Meninas cegas - fotografia de August Sander, cerca de 1930
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RESUMO: A VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE POR ADOLESCENTES PORTADORAS
DE DEFICIÊNCIA VISUAL
A adolescência é uma fase da vida em que se dá a
maturação sexual e é acompanhada por transformações psicológicas e sociais. As
pessoas portadoras de deficiência visual estão sujeitas ao mesmo processo, mas
este é um tema escassamente tratado pela literatura. Devido às transformações
nesta fase da vida, as indefinições que as acompanham, somada à deficiência
visual, justifica-se um estudo sobre a vivência da sexualidade das adolescentes
portadoras de deficiência visual inseridas na sociedade e na comunidade escolar.
Foram entrevistadas cinco adolescentes deficientes visuais em um Centro de Apoio
Pedagógico (CAP) para cegos e ou deficientes visuais com questões que buscaram o
conhecimento e a compreensão por parte das adolescentes sobre as causa da sua
deficiência visual, seu grau de escolaridade, composição e orientações
familiares, experiência afetivo-sexual, nível de conhecimento acerca de assuntos
relacionados à sexualidade dentre eles métodos contraceptivos e doenças
sexualmente transmissíveis (DSTs). Os resultados permitiram perceber que as
adolescentes deficientes visuais apresentam as mesmas características de
desenvolvimento da sexualidade das demais pessoas, embora possuam
características próprias. A falta da visão não diminui o interesse sexual,
apenas faz com que a curiosidade sobre esse assunto torne-se diferenciada: elas
querem conhecer seus corpos e seu funcionamento. Como todas as adolescentes, as
jovens que não vêem também buscam definir sua identidade e seu lugar na
sociedade. Além disso, querem descobrir sua própria sexualidade e encontrar
meios adequados para expressar seus impulsos sexuais e vivenciar relacionamentos
afetivos. Está presente o desconhecimento sobre métodos contraceptivos e
DSTs, sendo as informações superficiais. Reflete-se que para gerar uma cultura
de promoção da saúde é imprescindível que o conhecimento se faça de forma
acessível para esta população. Acreditamos que as adolescentes deficientes
visuais devem tomar suas próprias decisões exercendo assim seus direitos e
deveres para o pleno exercício de sua cidadania.
INTRODUÇÃO
1.1 Vivência da pesquisadora com a temática
Desde criança tenho contato com pessoas
portadoras de deficiência visual, pois minha mãe trabalha como professora
itinerante, dando suporte a alunos com necessidades especiais em salas de aula, há
mais de vinte anos. Dessa forma, sempre tive interesse de saber como esses
deficientes se relacionavam com as pessoas videntes, como eles estudavam, se
locomoviam, praticavam esportes, enfim como eles desempenhavam suas atividades de
vida diária e se eram capacitados para isso. Muitos desses questionamentos
foram respondidos pela minha mãe e outros foram esclarecidos com os próprios
deficientes, em momentos de lazer
proporcionados pelas escolas onde estudavam
e pela vivência nessas escolas,
quando algumas vezes, as visitava.
Meu interesse era tanto que ainda durante o
ensino fundamental fui buscar conhecimentos mais aprofundados na área de
deficiência. Para isso apresentei trabalho com essa temática nas chamadas
“feiras de ciências” promovidas pelo colégio onde estudava.
Ao ingressar no Ensino Superior, mais
precisamente no Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do
Ceará, percebi que a Enfermagem era muito mais que cuidado direto ao paciente e
que os alunos eram estimulados a realizar pesquisas científicas. Conheci,
então, os vários projetos de pesquisa
oferecidos pelo Departamento de Enfermagem
nas mais diversas áreas de atuação do enfermeiro. Entre eles, optei
imediatamente pelo Projeto Integrado Saúde Ocular. O Projeto Integrado Saúde Ocular vem
contribuindo para a melhoria das condições de vida de grupos específicos de
pessoas portadoras de deficiência
visual, mediante educação em saúde, ao
investigar as relações sociais, o perfil dos
serviços que atendem essa clientela e as
ações ali desenvolvidas. Participo desse
grupo de pesquisa como bolsista desde março
de 2003 e já desenvolvi alguns
trabalhos nessa temática. Entre eles
menciono os seguintes: O adolescente
deficiente visual na escola; A comunicação
entre profissionais de saúde e portadores de deficiência no ambiente hospitalar: a
perspectiva do profissional de saúde; Estudo sobre as causas de
cegueira/deficiência visual em uma dada população. Além desses, produzi trabalhos na temática
de acessibilidade dos portadores de deficiência aos serviços básicos de saúde. Esses trabalhos foram realizados em
diferentes locais: escolas de ensino fundamental e médio que recebem pessoas
portadoras de deficiência visual; hospitais não especializados da cidade de
Fortaleza; Associação de Cegos doCeará (ACEC) e em unidades básicas de saúde
da família das cidades de Fortaleza e Sobral. No primeiro estudo, referente ao adolescente
deficiente visual na escola, tivemos os objetivos de compreender como se
processavam as relações interpessoais dos adolescentes deficientes
visuais no ambiente da escola e de descrever esse ambiente escolar. Conforme
concluímos são numerosos e desafiadores os obstáculos que dificultam ou
impedem a locomoção, a livre circulação, a comunicação, a interação
física e social dos deficientes visuais em suas atividades diárias.
Não raro, essas pessoas convivem com
atitudes, atos discriminatórios e estruturas excludentes que convertem o
cotidiano em campo de batalha e tornam a condição de cidadania mera abstração ou um
ideal inatingível. A inserção de um deficiente visual na vida escolar, mesmo com
toda a acessibilidade disponível, pode se tornar difícil em decorrência do
preconceito e da falta de informação dos educadores e dos próprios colegas. Para
muitos deficientes visuais a adaptação em escolas regulares é dificultada porque há
poucos professores treinados para lidar com quem tem cegueira, além de faltar
material didático apropriado (BEZERRA; PAGLIUCA, 2006).
No segundo estudo, sobre a comunicação entre
profissionais de saúde e
deficientes visuais, concluímos que o
despreparo dos profissionais para atender
essa clientela foi evidenciado pela
dificuldade de comunicação e presença de preconceito em relação a essas pessoas, pois
nem na formação acadêmica estes profissionais são capacitados para suprir as
necessidades dos deficientes visuais (PAGLIUCA; MACEDO, 2004). Já no terceiro estudo, referente às causas
de cegueira/deficiência visual, pudemos constatar que o glaucoma, a
catarata, a retinopatia da prematuridade e os traumas oculares foram as principais causas
de cegueira identificadas em uma população inserida numa associação de cegos.
Verificamos também a escassa literatura sobre estudos que relatassem
causas de cegueira. Além dessas lacunas, outra igualmente
importante revelou-se, qual seja: mesmo com os avanços do movimento pela
sociedade inclusiva, ainda há um aspecto pouco discutido em relação à
adolescência de pessoas com deficiência, a sexualidade.
1.1.1 Sexualidade e deficiência visual
O adolescer das pessoas com deficiência é um
tema escassamente tratado pela literatura. Entretanto, a grande
maioria dos indivíduos com deficiência chega à puberdade, com a conseqüente maturação
sexual, como os demais adolescentes sem deficiência. Contudo, de acordo com o
senso comum as pessoas com deficiência aparentemente não vivem esta
etapa do seu desenvolvimento, pois as mudanças físicas não corresponderiam às
psicossociais. Entre todas as modificações apresentadas
nesta etapa da vida de qualquer pessoa, destacam-se aquelas relacionadas à
sexualidade. Até então auto-erótica, a sexualidade sofre transformações do ponto de
vista qualitativo, e os adolescentes
com deficiência, conforme o nível de
comprometimento, assim como os que não têm deficiência, sentem-se estimulados a buscar
satisfações amorosas e genitais. Como referimos ao propor trabalhar sobre a
temática da sexualidade de deficientes visuais, defrontamo-nos com a
escassez de literatura, com preconceitos e estigmas. Estes, quando vivenciados por
deficientes, em especial o visual, adquirem proporções incalculáveis, sobretudo
pela ênfase atribuída por nossa cultura aos padrões estabelecidos para o feio e o
belo, o normal e o anormal, o velho e o jovem.
A ausência de estudos que revertam às
origens desses tabus, e que lancem questionamentos na busca de revisar novas
práticas morais e sociais, para serem legadas a novas gerações, instiga-nos o
interesse de prosseguir nessa caminhada. Com essa finalidade, procedemos a uma
revisão das publicações na área de saúde sobre sexualidade e deficiência
através da Biblioteca Virtual Bireme. Consultamos, então as bases de dados
Medline, Adolec e Scielo. Selecionamos apenas os artigos, em face da sua maior
circulação no meio acadêmico e profissional. Assim, as dissertações e teses
não compuseram o acervo. Quanto ao período da pesquisa, foi de 1990 a 2003.
Este recorte temporal foi operado devido ao fato de, na década de 1990, ter se
iniciado a atenção sistematizada à saúde dosadolescentes na América Latina e também por
ter sido esta uma época na qual as investigações sobre as práticas e
representações sobre sexualidade sofreram forte impulso decorrente, entre outros fatores, da
epidemia da Aids. Um dos primeiros artigos localizados sobre a
temática tinha como objetivo compreender como é estar na adolescência
para portadores de deficiência visual (BRUNS; SALZEDAS, 1999). De acordo com o
artigo constatou-se uma vivência permeada por preconceitos e tabus, na qual o
diálogo entre pais e filhos, em especial sobre a sexualidade, é escasso,
sobretudo porque os pais não reconhecem a sexualidade dos filhos deficientes. Nesse
contexto, a escola se faz presente e desempenha um papel fundamental na
integração social destes jovens particularmente como mediadora das relações
entre o portador de deficiência e sua família. Concluiu-se que a escola poderia,
portanto, possibilitar a conquista de um
lugar produtivo para estes jovens na
sociedade, e promover a mobilização das pessoas para ver o portador de deficiência
visual sem reduzi-lo à cegueira. Outro estudo também localizado objetivou
conhecer e compreender a orientação sexual propiciada por mães
dotadas de visão a filhos(as) cegos(as), por intermédio da entrevista compreensiva com 20
mães cujos filhos são portadores de deficiência visual (BRUNS, 2000). Como
mostrado, não existe diálogo acerca da sexualidade com os filhos deficientes,
especialmente em razão da dificuldade de abordar o tema e também pela idéia bastante
comum que o deficiente visual seja assexuado. Diante do evidenciado, urge
conscientizar os familiares de maneira a despi-los dos preconceitos em relação à
sexualidade dos portadores de necessidades especiais. Segundo Bernardi (1985), a família tende a
imprimir na personalidade dos subordinados determinada estrutura psíquica,
aprovada pela sociedade e, para isto, vale-se de meios sugeridos pela própria
sociedade. Assim, a dificuldade e/ou facilidade em lidar com a própria
sexualidade é estabelecida pela própria história de cada sociedade que cria e recria normas de
repressão e estatutos para controlar o exercício saudável da sexualidade.
No estudo sobre a relação afetivo-sexual de
pessoas dotadas de visão com pessoas cegas (BRUNS, 2001), foi possível
apreender vários aspectos significativos expressos pelas pessoas dotadas de visão.
Estes aspectos tinham como finalidade ocultar facetas de suas experiências sexuais
e a superficialidade daqueles que expuseram suas vivências sexuais com pessoas
cegas. As convergências entre os depoimentos
apontaram para a construção e a manutenção de preconceitos e estigmas, bem
como da repressão sexual que contribui para manter o distanciamento entre
dotados de visão e pessoas cegas. A integração do deficiente visual caminha em
passos lentos. Desse modo, a dificuldade de expor publicamente o
relacionamento amoroso está ancorada na ausência efetiva de uma política de
integração do deficiente. Política essa que
deveria possibilitar reflexões críticas em
relação aos conceitos de normalidade e idealidade. No referente às relações amorosas, estas
acabam tornando-se, muitas vezes, superficiais em razão dos preconceitos
dominante nos dotados de visão, provenientes dos seus faniliares e do meio
social. Consoante os depoimentos revelaram a influência dos familiares se faz
presente, seja na aceitação ou na não aceitação do relacionamento dos filhos
dotados de visão com um(a) ceg(a) (BRUNS, 2001). Por esse prisma, segundo constatamos, de
modo geral, a sexualidade de videntes ou não-videntes permanece ocultada,
embora estejam ocorrendo muitas modificações nestas últimas décadas. Entre
essas, mencionamos a busca de inclusão do cego no convívio social em
escolas e outras instituições e as adaptações arquitetônicas em prédios públicos e
privados, bem como em ruas, para a passagem segura daqueles que necessitam de cuidados
especiais. Mesmo com estas mudanças, que, sem dúvida contribuem para
ampliar o mundo de experiências do deficiente visual, mudanças outras são ainda
necessárias, tanto no universo familiar, quanto no universo escolar, especialmente
com relação à orientação sexual.
Conforme percebemos, no contexto da
adolescência, as mudanças fisiológicas, a sexualidade, a família, a
sociedade e a deficiência visual são fatores constitutivos do processo de crescimento
pessoal e profissional na busca da identidade, da autonomia e da independência.
Se já é complexo o processo de desenvolvimento que a criança, dentro dos
padrões de normalidade experiencia para atingir a maturidade, como se dará a
vivência do adolescente deficiente visual? De acordo com um estudo de levantamento de
informações e opiniões sobre sexualidade de adolescentes cegos
congênitos, mais do que as limitações impostas pela cegueira, as concepções sociais
advindas dela (segregação, rejeição ou superproteção por parte da sociedade como um
todo) influenciam a atitude do deficiente visual diante da sua sexualidade,
provocando um atraso no desenvolvimento da própria identidade e da
identidade social, quando comparados
com os jovens de sua idade (FOREMAN, 1989). Em decorrência das transformações orgânicas
ocorridas no período da adolescência, bem como das indefinições
socioculturais que afetam as pessoas nesta faixa etária, não obstante a
deficiência visual, que sofrem fatores externos, como aceitação pela sociedade, comunidade
escolar e ambientes onde estão inseridos, torna-se necessário um estudo
sobre a vivência da sexualidade desses jovens. No nosso estudo, optamos por trabalhar
somente com adolescentes deficientes visuais do sexo feminino. Essa
opção decorreu de alguns motivos, como: a superproteção recebida pelas meninas é
maior que a recebida pelos meninos por causa da educação reprimida; a mulher,
quando criança, é estimulada a ter bons modos e controle sobre suas vontades; a
mulher sente mais dificuldade em abordar assuntos relacionados à sexualidade. Pudemos confirmar essas hipóteses em alguns
trabalhos. Segundo Góis (1991, p.119) "somos educadas por mulheres,
numa sociedade onde a virilidade e o prestígio do macho estão longe de serem
apagados". Ainda conforme a mesma autora as mulheres são educadas para agirem
como filhas e mães sem passar pelo estágio de mulher. Ao se referir à sexualidade feminina,
Diamantino et al. (1993), assim se pronunciam: a mulher brasileira desde que
nasce é educada “para dentro”. É criada para servir, para ser obediente, casar,
respeitar seu marido, ter filhos, ser dona de casa, sujeitar-se a um trabalho exaustivo,
sem folgas ou reconhecimento. Segundo os autores, a mulher, na adolescência, não é
preparada para a vida, mas sim para negar o prazer, cheio de culpa, censura e
medo. Nesta fase, as questões sobre sexo geram constrangimentos e são respondidas de
maneira incompleta, quando não são ignoradas. Se ela deseja algo mais, lhe vem
inconsciente ou consciente a idéia de que não é certo.
Neste contexto cultural, pode-se comprovar
que quando algum problema
relacionado à sexualidade aflige as
mulheres, elas não têm a quem recorrer. Quando a queixa é feita aos profissionais da
área de saúde, estes mostram falta de interesse, como se a sexualidade não fizesse
parte da sua saúde (GOZZO et al., 2000). Com base nas considerações feitas
anteriormente, cabe aqui levantar algumas questões fundamentais aos propósitos
deste estudo: Qual o significado, para as adolescentes deficientes visuais,
das vivências afetivas e sexuais com as quais começam a lidar? Como são as formas de
relação entre as adolescentes deficientes visuais e de que modo se
articulam os sentimentos e a sexualidade nestas relações? Que tipo de informação
essas jovens possuem e têm acesso? O desenvolvimento da sexualidade é uma etapa
fundamental na vida do ser humano.
A nosso ver, a disseminação da
informação sobre o assunto é um dos elementos contribuintes para que alguns
tabus sejam revistos, e conseqüentemente seu exercício seja possível, saudável e
seguro. Para isto, este debate precisa ser implementado mais amplamente na sociedade,
em especial nas famílias, que encontram dificuldades para a discussão do
tema com seus filhos adolescentes, sobretudo quando eles têm algum tipo de
deficiência. Um dos entraves para a discussão da sexualidade das pessoas com
deficiência se deve à quase inexistência de relatos de experiência sobre o assunto.
Esta ausência talvez se relacione aos preconceitos e à discriminação ainda
presentes. Tais preconceitos muitas vezes sustentam a idéia de que eles não têm o
direito de exercer a sexualidade.
