco, que já está chegando. Vou lhes pedir, meus queridos, que sejam pacientes comigo. Que tenho um ciúme absurdo do passado. Não, essa é para Nora. Que eu já fui, como prometido, ao encontro da realidade da experiência e agora só me falta moldar, na forja da minha alma, a incriada consciência da minha raça. Essa sim. Essa eles já leram, e estão aguardando. Aguardando pacientes.

Que dia é hoje, senhor Joyce? Dia dezoito de setembro de 1917. Dia de tirar as vendas. Dos olhos. O ataque de glaucoma e a sinequia tornaram necessária a operação, e a exsudação do olho correu para a incisão, e isso pode ocasionar uma redução permanente da visão, disse o oftalmologista. Mas vamos tirar as vendas.

Abra os olhos agora. Abre os olhos agora — era a voz de Nora. Fá-lo-ei. Um instante. Esvaneceu tudo já? E se eu os abro e fico para sempre no adiáfano negro? E se redução permanente for eufemismo para ausência total da visão. E se nunca mais for capaz de ler. E se. Basta! Verei se posso ver. Adiáfano, diáfano.

Inelutável modalidade do visível: pelo menos isso, se não mais, pensado através dos meus olhos.

Um olho vê tudo chato. Cérebro pensa: perto, longe. Distância. Assinaturas de todas as coisas estou aqui para ler, marissêmen e maribodelha, a maré montante, estas botinas carcomidas. Verdemuco, azulargênteo, carcoma: signos coloridos. Limites do diáfano. Mas ele acrescenta: nos corpos.

Reduzida para a posteridade a visão, mas essa agora é a sua lenda, e a ele cabe a exclusividade de se apegar a ela. Reduzida a visão? Necessário para o encontro da realidade da experiência. Um papel, dêem-lhe um papel. Foi encontrado um bom início para o Proteu.

VII

Caro Frank Budgen,

Olho para a sua estatueta, a sua versão de todo nua exceto pela barba, e descubro que me sinto como a estatueta vizinha (está certo, como a foto da estatueta vizinha): a Penélope sentada olhando para seu próprio dedo, tentando recordar, como presumo, a aparência do Ulisses há tempos partido. Mas tenho a outra estatueta e ainda posso me recordar do seu rosto. Fico pensando em quando não puder mais ver, os rostos já nebulosos a se esvaírem na névoa da memória. Depois evito pensar nisso.

Estou agora neste torvelinho de escaramuças que é a cidade de Paris. Vim para ficar uma semana, por recomendação de Pound, mas algo me impede de partir.

Nunca na vida encontrei tantos escritores, artistas, ensaístas, intelectuais e demais cientistas do verbo como aqui. Mas não sei desempenhar com agilidade o jogo social e sinto que causo má impressão. Não ouvi nem vi mais nada de muitos mortais de sorte que me conheceram aqui. Suspeito que o prazer que minha divertida companhia lhes deu durará pelo resto de suas existências naturais.

Joyce esposa e filhos vão bem, graças aos incansáveis esforços em conseguir camas, mesas, livros ou influências emprestados. As crianças estão sofrendo com a língua, a quarta que lhes imponho, mas sabem se virar. Giorgio segue cantando e pensa em arranjar profissão nisso. Lucia, que tem treze e ainda não toma essas decisões precoces, só se dedica a se preocupar com seus olhinhos estrábicos, que lhe caem bem no rosto oval, como digo com sinceridade. Ignorante, ela pensa em operar.

