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 Sobre a Deficiência Visual

Representações Sociais de Professores sobre a Inclusão de Alunos com Deficiência em Turmas Regulares

Cristiane Correia Taveira
 

Meninas cegas na escola - August Sander - fotografia de 1930
Meninas cegas na escola - August Sander - fotografia de 1930

 

Introdução

Faz-se importante investigar de que maneira os professores lidam e produzem idéias e conhecimentos, representações sociais acerca do processo de inclusão dos alunos com deficiência em turmas regulares. Tal procedimento de inserção tanto pode estimular o esforço das equipes escolares na tentativa de criar adaptações físicas, materiais e curriculares, apoiando a interação deste aluno com a comunidade escolar, como pode reforçar processos estigmatizantes.

O quadro de estigmatização do aluno costuma decorrer das expectativas, valores e crenças do professor em relação à aprendizagem desta criança ou jovem com deficiência, que pode ter conseqüências nas percepções sobre o processo de inclusão do aluno nas turmas regulares.

A noção de deficiência perpassa instituições e grupos que constroem e corroboram a visão do ser estigmatizado como não-eficiente, ser incompleto, o que pode contribuir para instalação de aparato de controle por parte dos profissionais da educação (LOBO, 1992). Aqueles que discriminam procuram fazer com que o indivíduo estigmatizado seja exposto o tempo todo, submetendo-o à prova, sobretudo visando fazer com que se sinta desacreditado, inviabilizando sua atuação e inserção efetiva no grupo social e na instituição (GOFFMAN, 1982).

Desta forma criam-se condições de deterioração da identidade da vítima de estigmatização, a partir da qual a manipulação de seu comportamento, atitude e sentimento é facilitada, potencializando mecanismos de exclusão. Desenvolve-se processo de culpabilização da vítima promovendo a perpetuação de preconceitos e de estereótipos e, conseqüentemente, de estigma destes alunos.

Nesse processo, de forte mediação simbólica, faz-se acertada a consideração da docência como profissão de interações humanas, e principalmente, pondera-se a dimensão ética do trabalho docente, no que diz respeito à conciliação do que parece inconciliável, ou ao menos, com limites ora intransponíveis: atender às necessidades particulares, singulares, dos alunos e assumir, simultaneamente, padrões gerais de organização coletiva, com igualdade de tratamento a todos os alunos (TARDIF & LESSARD, 2005).

Na tentativa de oferecer eqüidade de oportunidades de escolarização, as escolas têm recebido número cada vez maior de alunos com deficiência inseridos em turmas regulares. As classes especiais estão encarregadas apenas daqueles alunos com nível maior de comprometimento. No entanto, um aluno pode estar integrado em sala de apoio ou estar na sala regular isolado num processo de omissão ou reclusão, sem interagir com os outros alunos (MAZZILO, 2003; SILVA, 2005; ROSIN-PINOLLA, 2006).

Os professores de classes especiais ou de serviços de apoio à integração propõem a preparação do aluno deficiente ou com dificuldades na aprendizagem para uma futura inserção (FERNANDES, 2004; SILVA, 2005). Este é o modelo predominante nas redes municipais de ensino. (GLAT & FERNANDES, 2005).

Existe um consenso de que a inclusão e a exclusão não se referem somente às pessoas com deficiência e sim a muitas crianças, jovens e adultos que sofrem qualquer tipo de exclusão educacional, seja dentro das escolas e salas de aula, quando não encontram oportunidades para participar das atividades escolares. A inclusão significa mudar valores e atitudes, crenças e tradições, segundo artigos e publicações das últimas décadas, que mostram um terreno com poucas respostas para os entraves e obstáculos ao movimento inclusivo.


O Normal e a Deficiência: um processo de construção psicossocial

O esforço teórico parte da necessidade primeira de desnaturalizar o processo de classificação e controle daqueles considerados desviantes da norma onde podem se encaixar as pessoas com deficiência.

O conceito de norma e o princípio de normalização norteiam o trabalho da educação inclusiva e, mesmo que se considere que este princípio - enunciado por Bank-Mikkelsen e Nirje - implica no direito da pessoa com deficiência de experienciar o padrão de vida comum ou normal e de partilhar as atividades de grupos de idades equivalentes (MENDES, 2006), ao mesmo tempo que contribuiu para desinstitucionalização destas pessoas, delimita uma implantação gradual na modalidade de educação mais adequada.