Conhecer o estado da arte da reflexão sobre
a sexualidade do adolescente com deficiência visual pode contribuir para
o entendimento destas questões. Ao mesmo tempo, o maior conhecimento da
temática pelos profissionais da saúde pode se refletir em melhor abordagem, tanto com
os familiares quanto com os adolescentes, favorecendo o cumprimento dos
seus direitos, incluídos os sexuais.
Fornecer conhecimentos sobre o corpo, a
sexualidade, comportamento sexual
e saúde sexual são também cuidados de
enfermagem. Portanto, a pesquisa ora desenvolvida pode ser de significativa
validade. Ademais, os raros achados de bibliografia e estudos sobre a sexualidade
de pessoas portadoras de deficiência visual também justificam nosso interesse
pelo assunto e a relevância do estudo. Isso propicia maior reflexão sobre o tema e pode
nos fornecer novas pistas sobre a educação sexual de deficientes visuais.
Melhorar o entendimento do assunto é acontribuição pretendida por nosso estudo.
1.1.2 Projeto Saúde Ocular e educação sexual
para deficientes visuais
O Projeto Saúde Ocular surgiu em 1993 na
Universidade Federal do Ceará e desde então desenvolve pesquisas com
deficientes visuais em todas as faixas etárias. Em relação às pesquisas e materiais
sobre sexualidade produzidos pelo Projeto podemos citar, inicialmente, o
artigo intitulado "Métodos contraceptivos comportamentais: tecnologia educativa para
deficientes visuais" (PAGLIUCA;RODRIGUES, 1998). O referido estudo deu
oportunidade ao deficiente visual de tatear uma hemipelve feminina em tamanho
natural, à medida que a explanação da anatomia e fisiologia dos órgãos externos
era feita. Nele também foram utilizados desenhos em
alto relevo, feitos em papel especial para dar uma idéia da localização
desses órgãos que demonstravam o canal vaginal, o útero, as trompas de
Falópio e os ovários. O desenho permitia ao deficiente visual identificar o percurso
feito pelo óvulo até chegar ao útero. Para facilitar a acompreensão dos interessados, o
aparelho reprodutor masculino foi abordado verbalmente e explorado mediante
tateamento de um protótipo peniano em tamanho natural. Neste puderam ser
identificados o orifício uretral, a glande, o saco escrotal e o pênis. As estruturas
internas também foram desenhadas em alto relevo. Por meio do tato, identificaram
testículos, epidídimo, canal deferente, vesícula seminal, próstata, bexiga e uretra
(PAGLIUCA; RODRIGUES, 1998).
Neste mesmo estudo também foram abordados os
métodos comportamentais
da tabelinha, da temperatura basal corporal
e da ovulação ou Billings. O método da tabelinha foi mediante exploração tátil de
um calendário criado para facilitar o cálculo do período fértil. Para isto, usou-se um
calendário com os 30 dias do mês, com leitura digital na qual empregaram pequenos
quadrados de velcro para cada dia. Este calendário era composto de uma parte
fixa, feita com a parte mais áspera do velcro, e outra parte móvel, utilizada para
identificar o dia em que houve a menstruação e o dia em que provavelmente a
pessoa irá ovular. Desse modo, pode- se identificar o período fértil. Para o
método da temperatura basal, exige-se um termômetro em que se possa fazer leitura
digital ou que informe a temperatura com viva-voz. Nesse caso, coloca a mulher
deficiente visual em desvantagem, por depender de um vidente para fazer a leitura
do termômetro. Diante das dificuldades expostas em relação ao uso deste método, não
houve demonstração de interesse pelos deficientes visuais.
Quanto ao método
da ovulação, foi exposto por meio da exploração tátil de clara de ovo para
simular o muco cervical (PAGLIUCA; RODRIGUES, 1998). Podemos citar ainda o artigo intitulado
"Métodos contraceptivos de barreira e DIU: Tecnologia educativa para deficientes
visuais". Este estudo ofereceu aos cegos um material educativo composto de um manual
de instruções, uma fita K7 e materiais para serem explorados pelo tato.
Conforme esclarecia o manual de instruções em braille, o material seria de
uso individual, auto-instrucional e poderia ser ouvido tantas vezes quantas fosse
preciso, com as interrupções necessárias. Entre os materiais explorados pelo tato
estavam as estruturas anatômicas do sistema reprodutor masculino e feminino,
como no trabalho anteriormente citado, além de espermicida vaginal com aplicador,
diafragma, camisinha masculina e uma prótese com a forma de pênis, camisinha
feminina e DIU. O texto da gravação orientava a exploração tátil do material ao
mesmo tempo em que instruía sobre seu uso (PAGLIUCA; RODRIGUES, 1999). Mencionamos, também, a criação de um jogo
educativo acerca das contra- indicações e dos efeitos colaterais dos
anticoncepcionais orais. Este material consiste em um jogo composto por duas peças
geométricas onde os círculos
representam as contra-indicações e os
triângulos os efeitos colaterais. O intuito
desse jogo é induzir os cegos a agrupar as
peças de acordo com a sua forma e, em seguida, fazerem a leitura das peças e, ao
mesmo tempo, a relação círculo (contra-indicação) e triângulo (efeito colateral).
Na identificação do material usou-se tinta e braille, para possibilitar a leitura pelo
vidente e pelo cego.
Também com a finalidade de orientação,
elaborou-se um manual sobre prevenção de câncer de mama para cegos. Este
manual explicava aos deficientes visuais a anatomia da mama, a constituição
do tecido mamário, o auto-exame das mamas e os padrões de normalidade e
anormalidade que poderiam ser encontrados nesse auto-exame. Apesar de estarmos desenvolvendo pesquisas e
materiais na área de saúde sexual para deficientes visuais, o material
disponível para orientação e educação em saúde nas escolas é apresentado,
predominantemente, na forma impressa em tinta. Dessa forma, o acesso para portadores de
deficiência visual é quase inviável. Daí a importância da relação paciente
versus profissionais de saúde e professores mediante canais de comunicação adequados.
1.2 Objetivo
Identificar as percepções das
adolescentes deficientes visuais acerca de sua
sexualidade.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 A adolescência
Nos últimos tempos, a adolescência tem
despertado crescente interesse por
parte das políticas públicas e da mídia e
tem sido objeto de estudo de disciplinas das mais diversas áreas do conhecimento. Desta
forma, de acordo com a literatura, há uma diversidade de conceitos para
caracterizar este período da vida. Contudo, diante da complexidade do tema, não há uma
definição clara, objetiva e única. Cada conceito traz particularidades e
diversidades de expressão de uma fase da vida conforme as diversas culturas e
sociedades. O ponto de partida, entretanto, é abordar esta fase específica do
desenvolvimento humano, caracterizada por mudanças fundamentais para que o indivíduo
possa atingir a maturidade e se inserir na sociedade no papel de adulto (UNICEF,
2002).
A Organização Mundial da Saúde – OMS (World
Health Organization - WHO, 1998-2003, por sua vez, introduz um
conceito de adolescência, amplamente aceito na área da saúde, e reconhece como
adolescência o período da vida situado entre 10 e 19 anos, caracterizado pelo
amadurecimento físico, psicológico e social, transição da infância para a idade adulta.
Esta é subdividida em dois períodos: 10 a 14 anos, fase em que há o aparecimento de
caracteres sexuais secundários, e 15 a 19 anos, finalização do crescimento e
desenvolvimento morfológicos. Essa definição é importante porque concentra
a atenção em dois extremos, os quais mostram as necessidades tanto
daqueles que estão saindo da infância como dos que estão entrando na vida adulta
(UNICEF, 1997). No entanto, a demarcação de limites etários para
caracterizar a adolescência sofre variações pois, no referente aos aspectos biopsicossociais,
não é possível dizer que o período se inicia aos 10 anos de idade e termina aos 19
para todas as pessoas. Para
caracterizar quer seu início quer seu
término as definições não se aplicam
universalmente. Elas variam entre países,
num mesmo país e entre culturas
diferentes.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) define como criança o indivíduo com até 12 anos de idade
incompletos e como adolescente, dos 12 aos18 anos. Assim, enquanto em termos legais o
indivíduo já é considerado adulto, para a OMS, ele se insere ainda no período
compreendido pela adolescência (CURY, 2000). Embora haja diversidade de conceitos e
marcos etários, consensualmente sabe-se que o período é um dos mais
importantes da vida do indivíduo, pois nele sucedem-se eventos sociais, econômicos,
biológicos e demográficos que constroem as bases para a vida adulta (CORRÊA, 2004). Em termos biológicos, a adolescência é um
período de mudanças iniciado aos 10 ou 11 anos de idade em média, a
denominada puberdade. O termo originou-se do latim, pubertas – idade fértil, e se
caracteriza pelo amadurecimento dos caracteres sexuais secundários, marcando o
início da capacidade reprodutiva. É na adolescência, portanto, que o indivíduo
torna-se pronto para a reprodução e a sexualidade passa a ter posição de destaque
na vida do homem e da mulher (PIROTTA, 2002). Paralelas às mudanças físicas e biológicas,
significativas transformações também ocorrem no âmbito psicológico, como a
busca da identidade, o desenvolvimento do pensamento abstrato e a
estruturação da identidade sexual, sendo esta considerada parte essencial desse
processo (ABERASTURY; KNOBELL,1986). O então mundo infantil, vivenciado no
conhecido e seguro mundo familiar, cede lugar ao desconhecido e incerto mundo
da sociedade adulta e o adolescente começa a buscar e conquistar espaço dentro
de si mesmo e da sociedade (CAVALCANTI, 1988).
Mais que uma etapa cronologicamente
definida, a adolescência é um
fenômeno histórico e social muito variável.
Segundo referem Heilborn et al. (2000) o contexto social onde se encontra inserido o
adolescente define o universo de possibilidades e de significações, mas é
diferente para jovens oriundos de classes sociais distintas. Conforme se observa no país, o fenômeno da
adolescência prolongada é comum nos níveis socioeconômicos mais altos,
nos quais, a condição de ser adolescente tende a se prolongar, adiando a
inserção no mercado de trabalho, formação acadêmica e vínculo matrimonial
(UNICEF 1997; MEDINA, 1999). Por sua vez, de modo geral, os adolescentes de menor
renda são inseridos precocemente no mercado de trabalho e muitas vezes
vivenciam a maternidade nesta fase da vida. Jovens que possuem condição socioeconômica
desfavorável apresentam um amadurecimento psicossocial diferenciado
quando comparados àqueles com melhores recursos. Dessa forma, a idade ou grau de
amadurecimento biológico, psicológico e social não acontece de maneira sincronizada.
Diante das diferenças, como afirma Corrêa (2004), é preciso compreender as
influências externas no desenvolvimento psicossocial do indivíduo, com vistas a
facilitar o reconhecimento da necessidade de um período de transição da infância para a
idade adulta, bem como os eventos que se associam a esse período da vida.
Como consta em Unicef (2002), um ponto
importante a ser considerado é a percepção da adolescência como uma realidade
que não pode ser abordada de forma homogênea em todas as regiões e
camadas sociais. Assim, deve-se levar em conta o universo de diversidades e
desigualdades do País, em seus aspectos sociais, culturais e naturais. Consoante exposto, a transição para a idade
adulta é influenciada pelo contexto onde o indivíduo se inscreve.
Portanto, os esforços em estabelecer limites etários não devem perder de vista as
especificidades desses contextos nos quais a
adolescência e a juventude são
experimentadas (PIROTTA, 2002).
Dessa forma, ser adolescente ou ser jovem é
mais do que uma delimitação etária. A OMS, assim como estabeleceu marcos
etários que delimitam a adolescência, definiu também a categoria
jovem, que compreende o período da vida entre os 15 e 24 anos de idade. Corrêa
(2004) refere a fragmentação de algo contínuo, que é o desenvolvimento humano,
quando se tenta esclarecer termos como pré-adolescência, adolescência e
juventude. Contudo, as diversas conceituações existentes para designar a
adolescência resultam apenas da necessidade das várias disciplinas de
representar melhor seu universo de estudo. Assim, julga pertinente considerar a
existência não de uma adolescência, mas de “adolescências”. Diante do exposto, é importante não
restringir esta complexa fase da vida a um limite etário. No entendimento da
adolescência é, pois, fundamental considerar os outros aspectos deste processo.
2.2 Gravidez na adolescência
A gravidez na adolescência ganhou destaque
no cenário brasileiro em virtude da transição demográfica ocorrida ao longo
da segunda metade do século XX, caracterizada principalmente pela queda nas
taxas de fecundidade total e declínio da mortalidade. Este processo, diretamente
relacionado ao desenvolvimento da sociedade industrial e urbana, trouxe muitas
mudanças na estrutura etária da população, com implicações na organização
social, cultural e econômica, gerando novas demandas sociais (PIROTTA, 2002). Contrariamente ao declínio da fecundidade
total observado a partir da década de 1960, a taxa específica de fecundidade
das adolescentes aumentou para as mulheres de 15 a 19 anos de idade, sobretudo
nas áreas urbanas e estados mais carentes. De acordo com o perfil etário da
fecundidade, o grupo de 20 a 24 anos concentra 30% do total da fecundidade na
área urbana, enquanto na área rural este percentual é de 27%. Além disso, a
fecundidade tem registrado queda mais acentuada nas faixas etárias centrais, com
aumento na participação do grupo etário de 15 a 19 anos na fecundidade total
(BEMFAM, 1997). A fecundidade na adolescência tornou-se mais
evidente, pois o crescimento demográfico, resultante da queda nas taxas
de fecundidade e mortalidade, favoreceu a formação do contingente
populacional jovem (CORRÊA, 2004).
Segundo Souza (1998, p.74), dois conceitos
têm sido utilizados para se referir a fatos relacionados ao aumento da
fecundidade: maternidade precoce e gravidez na adolescência. Por maternidade precoce,
entende-se: Maternidade abaixo dos 20 anos (quase sempre
se tratando das idades entre 15 e 19 anos) assumindo que a
maternidade nessa idade antecipa a maturidade biológica ou os
momentos socialmente institucionalizados para a reprodução e suas
implicações em termos de constituir família. Já o termo gravidez na adolescência,
segundo o autor, é mais amplo que maternidade precoce e envolve outras
questões, inclusive os processos de interrupção da gravidez, principalmente os
casos de aborto provocado entre jovens. Tanto a “maternidade precoce” quanto a
“gravidez na adolescência” emergem como um problema ao interferir no curso de
vida considerado “normal”, pois a sociedade atual padronizou condutas e
comportamentos reprodutivos e transformou a fecundidade na adolescência em um problema
(VIEIRA, 2003). Atualmente, o percurso considerado como natural para um
jovem, numa seqüência linear, é a obtenção da educação formal, inserção no
mercado de trabalho com conseqüente
autonomia financeira, estabelecimento de um
núcleo familiar e, por fim, a
reprodução (STERN; MEDINA, 1999).
Para Heilborn (1998), deve-se considerar que
as “expectativas sociais” diante da idade se alteram no decorrer do tempo. O
que num dado período histórico é tido como normal em outro pode não ser tão
aceitável assim, ou seja, o que se denomina hoje de gravidez na adolescência (10 aos 19
anos) durante muito tempo foi considerado a época ideal para a mulher ter
filhos. Ainda durante o século XIX, por exemplo, a média de idade para o casamento
era de 12 a 16 anos, época em que as meninas já haviam terminado os estudos e
estavam aptas para iniciar uniões e ter filhos.
Diferentemente da época atual, nas décadas
passadas vigoravam outros padrões familiares e as meninas engravidavam
com o respaldo de uma situação mais protetora do que hoje. A maioria
engravidava dentro de um casamento, que, embora precoce, respondia às expectativas da
época (REIS, 2002).
De acordo com Vieira (1998), os adolescentes
estão iniciando cada vez mais cedo sua vida sexual e a percentagem de
adolescentes grávidas está aumentando. De acordo com dados da Pesquisa Nacional
sobre Demografia e Saúde de 1996 (PNDS-1996) no Brasil, a mediana da idade
das mulheres na primeira relação foi de 19,5 anos, com diferenças entre as regiões.
As mulheres nordestinas foram as que iniciaram mais cedo sua vida sexual (18,6
anos) e as do centro-oeste as que começaram mais tarde (20,3 anos). Ao se
comparar com indivíduos do sexo masculino, a mediana da idade na primeira
relação foi de 16,7 anos. Isso demonstra que os homens iniciam aproximadamente 2,8
anos mais cedo que as mulheres, em contraposição ao que acontece com o
casamento, quando o homem se casaria três anos mais tarde.
Também conforme dados da PNDS-1996 no
Brasil, 18% das adolescentes de 15 a 19 anos de idade já tinham tido pelo
menos um filho ou estavam grávidas.
Considerando o número de crianças nascidas
vivas e excluindo as mulheres grávidas, aproximadamente 11% das mulheres
já tinham pelo menos um filho e 3% delas tinham dois. Esta proporção aumenta
com a idade, bem como o número médio de filhos nascidos vivos (BEMFAM, 1997).