Este já é o vigésimo endereço em que escrevo o Ulisses. Até poucos dias atrás, escrevia e pensava escrevia e pensava o dia todo, mas agora acabo de terminar o “Gado do Sol” e sempre que encerro um episódio minha mente entra num estado de pura apatia do qual parece que nem eu nem o maldito livro jamais emergiremos. Quase que nem tenho fôlego para responder às críticas que a obra tem recebido. E agora não só de leitores aleatórios da Little Review, onde o livro sai em partes, mas também de pessoas próximas, aliadas, semiqueridas. Mesmo Pound, meu primeiro entusiasta, tem criado suas ressalvas, sobretudo quanto a “As sereias”. Acredita na força de Bloom, mas acha que o episódio ganharia se eu utilizasse Stephen no lugar e também reclamou que “não se requer um novo estilo a cada capítulo”. Stephen/Telêmaco já não me interessa. Ele voltará no final do livro, mas o problema é que seu contorno não pode ser mudado, diferentemente de Bloom.

Tenho pensado bastante naquela nossa conversa sobre personagens completos. Tenho pensado que você se engana. Cristo não era completo porque era solteiro e nunca morou com uma mulher, e morar com uma mulher é uma das coisas mais difíceis que um homem tem de fazer. Fausto não é sequer um homem, que dirá completo. É velho ou jovem? Onde estão seu lar e sua família? Não sabemos, não sabemos nada. E não pode ser completo porque nunca está sozinho, Mefistófeles está sempre em seus calcanhares. Hamlet é um ser humano, mas apenas um filho. Ulisses é filho de Laertes, mas pai de Telêmaco, marido de Penélope, amante de Calipso, companheiro de armas dos guerreiros gregos ao redor de Tróia e rei de Ítaca. Ulisses é o único personagem completo da história da literatura. É completo porque o vemos de todos os lados, sendo total, mas também porque é um homem completo. Vamos ver como se sai Bloom, feito à sua semelhança.

Aqui, ninguém a quem falar sobre Bloom. Emprestei o capítulo a uma ou duas pessoas, mas elas sabem tanto de literatura quanto o lado parlamentar do meu cu. Meu irmão até sabe alguma coisa, mas ficou em Trieste e, na verdade, pensa que é tudo uma piada. Ah, merda de vida! Você vai continuar em Zurique? Existe alguma chance de vir para cá por uma semana? A oferta é a de sempre: eu o hospedo e o alimento por esse período, e pago metade da passagem. Para viajar, a gente entra naqueles compartimentos chamados vagões de trem, que ficam atrás da locomotiva. Faz-se isso abrindo a porta e gentilmente projetando no compartimento você mesmo e sua valise. Um homem num escritório lhe dará um pedaço de papelão em troca de algum dinheiro. Há assentos para você se sentar na carruagem, mas não saia dela enquanto estiver se movendo porque nesse caso você poderá ser deixado para trás. Agora, possa Deus Todo-Poderoso abençoá-lo e torná-lo capaz de executar essas minhas instruções. Você virá?

De um modo ou de outro, em breve lhe mandarei o episódio e aproveito agora para lhe mandar a explicação. A idéia é um crime cometido contra a fecundidade esterilizando o ato de cópula. Cena, hospital. Técnica: episódio de nove partes sem divisões, apresentado por um prelúdio salustiano-tacitiano, depois através de inglês antigo aliterativo e monossilábico e anglo-saxão. Daí à maneira de Mandeville, daí à Malory, então no ‘estilo crônica’ elisabetano, então uma passagem solene, como de Milton, Taylor, Hooker, seguida por um pedaço picado no estilo latino-mexeriqueiro, estilo de Burton-Browne, daí uma passagem Bunyanesca, e assim por diante através de Defoe-Swift, até que acaba numa assustadora mistura de inglês pidgin, inglês de negro, cockney, irlandês, gíria Bovery e versos de pé-quebrado. Essa progressão também se liga para trás sutilmente com algum episódio pressentido do dia e, além disso, com os estágios naturais do desenvolvimento do embrião e os períodos de evolução faunal em geral. Bloom é o espermatozóide, o hospital o ventre, a enfermeira o óvulo. Stephen o embrião. Que tal?