Entende-se que a aplicação prática do termo normalização – uma vez que o princípio não se trata de teoria científica, como afirma Mendes (2006) – incorporou os diferentes níveis de integração que se mostram necessários ao aluno, ou seja, o princípio de normalização. O princípio, de fato, balizaria a normalização dos meios e dos recursos e não dos sujeitos. No entanto, o termo e o princípio vieram a se popularizar com a idéia de que os alunos teriam que ter condições de mostrarem-se tão normais quanto possível, e presumia-se um esforço da pessoa com deficiência para mostrar uma face de normalidade para que pudesse galgar os graus de integração.

Há uma tendência de definição do normal, a partir da possibilidade do ser adaptado se adequar ao meio: por exemplo, o aluno com deficiência que precisa se adaptar à turma regular submete-se a uma condição abusiva, quando grupos em sociedade identificam o adaptado com o meio - no caso do aluno com deficiência, ele é visto mais facilmente como adequado à classe especial. Isto ocorre de forma determinista, pois a sociedade possui normas coletivas para apreciação da qualidade da relação normal-anormal e de um sistema de pressões sociais para que se atenda ao pré-estabelecido quadro de adaptação daqueles que desviam das normas sociais.

“Definir a anormalidade a partir da inadaptação social é aceitar mais ou menos a idéia de que o indivíduo deve aderir à maneira de ser de determinada sociedade e, portanto, adaptar-se a ela como a uma realidade que seria, ao mesmo tempo, um bem” (CANGUILHEM, 2007, p. 244). Mesmo quando transportado para o terreno da Educação, ou da Psicologia, o conceito de adaptação conserva o sentido do campo da Biologia, de onde se originou, ou seja, “a significação de uma relação de exterioridade, de desafio entre uma forma orgânica e um meio ambiente que lhe é adverso” (ibid., p. 244); este sentido também se manifesta no conceito popular.

A noção de deficiência, de doença, de anormalidade pressupõe a construção social sobre a eficiência, a normalidade numa dada sociedade, num dado momento histórico. As implicações psicossociais da diferença, da anormalidade, estão vinculadas e demarcadas pela própria sociedade e carecem de ser desnaturalizadas.

Segundo Lobo (1992), “a malha fina das classificações utilizadas a partir dos diagnósticos é tanto um produto social, como produz conseqüências no âmbito das práticas sociais mais ou menos dissimuladamente violentas” e este quadro corresponde à discriminação, ao controle e, em casos extremos, até à exclusão, “conforme o grau de perturbação das normas sociais que tais comportamentos desviantes possam apresentar.” (ibid. , p. 122).

Nesse sentido, a função dos laudos pode ser entendida como a de responder à necessidade social de classificação dos desviantes, daqueles que desviam da norma, mais do que auxiliar na tarefa de recuperação, ao qual o diagnóstico e os especialistas se propõem a avaliar. Isso implica também nas representações que se tem do diagnóstico, do que um sistema diagnóstico e um laudo transmitem e da necessidade já explicitada de se atender à norma.

Com auxílio de Foucault (1997) é possível continuar o esforço teórico de desnaturalizar o quadro de classificação e controle daqueles considerados desviantes da norma, o que, a partir de uma análise dos meios coercitivos e de ajustes, pode revelar conflitos, (re)arranjos de forças, contribuindo para um estudo de representações sociais.

A análise do panóptico é decisiva para evidenciar um sistema que organiza princípios de disciplina e vigilância. É o olhar do outro que imprime a vigilância e consolida um sistema de normas, faz surgir e mantém os corpos dóceis. “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (ibid. , p. 118).

O poder disciplinar se manifesta a partir da visibilidade do disciplinado. Este poder é exercido no sentido contrário do poder tradicionalmente conceituado, no qual aqueles sobre quem ele é exercido podem ficar esquecidos. No caso do poder disciplinar, os observados têm visibilidade obrigatória (ibid.).

