
Introdução
Para ajudar os adultos que
recentemente cegaram a reunir as aptidões necessárias para se tornarem pessoas
auto-suficientes e independentes, criaram-se muitos programas de reabilitação que lhes
ensinaram técnicas de mobilidade e movimentação, Braille para a comunicação e muitos
outros cursos de perícia que lhes permitem continuar as actividades que as rotinas
diárias compreendem para todos nós. Recentemente os centros de reabilitação
reconhecendo que têm que lidar com o homem no seu conjunto, juntaram aos seus programas
de perícia um programa de conselhos ou de terapêutica, para ajudar o cego a lutar com os
seus problemas e para o ajudar a ter uma melhor compreensão das suas necessidades
emocionais.
Contudo, negligenciou-se
tristemente, ou pelo menos, tratou-se ao acaso, uma área que é absolutamente, essencial
para que o cego consiga tornar-se uma pessoa auto-suficiente. Trata-se da área conhecida
por treino sensorial. É aqui que o cego aprende a utilizar da
melhor maneira possível os sentidos que lhe ficaram, para responder a sons que o rodeiam
e que são tão subtis que muitos de nós nunca os notamos - não temos necessidade disso.
Embora o treino sensorial seja
apenas uma área no programa total de reabilitação, é muito importante para o cego para
que ele se possa sentir familiarizado com o mundo que o rodeia, tal como um ser visual
quando, enquanto criança, começa a "conhecer" as coisas.
Apresentei na matéria que exponho
a seguir, os principais problemas que irão ser encontrados ao tentar desenvolver um
programa de treino nesta área, e, se fui capaz de seguir alguns possíveis caminhos para
o tratamento destes problemas, terei em consideração o esforço empregado ao tentar dar
o conjunto do contexto do meu trabalho e pensamentos durante o último ano. Terei que ser
incompleto porque ainda estão a ser consideradas muitas áreas sensoriais; mas é um
princípio.
A questão básica é
"o que aprender"
Há um problema básico que se
apresenta aos que trabalham no campo do treino sensorial do cego. Ainda estamos a tentar
determinar o que na verdade deve ser apreendido durante o treino da criança. Há pelo
menos duas respostas possíveis para esta questão. A primeira sugere que um indivíduo se
torna conscientemente consciente de certos estímulos vizinhos actuando nos seus
receptores sensoriais. A segunda insinua que o indivíduo aprende a usar a informação
sensorial mais eficazmente. No primeiro caso o indivíduo que está a ser treinado está
apenas a tomar consciência das suas sensações; ele compreende que a informação está
a vir para uma das suas veredas sensoriais. No segundo caso há um "aguçamento"
da percepção, de maneira que o indivíduo pode responder a uma maior variedade de sons
subtis que o rodeiam fazendo gradualmente discriminações mais nítidas entre eles.
Numa área tal como a localização
de sons, estes dois modos de aprendizagem teriam os seguintes efeitos
respectivos: o primeiro efeito seria que o indivíduo se torna consciente do facto de que
os seus ouvidos lhe podem dizer de onde vem um som do espaço. Ele também se torna
consciente do seu próprio erro, porque o instrutor lhe diz se ele está certo ou errado
no seu cálculo da localização do som. Contudo isto não implica que ele seja capaz de
corrigir o seu erro. O segundo efeito seria que, escutando e localizando repetidas vezes,
o indivíduo se torna gradualmente capaz de reduzir os seus erros na localização de um
som; consequentemente as suas opiniões tornam-se cada vez mais exactas.
Até à data esta questão
continua por resolver e temos que esperar futuras descobertas psicológicas para alargar a
nossa compreensão do processo de aprendizagem. Contudo, queremos tentar estabelecer um
curso de treino sensorial que seja benéfico para a pessoa que está a ser treinada,
embora não seja possível dizer com segurança o que essa pessoa deve aprender, ou até
que ponto se espera que ela vá.
Estruturando o curso e
estabelecendo objectivos
Para avaliar a aprendizagem que se
efectua durante o treino sensorial, de maneira a podermos estabelecer objectivos
apropriados, necessitamos um modo objectivo de fazer um teste antes e depois do período
de treino (de tempo especificado e conteúdo uniforme para um grupo de pessoas que estão
a ser treinadas), de maneira a podermos começar a medir o melhoramento, ou sua ausência,
na execução de uma dada tarefa. Até agora trabalhámos sem esta maneira de fazer
testes. Na nossa tentativa para sermos ao mesmo tempo realistas e práticos, ensinámos
aquilo que parecia "resultar". Isto tanto no que se refere ao conteúdo do curso
como no que se refere à regulação e duração do treino.