Lerei com prazer seus comentários, se os olhos me permitirem tal deleite. Quanto a isso, estou muito melhor esta noite, como pode ver pelas linhas mais certeiras. Mas meus olhos são tão caprichosos que poderei estar de novo doente amanhã, pois os sintomas decisivos da irite nunca cedem de vez. De qualquer modo, lhe peço por favor que responda.

Sinceramente,
James Joyce

 

VIII

Mar, vento, folhas, trovão, águas, vacas mugindo, o mercado de gado, galos, galinhas não cucuricam, serpentes que tsiam. Há música por toda parte. A porta: eeee rangente. Não, isso é ruído. Tape, tape, tape e voz:

— Está dormindo?

Sabe que é homem. A voz. A voz de Arthur Power.

— Não, entre.

Mas Power já apalpou o escuro e está postado à poltrona. Sua mão persegue um fio até encontrar um interruptor.

Tic. Só Power percebe a luz que se acende. Os ouvidos de Joyce a anunciam, mas seus olhos se escondem sob uma bolsa gelada. Compressa.

— Trabalhemos, então.

Revisar e corrigir as provas para o livro. Publicá-lo a tempo para a conferência de Valery Larbaud. Livrar-se. Em breve, Bloom e todos os Bloom estarão mortos, muito em breve. Em breve, estará expirada sua sentença de sete anos, e ele já não sofrerá a vingança de Circe, contra as coisas ruins que escreveu sobre sua lenda. O mais doloroso de todos os ataques de irite que já sofreu, este de 1922. Haja a bendita cocaína.

— Estávamos no final de “Os lestrígones”. Quer que prossiga lendo a partir daí?

Sim, prossiga pelo almoço de Bloom e por sua caminhada. Prossiga por sua vontade de mandar endireitar os óculos velhos ou pela idéia de tentar a sorte por um par no departamento ferroviário de objetos perdidos. Prossiga por sua pálpebra a pender para a borda baixa da íris e a impedi-lo de ver. Prossiga por seu braço direito estendido com a palma da mão virada para o sol, e a ponta do dedo mínimo a cobrir seu disco. Sim: por completo. Prossiga pelo eclipse total que haverá ainda este ano, este não, o de 1904: em outubro. Prossiga pelo encontro do senhor Bloom com o jovem cego, a aguardar para cruzar a rua. Prossiga.

— Há um vagão ali, disse o senhor Bloom, mas não está andando. Eu o acompanho no cruzar. Quer ir para a rua Molesworth? Sim, respondeu o rapazola, rua Frederick Sul.

Venha, disse o senhor Bloom. Tocou suavemente no cotovelo afilado: depois tomou da frágil mão vidente para guiá-la à frente. Dizer-lhe algo. Melhor não bancar o condescendente. Desconfiam do que se lhes diz. Fazer uma observação correntia. A chuva recolheu. Nenhuma resposta. Manchas no seu paletó. Lambuza-se no comer, suponho. Tudo sabe diferente a ele. Têm de ser alimentados com colher, de início. Como dar mãozinhas às crianças. Como era com Milly. Sensitiva. Medindo meu porte, quero crer, pela minha mão. Distanciar sua bengala das patas do cavalo burro de carga cansado tirando seu cochilo. Tudo bem. Distante.

Espere. Leia de novo. O leitor tem de se identificar com Bloom nessa cena, não com o jovenzinho cego, com manchas no paletó. Nem todos os cegos têm manchas no paletó ou precisam ser alimentados com colherinhas. Nem todos são crianças e precisam ser alimentados como Lucia, ou Milly. Está certo, ninguém disse isso, é Bloom que o pensa.

— Leia de novo.

Está bem. Pode deixá-lo assim. Prossiga.

— O rapazola cego batia o meio-fio e se ia seu caminho, arrastando a bengala, sentindo de novo. O senhor Bloom andava em pós dos pés sem olhos, um terno mal-ajambrado de tuíde em ponto-espiga. Pobre jovenzinho! Como é que pôde saber que aquele vagão estava ali? Deve ter sentido. Vê coisas pela testa talvez. Gozada a idéia de Dublin que deve ter, batendo seu rumo nas pedras.

