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 Sobre a Deficiência Visual

Toque o Bebé!

-Sugestões aos Médicos e Profissionais que atendem Crianças com Deficiência Visual-

Lois Harrell
 




Visão subnormal e Cegueira

Tanto a visão subnormal quanto a cegueira podem causar situações constrangedoras para o indivíduo com deficiência visual na relação com a família, escola e trabalho. A deficiência visual pode também estar associada a outras deficiências. Após diagnóstico oftalmológico, surgem situações indagantes para o oftalmologista e a preocupação com a manutenção e a melhora da qualidade de vida de seu paciente.


O que pode ser feito?

- Esclarecer a família e/ou paciente sobre o diagnóstico;
- Encaminhar para serviços de habilitação/reabilitação, em qualquer faixa etária, o mais precocemente possível;
- Orientar a família e/ou paciente sobre a importância da habilitação/reabilitação para promover o desenvolvimento do indivíduo deficiente visual;


Serviços de habilitação/reabilitação:

A equipe multiprofissional da habilitação/reabilitação é composta por profissionais da área da saúde e da educação com especialização em deficiência visual, que facilitará:

- o acolhimento da família;
- a melhora da eficiência visual e do desenvolvimento neuro-psicomotor;
- a adaptação na vida familiar, escolar e no trabalho, auxiliando a ampliar as perspectivas da família e do paciente;
- melhorar a eficiência visual;
- facilitar a integração dos sentidos remanescentes;
- resgatar a auto-estima;
- melhorar o vínculo afectivo;
- prevenir futuros défices;
- inserir a criança no sistema educacional regular;
- adaptar auxílios ópticos e não ópticos necessários à melhora da eficiência visual;
- favorecer o pleno desenvolvimento sócio-afectivo;
- propiciar o acesso a recursos tecnológicos e materiais adaptados;
- promover e resgatar a autonomia e independência pessoal-social;
- favorecer a colocação e a readaptação profissional.

 

Bebés

Se você tem entre seus pacientes um bebé cego ou com deficiência visual, ajude-o a ter contacto com o mundo exterior. Quando for cuidar dele no hospital ou no consultório médico, lembre-se que vivemos cercados por sons, odores e sensações que podem ajudá-lo a formar uma imagem do ambiente que o cerca. Bebés cegos não percebem "pistas" visuais que possam preveni-los sobre uma situação desagradável. É importante despertar a curiosidade do bebé e ajudá-lo a participar do mundo.

Procure chamar o bebé pelo nome, fazendo-o entender que ele faz parte dos acontecimentos. Ele aprenderá a se concentrar em pistas auditivas, tácteis e olfactivas para entender o que está acontecendo ao seu redor.

Fale muito com o bebé, pois a voz humana sugere uma interacção. Mesmo que não compreenda as palavras, os sons e o tom de sua voz estabelecem uma relação entre vocês.

Avise sobre um desconforto que vai ocorrer. Um ligeiro bater de calcanhares antes de aplicar injecções ou tomar a temperatura por exemplo, permite ao bebé associar esta pista auditiva com o acontecimento de um facto desagradável. Isto evita um retraimento generalizado e manterá o bebé receptivo a um contacto humano positivo.

Toque gentilmente na mão do bebé antes de lhe apresentar um objecto. Isto impede a ideia falsa de que as coisas aparecem do nada, ou desaparecem para dentro do nada. Os bebés cegos aprendem o conceito de "permanência do objecto" através dos outros sentidos. Este conceito dá ao bebé a noção, de que o objecto existe mesmo quando não está presente.

Segure o bebé enquanto estiver alimentando-o estabelecendo assim, um contacto físico positivo, que irá compensar algum desconforto do tratamento hospitalar. Isso possibilita ao bebé compreender o processo da alimentação.

Guie as mãos do bebé para que ele apalpe e sinta as diferentes texturas, estimulando sua curiosidade e o sentido do tacto. Isso pode ajudá-lo a estabelecer o conceito de alcançar, de pegar e segurar os objectos.

Toque o bebé sempre que possível. O único conhecimento que os bebés cegos têm do mundo é através dp contacto com pessoas. Sem seu aconchego eles permanecerão isolados do ambiente. Descreva as partes do corpo do bebé ao ir tocando e massageando gentilmente cada uma delas. Faça com que ele perceba estes movimentos delicadamente, ao mesmo tempo em que toma consciência da imagem do seu corpo. Carregue-o com frequência, ajudando-o a entender que é parte do mundo e não um mundo dentro de si próprio.

