
1. Introdução
A cegueira é um tipo
de deficiência sensorial
e, portanto, a sua
característica mais
central é a carência ou
comprometimento de um
dos canais sensoriais de
aquisição da informação,
neste caso o visual.
Isto, obviamente, tem conseqüências sobre o
desenvolvimento e a
aprendizagem,
tornando-se necessário
elaborar sistemas de
ensino que transmitam,
por vias alternativas, a
informação que não pode
ser obtida através dos
olhos.
Sob a denominação
geral de cegueira ou
deficiência visual, são
englobados um grande
número de distúrbios
visuais de
características e
etiologias muito
diversas. Para os
propósitos deste
capítulo, interessa-nos
somente mostrar a
heterogeneidade da
população dos
deficientes visuais em
duas dimensões: o grau
de diminuição da visão e
o momento do surgimento
dos problemas visuais.
Ambas as dimensões
variam, com freqüência,
mais de um modo contínuo
que de forma discreta;
desde indivíduos que têm
uma visão residual
importante a outros que
não conseguem sequer
perceber a luz, passando
por um variado
repertório de distúrbios
entre os quais podemos
apontar, entre outros,
diminuições no campo
visual, impossibilidade
de fixar o olhar sobre
um objeto, ou diminuição
do grau de acuidade
visual. Por outro lado,
se o distúrbio é
congênito ou adquirido -
e, neste último caso, o
momento de seu
surgimento, ou se
surgiu de forma súbita
ou gradual, são, também,
questões que devem ser
levadas em conta, no
momento de avaliar suas conseqüências sobre o
desenvolvimento.
Resumidamente, sob o
título comum de
deficientes visuais,
encontramo-nos diante de
um grupo bastante amplo
de casos em que a perda
da visão, dependendo de
sua gravidade e do
momento de surgimento,
pode ter exercido um
efeito diferente sobre o
desenvolvimento
psicológico. A estas
duas fontes de
variabilidade deve-se
acrescentar,
logicamente, os próprios
fatores causadores da
heterogeneidade da
população infantil
normal, como as
diferentes
circunstâncias sociais,
familiares e
psicológicas. Como no
caso de qualquer outra
deficiência, a aceitação
da deficiência por parte
da família e da
sociedade é, também, um
elemento importante que
deve ser levado em
consideração.
A carência ou a séria
diminuição da captação
da informação, por um
canal sensorial da
importância da visão,
faz com que a percepção
da realidade de um cego
seja muito diferente da
dos que enxergam. Boa
parte da categorização
da realidade reside em
propriedades visuais que
se tornam inacessíveis
ao cego, mas isto nao
quer dizer que careça de
possibilidades para
conhecer o mundo ou para
representá-lo; o que
ocorre é que, para isto,
deve potencializar a
utilização dos outros
sistemas sensoriais.
Dois sentidos
mostram-se, então, como
especialmente
importantes: o ouvido e
o sistema háptico. O
primeiro deles adquire,
no cego, funções
teleceptoras de grande
importância, a algumas
das quais nos
referiremos neste
capítulo. O tato, por
sua vez, é o sentido que
permite ao cego o
conhecimento sensorial
dos objetos animados e
inanimados que onstituem
o ambiente. Dada a
importância que este
sentido assume para os
deficientes visuais,
dedicar-lhe-emos uma
atenção especial nas
páginas seguintes. Cada
um destes sentidos
possui certas
possibilidades
informativas peculiares,
que provêm da própria
estrutura anatômica dos
receptores sensoriais e
do desenvolvimento das
habilidades perceptivas
correspondentes. Isto
faz com que os objetos
do mundo tenham uma
saliência perceptiva
diferente da visual, em
cada uma destas
modalidades, e que a
imagem da realidade que
o cego percebe seja
diferente - nem melhor
nem pior - que a que os
videntes possuem.
Todas as teorias
contemporâneas sobre o
desenvolvimento
psicológico ressaltam
que é através da acção
sobre o ambiente e da
comunicação social que
se alcança o domínio das
habilidades mentais que
possibilitam o
conhecimento da
realidade. Não é, pois,
de se estranhar que o
desenvolvimento dessas
habilidades tenha que se
ajustar às
possibilidades de
representação e acção que
os canais sensoriais
permitem. Isto faz com
que o desenvolvimento
cognitivo do cego siga
um caminho que não tem
por que ser coincidente
com o dos videntes. Um
segmento deste capítulo
é dedicado a descrever
como, através de uma
seqüenciação peculiar,
os cegos podem adquirir
um conjunto de
habilidades intelectuais
perfeitamente
comparáveis às dos
videntes.
A falta de visão
afeta, também, algumas
atividades específicas.
Talvez, a mais
importante de todas seja
a movimentação no espaço
físico, mas o acesso à
informação escrita
através da leitura,
também, é importante. A
cada uma delas
dedicaremos, também,
nossa atenção.
Por último, e antes
de começar a examinar
diferentes aspectos
específicos, queremos
destacar a
extraordinária
importância que a
linguagem tem para os
cegos. Em um número
considerável de
ocasiões, será através
de veículos lingüísticos
que estes indivíduos
conhecerão e aprenderão
a manipular,
mentalmente, a realidade
que os cerca.
2. O tato
O sistema sensorial
mais importante que a
pessoa cega possui, para
conhecer o mundo, é o
sistema háptico ou tato
ativo. Como vamos ver,
ao longo deste capítulo,
muitas das
peculiaridades do
desenvolvimento
cognitivo das pessoas
cegas podem ser
explicadas em relação às
características da
captação e processamento
da informação mediante o
tato.
É necessário
diferenciar entre tato
passivo e tato ativo ou
sistema háptico (Gibson,
1966). Enquanto no
primeiro a informação
tátil é recebida de
forma não intencional ou
passiva (como a sensação
que a roupa ou o calor
produz em nossa pele),
no tato ativo, a
informação é buscada de
forma intencional pelo
indivíduo que toca.