— Espere. Falta coisa. Uma espécie de sentido de volume. Acrescente isso. Peso. Sentiria se alguma coisa fosse tirada do lugar? Sentir um vazio. Ponha isso no meio, depois da testa.

— Então fica: Deve ter sentido. Vê coisas pela testa talvez. Uma espécie de sentido de volume. Peso. Sentiria se alguma coisa fosse tirada do lugar? Sentir um vazio. Gozada a idéia de Dublin que deve ter, batendo seu rumo nas pedras. Poderia andar em linha reta se não tivesse aquela bengala?

Melhor. Prossiga.

— Repare nas coisas todas que eles podem aprender a fazer. Afinar pianos. E nós nos surpreendemos de que eles tenham miolo. Por que julgamos que uma pessoa deformada ou corcunda é engenhosa se diz alguma coisa que pudéssemos dizer? Certamente seus outros sentidos são mais. Bordam. O sentido do olfato deve ser mais forte também. Cheiros de todos os lados enfeixados juntos. Cada pessoa também. Então a primavera, o verão: cheiros. Gostos. Diz-se que não se pode degustar vinho com os olhos fechados ou com resfriado da cabeça. E com uma mulher, por exemplo. Menos vergonha, não se vendo. Aquela garota passando pelo Instituto Stewart, cabeça no ar. Seria estranho não a ver. Que espécie de forma nos olhos da sua mente? A temperatura da voz quando ele a toca com os dedos deve quase ver as linhas, as curvas. Suas mãos na cabeleira dela, por exemplo. Digamos que sejam negros, por exemplo. Bem. Nós os chamamos negros. E ao passar-lhe sobre a pele branca. Sensação diferente talvez. Sentimento do branco.

São pensamentos de Bloom, não seus. São pensamentos de Bloom, não seus. Por onde começar a alterá-los? Deixe estar. Como dizer que o cego sente os exatos mesmos cheiros que sentem os que vêem, e que o branco e o negro não se diferenciam pelo toque de dedos que não vêem, exceto talvez nos cabelos? Não, não diga, deixe. Se fosse Stephen, talvez valesse alterar. Stephen, afinal, um dia saberá. Mas não Bloom. Se Bloom pensava isso antes, pode continuar pensando agora, não é preciso que tenha um conhecimento real da experiência. É Joyce que tem, não ele. De onde tiraria? Bloom nada sabe sobre essas coisas, deixe-o pensar assim.

— Está bem, Power. Pode deixar esse trecho assim.

É hora de ir ao oftalmologista, anuncia Nora. Power o acompanha. Retira-se a compressa e faz-se a luz. Só luz. Quantas? Há de haver dezessete lamparinas na Place de la Concorde. Conte-as. Dezessete. Pode ver todas? Pode. O que é aquele vazio de luzes? O Sena. Por esse vazio de luzes há de haver um bom lugar para atirar Bloom com um peso de cinqüenta libras amarrado aos pés.

IX

(Depois do balé russo. Um pavilhão persa com dezesseis quartos, quatro em cada andar. Alguém cometeu um crime e espera à porta do pavilhão. Não quer entrar. Pensa que vai escapar, mas, quando chega à esquina, uma gota de sangue cai. O homem está desesperado e corre de um lado para o outro, na escuridão, para que sua ferida não deixe cair outra gota. Tem um olho vendado. Uma janela então se abre, e dela surge um soldado americano vestindo um robe de mandarim)

SOLDADO AMERICANO: Desejo-lhe todo o sucesso possível, mas pouco posso fazer com ele. Nada até onde eu possa ver, ou nada sem visão divina ou uma nova cura da gonorréia valerá a peripatetização circum-ambiente. Sem dúvida há almas pacientes, que patinharão através de qualquer coisa por amor à possível piada, mas não tendo idéia se o objetivo do autor é divertir ou instruir, em suma.