Cabe destacar na questão da pessoa considerada desviante, de que há os indícios de que “a visibilidade é uma armadilha” (ibid.). Especificamente: a localização da pessoa com deficiência em sala de aula, a interação desta com os outros alunos, ou a não interação entre os alunos e a visibilidade do deficiente posto em destaque na turma e colocado a toda prova.

A resposta sobre a situação de cárcere institucional, o que levou à reinserção social de pacientes “desinstitucionalizados” (JODELET, 2002, 2005) e a processos educacionais mais inclusivos, não tem modificado os processos de rotulagem e as atitudes e os comportamentos repressores. As respostas sociais e a reativação ou manutenção de posturas de rejeição e preconceito, às vezes reaparecem de forma camuflada por trás de um discurso inclusivo.

Este aspecto de aparentar normalidade, de atender a normas, instaura posicionamentos e valores, instituindo práticas de acordo com julgamentos, com representações sociais, o que não se deixa ver, num primeiro plano, que modelos normativos, modelos de cultura estão em jogo e que o próprio uso do termo normalização e o seu sentido, que pareceu para alguns deturpado do sentido original, por questões de ordem prática, constituem representações sociais de diversos grupos.


Representações sociais da alteridade: o Estigma

Goffman (1988), ao explicitar a relação do estigma com a questão dos desvios e normas, utiliza um conjunto de conceitos relacionados à “informação social”, a informação que o indivíduo transmite diretamente sobre si. Entende-se por estigma, a situação do indivíduo que não está habilitado para a aceitação social plena (ibid. , p. 7).

A primeira noção, que é de suma importância e que corrobora as reflexões em representações sociais e para a construção (e análise da construção) do objeto – representações sociais de professores em relação à inclusão de alunos com deficiência em classe comum do ensino regular – é a maneira como se estabelece a categorização de pessoas em sociedade.

Entende-se que a busca por um tipo particular de aluno, o aluno ideal, dentro da categoria de pessoas que se espera encontrar numa turma regular, ainda se mostra fortemente marcada pela idéia da homogeneidade. Há pouco mais de duas décadas, o professor do ensino regular depara-se com “o estranho” aluno com deficiência, numa instituição - a escola pública - que não se mostra muito familiarizada com a grande massa de alunos das classes populares, outro contingente que ainda causa estranhamentos.

Esta situação de encaixe do sujeito, ou de um processo de adequação do sujeito, a uma suposta integração ao grupo, e a expectativa quanto aos atributos deste sujeito, ou das respostas durante este processo, podem se explicar pela tentativa de tornar o objeto familiar. O objeto em questão insere o próprio processo inclusivo da pessoa com deficiência, o que pressupõe o estranhamento do estigmatizado, da relação com outras pessoas igualmente estigmatizadas.

O princípio de transformação do não-familiar em familiar, pelo qual se explica a formação das representações sociais, perpassa a teoria de Representações Sociais. O mecanismo de “ancorar idéias estranhas” e colocá-las num contexto familiar (MOSCOVICI, 2003), pode fazer predominar pensamentos antigos, posições preestabelecidas que se utilizem de mecanismos como a classificação, a categorização e a rotulação. Estes mecanismos de julgamento revelam algo da teoria que se tem sobre o objeto classificado (ALVES-MAZZOTTI, 1994).

O que importa em relação às representações sobre a inclusão é que o incluir em educação pressupõe inserir alguém numa dada situação escolar e num grupo (a classe especial ou classe comum, a escola especial ou regular), o que implica também uma relação com os sujeitos que produzem estas representações sociais, os professores, que pertencem também a grupos e estão vinculados a instituições. Este outro, o aluno com deficiência, é um estranho que "fará parte de", será introduzido em um espaço, que pode ser definido como um novo ambiente, o da turma regular, que não é o espaço da classe especial onde estão os seus iguais, ou presume-se que seja o lugar, a priori, deste sujeito.


A Pesquisa

As representações sociais dos professores sobre a inclusão podem assumir novas roupagens devido ao discurso em prol do respeito à diversidade e traduzi-lo em mudanças superficiais porém mantendo o núcleo destas representações. Foi necessário discernir o discurso socialmente aceitável sobre inclusão das manifestações comportamentais que foram contempladas.

