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 Sobre a Deficiência Visual

Paradigmas da escola inclusiva e desafios colocados ao professor

Maria da Conceição Almeida Rebelo
 



Paradigmas da escola inclusiva

Sendo a escola considerada por muitos o modelo preferencial para a educação de crianças com necessidades educativas especiais vai, portanto, receber uma grande diversidade de alunos e deve estar preparada para lhes oferecer uma multiplicidade de respostas pois, a escola, não tem como única função transmitir saberes, tem também responsabilidades na promoção do desenvolvimento psicossocial dos alunos. Esta opinião é partilhada por Santos (2007), segundo o qual a função primeira da escola é “tomar decisões e criar condições de processos democráticos, funcionando como um centro cultural e educacional dos alunos e da restante comunidade escolar. Segundo a opinião do autor, a escola deve ainda promover nos alunos o desenvolvimento integral numa perspectiva de preparação para a vida social, profissional e como cidadãos críticos e constitutivos” (Santos, 2007:19).

Ao falarmos de educação inclusiva estamos a referirmos a um novo paradigma em termos educativos, ou seja, de uma nova concepção de escola onde todas as crianças sem excepção têm a mesma igualdade de oportunidades independentemente dos valores culturais ou limitações físicas e intelectuais.

Porter (1998) e Correia (2005) defendem a educação inclusiva como sendo um sistema de educação onde os alunos com necessidades educativas especiais frequentam ambientes de sala de aula regular, apropriados para a idade, com colegas que não têm deficiência/dificuldades e onde lhes são oferecidos os apoios necessários às suas necessidades individuais de modo a atingirem os mesmos objectivos que os seus pares mas por caminhos diferentes.

Perrenoud (2000) afirma que a educação inclusiva é uma aposta que envolve a escola e que a leva a novas políticas organizacionais e pedagógicas no sentido de uma maior abertura à comunidade obrigando à mudança de atitude não só daqueles que estão directamente envolvidos no cenário escolar mas a toda a comunidade envolvente e, por contágio, a toda a sociedade.

Assim, tendo por base a linha orientadora da inclusão partilhada por Porter (1998), Correia (2005) e Perrenoud (2000), e sabendo que os alunos são os principais actores da educação, há a necessidade de repensar as estruturas presentes nas escolas para que estas possam responder às necessidades de todos aqueles que as frequentam, quer sejam ou não portadores de deficiência.

É, pois, grande o desafio que se coloca à escola inclusiva porque, mais do que aceitar a presença de alunos com necessidades educativas especiais na escola de ensino regular, há que construir e promover a existência de um único sistema educativo em desfavor da dualidade de sistemas (regular e especial) tantos anos praticado na educação nacional. Contudo, há que ter em conta a diversidade e promover o uso de estratégias pedagógicas e recursos escolares alternativos que se adeqúem às diferentes necessidades dos alunos.

No sentido de optimizar os princípios onde se alicerça a inclusão a escola deve reconhecer as necessidades dos discentes que a frequentam bem como fazer um esforço para satisfazer as suas necessidades individuais, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, garantindo um bom nível de educação para todos, através de currículos adaptados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas diferenciadas e diversificadas, de utilização de recursos e de cooperação com a comunidade (Rodrigues, 2007). Porém, os mesmos autores sublinham que não é objectivo da escola inclusiva baixar o nível de exigência aos alunos. A escola inclusiva não pretende eliminar barreiras à aprendizagem, mas sim acompanhar o discente e ajudá-lo a ultrapassar os obstáculos com que se depara na longa caminhada da sua vida de estudante de modo a obter sucesso escolar.

Porter (1997) delineou o que para ele eram os quatro princípios norteadores do sucesso da escola inclusiva, os quais passamos a citar:

  • Formação contínua – a formação de professores quer do ensino regular quer de educação especial é fundamental para a monotorização de conhecimentos e competências;

  • Diferenciação curricular – o currículo comum deve assegurar um ensino diversificado de modo a possibilitar o acesso à aprendizagem de todos os alunos do grupo-turma;

  • Ensino com níveis diversificados - o professor do ensino regular deve preparar as unidades curriculares de acordo com as necessidades dos alunos;

  • Equipas de resolução de problemas – a existência destas equipas são uma mais valia para a escola inclusiva no sentido que contribuem para a resolução dos problemas escolares, bem como para fazerem um acompanhamento directo a todos os professores.

Por seu lado, Ainscow, (1996) considera que para o sucesso da escola inclusiva, esta deverá ser acompanhada de uma liderança eficaz da equipa directiva da escola apostada em dar respostas às necessidades de todos os alunos. Correia (2005) partilha desta opinião ao afiançar que “como elemento – chave no processo de implementação de uma escola inclusiva, é ao órgão directivo que cabe a tarefa de dar o pontapé de saída no que diz respeito à transformação da escola numa comunidade de aprendizagem (…) que tenha por base os princípios da inclusão.” (Correia, 2005:23,24).