(O rosto de Ezra Pound se apresenta por sobre o robe chinês, e suas mãos bruscas cerram as duas faces da janela, cliiiiiinch, estraçalhando-as. Outra janela se abre)

OFICIAL DO CORREIO: Recebi um fascículo do seu romance ainda sem nome na Transatlantic review. Não sei se o palavreado debilóide sobre metade de um chapéu de baile e banheiros modernos de senhoras, as únicas coisas que entendi nessa produção de pesadelo, é escrito com a intenção deliberada de dar uma rasteira no leitor ou não. Talvez, suposição mais melancólica, seja o começo de um amolecimento do seu cérebro, não? E posso dizer uma coisa: é indizível o quanto é enfadonho! Sinceramente seu, Stanislaus.

(O homem tateia o crânio na verificação do possível amolecimento do cérebro. Estaria tão perto de perder a razão quanto seus mais severos críticos pensam que está? Deitado numa cama, ainda na mesma calçada, agora os dois olhos vendados. Uma mão se estende da janela do primeiro piso, e ele a sente limpando o suor de sua testa. A voz da mão lhe fala)

MULHER DE VOZ DOCE: Gosto demais de parte de seu trabalho, sobretudo os trechos mais francos e as análises de caráter, além das para mim belíssimas partes dos espectros. Mas sou feita de tal modo que não consigo me interessar pela produção de seu Atacado de Trocadilhos de Segurança nem pelas escuridões e ininteligibilidades de seu sistema de linguagem deliberadamente emaranhado. Você desperdiça seu gênio, parece.

O HOMEM: (com a voz rouca, quase inaudível): Mas, senhorita Weaver, minha amorável benfeitora, a ação do Ulisses ocorria quase inteira durante o dia, e a ação do meu novo livro transcorre à noite. É natural que as coisas não sejam tão claras à noite, não é? O mundo da noite não pode ser representado na linguagem diurna.

SENHORITA WEAVER: Está certo, continue, termine. Talvez, quando o livro estiver concluído, você se sinta disposto a ouvir vários dos seus amigos mais velhos (E.P. incluído), mas a hora de falar nesse assunto ainda não chegou.

O HOMEM (sentado à cama, no máximo da voz, mas sem tenorear e já arrependido de ter se levantado): Querem me prender às garras de uma tradição! Grande parte de cada existência se passa num estado que não pode ser explicado de maneira sensata com uso de linguagem alerta, gramática breve e seca e trama de váemfrente.

NORA (passa correndo e de mau humor, perseguindo um cervo bebébado que se detém na mesma esquina. Fala ao cervo): Por que você não pode escrever livros sensatos que as pessoas entendam, Jim?

EUGENE JOLAS (com gritos que abafam a fala de Nora e téim de panelas, õÕõ de janelas e cliiiiiiiinch de vidraças): Viva Joyce! Viva o expoente máximo da Revolução da Palavra! Toda a liberdade ao criador literário que desintegre a matéria-prima das palavras impostas a ele por dicionassauros, livros didáticos e amigos de sim e de não! E viva o fim do tempo! O tempo é uma tirania que deve ser abolida! Amanhã é um novo dia será. Passado foi é hoje. O que agora é será então amanhã como agora era ser passado ontem! Quem vi ver verá.

(Um desconhecido passa pela rua e observa a balbalbúrdia)

O DESCONHECIDO: Alguém já experimentou perguntar ao autor quantos erros de impressão há no texto? Aqueles impressores franceses! Como vão os olhos do senhor Joyce, alguém se atreveu a perguntar?

O HOMEM (em resposta ao desconhecido, que não o escuta): Haverá um tratamento elétrico, somado ao uso de ventosas, quando a vidraça cliiiiinch partida de minha alma puder suportar mais choques. O Dr. Borsch está otimista quanto ao resultado.