Brinque com o bebé cego sempre que possível. Nessa fase inicial de sua vida ele precisa de muita interacção positiva. Mime-o um pouco.


Recém-nascidos 

É importante agir cuidadosamente com o bebé recém-nascido, cujo sistema nervoso muitas vezes ainda não se encontra suficientemente amadurecido e tem dificuldade para tolerar alguns estímulos. Suas energias estão concentradas em sua sobrevivência.

Lembre-se sempre de:

  • Falar com o bebé antes de tocá-lo ou pegá-lo no colo, ajudando-o a antecipar esta acção.

  • Entender as reacções de todo seu corpo e não apenas de seus olhos. Lembrar-se que o bebé ainda não estabelece ligações significativas com outras pessoas, ou nem mesmo compreende que existem outras pessoas.

  • Condicionar o bebé a associar a voz humana ao contacto físico, através de conversa suave e agradável antes de cuidar dele.

  •  Desenvolver padrões para os cuidados regulares, condicionando o bebé a antecipar mudanças e dessa forma levar menos sustos. Por exemplo, ao colocar a sonda de alimentação diga-lhe: "é hora de comer" e gentilmente toque seu narizinho antes de inseri-la para que ele possa antecipar e entender o que vai acontecer. 

 

Pré-escolares

Geralmente na fase pré-escolar, as crianças cegas com desenvolvimento normal, já formaram algumas associações e imagens para compreender o mundo. Elas têm noção da permanência do objecto e estão começando a entender relações de causa e efeito.

A mobilidade ajuda-as a satisfazer a curiosidade e saber o que está acontecendo à sua volta, entendendo as descrições verbais. 0 isolamento total é trágico nesta fase, representando rejeição de um mundo do qual elas apenas tem alguma percepção.

Evite o isolamento da criança e a sensação de rejeição agindo sempre com os seguintes cuidados:

  • Dirija-se à criança pelo nome quando entrar no aposento, mesmo que você só esteja de passagem. Isto reforçará a sensação de contacto humano e reduzirá qualquer sensação de isolamento.

  • Explique sempre o que você está fazendo. Diga-lhe quando está servindo água, tomando-lhe o pulso ou anotando na papeleta. A criança ficará atenta a padrões e começará a entender o que se passa. Isto reduzirá seu medo do desconhecido.

  • Avise a criança quando ela for sentir algum desconforto: isto evitará um medo generalizado.

  • Descreva a sala e as mudanças de ambiente. Se ela for para o Raio X, por exemplo, descreva o caminho para que ela possa usar "pistas" sensoriais tais como odores e sons.

Faça a criança caminhar bastante, tanto quanto possível. A criança cega em fase pré-escolar, desenvolve uma percepção do espaço através da mobilidade. A falta de mobilidade pode levar ao isolamento, tornando-a retraída.

Mantenha a TV, o rádio e outros sons artificiais desligados tanto quanto possível, permitindo que ela possa compreender os outros sons do ambiente.

Apresente-lhe muitos objectos incentivando-a a manuseá-los. Mostre-lhe a comida da bandeja, como ela está distribuída e como abrir as vasilhas. Coloque a "campainha de pedir auxílio" num lugar acessível e mostre-lhe o funcionamento. No banheiro, conte onde está o papel higiénico, o sabonete, etc. Isto vai ajudá-la a se tornar independente e a sentir, que suas próprias acções desencadeiam relações de causa e efeito.

Esclareça sobre procedimentos e ambientes estranhos, mesmo que ela ainda não possa compreendê-los. O comentário sobre as actividades, e o seu tom de voz, irão tranquilizá-la nesse ambiente diferente; por exemplo, se o berço que a criança usa em casa não tiver grades e de repente ela for colocada em um berço com grades, poderá sentir-se enjaulada e vai estranhar muito mais do que uma criança vidente.

Evite discutir com outras pessoas a situação da criança quando ela estiver presente. Ela compreende muito mais do que demonstram suas expressões.