Entretanto, tem-se verificado uma diminuição
na idade das mulheres no momento do nascimento do primeiro filho
(HEILBORN, 1998). Dados apresentados pela BEMFAM (1997), de acordo com resultados
da PNDS-1996, confirmam essa diminuição da mediana de idade ao nascimento
do primeiro filho. Este resultado é relacionado ao fato de que as mulheres estão
tendo filhos antes dos 17 anos (16% das mulheres de 20 a 24 anos) enquanto pouco
mais que 10% das mulheres com idade entre 40 e 44 anos tiveram o primeiro
filho antes dos 17 anos de idade. Os diferenciais quanto à idade no nascimento do
primeiro filho são bastante evidentes entre as regiões: comparando o Sudeste,
especificamente o Rio de Janeiro, local onde as mulheres têm filhos mais tarde, com
a região Norte, onde iniciam mais cedo, o diferencial foi de 3,4 anos. Diferenças
significativas também são verificadas em relação à escolarização: comparando mulheres
sem nenhuma escolaridade com aquelas que possuem de nove a onze anos de
estudo, a diferença de idade no nascimento do primeiro filho é de 4,9 anos,
ou seja, as mulheres com mais escolaridade têm o primeiro filho quase
cinco anos mais tarde do que aquelas sem nenhuma escolaridade.
Entre adolescentes o aumento da fecundidade
tem sido relacionado ao aumento da atividade sexual, como
conseqüência da difusão de valores culturais e sociais (MELO, 1993). Esta tendência pode
estar relacionada ao próprio desejo das mulheres de iniciar mais cedo sua vida
sexual. Todavia, apenas a análise de situações específicas permitirá definir a
gravidez nessa fase como vantagem ou desvantagem em determinados aspectos (SOUZA,
1998).
Inegavelmente a gravidez na adolescência
desencadeia fatores que representam comprometimentos de diferentes
ordens. As repercussões médicas mais citadas na literatura são a elevada
incidência de mortalidade materna e infantil. Como referem Silva e Chinaglia (2000),
embora seja possível reduzir as taxas de
mortalidade resultantes de complicações
obstétricas, controlando-se fatores socioeconômicos, nutrição e cuidados
pré-natais, o fator idade continua influindo sobre o risco de forma isolada e
independente. A literatura aponta outras conseqüências médicas referentes à
morbidade, como doença hipertensiva específica da gravidez, infecções urinárias,
anemia e outras, especialmente nas faixas etárias mais jovens.
Entre outros aspectos, o risco para o aborto
também pode ser considerado como uma possibilidade diante de uma
gravidez indesejada. Segundo Pirotta (2002), muitas gestações não desejadas são
interrompidas mediante aborto clandestino. Por ser um procedimento desprovido de respaldo
legal, muitas mulheres o realizam em condições precárias, acarretando
conseqüências diversas para sua vida. Entre elas, enfoque para os riscos biológicos e
psicológicos do procedimento, sobretudo, quando realizado em condições inadequadas.
De acordo com dados do Ministério da Saúde
foram registrados 181 óbitos por aborto entre mulheres de 10 a 20 anos no
período de 1998 a 2003 (BRASIL,2005). Mas a condição de clandestinidade em
que muitas vezes é realizado o aborto dificulta o reconhecimento preciso de quem
são essas mulheres que praticam o procedimento, quais as conseqüências para
suas vidas e o número exato de abortos no País. Villela e Doreto (2005) ressaltam também a
relação direta entre gravidez na adolescência, abuso e trabalho sexual de
menores como fatores passíveis de levar à realização do aborto, mesmo que estes
problemas não tenham adquirido ainda a devida visibilidade.
Em relação às conseqüências não médicas da
gravidez, estas têm se igualado, em proporção, aos riscos médicos,
e a gravidez já vem sendo considerada por muitos como um problema de ordem social.
Diversos estudos abordam o tema enfocando como um dos principais aspectos
negativos a interrupção do processo de escolaridade. Souza (1998) afirma a relação
direta entre educação e maternidade citando resultados da PNDS-1996. Conforme
tais resultados, 51% das mulheres de 15 a 19 anos sem escolarização já eram mães
e 4% estavam grávidas do primeiro filho. Estas proporções correspondiam a 4% e
2% respectivamente para mulheres
com 9 e 11 anos de estudo. Silva e Chinaglia
(2000) apontam, no entanto, que a maioria das adolescentes pobres abandona o
sistema formal de ensino antes mesmo de a gravidez acontecer.
A maternidade dos 15 aos 19 anos constitui
desvantagem social em muitos aspectos, sobretudo em virtude de ser a
fecundidade fortemente diferenciada por
renda, o que vai trazer um impacto ainda
maior para as mulheres pobres. Em termos de idade, também como apontam os autores, as
mulheres mais jovens são as mais afetadas no referente à sua participação no
mercado de trabalho e nupcialidade. Já
em relação à educação e constituição da
família, a desvantagem é semelhante paratodas as idades da faixa etária.
Na opinião de Corrêa (2004), o contexto que
envolve a adolescente grávida pode trazer repercussões mais importantes
que a própria idade materna. Assim, agravidez na adolescência pode ter
repercussões e significados diversos, variáveis
conforme a inserção econômica, social e
cultural da adolescente. A realidade vivenciada por uma adolescente de melhor
condição socioeconômica difere daquela de menor renda e cultura, inclusive
concernente ao acesso à saúde e a uma gravidez devidamente assistida, o que a
tornará mais ou menos suscetível a problemas relacionados a esse evento.
Vitiello (1988) concorda com essa idéia e,
segundo menciona, nas classes
menos favorecidas, o “amadurecimento
psicossocial” acaba acontecendo num ritmo mais acelerado e a sexualidade,
gravidez e maternidade serão reflexos do contexto no qual se desenvolvem.
Neste sentido, nem sempre a gravidez na
adolescência tem conotação negativa ou indesejada para a adolescente.
Muitas vezes, a gravidez está coerente com um planejamento que inclui o abandono da
vida escolar e outros possíveis
projetos (CAVASIN; ARRUDA, 1998). Conforme
estes autores concluem, muitas adolescentes engravidam, porque isto está
coerente com seu projeto de vida, pois
ainda faz parte da socialização de algumas
meninas a idéia de que seu valor está associado à maternidade.
Dados da PNDS – 1996 comprovam que nem
sempre a gravidez na
adolescência é não planejada ou indesejada.
Como a pesquisa mostrou, entre mulheres de 15 a 19 anos de idade a
proporção de nascimentos planejados foi de 50% (BEMFAM, 1997).
Quanto ao planejamento da gravidez, em
termos quantitativos, não há razão aparente para considerar as adolescentes na
faixa etária dos 15 aos 19 anos como um grupo que não planejava ter filhos, pois
o índice de gravidez não
planejada/desejada é elevado para as
mulheres em todas as faixas etárias. À medida que aumenta a idade da mãe e o número
de filhos existentes, aumenta também o percentual de filhos não desejados
(SOUZA, 1998). Para as mulheres
acima de 35 anos ou com uma ordem de quatro
ou mais nascimentos, mais da metade dos nascimentos não foram desejados
(BEMFAM, 1997).
Todavia, para adolescentes carentes,
convivendo com diversos tipos de necessidades de consumo e afastadas de todos
eles, a gravidez talvez não se apresente obrigatoriamente como um problema,
mas como uma possibilidade de adquirir uma identidade e uma função social.
O problema começa quando não existem ações concretas que interrompam o
círculo entre a pobreza e exclusão para estas adolescentes e seus filhos (VILLELA;
DORETO, 2005).
Como afirma Heilborn (1998), a maternidade
pode significar a transição para outro status (conjugal, maioridade social),
o que contempla a idéia de uma possível aquisição de autonomia pessoal no domicílio
de origem ou formação de novos
arranjos residenciais.
Para as mulheres de 15 a 19 anos, a gravidez
não é apenas resultante da ingenuidade biológica ou da dificuldade no
acesso a contraceptivos. A idéia de que agravidez é resultante da falta de informação
sobre os métodos contraceptivos é ainda bastante corrente (CABRAL, 2003). Em
estudo realizado com puérperas
adolescentes em Ribeirão Preto no ano de
2003, constatou-se que as adolescentes
possuem um bom nível de conhecimento sobre
os métodos contraceptivos e que o não-uso não se relaciona apenas com a
desinformação, mas com outras questões,
inclusive com o desejo de engravidar (GERA,
2004).
É referido também que quanto menor a idade
do adolescente ao iniciar a vida sexual, menor a chance de usar contraceptivo
e, conseqüentemente, maior a probabilidade da ocorrência de uma gravidez
nas primeiras relações (CABRAL,
2003). Isto pode ser observado mediante
análise dos resultados da PNDS-1996. Segundo tais resultados, 53,6% das
adolescentes com até 19 anos de idade não usaram nenhum método anticoncepcional na
primeira relação (BEMFAM, 1997).
As dificuldades que marcam a esfera da
fecundidade e contracepção são bastante evidentes entre adolescentes. Gera
(2004) cita alguns fatores que impedem a realização de uma contracepção
adequada na adolescência:
desinformação sobre os métodos disponíveis,
dificuldade de acesso ao planejamento familiar, custo dos métodos e
não cooperação do parceiro. O “pensamento mágico” de que a gravidez não
pudesse ocorrer, o aprendizado inadequado sobre o uso dos métodos também
são importantes no rol das dificuldades mencionadas.
Embora as dificuldades para o uso de algum
método existam na população em geral, são maiores e de difícil superação
para as adolescentes. A própria condição social que cerca a vida sexual do
adolescente favorece a ocorrência de uma gravidez não planejada e os expõe aos
riscos de contrair doenças transmitidas sexualmente diante da inexistência de
práticas preventivas.
2.3 A adolescência em tempos de DSTs/Aids
As mudanças ocorridas nas últimas décadas
têm alterado o perfil das doenças sexualmente transmissíveis – DSTs,
transformando seu controle em um
problema de saúde pública, pela sua alta
incidência e prevalência e pelas
complicações psicossociais e econômicas
(FERNANDES et al., 2000).
Atualmente as DSTs estão entre as cinco
principais causas da demanda por serviços de saúde e podem provocar, em curto
prazo, dor e sofrimento, além de conseqüências secundárias severas que
prejudicam a saúde reprodutiva e o bem-estar da mulher (LOWNDES, 1999).
Caso não sejam adequadamente tratadas,tais
complicações podem acarretar disfunção sexual, infertilidade, abortamento
espontâneo, malformação congênita, nascimento de bebês prematuros e a morte.
São doenças de difícil detecção,principalmente entre as mulheres, pois
algumas apresentam poucos sintomas e,muitas vezes, são assintomáticas (CARRET et
al., 2004). Também são consideradas
doenças de alta transcendência, ou seja, têm
alta morbimortalidade, impacto psicológico e trazem perdas do ponto de
vista econômico. Entretanto, são doenças
passíveis de ter na atenção primária sua
prevenção, tratamento e controle, armas poderosas na luta contra a epidemia (SAITO,
2001).
No Brasil, ocorrem aproximadamente 12
milhões de casos de DSTs ao ano e como a notificação dos casos não é
compulsória (exceto para a AIDS e a sífilis), o
número de notificações (cerca de 200.000
casos/ano) fica abaixo da estimativa da OMS (BRASIL, 2005). Em relação à sífilis,
foram notificados no período de 1998 a
2004, 24.448 casos, com média de 1,2 caso
por 1.000 nascidos vivos por ano.
De acordo com dados do Boletim
Epidemiológico de 2004, neste mesmo ano foram notificados 884 casos de DST entre
adolescentes de 13 a 18 anos de idade.
Destes, 544 eram do sexo feminino e 63,4%
tinham estudado até a 4ª série.
O grande número de casos de DST pode ser
justificado pela mudança no comportamento sexual, com maior liberdade
conquistada pelas mulheres e a eficácia dos métodos anticoncepcionais
(CANELLA, 1988). No entanto, outros fatores influenciam, como: ausência de
educação em saúde, tabus sociais e o não reconhecimento de que a maioria dessas
doenças são tratáveis (LOWNDES, 1999).
Conforme sabemos, os casos de DST/Aids ainda
são subnotificados, pois dependem da procura do usuário pelo serviço
de saúde e fatores como a elevada incidência de DSTs assintomáticas na mulher,
a prática da automedicação e o
próprio sistema de notificação contribuem
para a baixa notificação dos casos (GIR,
1997). Além disso, as DSTs são associadas à
promiscuidade sexual e, desse modo,provocam estigma social e moral para aquelas
que a contraem, levando à desvalorização social e deterioração de seus
relacionamentos. Diante disso, muitas mulheres deixam de procurar o serviço de
saúde (JIMENÉZ et al., 2001).
O problema se agrava em decorrência do
elevado número de indivíduos que buscam alternativas nas quais não se
exponham tanto, encontrando a solução em
balcões de farmácia, onde, muitas vezes, os
medicamentos são vendidos de forma inadequada e sem a abordagem necessária para
o tratamento dessas doenças
(SAITO, 2001). De acordo com dados do
Ministério da Saúde, em certas regiões do
País, aproximadamente 70% dos casos de DSTs,
sobretudo no sexo masculino, são atendidos por balconistas de farmácias.
Outro aspecto importante é que freqüentemente as orientações dadas aos
pacientes não atingem os parceiros nem contemplam atitudes capazes de prevenir a
reincidência da doença (FERNANDESet al., 2000).
Ante o advento da Aids, o controle das DSTs
tornou-se prioritário, pois a presença dessas doenças favorece o risco de
transmissão e infecção pelo HIV, e atua como fator de risco, aumentando a
capacidade do portador do HIV infectar outros indivíduos.
Nos últimos anos têm se observado mudanças
no padrão da epidemia da Aids no País. Inicialmente, a maioria dos
casos notificados tinha nas relações
homossexuais a principal categoria de
exposição, seguida das transfusões de sangue e hemoderivados. No final dos anos
1980, foram aumentando os casos
provenientes do uso de drogas injetáveis e,
nos últimos anos, sobressai a
transmissão heterossexual, com o crescimento
dos casos entre mulheres (GIFFIN;LOWNDES, 1999; BRASIL, 2005). Em estudo desenvolvido com mulheres HIV
positivas atendidas em um serviço de saúde da cidade de São Paulo
constatou-se que a maior parte das mulheres pesquisadas (68%) adquiriu a
infecção do próprio parceiro fixo,
destacando a relação com parceiros usuários
de drogas injetáveis como principal categoria de exposição dessas mulheres
(SANTOS et al., 2002).
Aproximadamente um terço dos adultos jovens
adquiriram a Aids ainda na adolescência, embora o número de indivíduos
que a manifestam nessa faixa etária seja menor se comparado à idade adulta ou
infância (PIROTTA, 2002). Como o
portador do HIV pode viver em média dez anos
sem apresentar sintomas da doença, acredita-se que o número de indivíduos
infectados ainda na adolescência pode ser
elevado (JIMENÉZ et al., 2001).
Segundo se estima, a cada ano 4 milhões de
jovens tornam-se sexualmente ativos no Brasil. O início precoce da vida
sexual pode ser um agravante do comportamento de risco para as DSTs/Aids
(BRASIL, 1999). Este início coloca os
adolescentes em contato com uma nova
dimensão de sua vida, que traz desafios e
situações novas diante do próprio corpo, ao
parceiro, grupo familiar e social
(PIROTTA, 2002). Ao mesmo tempo, o
pensamento abstrato, característico dessa fase, faz com que se sintam invulneráveis, e
eles acabam se expondo aos riscos sem pensar ou prever suas conseqüências
(ABERASTURY & KNOBEL, 1988).
A adolescência é um período de definições e
descobertas, inclusive da identidade sexual. Inclui desde a
experimentação até a variabilidade de parceiros. Entre os principais agravos possíveis de
comprometer a saúde dos adolescentes, as DSTs estão entre as mais importantes. Por
conseguinte, a incidência desse tipo de doença é preocupante, pois a atividade
sexual dos adolescentes é mais intensa e freqüente e nem sempre vem acompanhada de
práticas preventivas (CANELLA,
1988). Que os adolescentes encontram-se expostos
aos riscos de contrair uma DST/Aids, os números já
provaram sem deixar qualquer dúvida (AYRES;CALAZANS; FRANÇA JR., 1998). De
acordo com pesquisa realizada na região oeste da cidade de São Paulo, três
aspectos favorecem esta situação: o primeiro é que há informação, mas pouca
comunicação sobre o assunto, ou seja, o que os jovens sabem sobre a Aids, por
exemplo, pouco tem relação com o que sentem ou vivem no seu cotidiano. Outra
questão significativa são as barreiras que limitam o acesso dos jovens aos meios de
proteção e quanto mais pobres e mais jovens, menos condições para comprar o
preservativo e maior dificuldade no acesso à distribuição do método pela rede pública
de saúde.
O terceiro aspecto levantado na pesquisa é
uma conseqüência dos dois aspectos anteriores e refere-se ao
estreitamento da margem que separa a felicidade (satisfação das necessidades) e o risco.