Os sujeitos da pesquisa foram professores do Ensino Público Municipal do Rio de Janeiro que atuam com alunos integrados em turmas regulares de escolas da 2.ª Coordenadoria de Educação (CRE). Num primeiro momento com duração de quatro meses, de março a junho de 2007, foi realizada a observação de campo em quatro escolas municipais da 2ª CRE, duas escolas pequenas (com aproximadamente trezentos alunos) e duas escolas grandes (cerca de mil alunos), envolvendo 15 professores. Em seguida, foi utilizada a técnica do grupo focal com cerca de 40 professores de diversas escolas da mesma Coordenadoria.


Alguns dos critérios de escolha de escolas são detalhados a seguir:

1) Não foram escolhidas as escolas em que os alunos inseridos em turmas regulares estivessem em contato direto com as classes especiais das quais foram alunos originariamente.

2) Foram selecionadas as escolas que possuíam alunos inseridos com tipos de deficiência os mais variados possíveis, ou seja, Deficiência Física (DF), Deficiência Mental (DM), Deficiência Auditiva (DA), Deficiência Visual (DV), Deficiências Múltiplas (DMU) e Condutas Típicas de síndrome neurológicas, quadros psiquiátricos e psicológicos graves (CT) e que, no contato com os quadros de acompanhamento, não houvesse dúvida do enquadramento do aluno em relação à deficiência.

3) Cada escola selecionada deveria ter, no mínimo, três alunos inseridos em turma regular. O objetivo foi, realmente, chegar ao ponto da inquietação da pesquisa: a demanda cada vez maior dos professores de turmas regulares em discutir a inclusão.

4) Foram selecionadas duas escolas grandes e duas pequenas. Outro fator que também interessava a pesquisa: as escolas menores poderiam facilitar o acolhimento dos alunos com deficiência. Pais e professores sugerem, em suas falas, que algumas escolas de menor porte constituem os ambientes mais inclusivos, por motivos variados, como maior organização, maior controle, maior cuidado com os alunos; generalizam, nos discursos, que as maiores escolas, têm fama negativa em termos de confiabilidade no educar e no cuidar e, as menores, têm fama de hospitalidade. Era de interesse entender a constituição e reforço deste discurso que entende-se superficial.

O foco da pesquisa foi a observação do cotidiano das práticas nas salas de aula dos professores com alunos com deficiência inseridos em turma comum, num total de 15 professores, em duas ou três turmas por escola. Os contatos com os outros professores transcorreram no ambiente da escola (recreio, sala de professores, reuniões).

Em síntese, os dados da observação de campo é que geraram as teorizações exploratórias, ficando os grupos focais para a verificação das hipóteses e as entrevistas abertas, para desfazer e esclarecer dúvidas em relação a enunciações e à tomada de decisões de professores e grupos em particular na vivência diária da prática da docência.

O trabalho de pesquisa foi complementado com grupos focais, num total de 40 professores envolvidos em grupos focais (fora das unidades), nos quais estiveram mesclados diversos professores das unidades selecionadas e de outras unidades escolares em cinco grupos, variando de oito a dez professores, em uma hora e trinta minutos de interação. Segundo Gatti (2005), estes grupos permitem compreender os processos de construção da realidade por determinados grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e reações a fatos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o conhecimento das representações.


Representações sociais de professores

Resultados apontaram, inicialmente, alguns fatores que podem constituir elementos das representações sociais dos professores sobre a inclusão do aluno com deficiência em turma regular. O primeiro fator seriam as ausências ou as faltas, sendo uma parte delas ligada a aspectos materiais, a saber: falta de condições para trabalhar, de suporte extra-escolar, de apoio técnico e de tempo para planejar e para produzir adaptações curriculares, assim como falta de tempo para estudo. Outra parte estaria relacionada a dificuldades e ausências de ordem afetiva, desagrados por parte dos professores que se referem às próprias limitações, frustrações no processo de inserção, repulsa pelo que seria avaliado como inclusão impositiva, falta de apoio que gera insegurança.