Antigamente o conteúdo do curso
era em grande parte determinado, consultando as pessoas que estavam a ser treinadas. Daí
aprendemos quais as necessidades que elas julgavam ser as suas, e em que ordem de
prioridade elas deviam ser encontradas. A regulação ou codificação e a extensão dos
exercícios era decidida pelo instrutor que observava o nível das dificuldades que o
indivíduo tinha numa determinada área de perícia, e que a comparava com o nível da
aspiração que tinha sido fixada para si própria pelo indivíduo que estava a ser
treinado. Muitas vezes, quando a motivação era baixa, reduzia-se o tempo destinado para
uma dada lição. O indivíduo que estava a ser treinado não parecia querer ir mais
longe. Nós não sabíamos até que ponto ele podia ir. Era-lhe então, se ele desejasse,
deixada a decisão de ver se podia aumentar o seu nível de actuação a uma média
superior à sua. Por outro lado, quando um indivíduo parecia ter mais dificuldades do que
as normais com um determinado problema, gastávamos com ele mais tempo do que o habitual,
pois não sabíamos os limites do indivíduo neste género de aprendizagem. Enquanto este
sistema continuar em vigor e o conteúdo do curso for em tão alto grau influenciado pela
percepção do indivíduo das suas próprias necessidades, é necessário que as aulas
sejam estabelecidas apenas para uma pessoa de cada vez, de maneira que o instrutor possa
trabalhar com os problemas à medida que o instruendo os vai percepcionando. Além de que
é evidente que as necessidades serão marcadamente diferentes de indivíduo para
indivíduo segundo o interesse, a atitude, o estudo geral físico e os problemas médicos
específicos, a idade e um sem número de outros factores.
Isto é uma justificação para a
individualização do curso. Relaciona-se com o facto de a percepção ser tanto objectiva
como subjectiva, no sentido em que é tanto uma função do real que o rodeia, como uma
função do aparelho "visor" do indivíduo e na maioria dos casos dois
instruendos diferirão notavelmente nas suas respostas no mesmo estímulo. Por exemplo,
estaremos provavelmente errados se supusermos que dois instruendos que "escutam"
a mesma coisa, "ouvem" a mesma coisa. Podemos obter provas disto pelo relato
subjectivo do indivíduo no que respeita àquilo que ouviu. Uma comparação revela a
diferença entre diversas pessoas.
Voltemos à questão de como
decidimos aquilo que devia ser incluído num curso de treino sensorial. Estamos limitados
pelos seguintes factores:
Ainda não temos critério para julgarmos o que deve ser considerado justo, bom ou
excelente em várias áreas de perícia e
Também ainda não sabemos, na extensa área da "realização sensorial", se
essas normas podem ser estabelecidas.
Estes dois factores afectam a
nossa selecção do conteúdo do curso e a nossa definição dos objectivos do treino.
Contudo, como já se sugeriu, podemos aproximar o próprio instruendo de uma estimativa
das necessidades e de uma indicação da direcção. Assim podemos formular fins.
Ter a certeza, do ponto de vista
do instruendo que toda a informação acerca daquilo que o rodeia (uma vez visualmente
obtida), de que agora ele pode aprender a desembaraçar-se com os outros sentidos,
ajudará a dar confiança - torna-lo-á consciente dos seus poderes e também o colocará
mais em contacto com aquilo que o rodeia. Contudo, "o nível da sabedoria" é
meramente um conceito verbal através do qual descrevemos até que ponto o cego sabe o que
se passa à sua volta; não podemos querer aumentar directamente este nível - na
realidade temos que lidar com problemas específicos em áreas sensoriais particulares.
Exige-se dele principalmente o grau de concentração em exercícios específicos ou em
actividades que o poderão tornar mais consciente. Para decidirmos quais devem ser essas
actividades, precisamos descobrir quais as espécies de informação que são mais
importantes para a pessoa que está a ser treinada. Com base em frequentes conversas com
instruendos e pela minha observação, acho que dois intentos podem ser iniciados.
Deveríamos incluir no treino sensorial as actividades que 1) irão
ajudar o instruendo a estar quanto possível em segurança quando viaja sozinho e 2)
o irão ajudar a desenvolver a perícia no sentido de uma orientação mais eficaz.
Para atingir estes dois intentos
achámos que certas espécies de informação sensorial são
mais vitais para a pessoa que está a ser treinada, do que outras. Assim focamos a nossa
atenção ao longo de linhas específicas. O que se segue é uma descrição do trabalho
que já foi anteriormente feito no treino sensorial. Algumas áreas foram tratadas mais em
detalhe do que outras, por serem importantes. A minha esperança é que, aqueles que
estão ligados ao trabalho neste campo, possam encontrar aqui algumas técnicas
importantes do treino, e que tomem conhecimento de alguns dos problemas inerentes ao
treino dos sentidos humanos. Notar-se-á que estamos a lidar com uma área de que pouco se
sabe; onde foi possível, tentei indicar áreas pra estudos e pesquisas ulteriores.
Gosto e cheiro
Respeitando embora os sentidos
gustativo e olfactivo, estamos antes de mais, interessados na sua utilidade para os fins
que fixámos, como oposto ao seu valor estético ou "de prazer". Como canais
para a transmissão de informação vital para fins de segurança de trânsito ou de
orientação de perícia, a importância destes dois sentidos é relativamente baixa.
Anteriormente não tentámos desenvolver a sensibilidade nestas áreas.
O sentido do tacto
Por outro lado, o sentido do tacto
realiza algumas funções importantes e que estão directamente relacionadas com os nossos
fins. A identificação dos objectos é a primeira dessas
funções, embora até agora pouco se tenha feito com ela. Como um auxílio para a
orientação, aprender a fazer reconhecimentos palpáveis, seria um bom contributo para o
indivíduo que está a ser treinado; contudo, a selecção de objectos para o treino dos
adultos que recentemente cegaram e o reconhecimento táctil, pôs um problema. Se o
objecto é muito vulgar, pode ser reconhecido com demasiada facilidade; se é um objecto
raramente encontrado é duvidoso se é realmente importante que a pessoa trave
conhecimento com ele. Devemos seleccionar cuidadosamente objectos que estejam entre estes
dois pólos. A segunda função é a discriminação - uma
função que é realizada pelo sentido do tacto de pelo menos duas maneiras importantes.