Como mencionado, a carência de suporte de toda ordem (social, financeiro e
psicológico) acaba dificultando o encontro de
melhores alternativas e correr o risco
muitas vezes se torna a única possibilidade que resta (AYRES; CALAZANS; FRANÇA JR.,
1998). Entre os problemas que impedem o adolescente
de realizar práticas efetivas de proteção estão o ponto de vista do
adolescente, a dificuldade de acesso ao serviço de saúde, o custo dos métodos, o
desconhecimento do uso pelos pais, o preconceito e a desinformação (VITIELLO,
1988).
Saito (2001) também aponta o mito da
indestrutibilidade, comportamento sexual exploratório, desejo de experimentar
o novo, violência e uso de drogas como
fatores diretamente vinculados ao risco
aumentado de adquirir uma DST na adolescência. Ademais, o novo tipo de relacionamento
instituído, o “ficar” tem introduzido também novas formas de contato específico
como etapa de interação afetiva e sexual entre jovens (HEILBORN, 1998). Este
tipo de relacionamento é orientado pelo não compromisso, pela eventualidade e
atração física, onde a autonomia individual se sobrepõe ao pacto de
compromisso entre o casal. Isso permite, na prática, a diversificação de parcerias
casuais e maior freqüência de relações
sexuais, aumentando a possibilidade de
relações desprotegidas (LIMA et al., 2004).
Todas essas características que representam
o “ser jovem” nos tempos
atuais, onde o risco é valorizado, mesmo de
forma ambivalente (esportes radicais,
velocidade, paixão e a forma de viver o
presente) trazem conseqüências para a percepção do risco das DSTs/Aids entre os
jovens. Para indivíduos de menor renda e escolaridade, expostos à falta de
perspectivas de um mundo melhor, o risco da Aids vai ser avaliado de forma comparativa
aos outros riscos a que está exposto em
sua vida (JELOÁS, 1999).
Outro aspecto a ser considerado na
transmissão do HIV/Aids entre os jovens é a exposição às drogas. De acordo com o
Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) os
usuários de drogas injetáveis representam
41,7% dos casos de Aids em indivíduos do sexo masculino, na faixa etária dos 13
aos 19 anos. Para as mulheres, na mesma faixa etária e segundo a mesma categoria de
exposição, o número de casos representa 27% e parte delas pode ter sido
infectada em relações sexuais desprotegidas, com parceiros usuários de
drogas. De forma geral, o uso de drogas
lícitas ou ilícitas aumenta o risco do
indivíduo, tanto pelo compartilhamento de seringas ou agulhas quanto pelo uso abusivo
de álcool ou outras drogas que facilitam a adoção de práticas sexuais
desprotegidas e com vários parceiros.
Outros fatores como o abuso, a violência e a
exploração comercial sexual praticados contra os adolescentes
caracterizam-se também como fatores que predispõem os jovens aos riscos de uma
DST/Aids (VILLELA; DORETO, 2005).
De acordo com o exposto pela PNDS – 1996, o
conhecimento dos adolescentes sobre a Aids no País é de 99%,
enquanto 26% de homens e mulheres
na mesma faixa etária já tinham ouvido falar
sobre a sífilis. Em relação à forma de proteção, os adolescentes identificam o uso
do preservativo como a mais importante via de prevenção. Entretanto, apenas 3,6%
das mulheres e 22,2% dos homens entre 15 e 19 anos utilizavam o preservativo com a
finalidade de evitar uma DST/Aids (BEMFAM, 1997; FERNANDES, 1998).
Diversas pesquisas nacionais mostram que
apesar da informação ainda persistem algumas falsas crenças e dúvidas
quanto às formas de transmissão mais
freqüentes e apenas um reduzido número de
jovens apresentam mudanças em seu comportamento. Com vistas à prevenção da
Aids, sobretudo no referente ao uso do preservativo (JELOÁS, 1999). Para a prevenção do HIV algumas estratégias
são adotadas. Entre elas,
destaca-se a importância da testagem,
procedimento antecedido por uma atividade de aconselhamento, na qual é possível
abordar dúvidas e dificuldades em relação ao sexo seguro. Aqueles que se descobrem
portadores têm a chance de tomar os cuidados necessários para preservar a sua
saúde e não disseminar o vírus, enquanto os não portadores são estimulados a
manter práticas seguras e continuar soronegativos (VILLELA; DORETO, 2005).
Dados da Política Nacional de DST/Aids (PN
DST/Aids) mostraram que houve uma queda na porcentagem da população jovem
que já fez o teste para o HIV. Entre os indivíduos do sexo masculino 16,9%
realizaram a testagem em 1998 enquanto em 2005 14,5% dos jovens submeteram-se a
este procedimento. Isto poderia ser explicado pelo fato dos homens jovens
estarem se prevenindo mais e se considerarem menos expostos aos riscos de
infecção pelo HIV. Para as mulheres,
cresceu o número daquelas que já fizeram a
testagem (17,1% para 33,2%), resultado parcialmente explicado pelo
aumento na realização de testes durante opré-natal (BRASIL, 2005).
Conforme referem Villela e Doreto (2005),
existe a preocupação de que as
ações para prevenção do HIV/Aids atingissem
a população adolescente, como aconteceu por meio de atividades educativas
nas escolas. No entanto, acrescentam
o ”esgotamento” dessas ações, pois outros
temas foram aos poucos sendo incorporados na agenda escolar (drogas,
violência em geral e suas expressões).
Atualmente quase 70% das escolas do País
desenvolvem algum tipo de trabalho de
prevenção do HIV, mas ainda há necessidade
de mais escolas incorporarem este tipo de atividade e que programas voltados
para jovens fora do sistema de ensino sejam aprimorados. Segundo as autoras
concluem, embora essas ações venham
obtendo êxito no decorrer do tempo, não se
traduzem num controle completo da epidemia.
Conforme evidenciado, os adolescentes
constituem um contingente populacional prioritário para as ações de
prevenção das DSTs/Aids. Ante a
precariedade como é vivenciada a
anticoncepção, a contaminação por essas doenças é preocupante, já que estes e outros
agravos são preveníveis e demandam políticas públicas específicas para as
necessidades desse grupo. Portanto, urge mobilizar essas políticas para suprir
referidas necessidades.
[...]
2.4 Adolescentes portadores de deficiência
Como mencionamos, constatamos a falta de
estudos e pesquisas realizados
junto às pessoas com deficiência, assim como
de ações de prevenção e informações sobre sexualidade, não apenas no
Brasil, mas também em outros
países. Mas, conforme sabemos adolescentes e
adultos com algum tipo de
deficiência fazem parte de uma população
altamente vulnerável a situações deabuso e violência sexual, gravidez precoce,
infecções por HIV/Aids e outras DSTs.
Em decorrência da falta de orientação
adequada sobre o processo da
sexualidade, a maioria dos jovens com
deficiência são mais vulneráveis a riscos e a desenvolverem comportamentos desviantes.
Além disso, experimentam não apenas a desinformação, mas o estigma de serem
jovens portadores de deficiência e, por isso, diferentes dos jovens ditos “normais”.
São, portanto, mais suscetíveis a problemas emocionais. Esse potencial de
vulnerabilidade amplia-se devido à carência afetiva e experiência social
precária (GLAT, 2004).
A conseqüência natural desta falta de
informações, combinada à vulnerabilidade e risco de uma população, é
o aumento do número de casos de DST
e de HIV/Aids, como pode ser constatado em
diversos países, apesar dos escassos
estudos existentes.
Nas palavras de Groce (2004, p.3): Muito pouco é conhecido sobre a incidência
de HIV/AIDS nas populações de pessoas com deficiência. Há apenas alguns
estudos que foram publicados – muitos oriundos da América do
Norte. Por exemplo, um levantamento feito nos Estados Unidos
relatou que o índice de contaminação pelo HIV dentre os surdos
representa o dobro do índice para pessoas da população com audição normal, na
mesma área. Há alguns poucos estudos comparativos sobre os índices
de incidência do HIV nas populações com deficiências no mundo em
desenvolvimento. Utilizando
DSTs como um indicador para possível
exposição ao HIV, Mulindwa fez estudos sobre Uganda e constatou que 38% das
mulheres e 35% dos
homens com deficiência relataram que tiveram
uma DST em algum
momento de suas vidas.
Apesar dessa realidade, são raros os
programas de educação sexual
destinados às pessoas com deficiência, e
quase não há campanhas sobre oHIV/Aids generalizadas que sejam
direcionadas (ou que incluam) as populações
com deficiência. Com efeito, nos locais onde
as campanhas de HIV/Aids são realizadas através do rádio ou da televisão,
os grupos de pessoas com deficiência visual ficam em extrema desvantagem.
As pessoas com deficiências não têm nenhuma
necessidade especial em
relação a sexo que os demais também não
apresentem. Seu grande problema na
esfera da sexualidade é a falta de
orientação, pois, de modo geral, suas famílias, escolas, ou instituições, por diversas
razões, não assumem essa responsabilidade.
Por sua vez, esta lacuna gera um problema de
saúde, tanto mental quanto física, pois o desenvolvimento sadio da
sexualidade contribui decisivamente para o bem-estar orgânico e
psicológico de qualquer indivíduo.
Como todas as pessoas, as portadoras de
deficiência necessitarão de orientação e informação sobre a sua
sexualidade; porém, ao contrário das ditas "normais", terão mais dificuldade em
encontrar essas informações com seus colegas, ou absorvê-las pela mídia. Logo,
maior é a importância dessa temática nos programas preventivos a elas
destinados.
Para portadores de deficiência visual é
fundamental o acesso à informação no sistema braille e materiais gravados ou
digitalizados. Os programas não devem ser apenas informativos, mas abrir um espaço de
reflexão sobre a sexualidade como comportamento social e expressão da
afetividade. Serviços de orientação e apoio psicológico são essenciais para que esses
jovens possam exercer seu direito ao prazer, inclusive com parceiros, na medida
de suas possibilidades. Isto tornará sua
vida mais rica em relacionamentos e
experiências, e, mas ao mesmo tempo, eles
aprenderão a se proteger das situações de
risco.
A nosso ver, mais importante que “pacotes”
de programas de orientação sexual é a formação de recursos humanos, a
capacitação em serviço de profissionais no âmbito das escolas e
instituições, para que estes possam criar e implementar projetos específicos, a partir
da realidade da escola ou instituição.
3 METODOLOGIA
3.1 Tipo e natureza do estudo
Trata-se de um estudo descritivo e
exploratório. Este tipo de estudo é adequado à investigação descritiva à medida
que se observa, descreve e classifica.
Tal como a pesquisa descritiva, a pesquisa
investigatória inicia-se por algum
fenômeno de interesse; mas ao invés de,
simplesmente, observar e registrar a incidência do fenômeno, a pesquisa
exploratória busca explorar as dimensões desse
fenômeno, a maneira pela qual ele se
manifesta e outros fatores com os quais ele se relaciona (POLIT; HUNGLER, 1995).
O caráter exploratório advém da dificuldade
de pesquisas qualitativas referentes ao tema proposto neste estudo, e
o descritivo do interesse em descobrir e observar fenômenos, descrevê-los,
classificá-los e interpretá-los.
Quanto à abordagem, é qualitativa. A
pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados,
nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados. Surge de questões ou
focos de interesses amplos que vão se definindo à medida que o estudo se
desenvolve. Envolve a obtenção de dados
descritivos sobre pessoas, lugares e
processos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada (GODOY, 1995).
3.2 Caracterização do campo de estudo
A pesquisa foi realizada em um Centro de
Apoio Pedagógico (CAP) para cegos/ deficientes visuais. O CAP tem como
finalidade oferecer recursos apropriados aos alunos deficientes visuais
matriculados na rede estadual de ensino
para o desenvolvimento de atividades
relativas à leitura, à pesquisa e ao aprofundamento curricular. Anexa a esse
Centro existe uma escola que recebe pessoas com necessidades especiais, entre
estas, deficientes visuais, mentais e auditivos. Esses deficientes visuais são
alfabetizados em braille e estão inseridos nas salas de aula ditas comuns, portanto,
convivem com professores e colegas
videntes. A escola dá a oportunidade de
convivência entre os ditos “normais” e as pessoas portadoras de deficiência,
favorecendo o processo de inclusão.
Em virtude de já termos realizado outra
pesquisa na linha de cuidado e educação em saúde nesse espaço, o acesso à
escola foi facilitado. Portanto, já havíamos mantido contatos com a diretoria e
professores itinerantes.
3.3 População e grupo participante
A população deste estudo foi constituída por
adolescentes do sexo feminino,
portadoras de deficiência visual, inseridas
na faixa etária de 10 a 20 anos de idade. Para a definição do número de participantes
adotamos a saturação dos dados, que estará na dependência
da compreensão do fenômeno estudado, independentemente da quantidade de
entrevistadas. Conforme Polit e Hungler
(1995), a saturação dos dados ocorre quando
as informações que estão sendo analisadas se tornam repetitivas, ou seja,
não aparecem novas idéias ou conceitos.
Como participantes, selecionamos apenas
aquelas que preencheram os seguintes critérios de inclusão: ser
portadora de deficiência visual; estar na faixa etária de 10 a 20 anos de idade; ser do sexo
feminino; estar regularmente matriculada e freqüentando as aulas no CAP;
ter disponibilidade para participar da pesquisa; concordar em participar do estudo
e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
3.4 Técnica e instrumento para coleta de
dados
Como técnica de coleta de dados utilizamos
a entrevista semi-estruturada. Esta é uma entrevista estruturada a partir
de uma ordem preestabelecida pelo entrevistador e além de conter questões
fechadas e diretas inclui algumas perguntas abertas, nas quais o
entrevistador se utiliza de certa liberdade (GAUTHIER, 1998). As adolescentes foram convidadas a
participar do estudo mediante abordagem direta com autorização prévia dos
responsáveis legais, no caso dos
menores de idade.
Compuseram o roteiro básico de entrevista
questões que buscaram o conhecimento e a compreensão dos seguintes
aspectos: causa da deficiência visual,
grau de escolaridade, composição e
orientações familiares, experiência afetivo-sexual, nível de conhecimento acerca de
assuntos relacionados à sexualidade (métodos contraceptivos, doenças sexualmente
transmissíveis).
As entrevistas foram realizadas
individualmente em salas de apoio ou de recursos pedagógicos existentes nessas
escolas. Como já havíamos desenvolvido atividades ali, conhecíamos as salas. Nesses
locais pudemos trabalhar com liberdade e tempo suficiente com as
adolescentes. Além disso, as principais finalidades desses locais de trabalho foram
garantir a privacidade da entrevistada, facilitando a abordagem dessa temática. Após
esclarecimento e concordância dos
participantes da pesquisa, as entrevistas
foram gravadas e filmadas.
Concluídas as entrevistas, procedemos ao
esclarecimento das dúvidas apresentadas pelas adolescentes. Prestamos,
também, informações adicionais que complementaram as respostas emitidas pelas
adolescentes, demonstrando o papeleducativo do estudo.
3.5 Organização e análise dos dados
As informações obtidas por meio das
entrevistas foram submetidas à técnicade análise de conteúdo, que segundo Bardin
(1979, p. 19) é:
"um conjunto de técnicas de análise das
comunicações, visando, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos
ou não, que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) das mensagens."
Uma das características que define a análise
de conteúdo é a busca do entendimento da comunicação entre as
pessoas, apoiando-se no (re)conhecimento
do conteúdo das mensagens. Esta análise não
quer saber apenas “o que se diz”, mas “o que se quis dizer” com tal
manifestação. Outro elemento que define a análise de conteúdo é que se trata de “um conjunto
de técnicas” para captar a mensagem
transmitida.
De modo geral, a sistematização dos dados
proposta por Bardin segue três etapas: pré-análise; descrição analítica e
interpretação referencial:
1. Pré-análise:
organização do material (seleção dos
documentos);
2. Descrição analítica: os
documentos são analisados profundamente,
tomando como base suas hipóteses e referenciais teóricos. Neste momento se
criam os temas de estudo e se pode fazer sua codificação, classificação e/ou
categorização;
3. Interpretação referencial: neste momento, a partir dos dados empíricos e
informações coletadas, se estabelecem relações entre o objeto de análise e seu
contexto mais amplo, chegando, até mesmo, a reflexões que estabeleçam novos
paradigmas nas estruturas e relações
estudadas (BARDIN, 1979).
3.6 Aspectos éticos da pesquisa
Inicialmente a diretora da instituição foi
informada sobre a pesquisa e o consentimento se deu por meio de uma carta
de apresentação da pesquisa, anexada ao seu anteprojeto.
Como exigido, o estudo foi aprovado pelo
Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (COMEPE-UFC)
para atender aos preceitos ético-legais (autonomia, não maleficência,
beneficência e justiça) recomendados na resolução n.º 196/96 sobre pesquisas
envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde-Ministério da Saúde
(BRASIL, 2002).
Foram elaborados dois Termos de
Consentimentos Livres e Esclarecidos; um
entregue à adolescente e, outro, aos pais
e/ou responsáveis pelas adolescentes. Além da autorização dos pais/responsáveis,
lemos o termo de consentimento, em voz alta, na presença das entrevistadas para
que elas concordassem e o assinassem. Para a manutenção do anonimato
das participantes do estudo atribuímos-lhes nomes de flores.