Assim, pois, no tato
ativo encontram-se
envolvidos não somente
os receptores da pele e
os tecidos subjacentes
(como ocorre no tato
passivo), mas também a
excitação correspondente
aos receptores dos
músculos e dos tendões,
de maneira que o sistema
perceptivo háptico capta
a informação
articulatória motora e
de equilíbrio. Assim,
Gibson destaca a
importância da atividade
no conhecimento do mundo
mediante o tato, da
mesma maneira que o
movimento ou atividade
perceptiva é necessária
na percepção visual.
Quando um cego está
explorando com as mãos
um objeto estranho, para
reconhecê-lo, ocorre
algo parecido a quando
um vidente olha uma
forma complexa e
desconhecida para
posteriormente
desenhá-la. As mãos,
como os olhos, embora de
forma mais lenta e
sucessiva, movem-se de
forma intencional para
buscar as peculiaridades
da forma e poder, assim,
obter uma imagem dela.
Não obstante, existem
importantes diferenças
entre a percepção e o
processamento da
informação mediante o
tato e a visão. Sem
dúvida, a captação da
informação mediante o
tato é muito mais lenta
que a proporcionada pelo
sistema visual, o que
traz consigo uma
explicação de caráter
seqüencial. Isto dá
lugar a uma maior carga
na memória de trabalho,
quando os objetos a
serem explorados são
grandes ou numerosos.
Imaginemos, por exemplo,
o tempo que um cego leva
para explorar um objeto
grande, como uma mesa, e
a quantidade de pequenas
percepções que deverá
integrar até obter sua
imagem, se compararmos
com a rapidez da
exploração visual desta
mesma mesa. Além disso,
enquanto o tato somente
pode explorar as
superfícies situadas no
ambiente que os braços
alcançam, não servindo
para conhecer espaços
distantes, a visão é o
sentido útil por
excelência para perceber
objetos e sua posição
espacial a grandes
distâncias.
Portanto, o tato
constitui um sistema
sensorial que tem
determinadas
características e que
permite captar
diferentes propriedades
dos objetos, tais como
temperatura, textura,
forma e relações
espaciais. Passemos,
agora, à revisão, de
forma resumida, das
capacidades perceptivas
do sistema háptico, a
partir de uma
perspectiva genética.
A textura parece ter,
para o tato, uma
saliência perceptiva
semelhante à da cor,
para a visão. Assim, as
diferenças de textura
são captadas pelo tato
muito precocemente, a
partir dos três ou
quatro anos. Mais tarde,
as crianças são capazes
de discriminar
tatilmente a forma dos
objetos, ainda que com
um significativo atraso,
quando esta tarefa é
realizada visualmente
(Warren, 1984.
Com respeito ao
desenvolvimento da
percepção da forma dos
objetos por meio do
tato, os diferentes
autores coincidem ao
apontar que o movimento
ou a atividade
perceptiva autodirigida
aumenta com a idade, o
que torna possível um
melhor reconhecimento
dessas formas. Como já
foi dito, é exatamente
essa necessidade da
atividade exploratória
que torna o sistema
perceptivo háptico
semelhante ao visual,
ainda que o primeiro
tenha um desenvolvimento
muito mais lento. Tais
diferenças no
desenvolvimento podem
ser explicadas (Warren,
1984) pelo fato de o
sistema visual, mas não
o háptico, estar
preparado, desde muito
cedo, para fazer os
ajustes musculares finos
necessários para
explorar rapidamente os
estímulos, e porque a
distribuição espacial
dos receptores do olho é
mais adequada que a da
mão para o registro
simultâneo de padrões de
estímulos espaciais.
Foram realizadas
numerosas investigações
sobre a capacidade dos
cegos para captar
relações espaciais
mediante o tato. Sem
examinar em profundidade
tais trabalhos (ver, por
exemplo Ochaita e
Huertas, 1988), podemos
dizer que existe um
aumento gradual, entre
os sete e os onze anos,
para compreender
tatilmente tarefas
especiais de dificuldade
mediana (topológicas e
algumas métricas, na
terminologia de Piaget).
Quando os problemas
são mais complexos, como
os que envolvem os
relativos à perspectiva,
tornam-se tão difíceis
ao tato que só podem ser
acessíveis aos cegos ou
aos videntes que os
realizam mediante este
sistema sensorial, a
partir dos quatorze ou
quinze anos (Ochaita,
1984).
3. A representação do
conhecimento
Um dos problemas que
causa mais polêmica nos
estudos da moderna
psicologia cognitiva é o
da representação mental
do conhecimento. Sob a
perspectiva do vidente,
tende-se a considerar
que o conceito de imagem
mental coincide com o da
imagem visual. No
entanto, essas imagens
não têm por que serem as
únicas. De fato, todos
têm representações
baseadas em outras
modalidades sensoriais,
como a audição, o
olfato, a gustação ou
até mesmo a
propriocepção. Portanto,
mais uma vez
encontramo-nos diante do
fato de que os
indivíduos privados da
visão dispõe de uma
ampla gama de
possibilidades de
perceber o mundo que os
cerca, utilizando as
modalidades sensoriais
de que dispõem.
Vale a pena destacar
dois aspectos, em
relação à representação.
Em primeiro lugar, a
capacidade de
representação dos
diferentes sistemas
sensoriais e, em
segundo, as mudanças
neles produzidas ao
longo do processo de
desenvolvimento.
Um aspecto que tem
merecido a atenção dos
investigadores é se
existe um código háptico
que permita uma
representação funcional
da informação na
memória. Um bom número
de trabalhos, a maioria
realizada com adultos,
estudou a capacidade de
os cegos compreenderem
tarefas de alternação de
formas captadas mediante
o tato.