Embora não tenhamos ainda treinado instruendos que quisessem aprender Braille, essa é
uma possibilidade que pode vir a dar-se futuramente. Pode também ser possível fazer um
teste a um instruendo que esteja no primeiro grau do programa de reabilitação, com um
severo teste de discriminação, que seria usado para prever as futuras realizações
nesta área. Juntamente com tal teste uma examinação neurológica poderia determinar se
a baixa sensibilidade táctil tem uma base orgânica.
A discriminação do segundo tipo
é importante para a orientação geral. Referimo-nos aqui ao treino do reconhecimento das
superfícies da parede ou do chão, feito através das mãos, dos pés ou da bengala,
dependendo isso do contexto. Recomenda-se insistentemente que se estabeleça uma série de
problemas de orientação para o treino nesta área; nessa série os sinais do exterior
seriam controlados de tal maneira que a informação táctil fosse estratégica para a
orientação de cada um.
Orientação e recepção
das orientações espaciais
O instruendo que tem dificuldade
em se relacionar a si mesmo (posição de segurança) com os objectos e lugares do
exterior imediato, por meio de uma estimativa subjectiva da sua distância ou direcção,
encontrará dificuldade em encontrar o seu caminho. O sentido do tacto fornece um meio
útil para dar lições acerca de relações espaciais. Pode-se conseguir a informação
da dimensão e da proporção através
do treino da formação de associações visuais de um dado objecto. O sentido do tacto
fornece também um método para ensinar o indivíduo a organizar mentalmente as relações
espaciais dos objectos uns com os outros, e de partes com o todo dentro de um ambiente
espacial limitado que ele próprio pode manipular. Este método pode ser aplicado de
diversas maneiras, por exemplo, com jogos e puzzles.
Sempre que possível, usei jogos
tais como o xadrez e damas como instrumentos de ensino. Era necessário que o instruendo
já tivesse anteriormente jogado esse jogo, e pretendia-se ensinar novas técnicas que lhe
permitissem, no futuro, jogar. Desde o momento em que ele estava familiarizado com o jogo,
era relativamente fácil começar a ensiná-lo a reconhecer as peças do jogo e a
manipulá-las na mesa. O verdadeiro repto está na necessidade de o indivíduo visualizar
(através de uma espécie de mapa mental) as jogadas anteriores e subsequentes de ambos os
jogadores. Estes jogos eram assim, menos um teste de reconhecimento táctil e destreza
manual do que a capacidade de fazer mapas mentais - a capacidade de visualizar
relações espaciais.
Usei também "puzzles"
simples (consistindo em não mais de dez peças), aproximadamente com o mesmo fim. Os
puzzles eram separados e pedia-se ao instruendo que os ligasse de novo. Para fazer isto,
era necessária a seguinte sequência:
O contorno da peça tinha que ser efectuado com o tacto, focando características
proeminentes ou distintas. Se de início a capacidade de visualizar a forma da peça era
pequena, juntar novamente o puzzle era difícil, se não impossível.
Era então necessário integrar uma certa quantidade de informação táctil. Era
necessário comparar a informação de ambas as mãos na colocação da peça na sua
posição anterior - uma mão sentindo o contorno da peça e a outra definindo a forma do
espaço a preencher.
Descobri, enquanto fazia este
exercício, que a capacidade de relacionar a forma do puzzle com a forma do espaço em
relação com a semelhança de forma e a direcção da colocação, parecia estar
gradualmente relacionada com a capacidade geral individual da pessoa para se orientar a si
mesma. Os indivíduos variavam consideravelmente na sua capacidade para coordenar o
movimento, para medir e manipular a peça e o espaço, reconhecer alternativas quanto à
direcção da colocação da pedra a espaçar, compreender que a peça não se ajustava e
sentir que estavam a forçar uma peça a ajustar-se no local errado.
Falando de um modo geral a
concentração que esta tarefa exigia era intensa e era muito grande o nível da
frustração devido a faltas de sucesso temporárias ou parciais. Contudo, do ponto de
vista do instrutor este tipo de exercício podia ser muito útil para treinar o indivíduo
a visualizar a forma no espaço; seria também um grande auxílio no desenvolvimento da
perícia na orientação. Pode-se imaginar a expressão desta lição numa série de
puzzles de complexidade crescente, bidimensional e tridimensional.
O sentido de volta
A utilidade de o instruendo estar
altamente consciente dos seus próprios movimentos, especialmente das
mudanças na direcção do movimento, contribui para a importância do
ensino da volta no curso de treino sensorial. A falta do conhecimento da volta é uma das
causas mais vulgares da desorientação. Muitas vezes se ouve dizer a um instruendo
"fiquei baralhado" explicando a sua ida a um lugar que não era o pretendido,
como se ele não tivesse controle no que tinha acontecido. O conhecimento da volta
significaria ficar apto a julgar até mesmo as posições de minuto posição do corpo e o
desenvolvimento do critério para o julgamento do tamanho ou ângulo da volta.