Outro factor a ter em conta para o bom funcionamento da inclusão escolar é a presença de pessoal docente empenhado em proporcionar uma grande variedade de oportunidades curriculares a todos os alunos sem excepção. De facto, os professores são peça fundamental para a promoção da filosofia inclusiva e por isso, devem mudar de atitude e serem suficientemente flexíveis para se adaptarem às novas exigências da profissão.

Acentua-se, deste modo, a indispensabilidade de reformulação da formação/aceitação de todos os professores, em especial os professores de ensino regular, para trabalharem com a diversidade de alunos na sala de aula com o objectivo de promover uma educação mais flexível alicerçada em princípios educativos que contribuam para melhorar a resposta educativa a dar a todos os alunos, particularmente daqueles que se encontram em situações de maior vulnerabilidade (Costa, Leitão, Morgado, Pinto, 2006). Sublinhamos por isso, a necessidade de fomentar a formação contínua de professores na área da Educação Especial para que estes possam responder às dificuldades que a escola inclusiva encerra em si. A formação, em nosso entender, favorece ainda a sensibilização dos professores de ensino regular para a aceitação da presença dos alunos com necessidades educativas especiais na sala de ensino regular, ajudando-os, com sugestões pertinentes e oportunas, no trabalho a desenvolver com este grupo de discentes.

Relativamente aos benefícios que a educação inclusiva traz aos alunos, Correia (2005:54) advoga “que a filosofia da inclusão tem benefícios para os alunos com necessidades educativas especiais, mas também traz vantagens para os alunos sem necessidades educativas especiais, uma vez que lhes permite perceber que todos somos diferentes e, por conseguinte, que as diferenças individuais devem ser respeitadas e aceites.” (…) “a inclusão promove a consciencialização e a sensibilização dos membros de uma determinada comunidade, porque permite uma maior visibilidade das crianças com necessidades educativas especiais. Assim, a sociedade percepciona essas crianças como parte de um todo, aceitando-as, progressivamente, como tal” (Correia, 2005:55)

Neste sentido, Santos (2007) apresenta um conjunto de vantagens proporcionadas pela inclusão tanto aos alunos com necessidades educativas especiais, como aos alunos sem necessidades educativas especiais, que importa referir:


Vantagens da inclusão para os alunos com necessidades educativas especiais:

  • A inclusão reduz os efeitos da educação segregada, nomeadamente os efeitos negativos da categorização e atitudes negativas promovidas pela falta de convivência com crianças sem deficiência;

  • A inclusão possibilita às crianças observar e aprender novas competências através da imitação de modelos diferentes dos seus;

  • A inclusão faculta a convivência entre todas as crianças com idades similares abrindo assim as portas a interacção espontânea facto que permite aumentar a competência social e comunicativa;

  • A inclusão proporciona às crianças com necessidades educativas especiais vivências reais que são uma ajuda fundamental para a vida em sociedade e mais tarde para a entrada no mundo do trabalho;


Vantagens da inclusão para os alunos sem necessidades educativas especiais:

  • A inclusão permite às crianças sem deficiência desenvolverem ópticas mais realistas e adequadas sobre os seus pares com deficiência;

  • A inclusão cria oportunidade para que as crianças desenvolvam atitudes positivas face à presença dos colegas portadores de deficiência na escola e mais tarde na comunidade;

  • A inclusão promove a aprendizagem de comportamentos altruístas bem como e quando usar tais comportamentos;

  • A inclusão permite a compreensão de que, apesar das limitações dos pares com necessidades educativas especiais, estes conseguem ter sucesso em não poucos domínios.

Perante tão significativos benefícios concluímos que quanto mais cedo se iniciar o caminho da inclusão escolar mais positivo será, tanto o desenvolvimento das crianças com necessidades educativas especiais, como a sua aceitação no seio da sociedade. “A inclusão, mais do que uma dimensão técnica, tem uma dimensão ética, social e politica. Nas sociedades actuais a exclusão da escola tenderá a constituir-se como o primeiro passo para a exclusão social” (Morgado, 1999). A inclusão ensina a cada um de nós que todas as pessoas são membros importantes da sociedade, como se de peças de um puzzle se tratasse, e que vale a pena incluir todos sem excepção.


Desafios colocados ao professor pela escola inclusiva

Numa sociedade constantemente em mudança são novos e exigentes os desafios colocados aos professores, pelo que, há que repensar a profissão no sentido de transformar tanto os métodos de trabalho, como os modos de relacionamento com os alunos e com a comunidade.