Também lhes asseguramos a privacidade e a
proteção da imagem e identidade dos entrevistados, a liberdade de
se recusar a participar ou retirar o seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa,
sem penalização alguma.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos dados obtidos por ocasião das
entrevistas e considerando a
riqueza de informações, achamos oportuno
dividir nossa análise em duas etapas: a primeira teve a finalidade de conhecer as
adolescentes deficientes visuais mediante suas histórias acerca da causa da
deficiência visual, de suas vivências nos ambientes escolar e familiar, além de
investigar como a temática da sexualidade está presente nesses ambientes, conhecer a
opinião das adolescentes sobre assuntos relacionados à sua vida
afetiva e a forma como lidam com estes sentimentos.
Dessa modo, a nosso ver, criaríamos um
vínculo de confiança entre nós e as adolescentes deficientes visuais. Com
base nesse vínculo, a segunda etapa da
entrevista se desenvolveria de maneira mais
segura e fidedigna, já que esta tratou de questões relacionadas às transformações
do corpo durante a fase da adolescência, de seus conhecimentos sobre os métodos contraceptivos e
doenças sexualmente transmissíveis. Estas
são questões ainda abordadas com
muitos “tabus” e, por este motivo, era
necessário que nesta etapa já houvesse um vínculo de confiança entre nós e a
adolescente. A entrevista e a apresentação dos dados ocorreram, portanto, na ordem
supramencionada.
4.1 As participantes do estudo
Entrevistamos cinco adolescentes na faixa
etária entre 12 e 17 anos. Destas,
apenas uma tinha baixa visão, enquanto as
outras eram totalmente cegas. Todas
estavam em atraso escolar, levando em
consideração suas idades. Tal atraso variou entre um e três anos. Na nossa pesquisa
consideramos a idade de 8 anos para o início do 1.º grau (1.ª a 8.ª séries) e a idade
de 16 anos para o início do 2.º grau (1.º ao 3.º ano). Nenhuma das adolescentes
entrevistadas relatou ter experiência sexual,
porém todas manifestaram o desejo e o
interesse em falar sobre sexualidade, suas dúvidas, medos e anseios.
A fim de não identificar as participantes do
estudo, como já mencionamos, decidimos substituir seus nomes por tipos de
flores, pois as flores, além de sua graciosidade, deixam perfume nas mãos de
quem as colhem e assim foi a experiência de poder conviver com essas
adolescentes deficientes visuais. Ademais,
a beleza, a pureza e a fragilidade típica
das flores foram características também observadas nas jovens entrevistadas.
A seguir, no Quadro 1, apresentamos,
sinteticamente, algumas características das adolescentes participantes da pesquisa.
Quadro 1 – Características gerais das adolescentes entrevistadas
Nome
|
Idade
|
Causa da DV
|
Religião
|
Escolaridade
|
Experiência sexual?
|
Tulipa
|
14
|
Retinopatia da prematuridade
|
Católica
|
4ª série do 1º grau
|
não
|
Orquídea
|
12
|
Retinopatia da prematuridade
|
Católica
|
2ª série do 1º grau
|
não
|
Violeta
|
13
|
Retinopatia da prematuridade
|
Católica
|
4ª série do 1º grau
|
não
|
Rosa
|
17
|
Retinoblastoma bilateral
|
Católica
|
1ª ano do 2º grau
|
não
|
Margarida
|
15
|
Catarata
|
Católica
|
7ª série do 1º grau
|
não
|
Toda flor tem um significado, uma mensagem
sutil, uma linguagem especial para manifestar e transmitir
emoções. Dessa forma, cada “flor” relatou a causa da sua deficiência visual.
♦ Iniciaremos contando a história da Tulipa. A
tulipa representa a inocência da criança. É delicada, sensível e amorosa. Uma
pessoa bela em todos os sentidos.
Espécie exótica e cheia de variedades, tem a
vida regada por seus sentimentos.
Umas são quietas e conquistam seu espaço com
apenas um olhar e um sorriso, enquanto outras são mais extravagantes e
comunicativas. Em comum, elas têm a sensibilidade. Sua semente foi plantada aqui
na Terra para trazer alegria e divertimento, como mostra a fala a seguir.
... Foi porque eu nasci de 6 meses, aí
eu... (silêncio) ...eu ia ser um aborto,
porque a minha mãe se preocupou muito com
meu pai, que ele tocava,
sabe? Aí quando faltavam duas semanas para
fazer 7 meses minha mãe
se preocupou muito porque ele passou três
dias sem vir em casa. Nesse dia ele ia tocar e voltar no mesmo dia, mas
estava chovendo e minha mãe cada vez mais preocupada. Então ela foi me
ter e eu quase morro, fui direto para a incubadora. Quando minha mãe
foi me ver, ela disse que eu não tinha unha, eu não tinha sobrancelha, eu
não estava bem formada.Então eles não colocaram aquele
protetorzinho direito, eu tive que tomar banho de oxigênio, passei dois meses na
incubadora e depois eu fui crescendo, crescendo... Aí uma pessoa notou
que eu era diferente, que eu
não olhava para as pessoas direito. Minha
mãe me levou num médico e a doutora disse que aos poucos eu iria perder
a visão... Com 3 anos de
idade eu perdi totalmente a visão. Minha mãe
acha que a luz da incubadora
queimou a retina dos meus olhos. Minha mãe
não comia, não fazia nada,
ela conversou com a psicóloga, mas, sei lá,
eu não fico triste por ser assim não, pelo menos eu estou viva, imagine se eu
não tivesse conseguido
sobreviver (Tulipa).
♦ A orquídea é associada às festas da
primavera. Ela irradia alegria e felicidadee possui uma pureza espiritual, que
transmite paz e harmonia, a exemplo dessa fala.
A minha experiência com a cegueira não é
traumática e nem dramática. Nasci prematura e na incubadora minha retina
foi queimada. A princípio,
quando me descobri cega, é claro que foi
difícil, não conseguia entender a
minha condição. Por que eu? Mas a partir do
momento em que comecei a fazer minha reabilitação as coisas foram
clareando e aos poucos fui notando que as emoções, sentimentos,
vibrações e percepções estavam
se aguçando de tal forma que não ver não era
mais um problema. Foi quando redescobri a arte em minha vida.
Então, logo tudo se transformou
e hoje posso dizer que sou realizada e cheia
de projetos. Sei que isso não
acontece com todos. Conheço pessoas que
recusam a cegueira e se
transformam em pessoas amargas. Outras,
mesmo com seus olhos em perfeito funcionamento, não conseguem
perceber, sequer, o outro ao seu
lado (Orquídea).
♦ A violeta, por sua beleza pura e sublime
perfume, é usada com freqüência para designar as virtudes: a dignidade real;
a beleza da sabedoria e a união. É símbolo da pureza e da beleza perfeita, em
toda a natureza e, também, inocência e virgindade, como podemos perceber nesta
fala.
Nasci de 6 meses e meio, fiquei 1 mês na
incubadora, onde tive parotidite.
O oxigênio queimou meu cristalino. Daí em
diante, fiquei com problemas nas duas vistas e comecei a ser operada com
11 meses de idade. Fiz várias cirurgias. Tive descolamento de
retina na vista direita. Operei. Dois
meses após a cirurgia, descolou novamente e
tive que operar de novo.
Nessa cirurgia foi colocado óleo de silicone
para segurar a retina. Esse
óleo me tirou os 10% de visão do olho
esquerdo e por isso tenho pressão
alta e problemas na córnea. Controlo isso
com dois colírios três vezes ao
dia. Devido ao óleo, com o tempo, foi me
lesando o nervo óptico e perdi totalmente a visão da vista esquerda.
Atualmente possuo muito pouca visão na vista
direita e nenhuma na esquerda (Violeta).
♦ A rosa é a rainha das flores e evoca o
espírito de liderança e organização. Ela usa os espinhos como escudo para enfrentar
as batalhas da vida. Uma das virtudes é não mostrar suas fraquezas. Mas a origem
da rosa remonta ao mito de Adônis. Do sangue do amado de Afrodite (Vênus) teriam
brotado as primeiras rosas vermelhas.
Assim, quem é Rosa, também é apaixonado pela
vida. Não desiste nunca, mesmo nos momentos mais difíceis. Acredita que
sempre é possível plantar uma nova
semente e renascer, como mostra a fala da
Rosa.
Fiquei cega com poucos meses de vida e
apesar de passar por várias cirurgias não foi possível salvar minha
visão. Mas a vida é isso aí, às vezes tira de nós toda a alegria de viver, mas nos
dá motivos para continuar
vivendo... (Rosa).
♦ A Margarida representa inocência, pureza,
lealdade, simplicidade, confiança, virgindade. Em inglês, as flores margaridas
são conhecidas como daisy, de day´s
eye, que significa olho do dia, uma alusão
ao movimento que elas fazem ao se abrirem e fecharem com o sol. A fala de
Margarida mostra essa simplicidade.
... Tive catarata congênita porque minha mãe
teve rubéola quando estava grávida. Enxerguei até os 10 anos quando fiz
uma cirurgia para tirar a
catarata e tive um descolamento de retina.
Não tive problemas emocionais quando fiquei cega, porque sempre convivi
com pessoas cegas e em função disso não foi uma coisa tão difícil
(Margarida).
Conforme se admite, cerca de 20% das crianças em idade
escolar apresentam algum transtorno da visão e em torno de 500.000 ficam cegas
anualmente, no mundo. Em virtude do rápido crescimento e desenvolvimento do
aparelho ocular, a criança possui maior vulnerabilidade aos distúrbios visuais.
O comprometimento da saúde ocular representa um importante inibidor
do desenvolvimento da criança, com potencial para desenvolver seqüelas na vida
adulta. Quanto mais tardia a detecção dos distúrbios visuais na infância, mais
graves as seqüelas. Dessa forma, ações preventivas ou de diagnóstico e
recuperação precoces das afecções visuais na infância constituem grande impacto
na área da saúde coletiva (ALBUQUERQUE; ALVES, 2003).
Hoje, mais da metade dos agravos à saúde
ocular, com o conhecimento e a
tecnologia existentes nessa área, poderiam
ser prevenidos ou adequadamente tratados. Por essa razão é indispensável a
implantação de programas de promoção e prevenção da saúde ocular, sobretudo, nos
países pobres. Consoante enfatizado por Albuquerque e Alves (2003), desde a
década de 1970 a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica ações promocionais e
preventivas em saúde ocular no intuito
de reduzir o índice mundial de "cegueira
evitável" e baixa visão.
Como requisito para o desenvolvimento de programas em saúde
pública destinados à prevenção da cegueira e da incapacidade visual, à
promoção da saúde ocular, à organização da assistência oftalmológica e à reabilitação
de deficientes visuais, deve-se conhecer a distribuição geográfica das afecções
oculares mais comuns na infância. No Brasil,
em especial na região Nordeste, são escassos
os dados referentes às causas mais
comuns de deficiências visuais na infância.
Uma dessas causas é a retinopatia da
prematuridade, uma doença vasoproliferativa da retina, de etiologia
multifatorial, que ocorre em recém-nascidos
pré-termo (RNPT). Embora prevenível, ela
apresenta uma fase aguda, na qual a
vasculogênese normal é interrompida e a
retina imatura sofre transformação e proliferação celular. Na maior parte das
crianças, a retinopatia involui espontaneamente, mas não deixa lesões e,
sim, alterações cicatriciais leves. Contudo, a retinopatia proliferativa pode
evoluir com processo fibrótico cicatricial e descolamento de retina (GRAZIANO; LEONE,
2005).
Calcula-se que, a cada ano, sobrevivam em
torno de 15.000 prematuros com risco de desenvolver retinopatia da
prematuridade, os quais necessitam de exame de triagem para este diagnóstico. Ao
considerarmos que 7,5% destas crianças
evoluem para doença limiar e, destas, 50%
ficarão cegas se não tratadas, teremos em média 562 crianças cegas/ano, com um
custo socioeconômico alto, principalmente por se tratar de uma doença
passível de tratamento (GRAZIANO;LEONE, 2005).
Outra causa de deficiência visual na
infância é o retinoblastoma, um tumor
ocular raro, com pico de incidência no
primeiro ano de vida. Nos países desenvolvidos representa 2% a 4% das
neoplasias pediátricas e nos países em desenvolvimento pode chegar a 10% até 15%
dos tumores pediátricos. O sucesso do tratamento do retinoblastoma depende da
habilidade do profissional de saúde em
detectar a doença ainda em seu estágio
intra-ocular. É imprescindível que o pediatra saiba reconhecer sinais como leucocoria
(mancha branca no olho) e estrabismo (RODRIGUES; CAMARGO, 2003). Geralmente o
diagnóstico é feito antes dos 3anos de idade. Quanto aos comprometimentos
bilaterais, são diagnosticados nos
dois primeiros anos de vida e ocorrem em 20
a 35% dos casos. O quadro clínico depende do estágio da doença, tamanho e
localização do tumor (SOUZA et al.,
2005).
Ainda como causa da referida deficiência,
como citado por Nerula e Fernandes (2005, inclui-se a catarata
infantil, ou seja, a opacificação do cristalino que reduz a visão em indivíduos de 0 a 15
anos. Apresenta incidência de 1/2.000 nascidos vivos e 10 novos casos/milhão
população/ano. Segundo se estima, ela é responsável por 10-38,8% de toda a cegueira
prevenível e tratável na infância em crianças de todo o mundo. A prevalência em
crianças é de 1 a 4/10.000 nos países em desenvolvimento e
aproximadamente 0,1 a 0,4/10.000 nos países desenvolvidos. Considera-se que 40 a 50% dos
portadores de catarata infantil apresentam baixa visão (MERULA; FERNANDES,
2005).
A catarata infantil pode ocorrer como
alteração isolada ou como parte de um quadro ocular e/ou sistêmico. Pode ser
idiopática (cerca de metade das cataratas infantis são idiopáticas) ou estar
relacionada a diversos fatores como: doenças
sistêmicas de origem genética (trissomia 21,
síndrome de Bardet-Biedl), metabólica (galactosemia, hipoglicemia, hipocalcemia),
infecções intra-uterinas (rubéola,
toxoplasmose), induzida por drogas
(corticosteróides, clorpromazina), traumatismo, prematuridade, outras doenças oculares
(MURTA, 1998).
De acordo com a mesma fonte, o sucesso
visual na catarata infantil relaciona-se com a precocidade do diagnóstico e do
correto tratamento instituído. Os avanços
nas técnicas cirúrgicas têm reduzido os
índices de complicações. Contudo, ações
mais efetivas devem ser instituídas com
vistas à prevenção, diagnóstico e tratamento mais precoces, adequada correção
óptica, tratamento da ambliopia associados à intervenção precoce, para uma
melhor qualidade de vida das crianças.
4.1.1 A vida escolar
Nesta seção iniciremos a discussão sobre
sexualidade no ambiente escolar, pois foi na escola onde tivemos todos os
contatos com as adolescentes deficientes
visuais. O primeiro encontro se deu através
do “GRUPO COM TATO”, que recebe
este nome pela importância do sentido do
tato e do toque para esses deficientes. Tivemos a oportunidade de participar das
reuniões do grupo e apresentar o estudo para cerca de 20 crianças e adolescentes
integrantes desse grupo. Nesse momento já convidamos aquelas que estavam dentro da
faixa etária de 10 a 20 anos para
fazer parte de nossa pesquisa e elas
prontamente se dispuseram a colaborar. A partir daí mantemos contato individual com
cada uma delas, conforme seus horários
e disponibilidades.
A vida escolar, portanto, teria de ser o
primeiro aspecto a ser abordado, pois foi naquele ambiente que nossas interações
ocorreram. Nas questões abordadas
nesta parte da entrevista, buscamos conhecer
tanto a situação do adolescente em termos educacionais, ou seja, suas
pretensões em relação à extensão da escolaridade e finalidades a alcançar com os
estudos, quanto suas expectativas profissionais. Abordamos também de que forma
a temática da sexualidade está presente no ambiente escolar dessas
adolescentes.
Nos seus relatos pudemos perceber mudanças
nas pretensões quanto à extensão dos estudos. Segundo algumas
apontaram, pretendiam, a princípio,
concluir o ensino fundamental ou, no máximo,
o ensino médio. Todavia, em face da percepção da crise de empregos e associação
desta ao nível de escolaridade e capacitação do deficiente, mudaram seus
planos. Consoante afirmaram, querem estudar até o término do ensino médio ou do
ensino superior.
-
Eu pensava em estudar só até o 3º ano...
Porque a gente fazendo
faculdade a gente pode ter uma profissão
melhor (Rosa).
-
Sei lá, até o 1º , 2º , até o 3º pra mim tá
melhor. Hoje em dia tem que ser até o 3º , pelo menos (Orquídea).
-
Eu sou assim..., eu não gosto muito de
estudar, mas tem que estudar
porque hoje em dia está brabo (Violeta).
A educação é um direito constitucionalmente
garantido a todo brasileiro e estrangeiro residente no País,
independentemente da raça, sexo, idade, condição física e/ou mental, sendo proibida toda e
qualquer espécie de discriminação eexclusão institucional-educacional.