No ensino da "volta" os
termos conceptuais devem primeiramente ser esclarecidos. Meia volta, um quarto de volta e
uma volta completa não significam a mesma coisa para diferentes pessoas, e devem ser
definidos. Em seguida temos que perguntar qual é o caminho mais eficiente de voltar um
número específico de graus, sem "feedback" visual. Isto é difícil de dizer.
Talvez a resposta consista em criar um substituto para o feedback visual do
ambiente através da visualização. O processo que criei para treinar a capacidade para
visualizar uma volta, descreve-se a seguir. Durante este exercício é necessário que o
instruendo atravesse um número específico de voltas, visualizando o seu ângulo ou
tamanho, enquanto o faz.
Coloca-se uma série de postes
amarradas uns aos outros em várias disposições, tais como letras do alfabeto ou modelos
geométricos vulgares.
Pede-se ao instruendo que siga a
corda, usando-a como linha de guia; assim ele é impelido a fazer as voltas apropriadas.
Pede-se então ao instruendo que
reproduza pictoricamente a configuração da corda, desenhando-a no quadro.
Assim a pessoa que está a ser
treinada demonstra a sua capacidade para transformar a informação
quinestésica em informação visual à medida que reproduz a sua gravura
mental. Desenhar cada volta do modelo da corda tem que ser feito no contexto espacial,
relacionando com as anteriores ou com as seguintes. Assim, o que ela está apreendendo a
fazer é formar um mapa mental do seu próprio percurso à medida que ele se move através
do espaço.
Se se pode ensinar ao instruendo a
visualizar-se a si próprio à medida que ele se vai voltando através do espaço, parece
que confere o sentimento do grau do movimento requerido para uma meia volta ou para uma
volta completa. Algumas pessoas não precisam de qualquer ensinamento neste aspecto. São
aquelas pessoas que se voltam "instrutivamente". Para outras pessoas, contudo,
isto torna-se uma tarefa muito difícil. Para representar os 360 graus (volta completa) ou
voltas mais pequenas que o instruendo tem que fazer, achei que a analogia do relógio
poderia ser útil porque ele representa uma boa imagem de um círculo dividido em
segundos. Para pedir ao instruendo que faça meia volta, a técnica seria: "Faça uma
meia volta; rodará do número doze ao número seis do relógio."
Uma técnica útil para ensinar o
instruendo a avaliar o grau do movimento requerido para um quarto de volta, meia volta ou
uma volta ou uma volta completa, é usar quatro postes na periferia de um círculo de
aproximadamente cinco ou seis pés de diâmetro. Os postes estão colocados em grau zero
(mesmo em frente do instruendo), noventa graus, cento e oitenta graus e duzentos e setenta
graus. O instruendo está no meio do círculo. Ele pode praticar em dar o número completo
de voltas e em conseguir o feedback tentando ver com a bengala se o poste está
directamente à sua frente quando completou a volta. Assim ele sabe se calculou mal
a distância para mais ou para menos.
Um outro método de trabalho com
voltas dá-se na circunstância muito vulgar de vir e voltar de
e para diversos lugares. Contudo o problema que isto põe ao
instruendo, não é necessariamente simples. Se se lhe pedir para partir de um determinado
ponto da sala e para voltar a ele, o instruendo tem que dar adequadamente a volta, ou
então dirigir-se-á numa direcção diferente. Esta é uma das coisas mais importantes
que o instruendo tem que aprender - o conhecimento da volta; insistir na aquisição
desta perícia nunca é demais.
Viragem
Em seguida lidamos com a volta na
medida em que afecta a capacidade do instruendo para caminhar em linha recta. Neste
contexto está relacionado com a viragem. Iniciam-se pequenas voltas ao instruendo que
está em movimento (tentar caminhar em linha recta), à medida que elas surgem, de maneira
a que ele se torne consciente da posição incorrecta do corpo quando começa a virar.
Assim ele aprende a reconhecer o sentimento corpóreo quando sai do percurso, e torna-se
capaz de corrigir a sua posição e direcção.
Um método recentemente
desenvolvido para corrigir a tendência para as viragens, fundou-se no uso de um sistema
fotoeléctrico. Dois circuitos fotoeléctricos espaçados de dois a cinco pés, são
colocados a uma boa distância do receptor para a fonte da luz (aproximadamente) de trinta
e cinco pés a cinquenta. O instruendo tenta caminhar em linha recta entre os dois
circuitos. Se ele se vira para um dos lados, quebrando um circuito, há um sinal que lhe
indica o seu erro. O sinal acaba quando o circuito está novamente completo. Com este tipo
de montagem, o instruendo pode praticar por si mesmo, sem o feedback do
instrutor; à medida que a execução melhora, a passagem entre os dois circuitos pode
tornar-se mais estreita para tornar a tarefa cada vez mais difícil.
Percepção da
reclinação
O conhecimento do movimento do
indivíduo num plano horizontal inclui, em parte, o sentido da volta. O conhecimento da
posição do indivíduo em relação a um eixo vertical está relacionado com o sentido da
inclinação. Este sentido fornece indicações quanto à existência de um declive em
subida ou em descida. Embora o treino da percepção da inclinação possa ser útil ao
instruendo indicando-lhe certas marcas do terreno que ele pode encontrar nas suas viagens,
tais como caminhos inclinados, ele ainda não foi incluindo no curso de treino sensorial.