Crianças pré-escolares com deficiência visual

As crianças que estão na pré-escola correm o risco de que outras crianças pensem que elas enxergam mais do que realmente enxergam. Além disso, a pouca visão pode distorcer a imagem visual do objecto e interferir com sua percepção. O uso funcional da baixa visão pode ser ainda mais prejudicado pelas circunstâncias estressantes de uma internação hospitalar, devido ao ambiente estranho e separação da família.

Nunca se esqueça:

  • Dirija-se à criança pelo nome, e apresente-se ao entrar no quarto, para desempenhar suas tarefas. Apresente-lhe as outras pessoas que também venham a participar da tarefa.

  • Explique como as coisas funcionam e ajude-a a explorar os objectos com suas próprias mãos, apalpando coisas, tais como estetoscópios e cadeiras de rodas. Isso reforça as mensagens visuais.

  • Estabeleça com ela bastante contacto positivo, tanto verbal como físico para lhe proporcionar a sensação de aprovação, mesmo que ela não possa ver o que se passa.


A criança que ficou cega recentemente

A criança que ficou cega há pouco tempo tem que lidar com dificuldades especiais e muitos temores. Sua ajuda neste momento inicial é muito importante para sua adaptação.

Lembre-se de mostrar-lhe que ela não está sozinha. É comum que ela sinta um isolamento assustador com a perda da visão e sinta ansiedade quando for deixada sozinha.

Uma conversa calma pode diminuir o medo. Ela ainda não desenvolveu a capacidade de entender as diferentes inflexões de voz. Use o tom da sua voz para confortá-la.

Dê-lhe muito contacto físico positivo. A criança não tem mais a possibilidade de ver as coisas a que estava acostumada, como por exemplo os olhares de aprovação que lhe davam segurança. Compense esta falta com contacto físico.

Ajude-a a aprender através do tacto. Estimule a criança a apalpar e manusear objectos e peça-lhe para descrever o que está vivenciando. A criança pode repelir essa experiência táctil, portanto faça-o de modo cuidadoso.

 

Os médicos e o atendimento clínico

Qualquer criança pode se sentir estressada ao passar por uma consulta médica ou ir a uma clínica. Pacientes cegos ou com deficiência visual não podem acompanhar a experiência à medida em que ela ocorre.

Não esqueça de:

  • Descrever a sala de exame: deixe a criança explorar activamente o local. Isso diminui seu desconhecimento. Por exemplo se ela souber que existe uma pia dentro da sala, será capaz de associar o ruído da água caindo, com o facto do médico estar lavando as mãos.

  • Colocar objectos para ela brincar na sala de espera que sejam adequados à sua idade.

  • Mesmo sabendo que será uma consulta de rotina não lhe diga "não doerá". Sem visão para distrair seus pensamentos durante a espera, ela poderá ficar pensando nas consultas anteriores quando realmente doeu.

  • Evitar o desgaste, não fazendo da dor o centro das atenções. Deixe a criança escutar os relatos positivos a seu respeito e evite comentar em sua presença o que há de errado.

Peça ao médico que se lembre dessas orientações na hora em que ele for atender pré-escolares, cegos ou deficientes visuais. Sugira ao médico que chame a criança pelo nome, que explique o que irá acontecer e o porquê, com antecedência; que permita à criança manipular os instrumentos a serem usados, com uma explicação do modo como entrarão em contacto com seu corpo.

Encoraje os pais a fazerem com antecedência um pequeno ensaio antes da consulta ao médico com a criança, quando for possível. Os pais podem brincar de tirar a medida, o peso, a temperatura, e checar os reflexos. Faça com que a criança inspire profundamente e ausculte o seu coração. Deixe a criança, brincar de médico, tendo um dos pais, outra criança ou uma boneca como paciente. Se, com antecedência você souber o tipo de exame que o médico fará na criança, explique-o aos seus pais e peça-lhes que transmitam a ela uma explanação sobre a rotina do mesmo. Seja sincero e garanta à criança que esses procedimentos são normais. Inclua brincadeiras de simular uma sala de espera por exemplo, com outros pacientes, telefones e recepcionistas.
 


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texto adaptado do livro:
Touch the Baby: Blind and Visually Impaired Children as Patients, helping them respond to care
autora: Lois Harrell  (1984)
tradução: Risoleta Abrahamsson
adaptação do texto original: Mara O. Campos Siaulys

«Toque o bebé!» é uma publicação de LARAMARA
Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual
 

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publicado por MJA