A investigação
de Carpenter e Eisenberg
(1978) constitui um
exemplo típico:
tratava-se de estimar se
a imagem de uma letra
("P" ou "F") era a
correta, tanto quando as
letras encontravam-se em
posição normal como com
diferentes ângulos de
inclinação. Dado que os
cegos de nascença foram
capazes de perceber
mentalmente a alternação
de formas nos eixos
horizontal, vertical e
oblíquo do espaço
euclidiano, cabe inferir
que o sistema háptico
pode dar lugar a
representações mentais
de caráter espacial.
Outros trabalhos
(Miller, 1975, 1977;
Pring, 1982; Fernández,
Ochaita e Rosas, 1988)
destacaram a
possibilidade de reter,
na memória, a curto
prazo, a informação
apresentada tatilmente.
Isto é especialmente
relevante para a
leitura, já que os cegos
podem ter acesso direto
ao léxico a partir da
codificação tátil, sem
ter que passar através
de um código fonológico.
Mas, além desta
possibilidade de
perceber mentalmente a
informação em um código
tátil, ocorre outro
fenômeno interessante,
referente à memória
semântica. Comprovou-se
experimentalmente que os
cegos não apresentam
diferenças em relação
aos videntes no que diz
respeito a sua
capacidade de
codificação semântica -
profunda - da
informação. Isto leva a
pensar que, nos casos em
que não tenham acesso a
alguns tipos de
informação, os cegos
possam compreender o
fenômeno de que se trate
(por exemplo, um
relâmpago ou uma nuvem),
através da informação
verbal. Isto torna-se
especialmente evidente,
quando a informação é
apresentada de forma
auditiva (Rosa e col.,
1986) e, naturalmente,
não se trata de um traço
inerente à carência de
visão, senão do
resultado de um processo
de aprendizagem ao longo
do desenvolvimento.
No que diz respeito a
este último aspecto,
dispõem-se, também, de
dados empiricos. Por um
lado, descobriu-se que
nos cegos, bem como nos
videntes, a capacidade
de armazenamento de
material na memória a
curto prazo aumenta com
a idade, possivelmente
devido à automatização
de habilidades que
permitem direcionar os
recursos de atenção à
utilização de
estratégias ativas que
permitem reter maior
quantidade de informação
(Fernandéz e col.,
1988). Por outro lado, o
fato de que o
processamento profundo
da informação aumenta de
forma significativa no
início da adolescência
(Rosa e col., 1986),
pode fundamentar a
hipótese de que muitas
tarefas que os videntes
resolvem de modo
analógico sejam feitas
pelos cegos através da
mediação verbal, quando
esta habilidade já
estiver dominada. Este
último aspecto pode ser
a chave de algumas
peculiaridades do
desenvolvimento
cognitivo dos cegos. Mas
deixaremos esta
discussão para o final
do capítulo.
4. O desenvolvimento
psicológico
Exporemos, a seguir,
o que podemos considerar
"o perfil
característico" do
desenvolvimento
psicológico das pessoas
sem visão. No entanto,
como foi dito na
introdução, dentro do
grupo de pessoas
consideradas como cegas
existe uma grande
variação que impede
fazer afirmações de
caráter geral. Por outro
lado, a
indissolubilidade entre
desenvolvimento e
aprendizagem faz com que
as condições familiares
e educacionais concretas
em que a criança cega
cresce sejam aspectos
centrais em seu
desenvolvimento
psicológico. O que se
descreve, aqui, são os
aspectos evolutivos
gerais das crianças
cegas de nascença (ou
que perderam a visão nas
primeiras etapas da
vida) sem visão
funcional, com certas
condições familiares e
educacionais mais ou
menos normais.
4.1. A primeira
infância
Existem poucos
trabalhos sobre o
desenvolvimento das
crianças cegas nas
primeiras etapas da
vida, provavelmente,
devido aos problemas
metodológicos que
envolvem as
investigações com bebês,
sobretudo em populações
tão heterogêneas como a
das crianças sem visão.
Durante os primeiros
quatro meses após o
nascimento, o
desenvolvimento de um
bebê cego é muito
semelhante ao de um
vidente: exercita os
reflexos de que édotado
de forma inata e,
posteriormente, constrói
seus primeiros hábitos
ou esquemas de acção em
relação a seu próprio
corpo, com exceção aos
relativos à visão.
Conseguirá, por exemplo,
aperfeiçoar o esquema de
segurar, coordenar a
sucção e a preensão, bem
como sorrir, quando ouve
a voz de sua mãe.
É a partir desta
idade que começarão a
ser produzidas
importantes diferenças
no desenvolvimento das
crianças cegas. Enquanto
a partir do quinto mês,
aproximadamente, as
crianças videntes já são
capazes de segurar
objetos sobo controle
visual, realizando uma
constante exploração das
características dos
mesmos e do lugar que
ocupam no espaço, os
bebês cegos somente têm
consciência da
existência dos objetos e
do espaço que está fora
do alcance de suas mãos,
se estes emitem algum
tipo de som. Ao problema
óbvio de que o som não é
uma propriedade de todos
os objetos, deve-se
acrescentar o fato de
que a coordenação
audiomanual e,
conseqüentemente, a
busca dos objetos
mediante o som ocorre
com um atraso de cerca
de seis meses-em-relação
à coordenação
visual-manual.
O desenvolvimento da
conduta de busca dos
objetos pelos bebês
cegos é o seguinte
(Fraiberg, 1977). Antes
dos sete meses, não há
indícios de busca,
quando se tira um
brinquedo de sua mão,
não tenta recuperá-lo.