Equilíbrio ou
"equilibrium"
Embora o sentido labiríntico
controle o equilíbrio ou "equilibrium", nós não tentámos treiná-lo. Para a
maior parte das pessoas ele é um sentido que opera abaixo do nível consciente e que
parece trabalhar automaticamente. Como o seu funcionamento conveniente é absolutamente
essencial para a maior parte das actividades em que o instruendo participa durante a sua
reabilitação, quando descobrimos que ele não está a funcionar normalmente devemos
tentar descobrir os factores psicológicos ou fisiológicos que estão a originar a
perturbação. Fisiologicamente há diversos factores a considerar. A neuropatologia é um
deles. Física é outro. Os factores originantes incluem diferentes comprimentos da perna,
modo de andar atípico, posição defeituosa e alinhamento impróprio de partes
simétricas do corpo. Este último factor refere-se a casos como inclinação pélvica, do
cotovelo, etc. A própria cabeça pode ser um factor crucial se tiver tendência para se
reclinar para um dos lados. Os factores psíquicos podem também criar desequilíbrio. Por
vezes a falta de à-vontade criada por fortes complexos de inferioridade causados pelo
facto de ser cego ou reabilitado pode resultar na falta de equilíbrio. Muitas vezes este
sintoma desaparece à medida que o instruendo vai avançando através do programa.
Treino auditivo
Vamos agora para o sentido que é
mais importante para o cego como fonte de informação acerca daquilo que o rodeia - o
sentido do ouvido. O cego está dependente, para caminhar com segurança, da eficiência
com que usa este sentido. A nossa finalidade é aumentar esta eficiência, treinando-o
para usar o melhor possível a informação auditiva. Embora nós não estejamos
absolutamente seguros do grau até ao qual essa eficiência pode ser aumentada nem
saibamos exactamente como conseguir, através do treino, melhores auditores, partimos da
suposição de que conseguiremos alcançar resultados positivos treinando o instruendo nas
diferentes espécies de escuta que ele terá que fazer quando viajar sozinho. Podemos
definir pelo menos quatro áreas em que o treino auditivo seria útil:
-
localização do som;
-
alinhamento do som;
-
descoberta de obstáculos (uso de som reflectido); e
-
discriminação do som no ruído de máscara.
Localização do som
A capacidade que tem o ouvido
humano de localizar um som no espaço é notável no que diz respeito à sua precisão e
velocidade. Quase nos voltamos instintivamente em direcção a um som inesperado produzido
perto de nós, calculando (inconscientemente) ao mesmo tempo que o fazemos, o seu azimute,
elevação e distância. Contudo, para a maior parte das pessoas visuais, a informação
auditiva deste género tem que ser confirmada pelo feedback visual, antes de ser
seguida. Esta última é uma verificação dupla em relação à anterior. Mas para as
pessoas cegas a localização tem de ser feito unicamente com base na informação
auditiva e o grau de precisão com que é feita é crucial. O cego, ao aprender a usar os
sons da circulação tem que, com base nessa informação, tomar instantaneamente
decisões que afectam a sua segurança, se não a sua sobrevivência. Por isso temos que
tentar averiguar o grau de confiança que ele pode ter nas suas decisões; apontar-lhe a
extensão e direcção dos seus erros; ensiná-lo a compensá-los se esses erros forem
permanentes e eliminá-los tanto quanto possível.
Nem todos os instruendos com que
lidamos têm uma audição "normal". Alguns têm falhas que podem variar de
insignificantes a graves. Para estes a dúvida sobre até que ponto eles podem confiar nos
seus julgamentos auditivos, torna-se ainda mais difícil de resolver. Normalmente uma
pessoa nestas condições repetirá continuamente o seu primeiro cálculo da localização
de um som, sem ser capaz de dizer qual dos seus julgamentos é o mais preciso. Como
podemos nós ajudá-lo a aprender a interpretar a informação auditiva que ele recebe?
Ensinando a localização
do som
Tanto para aqueles que ouvem
"normalmente" como para aqueles que têm perdas auditivas, aprender a localizar
o som mais eficientemente, é um processo que requer prática e tempo. Não sucede
automaticamente só porque se perdeu o uso da vista. É um processo que pode ter começado
para o instruendo muito tempo antes de ele vir para o centro de reabilitação, mas do
qual ele só agora se torna consciente. É também um processo que nós esperamos que
continuará depois de ele ter deixado o centro.
Começamos por chamar a atenção
do instruendo para o facto de que ele pode dizer onde está uma pessoa, ouvindo de onde
vem a voz dessa pessoa. O instrutor fala e pede-se à pessoa que está a ser treinada para
o apontar ao mesmo tempo para se pôr de frente para a fonte do som.