Um segundo fator, abrangendo parte dos professores, é apontado pelos sentimentos de angústia, insatisfação e medo, ligadas a um ideal de aluno a ser alcançado comparativamente aos outros. No entanto, este panorama inicial da pesquisa só mostrava a superfície dos discursos dos professores. A partir da análise das falas dos professores sobre a inclusão dos alunos com deficiência a que se propôs realizar, foi possível responder que modelos educacionais acerca da inclusão de alunos com deficiência em turmas regulares se expressam no discurso destes docentes.

Em parte, pôde-se mostrar indícios de serem encontrados modelos ancorados numa visão clínica de Educação Especial, pautada na exigência do laudo, que estariam calcados na preparação do aluno com deficiência para inserção no ensino regular em conformidade com a construção social de saberes do professorado sobre o que seja a eficiência escolar, como se verifica a seguir:

Não posso é tentar exigir dele, que eu sei que ele não tem uma capacidade tão boa quanto aquele que é considerado normal, entre aspas, e eu fico, às vezes, de mãos e pés atados, criando um ambiente social... Então... Como é que você vai ficar nisso? Vai dar uma atenção aquele aluno que tem uma limitação maior? Então, é um desgaste muito grande... (Grupo focal 3 - participante 4)

A professora entrevistada 13, da escola 4, explica que "Há outros alunos na turma com 'probleminhas'". Segundo ela, "é que precisa de laudo; tem criança que você sente que ´há um probleminha`; uma dificuldade na aprendizagem... um probleminha; não conseguem [ela repete "não conseguem" por três vezes] não conseguem ter atenção, ter concentração, não sabem como escrever no caderno, não compreendem" - final do 1º Ciclo.

Tem que ter cuidado como faz a inclusão! Onde coloca o aluno. Atenção para a integração dos alunos de classe! É uma mudança radical para este aluno e que nem sempre está pronto, como deveria estar, para participar de um grupo bem maior. É uma mudança extrema! O fato de estar bem numa classe não significa que estará bem numa turma regular (Participante da Escola 2).

São modelos normativos que estão de acordo com padrões de cultura escolar ligados a um ideal de aluno o mais normal possível, para serem aceitos e alinhados a visão de credibilidade na probabilidade de escolarização regular. Ou seja, para ter acesso e permanência em turma regular é necessário atender as expectativas de modelo e de medida de um ideal de classe média e de normalidade, por vezes, segregatórios. Caso o aluno não atenda prontamente ao idealizado, o efeito mais frequente é o descrédito e a pressuposição (se diz de antemão) de que o lugar deste sujeito não é a classe comum no ensino regular, mas a classe especial.


Categorias comuns às quatro escolas pesquisadas

Como primeira categoria a ser ressaltada, a categoria aluno encarteirado mostrou as condições de vigília e controle dos alunos com deficiência e daqueles que não correspondem a um ideal, mas também evidenciou o encarteiramento da turma como um todo. No caso do aluno inserido em turma regular, apontou que a questão da invisibilidade recorrente nas dissertações não foi evidenciada como padrão. Nas escolas e turmas pesquisadas o aluno estava, com maior freqüência, sentado na primeira carteira.

O aluno com deficiência em turma regular é posto a toda prova e precisa dar mais respostas em relação ao que é exigido aos outros alunos. Concluiu-se que o aluno está isolado em sala de aula ainda que posto em destaque nas primeiras carteiras onde é fiscalizado na condição de normalidade-anormalidade nas atitudes, hábitos e respostas. Além disso, aos alunos com deficiência soma-se uma fileira de alunos que não se encaixam no perfil de uma educação homogeneizante.

Acontece na turma um ambiente de excessivo controle que é expresso e denunciado nas produções dos alunos, nos questionamentos, o que reforça algumas das análises sobre o ambiente escolar. Procede-se o destaque dos fragmentos a seguir para mostrar tais condições, ao apontá-las em trechos de redações de alunos de uma das turmas observadas, em que fica perceptível como é difícil para as crianças imaginarem uma escola diferente desta que estão vivenciando, com suas rotinas repetitivas e com seus silenciamentos.

Aluno 2: Imagine uma escola ao contrário. O que você mudaria nela se pudesse?
Ficasse limpo sempre, a comida de doce ...
O que você mudaria em você mesmo? Tira MB em tudo.