Entre os sete e os oito
meses, começa a buscar
objetos com os quais têm
contato tátil, mas sem
se aperceber do lugar em
que o perdeu e muito
brevemente: quando se
faz soar o objeto
perdido, não o busca,
mas abre e fecha a mão,
como se quisesse
agarrá-lo. Não há
nenhuma resposta diante
de objetos sonoros, se a
criança não os tocou
previamente. Entre os
oito e os onze meses, o
bebê começa a buscar os
objetos em torno do
local onde os perdeu;
quando derruba um objeto
sonoro, é capaz de
utilizar o som para
buscá-lo, embora ainda
não seja capaz de buscar
um objeto mediante seu
som, se não o tocou previamente. Por
fim, aos 12 meses, é
capaz de buscar um objeto guiando-se
somente por seu som, o
que pressupõe a
coordenação definitiva
entre o ouvido e a mão.
Assim, a construção
de um mundo de objetos
permanentes e de um
espaço exterior que os
contém, constituirá uma
tarefa árdua para a
criança cega. Embora,
como veremos
posteriormente, existam
poucos trabalhos sobre a
aquisição da permanência
dos objetos pelas
crianças cegas, parece
que as dificuldades
manifestam-se mais com
respeito aos objetos
físicos que aos sociais.
Tanto Fraiberg (1977)
como Warren (1984),
afirmam que as respostas
sociais diferenciadas
dos bebês sem visão
(sorriso ao ouvir a voz
da mãe, a partir dos
quatro meses, e condutas
de medo diante de vozes
desconhecidas, a partir
dos oito), são indícios
de um certo conhecimento
da permanência das
pessoas.
No que se refere ao
desenvolvimento motor,
quando as crianças cegas
são bem estimuladas, as
aquisições posturais
(virar-se, sentar-se ou
caminhar com ajuda)
desenvolvem-se da mesma
maneira e dentro da
mesma faixa etária que
nos videntes. Exceto na
conduta de levantar-se
com os braços quando
estão de bruços, em que
se encontram atrasadas
aproximadamente oito
meses, provavelmente,
pela necessidade de que
o bebê cego tem em
utilizar as mãos como
instrumento, para
conhecer o mundo. É
importante assinalar que
existem atrasos
importantes, em todos os
aspectos que se referem
à movimentação
auto-iniciada; - as
crianças cegas
praticamente não
engatinham e começam a
andar sem ajuda aos 19
meses. Fraiberg (1977)
explica este atraso pelo
desconhecimento que as
crianças cegas têm da
existência dos objetos
que não podem alcançar
com os braços: somente
quando a criança cega
écapaz de buscar os
objetos sonoros,
começará a ter interesse
em movimentar-se.
Por último, é
necessário destacar a
importância das relações
afetivas no
desenvolvimento adequado
da criança cega. A
aceitação da deficiência
e o conhecimento, por
parte dos pais, das
potencialidades do bebê
sem visão são
indispensáveis para o
estabelecimento de boas
relações de afego.
4.2. Representação e
função simbólica
As escassas
investigações com as
quais contamos sobre
este tema parecem
assinalar que existem
maiores problemas nos
aspectos puramente
representativos ou
figurativos que nos
simbólicos e, sobretudo,
comunicativos. Como
veremos ao longo deste
capítulo, a defasagem
entre o figurativo e o
verbal será uma
constante no
desenvolvimento das
pessoas sem visão. A
maioria dos
investigadores coincidem
em apontar a necessidade
de estudar em
profundidade a forma com
que se adquire a
permanência dos objetos,
na ausência da visão. O
primeiro trabalho, e,
talvez o mais complexo,
foi realizado por
Fraiberg, em 1977. Esta
autora encontrou um
atraso entre 1 e 3 anos
na aquisição da
permanência dos objetos
físicos, nas crianças
cegas submetidas a seu
programa de intervenção,
o que explica devido à
dificuldade que as
mesmas têm na busca e
recuperação dos objetos
através do som.
Recentemente, Bigelow
(1986) realizou um
interessante trabalho
sobre o desenvolvimento
das condutas de alcance
e busca em relação à
aquisição da permanência
dos objetos em crianças
sem visão, adaptando
para estas crianças
tarefas que considera
semelhantes às propostas
por Piaget como típicas
das etapas 3,4 e 5 da
permanência dos objetos.
Descobriu, nas crianças
cegas, uma seqüência de
etapas semelhante à dos
videntes, embora com um
atraso de cerca de seis
meses.
Independentemente da
quantia exata de atraso
que os cegos tenham nas
condutas referentes à
permanência dos objetos,
é óbvio que lhes será
muito mais difícil
elaborar imagens desses
objetos e de sua posição
no espaço. O tato,
somente permite conhecer
os objetos próximos e o
som não é, em absoluto,
um substituto ideal da
visão. Se considerarmos
a imitação, mecanismo
fundamental da formação
de significantes, as
observações de Fraiberg
(1977) constatam que, na
ausência da visão, ela é
pobre, encontrando-se
pouco evoluída.
Em relação à função
simbólica, as crianças
cegas encontram-se
bastante atrasadas nas
etapas de
desenvolvimento do jogo
simbólico, se comparadas
às videntes, embora
superem o atraso,
aproximadamente, a
partir dos seis anos.
Isto se explica, por um
lado, devido à
dificuldade apresentada
pela construção de uma
imagem de si mesmo e dos
demais (necessária para
imaginar-se e imaginar
os outros no jogo) e,
por outro, devido aos
problemas que, na
ausência da visão, a
criança tem para imitar
as acções da vida diária
que constituem o
argumento dos jogos.
Além disso, deve-se
levar em conta que os
brinquedos que são
elementos simbólicos
para uma criança vidente
podem não ter nenhum
significado para uma
criança cega.