BERNARD SHAW (interrompendo): Na Irlanda tentam ensinar um gato a ser limpo esfregando seu focinho na própria imundície. O Sr. Joyce está tentando o mesmo tratamento nos seres humanos.

SENHORITA WEAVER (interrompendo): Joyce chafurda em verborréia. Está chafurdando em sua verborréia. Mas isso é uma mera sugestão.

O HOMEM (Deitado à morte ao lado do Liffey, atordoado com a gritaria, no sus de um psiu do sussur de um suspiro ao susto): Deixem-me contar o sonho do velho Finn. Deixem-no observar a história da Irlanda e do mundo, passada e futura, fluindo por sua mente como os destroços de naufrágio no rio da vida. Deixem-me contar a história do tempo, do rio e da montanha, meus verdadeiros personagens e tudo o que há de restar quando os homens e seus governos tiverem desaparecido. E deixem-me botar a linguagem para dormir. Quando a manhã chegar, tudo ficará claro outra vez. Eu lhes devolverei suas línguas, não se preocupem. Não as estou destruindo em definitivo. Tenham paciência.

X

De noite, oculto no culto de sua étoilette, tremelicante e triste a luz, refletivendo-se na espremeção do óculo. Onde quer que o vento vente e a chuva chova e o sol sole e a água desagüe, onde quer três cores. Starr verde, cegueira verde, a cor nada do glau coma; Starr cinza, cinza da tardinha, catatatatarata; Starr negra, dissssolução da retinta: as três damascores da cegueira. Refletivia-se: a casaca verde que comprei em Salzburg, um pardo par de sapatos e uma camisa cinza com a insígnia de Paris, como cinzas as calças e a gravata cinza e um par de suspensórios verdes e um lenço de seda cinza presente de Lucia e a menina encontrou um sombrero negro e eis tudo o que se via, completo o quadro. O homenceguecido. Em 15 de maio de 1930 o Dr. Vogt operalisou uma catarata terciária no olho esquerdo do homenceguecendo, e o horizontalcorte perfurou o vitreus corpus à beira de um abrupto colapso completo, seguido de ataque de irite mecânica devido à presença de sangue na câmara ocular anterior corrigido por venturosas seguido de uma capsulotomia de remoção da parede de trás das lentes enevonubladas. A caratata do direito fica relegada ao futuro, uma vez que o nervo ótico e a periferia da retina funcionam com normal perfeitidade. É crença do professor Vogt que a márcula também é normal e que se mais duas operações ainda necessárias forem feitas com instrutrumentos especiais e se os olhos estiverem em condição inglaucomantosa há todas as esperanças e roupas de se manter a boa porção de visão clara e prática dos um sobre oitocentos a mil avos do olho esquerdo e dos um sobre trinta ou cinqüenta avos do blom oho. O amenstabilizado. Mas a vista já nada em névoa e não vê nada avista, caro Vogt. Que rugirrosa ouranja ou âmbars, é ver de azul na anihilina! Violeta ex tinta! Então o que poderia esse longe vidente parecer paracimesmo aparecer parecendo, responda-me?

Resposta: um colidouescapo!

Um guardanapkin que revoa do bolso estimulado pelo V fechado de dois dedos. Uma caneta; em ilegíveis letras de quascego: um colidouescapo que madame France Raphael decifre e copie em grandiletras alcoohais. UM COLIDOUESCAPO.

Falta ritmo, falta ritmo, logoritmo, mas com iodina, com aspirina, com escopolamina, não há livro que termine. Cai vésper, vespertina cai. Em teus olhos a tarde se esvai. A rever outra vez, ou a não volver uma vez mais. Há um poeta de nome James de nome Stephen, bom poeta dublinense, nativo do dois, do mês de fevereiro, dia do texugo, do urso e do javali, e esse dia calhou de ser em milotootodois. Meu ano, minha cidade, meu dia. E que horas, e que horas? Às seis da manhã, a minha hora, Jimora. Crês? Creia. O poeta James Stephens que termine o meu livro. Dou-lhe a estrutudo, oriento, dou-lhe o plano total do velho Finn, dou-lhe Earwicker, dou-lhe Shem, dou-lhe Shaun, dou-lhe Lívia, dou-lhe o liffey, fliffey, lililiffey. Ele quer. Está esperando a noite. O Finnegans Wake de J.J. & S, belouísque.