 

Aluno 4: O que você mudaria em você mesmo? Eu falaria menos na sala de aula e poderia ser mais compreensiva com as pessoas. Imagine uma escola ao contrário. O que você teria nela se pudesse?
As aulas seriam super chatas (...) o recreio iria ser totalmente silencioso.

 

Aluno 5: O que você mudaria em você mesmo? Prestaria mais atenção, estudaria mais, teria mais paciência, sonharia menos, seria menos chata, seria menos maluca, falaria menos.

 

Redação do aluno 4:
O Ambiente Zen
O ambiente seria calmo. Tudo seria tranqüilo, silencioso e Zen.
Todos, antes de entrar na escola, teriam que tomar um calmante para tirar o stresse. Ninguém poderia falar nada.
Para tirar dúvidas com o professor, teriam que escrever em papel.
Todos que entravam naquela escola, achavam estranho e esquisito, não se ouvia nenhum pio.


E quais motivos foram assinalados pelos docentes em relação ao sucesso e ao fracasso escolar dos alunos com alguma deficiência inseridos em turmas regulares? Para responder a esta questão do estudo, uma categoria se mostra adequada: necessidade de rotular – a necessidade do professor em definir quem é e quem não é normal.

Esta categoria expõe o movimento do discurso dos professores e de suas práticas em buscar dados sobre o “problema do aluno” e o “acesso a informações” sobre o aluno e sua deficiência. O sentido mostrado foi de que os professores querem demonstrar a não condição do aluno para estar inserido em turma regular, de confirmar a anormalidade e, em outros casos, os diagnósticos clínicos do aluno, os laudos, são solicitados no auxílio para estes professores lidarem com a deficiência.

A questão feita a alguns professores: O que o laudo me diz? Três professores responderam que: “Até onde eu posso ir” ou “Até onde ele pode ir”. Em relação à necessidade do laudo, a professora 9, escola 3:

Ele pode fazer de tudo, segundo a mãe me diz, de acordo com o que o médico diz, mas tudo o quê? Preciso do laudo! Para quê? Para saber até onde posso ir com ela. E o laudo diz isso? Preciso de um parecer, de avaliações. Saber o que posso e o que não posso fazer com ela.

Para a inadequação do aluno à turma e o insucesso na escolarização, também são encontrados indícios de julgamentos de valor focados na questão da pobreza, da periculosidade da clientela e das carências emocionais e materiais que levam à dificuldade na aprendizagem, somadas à questão da deficiência e ao descompromisso da família com a escola.

Observou-se que os professores, durante os grupos focais e na observação de campo, confirmam a necessidade de definir e por vezes rotular, quem é e quem não é normal. Notou-se a necessidade em localizar alguma deficiência ou anormalidade em alunos da turma, não só no incluído o que pode acarretar o desejo de se solicitar o direcionamento de um contingente maior de alunos para as classes especiais, não só o aluno com deficiência. Eram atribuídos rótulos que são exemplificados nas expressões sentencivas a seguir: “o especial sem carteirinha”, “o forte candidato”, “o aluno-problema”, “o aluno nulo”. Este processo leva a estigmatizações, tornando os alunos desacreditados nas escolas.

As expectativas acadêmicas em relação ao aluno com deficiência nas escolas em geral são baixas e os professores se surpreendem com algumas das respostas deste aluno. Fica evidente que não só o aluno com deficiência está em situação de dificuldade na aprendizagem, é possível considerar que se muitas são as adaptações e vários são os alunos que precisam destas, a problemática encontrada possa ser de inadequação e rigidez curricular.


O acolhimento controla? E o caos é democrático?

Os discursos dos grupos de professores apresentam mudanças de acordo com a escola ao qual pertencem, sejam escolas pequenas ou grandes, as barreiras simbólicas de controle e de seleção de quem pode ou não pode estar num tipo de escola ou turma, de manutenção e de submissão a regras ratificadas pela comunidade e pelos professores. Algumas instituições e grupos de professores têm a possibilidade de “peneirar”, tornar “mais homogêneos” os grupos da escola.