Foi realizado um
maior número de
trabalhos sobre a
aquisição da linguagem
(por exemplo Ladau e
Gleitman, 1985). A
evolução do balbucio,
durante o primeiro ano
de vida, é completamente
normal e semelhante à
dos videntes. No
entanto, em nível
pragmático, a falta de
visão dificulta os
estágios de comunicação
pré-verbal entre a
criança e sua figura de
apego. Os dados sobre o
surgimento das primeiras
palavras não estão ainda
bem claros: enquanto
alguns autores
encontraram um certo
atraso, em comparação às
crianças videntes,
outros apontam que,
quando a criança cega
recebe estimulação
suficiente, emite suas
primeiras palavras na
mesma idade que as
videntes. Existem dados
suficientes para afirmar
que essas primeiras
palavras referem-se a
objetos situados no
espaço próximo à
criança. Seja como for,
a partir dos dois ou
três anos, a linguagem
das crianças cegas é
completamente normal,
tanto sob o ponto de
vista gramatical como
semântico, cumprindo as
mesmas funções que nas
videntes. Existe, no
entanto, uma importante
exceção: na ausência da
visão, as crianças cegas
têm grandes problemas
para utilizar
corretamente os termos
dêiticos, tanto pessoais
(eu, tu), como espaciais
(ir, vir, etc.), devido
aos problemas de
auto-representação a que
aludimos ao falar do
jogo, bem como a
dificuldade na
compreensão das relações
espaciais.
4.3. A etapa escolar
Um esforço muito
maior foi dado ao estudo
do desenvolvimento
cognitivo das crianças
sem visão entre os6 e os
12 anos. Os trabalhos
realizados, baseados na
teoria piagetiana,
tentaram verificar as
afirmações que, segundo
esta teoria, são feitas
sobre o papel da acção e
da linguagem no
desenvolvimento
cognitivo.
Hatwell (1966)
estudou o rendimento das
crianças cegas que
freqüentavam escolas
especiais em uma parte
das tarefas
características do
período das operações
concretas. Comparando-as
com as crianças videntes
que estudavam em escolas
públicas de Paris,
descobriu que tinham um
atraso de 3 ou 4 anos
nas operações
infralógicas de caráter
espacial, bem como nas
operações lógicas do
tipo manipulativo. No
entanto, nas tarefas com
maior base verbal, o
rendimento das crianças
cegas foi quase igual ao
das videntes.
Posteriormente,
outros autores (ver Rosa
e col., 1986) estudaram
o rendimento das
crianças cegas em
algumas tarefas de
operações concretas. Nos
testes de conservação,
os dados confirmam, em
geral, os resultados de
Hatwell, embora se
destaque que o atraso
dos cegos esteja em
função da gravidade da
deficiência visual e da
idade em que se
produziu, bem como do
tipo de educação
(integrada-segregada)
recebida. Higgins (1973)
não encontrou diferenças
entre crianças cegas e
videntes em tarefas de
classificação.
Stephens e Grube
(1982) fizeram um amplo
estudo sobre a aquisição
das operações concretas
nas crianças cegas de
nascença. Nas tarefas de
classificação e em
algumas de conservação
(substância e
comprimento), não
encontraram diferenças
entre cegos e videntes.
No entanto, o atraso dos
cegos foi muito notável
(e maior que o obtido
pelos demais autores) em
todos os testes
figurativos: imagens e
relações espaciais, bem
como na conservação do
volume. Além disso, esse
atraso mantinha-se
incluído no grupo de
indivíduos com idades
entre 14 e 18 anos.
Nós também estudamos
amplamente o período das
operações concretas nas
crianças cegas de
nascença (tanto nas que
freqüentavam escolas
especiais para cegos
como nas integradas em
escolas regulares),
utilizando um grupo
controle de crianças
videntes que realizavam
os testes com os olhos
tapados e outro que
utilizava a visão.
Estudou-se o
desenvolvimento das
imagens mentais (Rosa,
1981), a aquisição das
operações espaciais
básicas (Ochaita, 1984),
bem como as operações
lógicas mais importantes
de tipos de relações
(Rosa e col., 1986;
Ochaita e col., 1988).
Os resultados obtidos
encontram-se na mesma
linha que os dos autores
anteriormente citados.
Os cegos apresentam um
atraso de 3 e 7 anos nos
testes de caráter
figurativo ou espacial
(tarefas espaciais, de
imagens, bem como
seriações
manipulativas). No
entanto, nossos dados
mostram que esse atraso
é anulado entre osll eiS
anos de idade, mesmo
quando se trata das
tarefas espaciais mais
complexas. Pelo
contrário, nos testes
mais relacionados a
aspectos lingüísticos
(classificações,
inclusões e seriação
verbal), o rendimento de
cegos e videntes foi
similar. Portanto,
encontramos uma
seqüência típica no
desenvolvimento das
operações concretas nas
crianças sem visão que
conseguem resolver as
tarefas de caráter
verbal antes das de
caráter figurativo e
espacial. Esta seqüência
é contrária às predições
da teoria piagetiana
sobre o desenvolvimento
cognitivo e permite
pensar que a linguagem
tem o efeito de remediar
as deficiências
figurativas advindas da
captação de informação
através do tato. Estas
deficiências
manifestam-se, também,
no grupo de videntes que
realizavam os testes
tatilmente, já que seus
resultados são mais
semelhantes aos dos
cegos que aos do outro
grupo de videntes.
4.4. Pensamento
adolescente
Existem poucos dados
sobre a capacidade dos
adolescentes cegos para
utilizar um pensamento
do tipo formal ou
abstrato. No trabalho
anteriormente citado,
Stephens e Grube não
encontraram diferenças
entre cegos e videntes
na realização de uma
tarefa combinatória, o
que não ocorreu na
compreensão do conceito
de volume.
De nossa parte,
estudamos os esquemas
mais representativos do
chamado pensamento
formal (Pozo e col.,
1985; Ochaita e col):
controle de variáveis
com material
manipulafivo e verbal,
combinatória e
raciocínio causal. Não
encontramos diferenças
entre cegos e videntes
em nenhum dos testes
realizados. Pode-se
dizer, portanto, que os
cegos são capazes de
resolver problemas de
forma hipotética
dedutiva na mesma medida
que os videntes e que
esse tipo de pensamento
permite-lhes solucionar
não somente as tarefas
que têm um formato
verbal, mas também
aquelas com material
manipulafivo ou
espacial.