Diz-se-lhe que ele deve aprender a
fazer como que uma estimativa subjectiva quanto à distância e direcção do som partindo
dele. O instrutor diz-lhe até que ponto ele está acertado ao pôr-se em frente e ao
indicar. Em seguida o instrutor mudará de posição e falará para o instruendo de um
ponto diferente da sala. Pede-se de novo à pessoa que está a ser treinada que avalie a
distância e direcção do som. Então o instrutor pára de falar. Pede-se ao instruendo
que vá até ao lugar exacto onde ele supõe que está o instrutor. Quando ele pensa que
chegou a esse lugar ou que está perto dele, diz-se-lhe se ele está muito perto ou por
quanto errou. Isto é o princípio. A partir deste ponto podemos aumentar o nível de
dificuldade da localização, mudando o género de som que o instruendo tem de localizar,
aumentando a distância entre os dois, baixando a intensidade do som ou introduzindo
ruídos de máscara. O tempo que gastamos com estes exercícios é proporcional ao
melhoramento que gostaríamos de obter, e ao que esperamos alcançar.
Ainda temos muito que aprender
quanto à dinâmica da localização do som. Gostaríamos de ser capazes de ajudar o cego
a localizar o som com rapidez e precisão. Algumas das perguntas que fazemos são:
A que nível de certeza se pode
actuar seguramente, com base na informação auditiva? Por exemplo, quanto tempo terá que
esperar o instruendo antes de atravessar sozinho uma rua? Quão seguro tem ele que estar
de que não há carros na sua vizinhança imediata? Poderemos generalizar quanto ao tempo
de reacção necessário para a estimativa grosseira da localização de um som, em
contraste com o tempo necessário para haver uma certeza?
Será eventualmente capaz de
dizer, aquele instruendo que está permanentemente um pouco enganado na localização do
som: "Normalmente eu ouço um som quinze graus mais para a direita do que aquilo que
ele realmente está e assim, para o alcançar eu tenho que apontar um pouco mais para
a esquerda?" Isto apenas seria possível se conseguíssemos determinar que os
seus erros são constantes em direcção e extensão.
Sabemos que os movimentos quase
imperceptíveis da cabeça que nós chamamos examinações cuidadosas
ajudam a pessoa a localizar um som. Contudo, no caso das pessoas cegas temos um problema
especial. Esses movimentos devem ser recomendados ou limitados? Porque embora eles possam
ser um auxílio para a localização, podem também prejudicar o alinhamento do corpo, e
se a pessoa está a tentar manter a sua direcção em linha recta para um objectivo, podem
interferir com a marcha. No caso do instruendo que tem um ouvido "melhor" do que
o outro, embora ele se possa sentir melhor se o virar em direcção ao tráfego ou em
direcção ao que quer que seja que ele esteja escutando, isso pode resultar numa mudança
de direcção porque se ele virar a cabeça o resto do corpo reajusta-se para lhe
corresponder.
O cego com graves perdas
auditivas num dos ouvidos quer saber até que ponto pode confiar na sua audição numa
zona de muito tráfego onde se tem que estar atento a muitos e diferentes sons. Até que
ponto pode ele contar com a audição de um só ouvido? Qual é o limite máximo para a
capacidade de localização monaural?
Já começamos a trabalhar com
algumas das perguntas precedentes. Para começarmos a trabalhar com as outras temos que
esperar pesquisas futuras. Esperamos um dia ser capazes de responder aos instruendos que
fizessem essas perguntas.
Alinhamento de som
Aquilo que referimos como
alinhamento de som, é apenas a localização do som através de um espaço de
tempo contínuo. Subconscientemente dizemos que o som está agora aqui,
agora ali, etc. à medida que a fonte de som em movimento se vai deslocando ao longo do
seu percurso. Desenhamos então mentalmente uma linha entre esses pontos com a qual nós
mesmos nos alinhamos. Contudo, para a pessoa que é cega, definir o percurso de um som em
movimento, tal como um automóvel, em relação à sua própria posição, ou seja,
paralelo, defronte, de um ângulo, ao caminho para onde ele está voltano, parece muito
mais difícil do que localizá-lo em separado e em diferentes pontos ao longo do caminho.
Mas o movimento dos automóveis é contínuo. O instruendo deve aprender a seguir o som
visualizando a linha que ele faz quando passa ao pé do seu cotovelo ou em frente da sua
face. Só quando ele pode fazer isso é que está apto a atravessar convenientemente uma
rua e apto a dizer se se inclina em direcção à corrente do tráfego ou na direcção
contrária.
Ensinando o alinhamento do
som
Em vez de pôr o instruendo
imediatamente em contacto com o trânsito, deve-se ensinar-lhe a seguir um som em
movimento, dentro de casa, onde ele pode sentar-se em segurança e onde o som pode ser
interrompido em muitos e diferentes pontos. Embora o tipo de audição seja o mesmo que
lá fora, os sons podem variar desde o bater saltos, a um aparelho eléctrico que dá
sinais e que é transportado, ao chocalhar de chaves. O instrutor, deslocando-se, pode
mover o som em modelos especiais familiares para o instruendo, tais como um quadrado, um
triângulo ou uma letra do alfabeto. O instruendo deve visualizar e descrever em seguida o
modelo que está a ser feito. Ele apenas poderá fazer isto se seguir adequadamente o som.
Outros métodos, melhores para
praticar o alinhamento de som, poderão ser executados no futuro. Estamos presentemente a
tentar desenvolver uma série de fitas de treino com informação direccional do tipo de
que temos estado a falar, de diferentes situações do trânsito. Estas, esperamos, serão
um dia executadas pelo instruendo antes e no período durante o qual ele tem que lidar com
o trânsito fora de portas. Contudo, nesta altura, essas fitas não estão ainda
suficientemente aperfeiçoadas a ponto de poderem ser usadas para treinos.