A comunidade pode validar tais atitudes pela boa fama da escola, de rígida e de cuidadosa, e por isso, espaço seguro e de qualidade; deste modo, mascara-se a situação de dificuldade dos professores em trabalhar com alguns grupos de alunos. Mesmo assim, a família e os professores podem aceitar e contribuir, com mais facilidade, com o discurso de que o aluno não se adequa à turma e que este tenha obstáculos maiores à escolarização, o que invalidaria a tentativa de inserção em turma regular.

Ante ao esforço teórico-metodológico em mostrar contrastes entre escolas, lembrado que estes resultados não são generalizáveis e como também não estão ligados ao tamanho físico da escola, mas a atitudes e comportamentos construídos no coletivo das escolas e no imaginário instituído na relação professor-aluno, forjam-se duas outras categorias:

1) a inclusão paralisante – a inclusão que incomoda e paralisa na necessidade do laudo como veredicto;

2) a inclusão mobilizadora – a inclusão que incomoda e que faz agir: o saber-fazer pedagógico que difere do saber-fazer clínico.

Na inclusão paralisante, a objetivação do laudo em veredicto, se configurou na busca ou exigência dos professores por informações médicas e psicológicas externas à escola, com os especialistas oriundos da educação ou da clínica médica ou psicológica, aos quais atribuem o saber lidar com a deficiência. Este grupo maior de professores se definiu como necessitado de apoio pelo despreparo, pelo não-saber, pela necessidade de respaldo médico, legal e de suporte didático em relação ao aluno para poder agir.

Na inclusão mobilizadora mostrou-se que outro grupo de professores, em menor quantidade, difere o saber-fazer pedagógico do saber-fazer clínico. Estes profissionais buscam informações na história de vida do aluno, na troca ou embate com os especialistas e, principalmente, no saber-prático. Este grupo menor se posiciona como de professores que enxergaram as pessoas com deficiência a partir do momento em que tiveram convivência com as mesmas, trazendo maior sensibilidade e um saber-agir, que é denominado de intuitivo e derivado da experiência.

Em relação ao contraste entre realidades de escolas pequenas e escolas grandes: a hipótese de que escolas pequenas poderiam facilitar o acolhimento dos alunos com deficiência, como possíveis ambientes inclusivos, não foi confirmada; não pelos motivos expressos pelos educadores, como os de cuidar e de controlar o aluno, mas no aspecto das menores oportunidades de interação acadêmica entre aluno e professor.

Nas escolas, principalmente nas pequenas, que a comunidade julga mais elitizada e até reforça esta condição como sendo boa, o aluno com deficiência, principalmente nos primeiros contatos de aula, se depara com um professor que adota papel de argüidor. As necessidades educacionais especiais e as adaptações relativas a cada necessidade do aluno têm sido sinalizadas por professores de rede de apoio: pelo professor de sala de recursos ou itinerante; o professor de turma as desconsidera por priorizar um tratamento que julga igualitário ou menciona o próprio despreparo para atuar e a exigência da escola.

Nestas escolas menores, os alunos que não conseguem se adequar a um padrão de qualidade acadêmica e de comportamento podem ter como conseqüência a segregação. O molde de exigência é retro-alimentado pelas famílias e pelos professores. Preza-se a homogeneidade, uma “clientela selecionada”. Pela respeitabilidade da opinião da referida escola, no senso comum do que seja a boa escola, esta pode tornar-se barreira significativa e quase que intransponível ao aluno.

Há professores, nas escolas grandes, denominadas por alguns de “caóticas”, que têm práticas de controle também coercitivas. Observam-se indícios de que o aluno com deficiência pode passar mais despercebido no ambiente da escola grande, “caótica”, não por uma invisibilidade característica do “ser deixado de lado” porque esta não foi verificada nem nas pequenas e nem nas grandes escolas, mas pela diversidade que é consentida e tolerada em maior grau nas escolas maiores, até mesmo porque estas podem receber muitos dos alunos que as outras rejeitam. Os alunos com deficiência podem até mesmo ter um tempo maior para se fortalecerem e resgatarem a auto-estima e mostrarem habilidades, mas, principalmente, podem ter tempo de se defenderem por meio de alianças e apoio de colegas de sala de aula e de alguns professores.