Parece, portanto,
demonstrar-se que a
linguagem (sem dúvida
muito relacionada ao
pensamento abstrato,
mesmo na teoria
piagetiana) cumpre um
importante papel no
desenvolvimento
cognitivo das pessoas
cegas. Possuir esta
forma de pensamento,
fato que permite pensar
em termo de hipótese,
transforma-se em uma
poderosa ferramenta,
capaz de remediar os
problemas apresentados
no acesso à representação
figurativa, na ausência
da visão. Assim, as
pessoas cegas são
capazes de resolver as
tarefas clássicas deste
tipo de pensamento, mas
podem até mesmo vir a
compreender, mediante
hipótese, problemas para
os quais não têm acesso
perceptivo direto.
5. Mobilidade e
conhecimento do ambiente
Um dos aspectos mais
problemáticos para as
pessoas cegas é o
conhecimento do espaço
distante, ou seja, do
ambiente que não podem
alcançar com os braços e
ao qual só têm acesso
mediante dados
auditivos, o movimento e
a propriocepção.
Apesar de a visão ser
o sentido espacial por
excelência que permiter
a movimentação e
orientaçao nos espaços
mais ou menos grandes,
podemos afirmar que os
cegos, mesmo os de
nascença, são capazes de
conhecer e perceber de
forma adequada certos
ambientes. Precisamente
devido aos problemas
causados pelo
conhecimento do espaço
na ausência da visão,
são muitas as
investigações que têm
sido realizadas sobre o
tema, apesar de não
contarmos com conclusões
definitivas (Ochaita e
Huertas, 1988).
Como já dissemos,
durante o primeiro ano
de vida, as crianças
cegas têm problemas na
localização dos objetos
e do espaço externo em
seu próprio corpo,
originados por terem que
substituir a visão por
um sistema sensorial
muito menos adequado
para detectar objetos à
distância, como é a
audição. A falta de
interesse pelo mundo
exterior faz com que o
engatinhar (quando
existe) e o andar sofram
um atraso de seis ou
sete meses em relação às
crianças videntes.
Existem diferentes
hipóteses que tentam
explicar a resistência
que as crianças cegas
apresentam para
engafinhar. Ainda que,
sob nosso ponto de
vista, isto possa ser
explicado pela função
exploratória das mãos
para o cego, certos
autores como Ferrell
(1985), consideram que
esta conduta seja
crítica e imprescindível
para a elaboração de um
andar adequado. Assim,
atribuem os problemas
posturais e de andar dos
cegos adultos à falta de
engatinhar na infância.
No entanto, pensamos que
é possível explicar tais
problemas, aludindo as
dificuldades que uma
criança apresenta para
imitar os modelos de
postura e locomoção, na
ausência da visão, sem
necessidade de recorrer
à rígida noção de
"conduta crítica".
Temos poucos dados
sobre as capacidades
espaciais das crianças
cegas de idades
compreendidas entre os 2
e os 7 anos. Em geral,
assinalam que a escassa
interação com o ambiente
cria, para a criança sem
visão, problemas na
aquisição do esquema
corporal, bem como na
compreensão de conceitos
espaciais e ambientais.
Landau, Gleitman e
Spelke (1981) realizaram
um interessante trabalho
longitudinal sobre a
capacidade para conhecer
o espaço de uma menina
cega entre os 2,7 e os
4,6 anos. Concluíram
que, aos 2,7 anos, a
menina manifestava
conhecimento espacial,
já que era capaz de
inferir, em um recinto,
um novo trajeto muito
simples de outros já
conhecidos. Aos 4,5
anos, era capaz de
transferir relações
espaciais muito simples
da maquete de uma casa.
Também são escassos
os trabalhos realizados
sobre o desenvolvimento
do conhecimento
ambiental das crianças
cegas. Dods, Howarth e
Carter (1982)
descobriram que as
crianças cegas de onze
anos tinham
representações
egocêntricas do espaço,
utilizando o desenho
como técnica para
externalizar tais
representações.
Em uma investigação
recente (Huertas e
Ochaita, 1988) estudámos
a capacidade de os cegos
de nascença, de idades
compreendidas entre 7 e
14 anos, conhecerem e
representarem um
ambiente conhecido e
relativamente pequeno (o
recinto exterior do
colégio),
utilizando técnicas de externalização adequadas
para os não-videntes
(maquetes, estimativas
de distâncias e mapas
condutuais). Entre 7 e 9
anos, as crianças
fizeram representações
do tipo egocêntrico,
levando em conta as
relações espaciais de
proximidade e
distanciamento. Entre os
9 e 11 anos, as crianças
encontram-se em uma
etapa de transição entre
um sistema egocêntrico e
um fixo. Aos
14 anos, um dos
indivíduos estudados foi
capaz de fazer uma
representação totalmente
coordenada, com os
elementos corretamente
relacionados na
seqüência linear em que
se considerava
perfeitamente as
relações em cima - em baixo e
esquerda-direita. Alguns
autores (como Foulke,
1982) afirmam que um
cego de nascença nunca
conseguirá estruturar o
espaço de forma
coordenada e
configuracional, tendo
representações mais
elementares, por
trajetos que estão mais
de acordo com sua forma
de perceber o espaço. No
entanto, nossa própria
experiência de
investigação faz com que
nos situemos na
perspectiva de outros
autores (como Warren,
1984), afirmando que
alguns cegos de nascença
podem
conseguirrepresentar um
determinado espaço de
forma coordenada, embora
isto dependa de
variáveis do indivíduo,
tais como o
desenvolvimento
cognitivo ou a
familiaridade com o
meio, bem como de outras
relativas ao próprio
espaço, como tamanho e
complexidade.