Pelo princípio da igualdade, direito
fundamental disposto no artigo 5º da Constituição Federal, garante-se aos
portadores de necessidades especiais o acesso à educação, nas instituições públicas
e privadas, da pré-escola à universidade. Para isto, os portadores de
deficiência devem ser educados mediante um atendimento especial adequado às suas
necessidades pessoais, consagrando-se a igualdade que significa tratar
desigualmente os desiguais na medida de suas
desigualdades (ANGHER, 2005).
Assim, os sistemas de ensino devem assegurar
aos educandos com
necessidades especiais: currículos, métodos,
técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender às suas
necessidades; terminalidade específica para aqueles que não puderem
atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas
deficiências; professores com especialização adequada em nível médio ou
superior, para atendimento especializado, bem como professores de
ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes
comuns; educação especial para otrabalho, visando à sua efetiva integração
na vida em sociedade, inclusive condições
adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins; acesso igualitário aos
benefícios dos programas sociais
suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular (BOLONHINI JUNIOR, 2004).
Para o deficiente, o aprendizado escolar é a
“chave que abre a porta” à verdadeira integração social. Daí a
necessidade da eliminação de barreiras arquitetônicas, da boa orientação
didático-pedagógica e da política escolar de inclusão. Sabemos, porém, que a política
escolar de inclusão, definida pela lei e fruto de incomensuráveis debates, inclusive
internacionais, ainda não foi definitivamente implantada no Brasil.
Mesmo com essa dificuldade, a partir da
década de 1990 a necessidade de inclusão escolar dos portadores de
deficiência passou a ser uma realidade. Ao mesmo tempo, o avanço tecnológico,
principalmente da informática, permitiu que as
potencialidades individuais de cada
deficiente pudessem ser desenvolvidas, criando uma consciência nacional no meio escolar de
que essas pessoas não são cidadãos dependentes de benevolência, de favor para o
seu aprendizado, mas, ao contrário,são indivíduos com uma intelectualidade a
despertar, dependendo apenas de uma adaptação físico-pedagógica, um dever
normativo que possibilite a inclusão
Na fala de todas as entrevistadas, podemos
perceber a incorporação do discurso que enfativa a importância da
escolaridade e da qualificação profissional para garantir a empregabilidade e a
percepção das dificuldades peculiares ao mundo do trabalho atual.
A situação de desemprego hoje real para um
grande número de brasileiros sem dúvida se estende também para as pessoas
com deficência visual. E, no casodelas, torna-se particularmente importante o
investimento na capacitação educacional e profissional, pois, desse
modo, poderão dominar novas tecnologias, e ampliar seu acesso ao mercado de trabalho.
Contudo, a escolha de um trabalho depende do
conhecimento das opções disponíveis no mercado, e depende, também,
de saber quais delas podem ser exercidas pelo portador de deficiência
visual, quais cursos e treinamentos existem
para capacitação e como procurá-los.
Até recentemente, o portador de deficiência
contava com bem poucas opções de trabalho. Todavia, o crescente
desenvolviemnto tecnológico, sobretudo, nas
áreas de microeletrônica e informática, cria
continuamente ampla variedade de
profissões e empregos, inexistentes até há
pouco tempo, muitos deles compatíveis com a situação do deficiente visual.
Existem computadores utilizados igualmente
por deficientes visuais e por pessoas que enxergam: para os primeiros, se
instala um software especial, um
sintetizador de voz, que “fala” o que está
na tela. A este equipamento pode ser
acoplada uma impressora braile ou uma
impressora comum.
Embora ainda haja obstáculos a vencer,
atualmente muitos deficientes visuais ocupam cargos em indústrias, escolas,
clínicas, empresas e hospitais.
Em relação à temática da sexualidade na
escola, constatamos uma total
inexistência de debates, diálogos,
esclarecimentos e material didático acessível. Como o governo não dispõe de materiais
educativos para esse fim, essa população de deficientes visuais fica desinformada e,
consequentemente, desassistida no referente ao seu direito à informação sobre
sexualidade. Além dessas jovens não terem acesso pelos meios de comunicação em
massa, também não obtêm informações mediante livros ou revistas, já
que não há materiais em braile nessa temática em suas escolas. Podemos constatar
esse fato nas seguintes falas:
-
Eu nunca tive a oportunidade de ler um livro
ou revista sobre a pílula que
evita a gravidez e sobre a camisinha porque
não tem nada desse assunto
passado pro braile (Violeta).
-
Eu até tenho interesse, sabe, mas nunca me
falaram nada aqui na escola
sobre isso. Eu nunca tive um livro ou uma
apostila que falasse desses métodos, o que eu sei é através das minhas
amigas. Gostaria muito de terum livro falando nisso (Rosa).
Conforme prevêem as normas e recomendações
internacionais sobre deficiências, o Estado deve proporcionar o
acesso de pessoas com deficiência visual à informação e à documentação escrita. Para
isto, devem ser utilizados o sistema braile, gravações em fita, letras de fôrma
grandes e outras tecnologias apropriadas,
com a finalidade de promover a comunicação
eficiente, garantindo a igualdade departicipação no acesso à informação e à
comunicação (BRASIL, 1997).
Apesar dessas normas o que encontramos no
dia-a-dia é diferente. Geralmente o material em braile disponível
para os deficientes visuais destina-se à educação pedagógica, e é escasso e
insuficiente para atender aos anseios de todos.
No caso de material para a educação em
saúde, particularmente em planejamento familiar, a situação torna-se ainda mais
delicada, pois não existe literatura em braille e a orientação é repassada para o aluno
através de professor, que, algumas vezes, não aborda os temas de maneira eficaz.
Em uma definição abrangente, ensinar é
descrito como atividade pela qual o professor ajuda o aluno a aprender, e tem
uma influência interpessoal, aliada à maneira como outras pessoas poderão
comportar-se (HOGAN, 1985).
Como mencionamos, o Projeto Saúde Ocular
produziu material de educação em saúde sexual para deficientes visuais.
Esse material poderia e deveria estar sendo utilizado em escolas que atendessem
pessoas portadoras de deficiência visual, pois já foi testado e feitas
divulgação e publicação sobre sua elaboração e utilização.
A exemplo de outras profissões, a enfermagem
deve atender às
necessidades de educação para a população,
mas enfrenta dificuldades para superar esse desafio. Segundo ressaltado por
Smeltzer e Bare (1994), o papel do enfermeiro educador é de suma importância na
restauração e promoção à saúde, incluindo atividades de ensino, promoção e
manifestação da saúde.
Nesse contexto, muitas vezes, para a
enfermagem, a sexualidade tem sido apenas uma questão reprodutiva. Como
instituição social, a enfermagem é uma das profissões que têm permissão social para
tocar o corpo do outro – qualquer parte do corpo do outro. Essa autorização social para
manipular o corpo do outro assegura ao coletivo da enfermagem um poder
incontestável, embora ainda não completamente percebido, entendido e
utilizado como instrumento terapêutico
(KRIZNOFSKI, 2003).
Em virtude da tradicional formação
acadêmica, para a enfermagem, de modo geral, os órgãos sexuais estão ligados,
habilmente, à limpeza e higienização.
Conseqüentemente, há dificuldades para
interagir terapeuticamente com a sexualidade do outro e com a sua própria.
No seu dia-a-dia o enfermeiro deve
considerar todas as oportunidades de ensino, quer o indivíduo esteja doente ou
não. Qualquer que seja o local, deve ser considerado como espaço para ensino e
educação para a saúde (SMELTZER;
BARE, 1994).
4.1.2 A vida familiar
Nas questões abordadas nesta parte da
entrevista, pretendemos conhecer as orientações parentais em termos de
sexualidade e outros aspectos relevantes davida familiar das adolescentes, entre estes:
critérios para saber quem a adolescente considera ser a pessoa de liderança da
família, com quem elas conversam sobre assuntos relacionados à sexualidade e quais
os conteúdos e formas de orientações
sexuais recebidas, que serão analisados a
seguir.
O papel de liderança na família segue
critérios de cosangüinidade: o pai, quando vive uma relação de casamento real
com a mãe; a mãe, quando os pais são separados de fato ou convivem sob o mesmo
teto, embora separados, ou quando o pai é falecido. Nesse caso, o padrasto,
mesmo que seja uma pessoa com quem as
adolescentes têm um bom relacionamento ou
seja o provedor material da família, não é considerado por nenhuma delas como
pessoas de liderança na família. Neste grupo, apenas duas das adolescentes vivem
com pais casados, como mostra o Quadro 2.
Quadro 2 – Relações familiares
Nome
|
Situação do
casal parental
|
Tem padrasto?
|
Líder da
família
|
Tulipa
|
separados
|
sim
|
mãe
|
Orquídea
|
casados
|
não
|
pai
|
Violeta
|
casados
|
não
|
pai
|
Rosa
|
separados, mas vivem na mesma casa
|
sim
|
mãe
|
Margarida
|
pai
falecido
|
sim, mas
não mora com a mãe
|
mãe
|
Para assumir a liderança da família, os
principais critérios são: ser o provedor financeiro das necessidades do grupo, ser
quem manda e determina tarefas para os
demais membros da família ou ser a pessoa
que proporciona orientação e apoio emocional aos demais componentes do grupo
familiar.
-
...Considero o meu pai porque o que ele fala é
aquilo mesmo. Não tenta mudar não, que é aquilo (Violeta)...
-
É a minha mãe. Ela é muito apegada a mim
e eu sou muito apegada a
ela, tudo que acontece ela me conta, tudo
que acontece comigo eu conto a
ela, não tem nada de ficar escondendo,
porque eu sou mais a minha mãe. Acho que ela tem muita compreensão comigo,
sabe conversar direito, sem brigar, acho que é isso (Rosa).
Entretanto, nem sempre a adolescente busca
orientações para a sua vida
sexual com a pessoa de liderança da família.
As meninas que conversam sobre o tema com alguém da família o fazem com irmãs
casadas. Apenas uma delas relatou conversar abertamente sobre sexualidade com
sua mãe. As outras adolescentes relataram que conversam sobre essa temática
com amigas da rua e do colégio.
-
Converso sobre essas coisas com a minha mãe.
Assim, já perguntei quando é que eu podia ter o meu primeiro
namorado. Ela disse que não tem nada contra não, mas, como toda mãe
fala, tem que ter muito cuidado pra essas coisas. Assim, tipo, quando eles
chamam pra ter relação, essas coisas, não tão cedo, mas depois, com um
tempo, quando tiver conhecendo melhor a pessoa. Então é isso que
ela pede pra mim ter
cuidado (Orquídea).
Um aspecto muito importante da adolescência
se refere à educação sexual dada pela família. Essa educação não tem
possibilitado às adolescentes – inclusive
àquelas que enxergam – assumir com
responsabilidade suas relações afetivo-sexuais. Em geral as informações se
restringem à sexualidade ligada à genitália,
pois ainda hoje os pais têm dificuldade de
dialogar sobre esse tema.
Os pais sentem profundas dificuldades ante a
sexualidade das filhas adolescentes. Diante disso, acabam por
transferir o papel educativo a terceiros, reproduzindo formas disciplinares de
controle e perpetuando um ciclo por muitas gerações. Contudo, muitas vezes as
dificuldades dos pais em abordar questões de sexualidade com suas filhas decorre da forma
como eles próprios viveram tal situação. Neste contexto a maioria dos pais
atribui a tarefa da orientação sexual de seus filhos à escola e esta, por sua vez,
nem sempre está preparada para cumprir
tal tarefa (BRÊTAS; SILVA, 2002).
Apesar da inexistência ou limitação de
informações sobre o assunto, as adolescentes não deixam de se iniciar na
prática sexual, mesmo sem entender muito bem o que está acontecendo com elas.
Conseqüentemente, muitas vezes, ocorrem resultados inesperados, como uma gravidez
não planejada.
Como sabemos, a educação sexual dos
adolescentes videntes é reconhecidamente inadequada. Mais
inadequada, ainda, é a das adolescentes
portadoras de deficiência visual, vítimas de
superproteção por um lado e, por outro, de preconceitos e mitos – que projetam sua
imagem como assexuados, incapazes, dependentes e eternas crianças. Com
frequência, o portador de deficiência é visto como pessoa ingênua e incapaz.
Mas o portador de deficiência visual é um
ser humano igual aos demais, com impulsos sexuais e potencial para viver sua
sexualidade. Assim, se é complicado
para os jovens sem deficência viver sua
sexualidade, para os adolescentes com deficência visual, a descoberta da
sexualidade é muito mais difícil. É preciso, pois, propiciar-lhes a oportunidade de expor
abertamente suas dúvidas e receber em resposta informações claras e verdadeiras,
para poderem vivenciar sua sexualidade de forma tranquila e responsável.
Trindade e Bruns (1995), em estudo sobre
adolescentes grávidas, apontam para a desinformação e a falta de diálogo
entre pais e filhos sobre sexualidade. Segundo afirmam, isto mantém o jovem na
ignorância quanto a decidir por si mesmo sobre como agir na sua vida sexual, além de
ser uma forma de negar e não reconhecer a sexualidade (crescimento) do
próprio filho. Constata-se, então, a ausência de diálogo entre pais e filhos no
qual falem sobre prazer e não só sobre casamento e reprodução. É preciso também
falar de preservativo, ao invés de se
limitar a um discurso repressivo. Tal
abordagem talvez seja fundamental para que o jovem adquira confiança e
segurança em relação às próprias escolhas sexuais.
Conforme mostram as falas das adolescentes,
a maioria delas não percebe claramente a orientação sexual transmitida
por seus pais. Segundo notamos ao longo das entrevistas, isto ocorre porque a
orientação se dá de forma indireta. Desse modo, na compreensão das adolescentes, os
pais não abordam esses assuntos em suas casas.
Mesmo quando existe orientação, em alguns
casos, é feita como alerta às meninas contra a gravidez. Portanto, as
orientações parentais não são dirigidas
diretamente às questões específicas daquela
adolescente. São orientações gerais, impessoais, difusas e muitas vezes
decorrentes do desconhecimento dos pais em relação aos assuntos, ou do constrangimento
em abordar estes temas com suas
filhas.
-
Quando eu assisto televisão, aí ela fala: Se a cabeça não pensa,
quem paga é a barriga, né? E eu falo: É mãe, é sim. Ela joga algumas
indiretas para mim, mas tocar mesmo no assunto, ela não toca não (Margarida).
-
...Ela falava pra mim que eu era muito nova
pra transar. Que se eu fosse...,mesmo eu sendo nova, se eu quisesse transar
era bom usar camisinha
sempre pra não arrumar filho e não estragar
minha vida. Ia falando. Me
dava um monte de conselho (Rosa).
Nas orientações dos pais às meninas, o
estudo é colocado como prioridade em relação ao namoro e os dois campos da
vida são apontados até como coisas
inconciliáveis. De acordo com todas as
orientações parentais, primeiro elas devem estudar para depois namorarem.
-
...Ela acha que é melhor os estudos, porque
depois a gente se arrepende. Depois que pára. Ela diz que se arrependeu
de ter parado. Aí ela me apóia
para eu continuar (Tulipa).
-
... Era melhor estudar bastante para depois
que a gente crescer e pensarem namorar depois que tivesse um serviço.
Ele não quer que a gente
namore cedo, não (Orquídea).
Ao nascer, o deficiente visual se encontra
inserido num sistema de relações e de significações sociais o qual será o
alicerce, o lugar onde organizará e se
estruturará sua própria identidade. Nessa
perspectiva histórico-cultural, a família tende a imprimir, geralmente, aos portadores
de deficiência visual a idéia de que são incapazes, inábeis, inseguros e assim vão
sendo “educados” para serem indefesos,
dependentes e até considerados por alguns
como assexuados e desinteressantes(BRUNS, 2000).
Essas contingências, em geral, impedem o
deficiente de se desenvolver e devir a estabelecer consigo próprio e com o
outro uma relação que lhe possibilite expressar-se como um ser sexuado.
Conseqüentemente, há até um ocultamento do desejo e o prazer e o erótico ficam como
vivências a serem experienciadas somente pelos ditos “normais”. Poderemos constatar
isso nas falas da categoria exibida a seguir.
4.1.3 A vida afetivo-sexual
Esta parte da entrevista teve como objetivo
conhecer a opinião das
adolescentes sobre diversos assuntos
relacionados à sua vida afetiva e à forma
como lidam com estes sentimentos. Portanto,
suas opiniões e experiências quanto ao “ficar”, ao namoro, ao sexo e ao amor são
descritos e analisados a seguir.
Nenhuma das adolescentes entrevistadas
vivenciou a prática de “ficar”, porém
todas definiram essa prática e a
diferenciaram do namoro. O tempo de duração do relacionamento, o “gostar”, o nível de
compromisso e seriedade, assim como a confiança e a sinceridade, definem o limite
entre o ficar e o namorar.
-
...Ficar é só ... você fica um dia e não
conhece a pessoa, não tem compromisso de nada, você pode ficar só por
umas horas ou pode só dar
beijo e tchau, agora eu não penso em fazer
isso, só quando terminar meus estudos (Tulipa).