Cai vésper, vespertina cai. Atétreva! Salve o fim do diujurno! Não escrever mais! Todo seu, meu caro Stephens. Inscomoda-me outra coisa. Incomocomodam-me as sombras a desluzir pelas margens, obfuscando, ofuscando, luusco sobre fuusco, e é tão obscuro como escuro pode ser no deserto de todos os pacíveis mundiversos. Ah, mas não há de ser nada, o que os óólhos trazem não é nada. Cem mundos tenho a criar, sem ver perco apenas mun. Oh, mas como é fuusco! Noite noita! Isto só. Todos os nuviosos companheiros estão a dormir com os exquios, Giorgio na noite da América, Lucia no insanantório, John Joyce e Mary Colum Joyce dormindo, dormindo profundos, sob a neve de Diablin, todos a escutar o mais infantolamente que podem, pois a audição é o único sentido que não dor me. De Bray a Paris, a Trieste e a Meca, durmamos eco! A deus! A deus! É tão fusco que as lágrimas da noite começam a cair, primeiro a umas e duas, depois às três e quatros, enfim às cincos e seis de setes, pois as mais cansadas já acordam e ora choramos com elas. O! O! O! Par la pluie! Minha vista já nada em névoa e não vê nada a vista. Vou para a cama apassolento agora viavale, meu verde val. Sem tropecçar, sem tropqueçar, sem pourquoiça.

XI

Uma praça na manhã branca. James Joyce sentado no banco em sua postura habitual, pé esquerdo sobre joelho direito, o longo sobretudo negro arreganhado, cabeça vertical e inerte, os olhos escondidos atrás de grandes óculos escuros. A bengala repousa inclinada à esquerda. O braço direito se estende até quase não mais ver, estirado pelas duas pequeninas mãos de Stephen, que pressionam ternas a sua palma. O menino está impaciente, quer prosseguir o passeio em busca de marzipã, mas seu avô está prostrado e suas costas pouco se afastam do banco.

Um homem transita pela praça, e esse homem reconhece James Joyce, ou ao menos suspeita de que seja ele. Mas poderia dizer, se alguém lhe perguntasse, que identificava no rosto do escritor orgulho e satisfação, diferente da angústia com que o mito e os jornais o descrevem. James Joyce é uma sombra tranqüila que se abriga da guerra em Zurique, nos primeiros dias de 1941. Silêncio e paz na manhã branca da Suíça. Ali podia ter ficado, para sempre, desde sempre.

Pode um escritor saber o exato instante em que sua obra está terminada? Não um romance, ou um livro, mas a obra de uma vida? Nada resta a escrever, e também não adiantaria. Primeiro falamos, depois falimos, ou falhamos. Para que escrever mais, se ninguém lê o que escreveu? E, no entanto, de nada importa obter essas respostas. De que importa a completude de uma obra, se a noite iguala todos os escritores, todos os homens? E, se não a noite, a Noite.

Antes disso, voltar a Dublin, revê-la uma vez mais, se é que se pode dizer assim. Impossível. Uma equação insatisfatória entre um êxodo e um retorno no tempo através do espaço reversível, e um êxodo e um retorno no espaço através do tempo irreversível. Mas terá saído alguma vez de Dublin? Não seguirá a caminhar por suas ruas todos os dias, escutando os infinitos e eternos ruídos e vozes, inalando os inaprazíveis ares e odores?