6. A leitura dos
deficientes visuais: o
Sistema Braille
O acesso à informação
escrita, por parte dos
cegos, pode ser feito de
diferentes maneiras,
através do optacon,
através de fitas cassete
em velocidade normal ou
acelerada, ou utilizando
os recursos oferecidos
pelas novas tecnologias
da informática. Porém, o
sistema mais utilizado
atualmente e que
comprovou amplamente sua
eficácia é o Braille. Por
este motivo, vamos
dedicar-lhe grande parte
da exposição que se
segue. Como se sabe, o
sistema de
leitura-escrita Braille
é formado por
combinações de pontos
sobre uma matriz de base
3 X 2 que, ao sobressair
do papel, são captados
pela pele dos dedos. Foi
comprovado,
experimentalmente, que o
tamanho das celas do
Braille e dos pontos que
formam as letras está
muito próximo do ideal
sob o ponto de vista psicofísico.
O fato de o sistema
de leitura-escrita ser
utilizado, normalmente,
com o tato faz com que
os processos
psicológicos que são
accionados para sua
leitura não coincidam
com os empregados para a
leitura-escrita visual.
Detenhamo-nos em algumas
de suas peculiaridades.
6.1. Movimentos
de mãos e velocidade da
leitura tátil em Braille
Em primeiro lugar, a
leitura é feita com a
ponta dos dedos
indicadores de uma das
mãos, em função do grau
de habilidade de
leitura. O dedo, ou os
dedos, deslizam mediante
um suave movimento de
escovação por sobre as
linhas de escrita,
captando, mediante
movimentos horizontais,
sagitais e de pressão,
as configurações de
pontos que constituem as
letras. Note-se que isto
significa que sempre há
um único dedo lendo
informação nova em um
dado momento, salvo no
caso de indivíduos muito
especializados que
conseguem,
excepcionalmente, ler
algumas letras,
simultaneamente, com
ambas as mãos, no
momento em que se salta
de linha.
Mais uma vez,
percebemos que as
características do tato,
e a acção perceptiva
realizada com este
sistema sensorial,
obrigam a uma forma de
captação da informação
que, por sua vez, afeta
as operações cognitivas
a serem realizadas no
processo de leitura.
Do
que acabamos de dizer,
depreende-se outras duas
particularidades da
leitura Braille. Por um
lado, a leitura é feita
letra a letra, tendo-se
descoberto que o tempo
de leitura de uma
palavra é superior ao do
reconhecimento de cada
uma das letras que a
compõem — Nolan e
Kederis (1969) informam
sobre um aumento que
oscila entre cerca de 16
e 196% . Por outro lado,
a velocidade de leitura
de um leitor cego
experiente não supera
114 palavras por minuto
(Mousty e Bertelson,
1985), enquanto a média
dos videntes experientes
encontra-se em torno de
280 palavras por minuto,
e mais ainda, parece
existir um limite
absoluto na velocidade
da leitura Braille, pois
todas as tentativas em
se aumentar a velocidade
de leitura, mediante
programas de
treinamento, fracassaram
até o momento (ver
Ochaita e col., 1988).
Outro aspecto digno
de nota é o fato de que
a habilidade de leitura
melhora muito lentamente
ao longo do tempo,
observando-se a presença
relativamente importante
de erros de
decodificação até o
final do Primeiro Grau.
Algo semelhante ocorre
com a velocidade de
leitura e com os padrões
de movimentos da leitura
manual (Ochaita e col.,
1988; Nolan e Kederis,
1969).
6.2. Erros na leitura
tátil do Braille
O fato de o alfabeto
Braille ser formado por
configurações de pontos
que são reconhecidos
tatilmente faz com que
existam, também, algumas
peculiaridades nos erros
de reconhecimento de
padrões por parte dos
indivíduos,
especialmente dos mais
inexperientes. Não
temos, aqui, espaço
suficiente para
referirmo-nos com
detalhe a este aspecto,
mas basta assinalar que
os erros mais frequentes
sao o acréscimo à
omissão de pontos e a
rotação de formas. Com
respeito a este último
tipo de erro, deve-se
assinalar a possível
influência que o ensino
da escrita com "régua"
pode ter sobre sua
persistência, o que faz
com que se tenha que
escrever pressionando
sobre o papel com uma
punção na direção da
direita para a esquerda,
fazendo com que as
letras escritas estejam
"invertidas" em relação
a sua configuração,
quando são lidas. Por
outro lado, comprovou-se
que as letras que
incluem um maior número
de pontos, especialmente
os correspondentes à
última fileira (pontos 3
e 6). e, mais ainda, se
têm um eixo dominante
oblíquo e trata-se de
letras pouco familiares,
oferecem uma dificuldade
especial para seu
reconhecimento. Em
espanhol, estas
características
coincidem com as últimas
letras do alfabeto.
6.3. Diferenças entre
a leitura Braille e a
leitura visual
Como pode-se supor, a
partir do que foi
exposto até o momento, a
leitura tátil do Braille
inclui um conjunto de
aspectos que a
diferenciam da leitura
visual. Por um lado,
enquanto a leitura
visual é realizada
através de rápidos
movimentos oculares, em
cujas fixações
apreende-se mais de uma
palavra em sua
totalidade, no caso do
Braille a sensibilidade
tátil obriga a uma lenta
exploração letra a
letra, o que pressupõe
uma considerável carga
de memória. Não
obstante, dada a
lentidão deste processo,
os leitores cegos
experientes são capazes,
com a ajuda do contexto,
de lançar hipóteses
acerca das letras finais
de uma palavra
conhecida,
evidenciando-se que
aproveitam a informação
semântica oferecida
pelas palavras de um
modo mais adequado que
os videntes.