Este estudo não buscou sentenciar as duas escolas pequenas como “controladoras” ou “elitistas” e as duas maiores, denominadas de “caóticas”, para serem alçadas ao patamar de verdadeiros ambientes inclusivos. Pelo contrário, o grande esforço se deu para compreender e apreender, na imersão em campo, a força destas imagens e entender como se conjugavam as atitudes, os valores e comportamentos de professores que corroboram ou não estes modelos de inclusão-exclusão nas relações entre os elementos que compõem cada instituição e as imagens e discursos que circulam.


A Inclusão Perversa

Até que ponto o discurso dos professores, bem como suas práticas educativas indicam preocupação com a inclusão de pessoas com deficiência em turmas regulares? Neste aspecto, na categoria professor vítima – o mecanismo de defesa do grupo de professores – foi verificada a utilização da frase: de que a inclusão é perversa, com a afirmação recorrente de “perversa, malvada”, frase que é emitida em defesa do aluno, mas que pode indicar mecanismos de defesa do grupo de professores na tentativa de ocultar a dificuldade no trabalho com a deficiência e com os alunos que não correspondem a um ideal e apontam a fragilidade do profissional que mostra necessidade de se sentir apoiado e escutado em suas angústias, dúvidas e discordâncias frente ao processo inclusivo.

O aluno com deficiência inserido em turma regular coloca mais em evidência a dificuldade em se trabalhar com a turma ou com alunos e grupos o que leva a estes indícios de mecanismos de defesa de grupos de professores na tentativa de reequilibrar a tensão que expõe a fragilidade ou o insucesso dos docentes. A inclusão, deste modo, toma contornos de inserção mal sucedida pelo que se espera da complexidade do trabalho do professor e como defesa, há exigência mais uma vez de laudo do aluno ou de informações sobre a deficiência para que, no parecer clínico ou diagnóstico, se encontrem provas para o não-agir, aspectos de limitação no aluno que impeçam a escolarização em turma regular. Notam-se indícios da necessidade de abrandar o desconforto e o mal-estar do sentimento de não ser capaz de dar conta da tarefa de docência.


Considerações Finais

Observa-se, com as quatro escolas, que o pedido de “socorro”, de ajuda, contra o isolamento do professor, na busca por informações, pode vir do contato com os profissionais da rede de apoio em Educação Especial.

Num primeiro momento, corresponde a um desejo de justificar a inadequação do aluno à turma, e até mesmo de afastá-lo desta.

Num segundo momento, o desejo de informar-se para aplacar o incômodo de receber o aluno com deficiência (para os professores mais um, numa turma com vários, que “têm problema ou que precisam de uma atenção especial”, ou um aluno que não tem perspectivas de desenvolvimento).

Num terceiro momento, podem agir (na medida das suas possibilidades, do quantitativo da turma, num agir que pode ser isolado ou coletivo), e podem também paralisar (na necessidade do laudo, de um veredicto).

 

REFERÊNCIAS

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  • FERNANDES, S. M. C. Educação e construções identitárias: o silenciamento na expressão de crianças deficientes visuais. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Estácio de Sá, 2004.
  • FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1997.
  • GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Série pesquisas em educação. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.
  • GLAT, R.; FERNANDES, S. M. C. Da segregação à educação inclusiva: uma breve reflexão sobre os paradigmas educacionais no contexto da educação especial brasileira. Inclusão. Revista da Educação Especial, ME/SEESP. Brasília, v.1, n.1, p. 35-39, 2005.
  • GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação de identidade deteriorada. São Paulo: Zahar, 1988.
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  • LOBO, L. F. Deficiência: prevenção, diagnóstico e estigma. In: BARROS, R. B.; RODRIGUES, A. B.; LEITÃO, M. B. (Orgs.) Grupos e instituições em análise. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.
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Representações Sociais de Professores sobre a Inclusão de Alunos com Deficiência em Turmas Regulares
Cristiane Correia Taveira [Pedagoga (UERJ), com especialização em Psicopedagogia, Mestre em Educação (UNESA) e elemento de equipe do Instituto Helena Antipoff]
Fonte: Revista Benjamin Constant 

 

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16.Fev.2011
publicado por MJA