-
Namorar é quando é uma coisa séria, com
compromisso, que tem intimidade [...] namorado sério assim mesmo,
de levar em casa, de
conhecer os pais, mas eu não sei se um dia
eu vou namorar com alguém
[...] (Rosa).
-
Namorar é quando gosta do menino, ficar é
por um dia, mas eu tenho que amadurecer mais essa idéia em mim, ainda sou
muito nova pra fazer
essas coisas (Orquídea).
Na passagem da infância para a idade adulta
um dos aspectos peculiares é a maturação fisiológica, a aquisição da
capacidade de procriar, ou gerar filhos, que meninos e meninas adquirem com a primeira
ejaculação e a menarca, respectivamente. Com isso, o enamorar-se é,
em geral, uma decorrência freqüente.
Quando se trata da adolescente com
deficiência visual, no entanto, como se pode verificar pelas unidades de significado,
apreendidas em suas falas, o namoro não está ocorrendo de fato.
De acordo com Foreman (1989), o jovem
deficiente visual adquire mais tardiamente a identidade social, em razão da
superproteção e/ou rejeição por parte da família e da sociedade. Embora na
vivência concreta destas jovens não ocorram namoros, porque se sentem imaturas ou
inexperientes, as adolescentes
demonstram o desejo (mesmo de forma
idealizada) de que estas vivências se realizem de fato.
Como mostram as falas, as adolescentes fazem
clara distinção entre ficar e namorar. Ficar está associado a um momento
apenas, sem compromisso ou criação de vínculo. Já namorar reflete um
envolvimento maior, um compromisso, torna-se
algo mais sério, associado à fidelidade e
intimidade. Uma das entrevistadas demonstrou tendência à
negação quando abordamos o tema namoro/ficar, como exposto na sua
fala.
-
Namorado, nunca! Nem quero ter, nem nunca
fiquei, nem vou ficar com ninguém [...] (Violeta).
Essa posição pode justificar-se pelo fato de
que o adolescente portador de
deficiência visual, impossibilitado de se
engajar nos padrões estéticos preconizados
pela sociedade, passa a agir como o
estereótipo que carrega, ou seja, como um ser
assexuado e sem desejo, respaldando com isso
as expectativas dos demais a seurespeito (BRUNS, 1999). Conforme algumas jovens relataram, preferem
ficar a namorar, pois esta
prática permite maior liberdade.
-
...Porque é menos sério que namorar.
Namorar, sei lá. Ficar, tu pode, se
não estiver gostando do garoto, aí se
estiver gostando pode começar a namorar com ele. Mas se não estiver gostando
pode terminar, entendeu. Aí quando eu começar a me relacionar eu vou
achar melhor ficar por causa
disso. Porque não prende muito (Tulipa).
Para as meninas, no entanto, a prática do
ficar pode envolver certo risco moral: o risco de ficar falada. Este
comportamento quando perdura ou é frequente, é reprovável, segundo a visão de seus pais:
-
Acha ridículo esse negócio de ficar, às
vezes ela até brigava com esse
negócio de ficar, esses jovens só estão
ficando (Violeta).
O amor é um sentimento valorizado por todos
os adolescentes entrevistados
e considerado fundamental para unir um
casal. Para a maioria das meninas o amor é um sentimento ambivalente, tem um lado bom
e outro ruim.
-
Não penso muito sobre amor, não. Acho uma
ilusão. Já amei um rapaz e
por isso mesmo penso assim... Eu gostava
muito dele, mas ele não
correspondia. Não quero nunca mais amar
ninguém... (Rosa).
-
...Amor pra mim, é... tudo de bom, tem seu
lado ruim também (Margarida).
Na relação entre amor e sexo, algumas
adolescentes entrevistadas percebem
que o amor pode existir sem sexo e que o
sexo pode existir sem amor. No entanto,não é esta sua preferência:
-
Aí eu não sei dizer. Sinceramente... Acho
se gosta da pessoa, mas não
faz sexo, tem a hora que você vai fazer sexo
com essa pessoa. Você namorou o menino mais de um ano e já tem que
fazer sexo, eu não acho
que seja assim. Na hora que os dois
estiverem prontos, aí vai acontecer. E
não com pressa demais (Orquídea).
Na opinião de todas elas, este sentimento
deve estar associado ao sexo ou torna o sexo melhor, embora nenhuma das
entrevistadas tenha ainda vida sexual.
-
Acho que para fazer o sexo uma pessoa tem
que gostar da outra. Acho
que é só isso só. Senão não fica a mesma
coisa. Eu ouço falar por aí que
fazendo sexo com uma pessoa que você não
gosta é diferente de fazer com uma pessoa que você gosta. Eu acho isso
também (Tulipa).
4.2 A adolescência e a sexualidade
Após as entrevistas relatadas anteriormente,
a segunda parte do estudo constou de encontros nos quais conversamos
sobre as modificações que ocorreram e estão ocorrendo no corpo das adolescentes
e sobre os seus conhecimentos acerca da contracepção e das doenças
sexualmente transmissíveis. Esses
momentos foram de bastante riqueza e
cumplicidade, pois nossa intimidade e proximidade com cada uma delas, nos
permitiram chegar a esse ponto do estudo com liberdade e confiança por parte das
adolescentes em relação a nós.
4.2.1 Conversando sobre as transformações do
corpo
Em relação às alterações morfofisiológicas
decorrentes da adolescência, as
jovens deficientes visuais apontaram
diversas modificações em processamento nos
seus corpos, segundo demonstram os seguintes
depoimentos.
-
Eu comecei a
criar seio,
porque eu não
tinha, comecei a
ficar menstruada
(Orquídea.
-
Eu estou começando a criar espinhas, percebo
pêlos em alguns cantos que antes não tinha, meus seios aumentaram
(Margarida).
Na passagem da infância para a idade adulta,
um dos aspectos peculiares é a maturação fisiológica. Nesse momento do
ciclo vital, o hipotálamo passa a estimular
a hipófise para a produção de hormônios do
crescimento e amadurecimento,fazendo com que ocorra o desenvolvimento das
características sexuais secundárias
(FERRIANI, 2001).
Apesar de não poderem enxergar as mudanças
em seus corpos, as adolescentes com deficiência visual percebem
que estão crescendo e que seu corpo se modifica. Notam estruturas antes
inexistentes, como os seios e os pêlos. Esse fato é compreensível, pois as modificações
biológicas características desse
processo propiciam a experiência de uma
série de eventos psicológicos que
culminam na denominada aquisição de
identidade sexual (BRÊTAS; SILVA, 2002). Além disso, ouvem comentários de outras
pessoas e se dão conta de mudanças no
comportamento dos outros em relação a eles,
como mostra a seguinte fala.
-
...Eu percebi que o meu corpo começou a
desenvolver mais, quando vi que os meninos se importavam mais com isso, com
bunda, peito, coxa...
Assim... (Rosa).
As percepções das adolescentes sobre o corpo
eram, na maioria, de tabu e de repulsão. Até suas próprias secreções
eram consideradas como algo sujo. Em relação à menstruação as adolescentes
relataram:
-
...A menstruação é um sangue sujo porque
limpa por dentro (Tulipa).
-
...Não sei, quando menstruei pela primeira
vez senti nojo, agora estou acostumada (Orquídea).
-
...A menstruação é o sangue que sai, é...
Você sabe... Sai daquele local e
isso acontece porque não tem um bebê lá
(Violeta).
Como evidenciam as falas, as adolescentes
demonstraram pouco conhecimento acerca da fisiologia da
menstruação e seu papel no ciclo reprodutivo.
Sabem que é algo que faz parte do
desenvolvimento feminino e, portanto, só acontece com
as mulheres.
Uma das entrevistadas associa com sangue/sangramento e refere ser
algo nojento, sugerindo desagrado quando menciona esse sangramento. Elas têm vaga
idéia sobre a finalidade da menstruação. Apesar das adolescentes participantes do
estudo já terem menstruado, algumas revelaram que não souberam como
proceder da primeira vez que isso lhes aconteceu.
-
...Eu só falei, assim – Fiquei menstruada –,
apesar de eu pensar: ai, meuDeus, e agora? (Tulipa).
Esse depoimento ressalta a falta de
informações das jovens e o despreparo para lidarem com situações típicas
dessa fase, como a menstruação. Ao discutirmos o assunto e mencionarmos o
termo espermatozóide e seu significado, as adolescentes apresentaram as
seguintes opiniões.
-
...Eu penso que espermatozóide é uma espécie
de hormônio, eu acho que
o homem produz, a função seria pra relação
dos dois, se junta no útero,
que é o hormônio da mulher, e assim cria a
célula que dá a vida (Rosa).
-
Ah, eu não sei muito bem, é do homem...
Serve pra fecundação, uma coisa
assim (Margarida).
A maioria das adolescentes demonstrou saber
que os espermatozóides estão associados ao sexo masculino, porém houve
muita confusão em responder o que são (células, hormônios) e qual a sua
função. Isso evidencia seu pouco conhecimento no referente à fisiologia da
reprodução, principalmente tratando-se do
corpo do outro. O corpo do outro, para o portador de
deficiência visual, é um mistério muitas
vezes só desvendado com a experiência
sexual, principalmente para os que não têm irmãos do sexo oposto, pois, até tocar em
alguém do outro sexo, o deficiente visual não tem a real idéia de como ele
se
configura
(LEBEDEFF,
1994).
Na adolescência, o corpo sofre profundas e
rápidas transformações. A partir desse fato biológico, as modificações
escapam ao controle do adolescente, e não só
exigem a reconstrução da sua auto-imagem,
como também influenciam, sobremaneira, na construção de sua
identidade, ou seja, o conhecimento de si mesmo e o conhecimento do corpo do outro
(MANDU; CORRÊA, 2000). Do ponto de vista de adolescente portador de
deficiência visual, acredita-se que a nova forma de se perceber sofre influência externa.
Conforme podemos perceber, existe muita desinformação das adolescentes desse estudo
sobre a função do seu corpo e do
corpo do outro, como pode ser visualizado no
depoimento de uma delas.
-
Espermatozóide é aquele que se encontra no
óvulo [...] parece que serve para impedir a gravidez (Orquídea).
Portanto, a adolescente possui uma idéia
totalmente errada sobre o que seja
espermatozóide e tenta reunir as informações
a fim de formar sua opinião sobre otema.
4.2.2 Conversando sobre contracepção e
doenças sexualmente transmissíveis
(DSTs)
Nessa temática, em relação aos métodos
anticoncepcionais, buscamos identificar se as adolescentes sabiam
conceituar tais métodos, dizer os tipos
existentes e investigamos em relação ao
manuseio dos métodos. Quanto às
doenças sexualmente transmissíveis tentamos
identificar, também, se elas sabiam
conceituar tais doenças, dizer os tipos
existentes e as formas de contágio.
As adolescentes entrevistadas
manifestaram-se como apresentado a seguir.
-
Os anticoncepcionais são medicamentos para
prevenir a gravidez, pra ter
menos chance de engravidar (Tulipa).
-
São pílulas para evitar que a mulher
engravide (Violeta).
-
São uns comprimidos pequenos que servem para
evitar que a mulher fique
grávida e tem outro tipo que as mulheres
tomam para não menstruar mais(Margarida).
Na retrospectiva histórica do planejamento
familiar, constata-se seu
reconhecimento como direito humano básico a
partir da I Conferência Internacional sobre Direitos Humanos Básicos, realizada em
1974, em Teerã, confirmado na Conferência Internacional de População e
Desenvolvimento, realizada em 1974, em
Bucareste e caracterizado com uma ação de
Saúde Pública na Declaração de Alma Ata em 1979 (CORREA, 1994).
De acordo com a mesma fonte, o Planejamento
Familiar, há muito, se constitui uma preocupação mundial, sendo,
inclusive, uma das pautas da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994. Segundo ressalta o relatório final
deste evento, o sucesso dos serviços de planejamento familiar depende da informação
e o princípio da livre escolha e
informada, de ter ou não ter filhos, é
essencial para o sucesso a longo prazo dos
programas de planejamento familiar.
Nesta perspectiva, o planejamento familiar
se confirma como uma das mais
importantes ações para a inversão dos
indicadores de saúde, sobretudo no relacionado à morbimortalidade
materno-infantil (BARNETT, 1994). Contudo, mormente todos os reconhecimentos
da importância do planejamento familiar para a sociedade, esse
direito ainda é negado a uma grande
parcela da população. Tem sido negado o
acesso não apenas aos métodos contraceptivos, ocasionado pela carência
destes serviços, como também ao aconselhamento em planejamento familiar.
Este momento é decisivo para a ação educativa, quando o profissional de saúde
orienta sobre as opções existentes para a adolescente realizar adequadamente o seu
planejamento familiar.
Assim, a informação, a orientação e o
respeito à dignidade do ser humano é um aspecto imprescindível para um bom
planejamento familiar. Em relação
especificamente à contracepção, Sabino Neto
e Sales (1998) consideram como obrigação científica do profissional de
saúde promover a adequação do método anticoncepcional à realidade de cada casal.
Por contracepção entende-se a liberdade de
escolha dos métodos contraceptivos a partir da informação das
características de cada método, permitindo que a pessoa faça a opção adequada à sua
realidade. Atualmente, utiliza-se a
palavra característica para descrever todas
as nuanças dos métodos, incluindo vantagens e desvantagens, visto que este
aspecto está na dependência do estilo devida de cada pessoa (SOUSA, 2002).
Consoante mostra o dia-a-dia, a assistência
à pessoa que deseja a contracepção tem sido dificultada. Essa
dificuldade advém de muitos fatores, entre eles, a política governamental, que
inviabiliza o acesso das pessoas aos métodos
contraceptivos, e a deficiência dos serviços
de saúde reprodutiva. Estes serviços, por não disporem de um amplo número de
métodos contraceptivos, sentem-se desobrigados de fornecer informações sobre
todos os métodos, e assim se restringem aos disponíveis em suas
farmácias.
Como agravante desta realidade, ainda
podemos citar a influência da Igreja Católica, que restringe sua aceitação da
contracepção ao uso dos métodos
comportamentais e à amamentação. Para Ellis
e Hartley (1998), essa defesa, veemente, do uso dos métodos considerados
naturais, pretende garantir a propagação da raça humana. Independente dos
motivos dessa postura da Igreja sabe-se que a sua influência em nossa
sociedade é ainda muito forte. Desse modo, este assunto, pela sua natureza polêmica,
passa a ser ignorado ou tratado com
tabus, dificultando uma discussão aberta na
sociedade.
Sobre este assunto, na opinião de Figueró
(1999) este fato ocorre devido ao desconforto entre a visão eclesiástica e a
realidade cotidiana atual, decorrente da inflexibilidade e do atraso da Igreja
Católica acerca desta temática.
Embora saibam que os métodos
anticoncepcionais existem e até citem nomes, as entrevistas revelaram que as
adolescentes nunca haviam manuseado esses métodos e desconhecem a maneira
adequada de usá-los, conforme demonstram suas falas.
-
...Camisinha eu já peguei uma, uma vez, mas
fechada, não sei bem como é (Orquídea).
-
...Eu assisti uma vez uma palestra, alguém
lá na frente mostrou, no meu caso, não adiantou muito (Tulipa).
A camisinha, camisa-de-vênus ou condom é um
preservativo, de látex,
derivado da seiva da seringueira concentrada
e estabilizada, podendo vir ou não com lubrificante. Quando a camisinha é usada
de forma correta, ultrapassa os 85%
de eficácia. Existe no Brasil a camisinha
importada, feita de tripa de carneiro. São mais raras, mas permitem maior sensibilidade
porque a pele é melhor condutora de calor do que o látex (TAYLOR, 1997).
Conforme mostra a história do preservativo
masculino, na tentativa de evitar uma gravidez indesejada ou doenças
sexualmente transmissíveis, a humanidade inventou fórmulas tão estranhas quanto
gengibre e suco do fumo ou excrementos de crocodilo, que possuem pH alcalino, assim
como os espermicidas modernos
(TERRA, 2003).
Na Ásia, por exemplo, usava-se um envoltório
de papel de seda untado com óleo. No antigo Egito já usavam ancestrais
de camisinhas, não como contraceptivos,mas como proteção contra picadas de insetos
(durante as caçadas). Elas eram feitas de tecido ou outros materiais
porosos, pouco eficazes como métodos contraceptivos (GORDON, 2002).
De acordo com a mesma fonte, durante a Idade
Média, com a disseminação de doenças venéreas na Europa, fazia-se
necessária a invenção de um método mais eficaz. Em 1564, o anatomista e
cirurgião Gabrielle Fallopio confeccionou um
forro de linho do tamanho do pênis e
embebido em ervas. Mais adiante, estes preservativos passaram a ser embebidos em
soluções químicas (pretensamente espermicidas) e depois secados.