Por outro lado, as
próprias características
físicas do Braille
influem também nos
processos cognitivos da
leitura. O fato de que
cada ponto é fundamental
para a identificação da
letra, e que existe uma
reduzida redundância
perceptiva faz com que
haja um maior emprego de
recursos de atenção para
a análise de traços e
para a percepção,
tornando-se disponível
menos capacidade
residual de
processamento para o
acesso a um código
fonológico, com o que se
passa diretamente de um
código tátil ao léxico
interno. No entanto,
quando a legibilidade do
material diminui (a
saliência dos pontos
sobre o papel), o efeito
da ajuda semântica
desaparece, pois o
processo de
decodiflcação ocupa
maior tempo, havendo uma
diminuição dos recursos
para atender a processos
não perceptivos (Pring,
1982, 1984, 1985).
6.4. Algumas
sugestões para o ensino
do Braille
Por último, faremos
referência a alguns
aspectos importantes
para o ensino da
leitura-escrita Braille.
Demonstrou-se que a
aprendizagem visual
deste alfabeto é mais
fácil e eficaz para seu
uso tátil que a
utilização de um
programa de treinamento
exclusivamente tátil
desde o princípio; se,
além disso, neste
primeiro momento,
utilizam-se celas de
tamanho aumentado, esta
eficácia torna-se ainda
maior (Newman, Hail e
col., 1982). Isto é
importante em relação ao
aproveitamento dos
resíduos visuais para o
ensino.
Finalmente, temos que
fazer referência a
outros sistemas de
acesso à informação. A
audição de fitas
cassetes, em alta
velocidade, pode ser, às
vezes, uma alternativa
importante à leitura
tátil. O trabalho de
Tuttle (1974) evidenciou
que os cegos são capazes
de "ler escutando" a uma
velocidade de 275
palavras por minuto sem
que sua compreensão seja
comprometida.
Se somarmos a este
dado as possibilidades
oferecidas pela
microinformática, com
sintetizadores de voz,
aparelhos de leitura
óptica e programas de
tratamento de texto
específicos para cegos,
que permitem até mesmo
aproveitar os resíduos
visuais, mediante a
manipulação do tamanho
das apresentações na
tela do monitor, e, até,
com telas táteis em
Braille, podemos ter
idéia de como estes
avanços técnicos podem
constituir uma ajuda
definitiva para superar
os problemas
apresentados por este
tipo de leitura. A
utilização de
impressoras Braille e em
alfabeto romano,
juntamente com a
possibilidade de que em
uma tela apareça o texto
em qualquer um dos dois
alfabetos, representa um
avanço definitivo para a
eliminação dos problemas
de comunicação que podem
ocorrer no ensino
integrado.
7. Resumo e
conclusões
Resumindo, dos dados
de que se dispõe,
atualmente, pode-se
concluir que os
deficientes visuais
podem atingir um
desenvolvimento
intelectual semelhante
ao dos videntes. Não
obstante, o caminho do
desenvolvimento não
coincide com o que estes
últimos, normalmente,
seguem. Os motivos desta
discrepância não são, de
modo algum, o resultado
de uma patologia
resultante do dano
visual, senão a
conseqüência presumível
da utilização dos
recursos de que estes
indivíduos dispõem. São
dois os fatores
principais, apontados
como responsáveis por
estas peculiaridades
evolutivas; o modo tátil
de coletar informação e
a remediação verbal
(Rosa e Ochaita, 1989).
Já havíamos
mencionado como o
comprometimento visual
faz com que o sentido do
tato passe a ser o
sentido com o qual se
capte, primordialmente,
a informação dos objetos.
O desenvolvimento das
habilidades perceptivas
táteis, como é de se
esperar, afeta o
conhecimento do meio e
marca seu próprio ritmo
na construção de
estratégias de
conhecimento. Em suma,
as limitações do sistema
perceptivo tátil
fazem-se notar no
desenvolvimento
cognitivo. Mas não há
motivo para que esta
pobreza relativa do tato
em relação à visão
marque um limite
absoluto ao
conhecimento, pois o
indivíduo dispõe de
outros recursos, entre
os quais a linguagem
revela-se como um fator
de importância
primordial. Os
resultados experimentais
que evidenciam como os
cegos resolvem tarefas
que se sustentam,
fundamentalmente, sobre
a linguagem nas mesmas
idades que os videntes,
enquanto outras que têm
um componente
manipulativo-espacial-figurativo
não são resolvidas até
um momento posterior,
corroboram a explicação
de que o atraso na
solução destas últimas
depende do
desenvolvimento das
habilidades táteis. Por
outro lado, o fato de
que as diferenças de
rendimento entre cegos e
videntes desaparecem ao
mesmo tempo que o
processamento profundo
da informação adquire
uma presença funcional
importante e manifesta
uma forma proporcional
do pensamento, levam a
pensar que a Linguagem
ocupa um papel de
primeira ordem no
funcionamento cognitivo
do cego. O fato de que
algumas tarefas
experimentais, cuja
estrutura é supostamente
concreta (na
terminologia piagetiana),
não são resolvidas
precisamente até que
estas habilidades
estejam desenvolvidas,
poderia dever-se ao fato
de que, na ausência da
visão, sua resolução
requeira a utilização de
habilidades mais
sofisticadas que as
propriamente concretas.
NOTA: Um tratamento em
profundidade deste tema
pode ser encontrado em Ochaita, Fernández e
Huertas (1988).
ϟ
texto integral de:
Percepção, aCção e
conhecimento nas
crianças cegas
Esperanza OCHAITA e
Alberto ROSA
in
colectânea
"Desenvolvimento
psicológico e educação:
necessidades educativas
especiais e aprendizagem
escolar"
organizada por César Coll, Jesús Palacios e
Alvaro Marchesi
tradução: Marcos A. G.
Domingues
Porto Alegre - Artes
Médicas, 1995.
v.3, p.183-197.
Δ
10.Jan.2012
publicado
por
MJA
|