Um chapéu repousava sobre a cama, e James Joyce não teve forças para pedir a Nora que o recolhesse. O chapéu repousado sobre a cama anuncia a morte, ele sabe, mas não teve forças para impedir o anúncio. Nora não tomou a iniciativa de retirar o chapéu, e Joyce não tomou coragem para lhe repetir a pergunta de trinta e seis anos antes, ainda em Dublin. Existirá alguém que o compreenda?

Tomaram o lugar dessas palavras uma de suas três frases diárias destes últimos dias. Não, não tire a garrafa d’água daí, Nora. Ah, Nora, não pode dizer, mas como tudo é nada! E eu contando-me a mim mesmo sempre. E todo tempo cantando. Talento? Não tenho nenhum. Escrevo, escrevi, tão lentamente, tão dolorosamente, dezesseis anos em um último livro, dezesseis anos imerso no obscuro universo das palavras e línguas. Imaginação? Imaginação não é nada senão elaborar o recordado. Imaginação é memória. Não, não pode haver alguém que o compreenda. Mas ao menos dará trabalho aos críticos por trezentos anos, se possível, e talvez algum leitor em algum tempo dedique toda a sua vida à obra de James Joyce. Ao leitor ideal, a insônia ideal.

As mãozinhas do inquieto Stephen agora adquirem mais força. O menino está crescendo, e ávido por marzipã.

É hora de levantar. Vai se erguer, mas não são os pensamentos que prendem Joyce ao banco, não são as lucubrações inúteis ou as memórias desfaceladas. As dores no estômago é que o impedem de se colocar em pé. É hora de partir, elas anunciam.
 

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Referências por capítulo:

I. “Araby”, James Joyce, em Dubliners.
James Joyce. A Portrait of the Artist as a Young Man.
Richard Ellmann. James Joyce.  Δ  

II. James Joyce. A Portrait of the Artist as a Young Man.
Richard Ellmann. James Joyce.  Δ

III. “Eveline”, James Joyce, em Dubliners.
“A Little Cloud”, James Joyce, em Dubliners.
Richard Elimarin. James Joyce.  Δ

IV. “A Painful Case”, James Joyce, em Dubliners.
“The Dead”, James Joyce, em Dubliners.
James Joyce. A Portrait ofthe Artist as a Young Man.
Richard Ellmann. James Joyce.  Δ

V. James Joyce. Giacomo Joyce.
“A Flower Given to my Daughter”, James Joyce, em Pomes Pennyeach.
Richard Ellmann. James Joyce.  Δ

VI. James Joyce. A Portrait of the Artist as a Young Man.
James Joyce. Giacomo Joyce.
James Joyce. Ulisses.
Richard Ellmann. James Joyce.  Δ

VII. Richard Ellmann. James Joyce.  Δ

VIII. James Joyce. Ulisses.
Richard Ellmann. James Joyce.  Δ

IX. Formato inspirado no episódio “Circe”, de Ulisses.
James Joyce. Ulisses.
James Joyce. Finnegans Wake.
Richard Ellmann. James Joyce.  Δ

X. James Joyce. Ulisses.
James Joyce. Finnegans Wake.
Richard Ellmann. James Joyce. Δ

XI. James Joyce. Ulisses.
James Joyce. Finnegans Wake.
Richard Ellmann. James Joyce.   Δ

 

joyce-joao-cabral-de-melo-neto-e-borges
James Joyce - João Cabral de Melo Neto - Jorge Luis Borges

 

Julián Fuks é paulistano e nasceu em 1981. Escritor e jornalista, é autor de Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e eu (contos, 2004) e mestrando em literatura hispano-americana na Universidade de São Paulo. É colaborador da revista Entrelivros e foi repórter de literatura da Folha de S. Paulo.

 

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excerto de:
Histórias de Literatura e Cegueira:
Borges, João Cabral e Joyce
Julián Fuks
Rio de Janeiro: Editora Record, 2007


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6.Out.2015
Publicado por MJA