No século XVII a camisinha ganhou um “toque
de classe”. O Dr. Quondam, alarmado com o número de filhos ilegítimos
do rei Carlos II da Inglaterra (1630-1685), criou um protetor feito com tripa de
animais. O ajuste da extremidade aberta era feito com um laço, o que, obviamente,
não era cômodo, mas o dispositivo fez tanto sucesso que há quem diga que o nome em
inglês (condom) seria uma homenagem ao médico. Outros registros
indicam que o nome parece vir mesmo do latim condus (receptáculo). A camisinha
feita de tripa foi usada até 1839, quando Charles Goodyear descobriu o processo de
vulcanização da borracha, fazendo-a
flexível à temperatura ambiente. Nesta
época, os preservativos de borracha eram grossos e caros e, por isso, lavados e
reutilizados diversas vezes. As camisinhas de látex só surgiram em 1880 e evoluíram à
medida que novos materiais foram desenvolvidos, adicionando novas formas,
melhorando a confiabilidade e durabilidade (GORDON, 2002).
Consoante sabemos, a camisinha masculina
apresenta inúmeras vantagens como, por exemplo, previne contra as doenças
sexualmente transmissíveis e AIDS;
não interfere no ciclo menstrual; permite ao
homem dividir com a mulher a responsabilidade da contracepção; é
distribuída gratuitamente em unidades básicas de saúde e por algumas ONGS e, geralmente,
não provoca efeitos colaterais na mulher e no homem. O único efeito colateral
desse método seria alergia ou irritação, mas pode ser reduzida trocando-se a marca e
tipo, e com uso de lubrificante à base
de água.
Somando-se, pois, todas as vantagens e tendo
alguns cuidados, como observar a data de fabricação, se a
embalagem não foi danificada, não abrir o preservativo de forma a danificá-lo (com os
dentes, tesouras), tem-se,
comprovadamente, o único método mecânico que
previne, não somente as doenças
sexualmente transmissíveis como a AIDS, como
a gravidez indesejada e não planejada. Segundo Persona, Shimo e Tarallo (2004), uma
gravidez indesejada pode ser o resultado de desconhecimento ou uso
inadequado dos métodos contraceptivos,
utilização de métodos de baixa eficiência,
ignorância da fisiologia da reprodução e
das conseqüências das relações sexuais,
entre outros fatores.
De modo geral, a cultura sexual de massa é
quase restrita a estímulos visuais. Em muitos países e, principalmente
no Brasil, faltam programas de educação sexual adaptados ao deficiente
visual. Como esses indivíduos não podem
aprender por imitação visual, o ideal seria
que todos os movimentos lhes fossem
demonstrados e com eles juntamente
realizados. Dessa forma, seria possível explorar os sentidos remanescentes do
deficiente visual, tato e audição, com vistas a contribuir para o melhor entendimento das
informações (LEBEDEFF, 1994).
Diante das necessidades especiais dos
deficientes visuais e da importância da educação em saúde para um planejamento
familiar consciente entre casais,
como mencionamos, o Projeto Saúde Ocular
criou materiais educativos auto-instrucionais sobre métodos de planejamento
familiar de barreira e DIU para deficientes visuais, assim como material
tátil com desenhos em alto relevo da
hemipelve feminina na tentativa de
demonstrar com maior clareza cada órgão interno feminino. Os deficientes tiveram
também a oportunidade de conhecer o aparelho reprodutor masculino através do
tateamento de um protótipo peniano no qual puderam ser identificados o orifício
uretral, a glande, o saco escrotal e o pênis.
Tal material, porém, não está disponível nas
escolas que recebem alunos deficientes
visuais, como destacamos em falas anteriores
das adolescentes.
Em relação às doenças sexualmente
transmissíveis, as participantes se
manifestaram com os depoimentos seguintes:
-
São doenças que passam através do sexo, sexo
sem camisinha (Rosa).
-
É o vírus da AIDS, né, é o HIV [...]
(Margarida).
As doenças sexualmente transmissíveis
(DSTs), consideradas os agravos à saúde mais comuns em ginecologia, têm alta
morbidade e podem resultar em
infertilidade, doenças neonatais e infantis,
gravidez ectópica, câncer ano-genital e
morte (BRASIL, 1999b). Atualmente, observam-se significativos
avanços no diagnóstico e tratamento das DSTs. Contudo, o aumento da sua
incidência é uma realidade e decorre, principalmente, da mudança de comportamento
sexual, da ignorância e da indecisão dos indivíduos afetados quanto à necessidade
de buscarem tratamento adequado e evitarem contaminar seus parceiros
(PHILIPPI; MALAVASSI; ARONE, 1994).
Nas palavras de Sousa (2002), a magnitude
deste problema está associada ao fato de que o aparecimento de uma DST
pode influir no aparecimento de outras doenças, incluindo aí a mais temida delas –
a AIDS – , além das graves complicações decorrentes de DSTs não
tratadas: altos custos de assistência à saúde e as graves conseqüências sociais
associadas. Como o próprio nome sugere, seu principal
meio de transmissão é a relação sexual. Há, porém, outros meios, como
transfusão sanguínea, uso de material injetável contaminado e transmissão vertical
da gestante para o feto. Apesar de demonstrarem certo conhecimento
acerca das DSTs, algumas adolescentes ainda fazem confusão quanto às
formas de contágio, como mostram as falas.
-
...Não pode beber no mesmo copo que a outra
pessoa bebeu, não pode usar a mesma seringa da outra pessoa, aí
pega doença (Margarida).
-
...Essas doenças, nós pegamos quando a
pessoa usa o mesmo tipo de escova de dente, usa os mesmos objetos, daí
é assim que acontece
(Violeta).
Consoante percebemos, as adolescentes
deficientes visuais demonstram desconhecimento e informações errôneas em
relação às formas de contágio das doenças sexualmente transmissíveis. Segundo
elas, a única fonte de informação que possuem a esse respeito são as amigas da
escola ou que moram próximas à sua residência. Todavia, pelas falas das
entrevistadas, nem sempre essas informações são corretas. Isso se agrava
ainda mais devido à carência de materiais informativos relacionados a essa área,
adaptados aos deficientes visuais. Tais carências dificultam-lhes o acesso a
informações precisas e os deixam à margem quanto a orientações sobre as DSTs.
A orientação para prevenção das DSTs tem
recebido o nome específico de aconselhamento e apresenta peculiaridades
próprias, pois sua forma de transmissão envolve práticas muito íntimas, carregadas
de simbolismos particulares, social e culturalmente determinados (BRASIL, 1999c).
Como sugerido pela abordagem atual, o manejo
das DSTs deve seguir a investigação pelo método chamado de
abordagem sindrômica para DST. Este método identifica as síndromes mais comuns
por meio da anamnese e do examefísico, utilizando um conjunto de
fluxogramas que levam ao tratamento dos agentes etiológicos mais freqüentes e uma cobertura
de amplo espectro.
Entre as síndromes mais comuns sobressaem:
corrimento vaginal, decorrente de vulvovaginites infecciosas (tricomoníase,
vaginose bacteriana e candidíase) ecervicite (gonorréia e infecção por
clamídia) e uretral, ocasionado por gonorréia,
infecção por clamídia, tricomoníase,
micoplasma e ureaplasma; úlcera genital, conseqüente de sífilis, cancro mole, herpes
genital e donovanose; e, por fim, desconforto ou dor pélvica na mulher, devido
à gonorréia, infecção por clamídia e infecção por germes anaeróbicos (BRASIL,
1999b).
No caso da educação em saúde, principalmente
sexualidade, a literatura em braile é escassa. De modo geral, os recursos
disponíveis destinam-se a pessoas
videntes e as informações são transmitidas
de forma bastante superficial. Portanto, não atendem adequadamente às necessidades de um deficiente visual (PAGLIUCA; RODRIGUES, 1998).
Ao discutir educação para a saúde, Costa e
Lopez (1996), a definem como um processo planificado e sistemático de comunicação e de ensino-aprendizagem orientado a facilitar a aquisição, escolha e manutenção das práticas saudáveis e dificultar as práticas de risco. Apesar das limitações, os problemas que
atingem os adolescentes, como gestação indesejada, aborto, doenças
sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS, são alvo de preocupação entre formuladores de
políticas, pais e educadores de modo geral. Mas o preparo dos jovens para o
exercício saudável da sexualidade requer
intervenção planejada por parte dos
profissionais da saúde e da educação, fundamentadas em uma concepção de
adolescência, sexualidade, educação sexual de modo a atender à integralidade humana.
Nesta, a sexualidade deve ser
compreendida como uma das expressões que
envolvem afetos, sentidos, desejos,comunicação e criação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na nossa opinião, as entrevistas permitiram
examinar diferentes aspectos da vida das jovens deficientes visuais
entrevistadas, não somente aqueles ligados à sexualidade e às relações afetivo-sexuais.
Entre estes aspectos estão os planos
para a escolaridade e futuro profissional e
as orientações de seus pais em relação a algumas áreas de suas vidas.
No referente à vida escolar, algumas
apontaram que pretendiam, a princípio, concluir o ensino fundamental ou, no máximo,
o ensino médio mas, devido à percepção da crise de empregos e associação
desta ao nível de escolaridade e capacitação do deficiente, mudaram seus
planos e passaram a desejar estudar até o término do ensino médio ou do ensino
superior. Ao abordarmos a temática da sexualidade na escola, constatamos total
inexistência de debates, diálogos,
esclarecimentos e material didático
acessível.
Em relação à vida familiar, como pudemos
observar, contrariando o critério tradicional que definia o líder da família,
como o ser provedor material, foi possível perceber que este não é o único fator para
estas jovens. Conforme mostraram as falas, os líderes das suas famílias podem
ser também aquelas pessoas com quem elas têm laços de cosangüinidade, que mandam
ou determinam tarefas ou que proporcionam orientação e apoio aos demais.
Quanto às orientações parentais para a vida
afetivo-sexual destas adolescentes, apenas uma delas as mencionou.
Tais orientações, porém,
consistiram em advertências difusas sobre os
riscos que a vida sexual pode trazer. Conforme mostram as falas, o silêncio sobre
as questões sexuais ainda dá a tônica das orientações às meninas. No contexto da
família ficou evidente a falta de diálogo entre as entrevistadas e os seus pais,
principalmente, sendo as curiosidades e dúvidas supridas, muitas vezes, com amigas.
Entre os familiares, a conversa limita-se às irmãs. Tal falha na comunicação
contribui para que as adolescentes procurem informações em outros meios.
Apesar da limitação sensorial do deficiente
visual, a televisão foi citada em uma das falas selecionadas como meio de
aprendizado e, diante dessa atitude, constatamos a capacidade de adaptação do
deficiente visual: mesmo impossibilitado de ver imagens sobre a temática, é capaz de
absorver e apreender os conteúdos
das mensagens. Isto confirma que o processo
de comunicação envolve uma percepção seletiva de interpretação de
conteúdo. As pessoas percebem, absorvem e lembram o conteúdo de diversas maneiras.
Quando os pais são superprotetores, a
transição da infância para aadolescência torna-se mais difícil, ou mais
lenta. Preocupados com a possibilidade de gravidez, com doenças sexualmente
transmissíveis, e receosos de que sua filha seja rejeitada e explorada, os pais com
frequência acabam por reprimi-las. Além disso, bloqueados por seus temores, deixam
os diálogos e os esclarecimentos apenas para a escola e os meios de
comunicação. Assim, omitem-se desse
processo.
A nosso ver, as instituições, tais como a
família e a escola, precisam participar mais ativamente da vida da
adolescente deficiente visual com vistas a instrumentalizá-la para a vida sexual. A
adolescente com deficiência visual procura atuar de forma similar à sua amiga que vê:
quer descobrir o mundo, conhecer
pessoas, namorar. Mas a ausência da visão
cria barreiras, pois interfere em seu senso de integridade física e em sua imagem
corporal de pessoa sexualmente aceitável, bem como em sua capacidade de
escolha do parceiro. Dessa forma, é necessário que a família e a escola estejam
cientes das dificuldades vivenciadas
pela adolescente deficiente visual e criem
estratégias para ajudá-la de maneira eficaz.
Em relação à vida afetivo-sexual, as
adolescentes deficientes visuais apresentam as mesmas características de
desenvolvimento da sexualidade das demais pessoas, embora possuam
características próprias, pois aproximadamente 80% das informações perceptivas ocorrem pela
visão. Entretanto, a falta da visão não diminui o interesse sexual, apenas faz
com que a curiosidade das deficientes
visuais sobre esse assunto torne-se
diferenciada: elas querem conhecer seus corpos e seu funcionamento.
Como todos as adolescentes, as jovens que
não vêem também buscam definir sua identidade e seu lugar na
sociedade. Além disso, querem descobrir sua própria sexualidade e encontrar meios adequados para expressar seus impulsos sexuais e vivenciar relacionamentos afetivos.
Ao abordarmos métodos
contraceptivos e DSTs, constatamos o
desconhecimento das adolescentes sobre as
temáticas. Elas possuem apenas
informações superficiais. Entretanto, para
se gerar uma cultura de prevenção e combate às DSTs/AIDS é relevante se divulgar
conhecimento acerca desta realidade: tipos, fatores de risco, sinais e
sintomas, maneiras de prevenção.
Consoante enfatizamos, entre a população
menos favorecida de educação e informações há maior vulnerabilidade para
acometimentos na saúde em geral,
inclusive a sexual, e o deficiente visual
poderia se enquadrar nessa população, pois
está de certo modo em desvantagem em relação
aos meios de comunicação emateriais educativos para DSTs/AIDS.
Enfrenta, também, fatores como preconceitos
e estigma. Deste modo, deve demandar mais
cuidado no referente à saúde sexualpor parte dos serviços de saúde para que a
difusão de conhecimento chegue a todos.
Na nossa opinião, a adolescência, uma fase
plena de descobertas e transformações, pode ser vivida com
intensidade pelo portador de deficiência visual,
do ponto de vista afetivo e sexual. E a
sexualidade, como parte da natureza humana, contribui para inseri-lo no mundo. Pudemos concluir também que os profissionais
de saúde, principalmente
enfermeiros, estão despreparados para tratar
as questões de saúde junto ao portador de deficiência. Talvez por isso
seja tão difícil a abordagem de questões como a sexualidade do deficiente visual.
Isto explica, de certa forma, o fato de se pesquisar e escrever pouco sobre
o assunto.
Identificar as percepções das adolescentes
com deficiência visual acerca de sua sexualidade foi gratificante e ensejou
verificar que carecem de informações e conhecimentos em relação a diversas questões
que envolvem a sexualidade. Ademais, a experiência junto às adolescentes
permitiu um convívio rico em trocas e momentos de prazer, em
conhecimentos raramente propiciados pela academia e também estimulou mais a assunção do papel como provedor de saúde eeducador.
Conforme acreditamos, o objetivo foi
alcançado com êxito, pois embora a maioria das entrevistadas tenha alguma
informação sobre as questões abordadas,
tais como menstruação, doenças sexualmente
transmissíveis e anticoncepção, nem sempre essas informações estão corretas,
muitas vezes elas se resumem a idéias vagas, confusas. Podemos associar esse fato
a falhas nos meios de divulgação das informações. Consoante comentamos, as informações
divulgadas pelos meios decomunicação como televisão, jornais,
revistas, cartazes e folders, distribuídos em diversos locais, não atingem de maneira
eficaz o portador de deficiência visual. Faltam em nosso meio programas de educação
sexual adaptados ao deficientevisual, com informações escritas em braile e
que privilegiem os demais sentidos.
Devemos advertir: a visão não é o único meio
para divulgar e apreender informações.
Ao longo das entrevistas, as adolescentes
revelaram suas dúvidas. Tentamos
esclarecê-las e, ao mesmo tempo, lhes
fornecemos informações adicionais sobre os diversos assuntos abordados. Esse momento
constituiu-se, na nossa percepção,
como uma das ações educativas pertinentes ao
profissional enfermeiro. Nesse caso, recorremos à orientação individual verbal,
mas poderiam ter sido usadas várias
outras ações, como oficinas, jogos,
dinâmicas.
Ao refletirmos sobre nossa pesquisa, podemos
afirmar que ela não encerra a percepção acerca da sexualidade do
deficiente visual, mas aponta para a necessidade de futuras pesquisas sobre o
assunto. Um estudo de caráter longitudinal, acompanhando adolescentes
deficientes visuais que tenham sido orientados/educados por meio de uma
metodologia de educação em saúde, adequada às suas necessidades, seria um dos
caminhos de se verificar a eficácia das ações educativas no desenvolvimento de
sua sexualidade. Por exemplo, ao término de um período, poder-se-ia observar e mensurar quantos contraíram alguma DST, quantos fizeram uso de contracepção ou tiveram filhos, entre outras situações.
A educação para a saúde não é uma hipótese
abstrata. É uma realidade que responde às necessidades de saúde e à
possibilidade objetiva de adquirir
comportamentos positivos. Conforme
acreditamos, todas as pessoas, independente de serem portadoras de necessidades
especiais e, nesse caso, os deficientes
visuais, devem poder ter suas próprias
decisões e conhecimentos sobre sua saúde. Devem, também, ter o direito à vivência
sexual, baseada na informação e na responsabilidade. Desse modo, poderão
exercer seus direitos e deveres para o pleno exercício de sua cidadania.
ϟ
Excerto de Dissertação submetida
à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Enfermagem.
autora:
Camilla Bezerra
Orientação: Prof.ª Dr.ª Dorita Pagliuta
Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Δ
19.Nov.08
publicado
por
MJA
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