Detecção de obstáculos
Sabemos hoje que o "sentido de obstáculo"
é, tanto nos homens como nos animais, uma função do som reflectido. Os morcegos e os
porcos-marinhos têm a capacidade de detectar os obstáculos. Fazem-no emitindo sons que
são reflectidos do obstáculo e interpretando o resultado combinado do eco e do som em
marcha, com uma velocidade tal que eles podem ir ao encontro do objecto em questão ou
evitá-lo, conforme ele é desejável ou perigoso.
Temos muito que aprender acerca do
uso humano deste sentido do obstáculo. Sabemos que se pode treinar as pessoas cegas no
sentido de detectarem superfícies reflectores quer em frente delas quer ao lado; essas
superfícies podem ser paredes, quadros de ardósia (usados no ensino) ou as linhas dos
edifícios. Sabemos também que é possível detectar aberturas ou intervalos nessas
superfícies.
Ensinando os cegos a
detectar obstáculos
Não há qualquer espécie de
magia em ensinar um cego a detectar obstáculos. Muitos dos instruendos que vêm ter
connosco, tiveram já vagamente a consciência de que têm qualquer "sensação"
quando se aproximam de qualquer coisa, uma sensação de "aproximação".
Normalmente as pessoas que a sentiram tiveram alguma dificuldade em descrever essa
sensação. Contudo, a maior parte dos instruendos fica verdadeiramente espantada por ser
capaz de detectar a presença de alguma coisa (por vezes alguém) na sua vizinhança.
Ensinamos a detecção de
obstáculos usando quadros de pedra de aproximadamente cinco pés de altura, que são
excelentes superfícies reflectoras. Os quadros são colocados ou em frente do instruendo
que caminha em direcção a eles ou então ao seu lado de maneira que ele caminhe perto
deles. Pede-se então que indique quando passa pelo quadro. Primeiro pedimos ao instruendo
que vá falando à medida que avança em direcção ao quadro. Ele pode fazer isto
facilmente. Parece ser este também o caminho mais fácil para o tornar consciente da
mudança do som à medida que ele se aproxima do obstáculo. Quando já é capaz de
conseguir parar antes de chegar ao quadro (o qual deve estar sempre a diferentes
distâncias do ponto de partida), pedimos-lhe que caminhe novamente em direcção ao
quadro, desta vez sem falar.
Os instruendos diferem naquilo que
experimentam neste período. Alguns dos que conseguem parar antes de ir de encontro ao
obstáculo, afirmam ouvir uma mudança do som dos passos à medida que se aproximam do
quadro. A maior parte deles, contudo, não ouve esta mudança. Ensinou-se-lhes a caminhar
normalmente até ao quadro e os seus passos são silenciosos. O que experimentam é uma
sensação de aproximação que é interpretada como uma sensação de pressão na face.
Daqui resultou o primitivo e algo enganador nome dado a este fenómeno - "visão
facial" - um fenómeno que é hoje em dia conhecido como detecção de
reflexão auditiva. A sensação é alternadamente descrita como
aproximação; sombra; escuridão (não escuridão visual porque a luz não tem nada que
ver com este assunto); sensação de estar numa cave; sensação de estar num túnel, e
mais vulgarmente a sensação de qualquer coisa vindo sobre a cabeça ou à volta dos
ouvidos. Como esta sensação é muito forte e se dá na maior parte dos casos, no
ensino da detecção dos objectos preferimos que o instruendo procure a sensação em vez
de procurar a mudança do som. No último caso, se o instruendo caminha normalmente, em
alguns casos os seus passos serão audíveis e noutros não, mas a sensação continuará
em qualquer situação. Contudo, dizemos-lhe que aquilo que ele experimenta é na
realidade um fenómeno auditivo, e que, onde não houver um som a ser reflectido da
superfície de um objecto ou obstáculo também não haverá sensação de pressão.
O instruendo aprende também a usar
essa sensação de aproximação como uma indicação de que ele está a passar ao lado de
qualquer coisa, tal como um quadro (durante a classe) ou uma árvore lá fora. O mesmo
princípio continua a operar, mas a sensação é agora mais forte de um dos lados da
cara. É por vezes descrito como uma cavidade sobre a orelha, como uma concha do mar.
O instruendo que aprendeu a
aproximar-se de um obstáculo e a parar antes de ir de encontro a ele e a indicar quando
está a passar ao lado de qualquer coisa, é seguidamente ensinado a detectar aberturas
tais como passagens, becos e esquinas da rua. Normalmente se ele desenvolveu a sua
perícia em localizar pela sensação superfícies reflectoras, será também capaz de
dizer onde elas acabam - na abertura. Conheci instruendos que atravessavam uma abertura de
mais de oito polegadas entre dois quadros de pedra e que paravam no meio porque sentiam
uma sensação de abertura oposta a uma sensação de fechamento.
O nível de perícia que pode ser
atingido nesta área varia consideravelmente entre os indivíduos. Muitos instruendos
lutarão durante semanas sem que suceda nada de extraordinário - esbarram sempre com o
quadro. Um dia subitamente, alguma coisa se produzirá e então virá a sensação, quando
o instruendo parar, antes do obstáculo.
Estamos ainda a examinar este
fenómeno. Embora se saiba que é um fenómeno auditivo no qual a orelha nota uma
alteração no grau de elevação do som, sabe-se também que para muitos esta alteração
não é conscientemente perceptível, mas que a sensação de pressão
o é. A maneira como as duas se relacionam está ainda por determinar. Sabemos que a
capacidade para detectar objectos ou grandes superfícies reflectoras é extremamente
útil para uma pessoa cega. Ajuda-a a dizer o tamanho e dimensões de uma sala, escutando
as suas propriedades de eco e também se ela está cheia ou vazia. Ajuda-o a saber quando
alcança a parede em direcção à qual caminha; a descobrir entradas se a porta está
aberta; e a dizer quando passa por um beco ao descer a rua, e quando está à esquina da
rua.
Na medida em que este fenómeno é
tão importante para a pessoa cega, é igualmente importante que aprendamos mais sobre
ele. Queremos saber como é que o ruído ambiente afecta a sensibilidade na detecção de
obstáculos, e que factores psicológicos inibem a capacidade do cego para percepcionar os
sinais auditivos. Estas e outras perguntas merecerão futuramente a nossa atenção.
Estamos ainda a tentar determinar o efeito do género de treino auditivo que faremos para
a capacidade de detectar obstáculos. Foram feitos testes preliminares a vinte instruendos
do Centro de Reabilitação St. Paul; fizeram-se testes cerca do início (na terceira
semana) e cerca do fim (décima quinta semana) de um programa de dezasseis semanas.
Discriminação do som no
ruído de máscara
Há, para todos nós, muitas
situações na vida em que estamos num sítio muito barulhento, tentando escutar uma
determinada coisa. Podemos estar numa festa entre uma grande algazarra de vozes, tentando
escutar a nossa conversa ou a de outra pessoa. Ou podemos também estar metidos numa
conversa com diversas pessoas, ou a ver televisão e a tentar ouvir a campainha do
telefone no quarto ao lado. Para o cego, as situações em que ele precisa ouvir
discriminadamente, multiplicam-se, porque em muitas situações barulhentas, tais como
atravessar uma rua movimentada ou manobrar numa área comercial em que as pessoas visuais
podem utilizar a visão, o cego deve permanecer atento aos sons que são importantes para
ele, ouvindo.
A discriminação do som no ruído
de máscara é uma ciência importante que o cego deve desenvolver. Requer uma
concentração da atenção naquilo que ele pretende ouvir e uma "expulsão" dos
elementos auditivos que são inconvenientes para os seus fins. A discriminação do som no
ruído de máscara significa uma facilidade crescente em apanhar um som fraco quando há
um som alto presente ou próximo. Significa ser capaz de ouvir o fraco motor do carro
atrás do grande caminhão, e saber que há dois veículos que têm de passar antes de
poder atravessar, e não um. Claro que há limites para a nossa capacidade de fazer isto,
porque há limites, fisiologicamente para a audição do indivíduo e há um ponto no qual
o ruído de máscara se torna tão forte que por mais atenta e concentrada que esteja a
pessoa cega, não consegue ouvir o ruído mais fraco. Contudo, dentro destes limites o
factor de atenção tem um papel importante.
O instruendo pode aprender a ouvir
discriminadamente um só som que é mais fraco do que o ruído de fundo. Podem-se pôr os
dois sons numa fita de gravador. À medida que o ruído de fundo aumenta de volume,
torna-se mais difícil discriminar o pequeno som que ele quer ouvir. este género de
concentração de atenção é um factor chave na discriminação do som, distinguindo o
instruendo que está alerta para muitos sons à sua volta do instruendo que parece ter
dificuldade em captá-los.
Treinando os restantes
sentidos
Ao treinar os restantes sentidos
de um cego, encontra-se muitas vezes hipersensibilidade e mesmo resistência a enviar a
informação daquilo que o rodeia, anteriormente obtida pela visão, através de outros
canais sensoriais. A alguns instruendos parece-lhes artificial, pouco natural e
perturbador usar, para obter informação, meios de que as pessoas visuais não
necessitam. Por exemplo, alguns instruendos, embora gratos por poderem aprender a usar
melhor a sua audição, estão desgostosos por terem de o fazer assim. Isto é muito mais
perturbador no início do treino antes de os novos moldes de comportamento se terem
tornado automáticos e simultaneamente, parecerem mais naturais. Como o sucesso se dá com
mais frequência, aquilo que é normalmente tomado como compensação torna-se
efectivamente uma realidade. Como o instruendo continua a encontrar novos meios de obter
informação acerca daquilo que o rodeia, uma vez obtida através da visão, constrói
moldes de sucesso que o irão ajudar a renovar a sua confiança em si mesmo.
ϟ
Ms Fields é instrutora de treino
sensorial no Centro de Reabilitação para Cegos de St. Paul
Newton, Massachusetts, e membro de pesquisa do Centro
Americano para Pesquisa da Cegueira e Reabilitação, um
laboratório fundado no ano passado e unicamente devotado aos
problemas médicos, psicológicos, sociológicos e de
reabilitação dos cegos, também localizado em Newton,
Massachusetts.
in «The Next
Outlook for the Blind»
Janeiro de 1964 - nº 1 - vol. 58 - pág. 2
Δ
publicado
por
MJA
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