De facto, hoje em dia, é atribuído ao docente um papel de mediador intercultural, organizador de uma vida democrática e intelectual que não se limita a transmitir saberes mas que é um agente que luta pela mudança e que coloca na primeira linha, práticas reflexivas que, em muito, contribuem para o real desenvolvimento da sua actuação como profissional da educação. (Perrenoud 2000).

Para Gomes (2001), “ser professor no século XXI é ser alguém que, sobretudo, sabe relacionar-se pessoalmente com cada aluno e com cada pessoa, respeitando a diferença que identifica cada um. Esta atitude implica um processo crítico, reflexivo e construtivo do professor capaz de promover a educação dos sentimentos, do amor e dos valores, como forma de ajudar os outros a serem felizes, a encontrarem-se a si próprios, a aprenderem a ser e a saberem respeitar o outro”. (Gomes 1997in Santos, 2007:201).

Face a esta nova realidade, para a profissão docente, é necessário introduzir nas escolas de ensino regular conhecimentos científicos e pedagógicos que ajudem e preparem o professor para o trabalho a realizar com a diversidade do público escolar.

Segundo Ainscow (1996), Tilstone (2003) e Correia (2005) um dos principais meios para dar resposta aos desafios da escola actual é a aposta na formação inicial e contínua de professores. Mais afirmam que, para além da formação contínua, deve ser disponibilizado tempo para que os professores se entreajudem e explorem aspectos da sua prática pedagógica num clima salutar, evolutivo e reflexivo da pedagogia praticada nas suas escolas e, mais particularmente, nas suas aulas. Tanto a formação contínua como a disponibilidade de tempo são muito importantes e pertinentes pois ajudam os docentes a identificarem e partilharem os sucessos e os insucessos da prática pedagógica ajudando-os a melhorar as suas acções futuras tanto no trabalho a desenvolver com os alunos sem necessidades educativas especiais como com os alunos com necessidades educativas especiais. (Santos, 2007).

Na mesma linha de pensamento, Holloway (2000) afirma que “é necessário que as universidades e escolas de formação de professores aprofundem a qualidade e densidade dos aspectos curriculares relativos ao ensino diferenciado e que as escolas e equipas de professores estimulem e apoiem o desenvolvimento profissional do professor” (Holloway, 2000 in Correia, 2003:84).

A propósito da formação de professores, Costa (2005) deixa-nos algumas sugestões, as quais ilustramos seguidamente:

  • A formação inicial deve contemplar os conhecimentos e as competências subjacentes ao desenvolvimento de modelos e práticas educativas promotoras de inclusão e qualidade;

  • Em termos de desenho curricular deve ser salvaguardado o princípio do isomorfismo da formação;

  • Os conhecimentos pragmáticos deverão estar presentes, não só através de unidades curriculares próprias, mas também como conteúdo recorrente em todo o desenho curricular;

  • Deve ser incentivada a componente prática dos cursos de formação inicial e dos cursos de especialização, para que os formandos sejam expostos a modelos positivos de educação inclusiva. (Costa 2006:29).

Não obstante, o êxito da escola inclusiva não depende apenas da formação de professores. A par de uma boa formação devemos pôr enfoque na prática pedagógica que os docentes operam no exercício das suas funções.

Porter (1998) afirmaque as boas práticas pedagógicas são benéficas para todos os alunos, quer sejam ou não portadores de deficiência, pois todos eles têm pontos fracos que necessitam de ser colmatados. É um factor enriquecedor da dinâmica das escolas e dos professores criar ambientes e estratégias que facilitem a aprendizagem de todos os alunos independentemente das suas diferenças, sejam elas de ordem social, económica, cultural, física ou familiar.

Santos (2007) sublinha que “Os professores, ao protagonizarem práticas de ensino, promovem novas exigências à organização escolar. Surgem desta forma os professores como agentes de mudança e a escola como centro motor da mesma, constituindo a expressão da sua função social ao nível do comportamento dos alunos e ao nível da actuação dos professores. Neste quadro, os professores são construtores profissionais do currículo, trabalham em colaboração, estabelecem diálogo e negoceiam as suas propostas com os pares.” (Santos, 2007:198).

Mas, para que isto aconteça, o professor deve estar atento às dificuldades que o grupo/turma apresenta, no sentido de a sua acção pedagógica ir ao encontro de um caminho que responda à diversidade e permitindo, assim, que a mensagem chegue aos discentes qualquer que seja o seu nível de desenvolvimento. Quer isto dizer que, para que a aprendizagem ocorra o professor tem de ir ao encontro do aluno, percorrer e analisar o percurso por ele gizado na tentativa de compreender e colmatar as dificuldades encontradas pelo discente. Só assim poderá fomentar estratégias eficazes e adequadas às características individuais de cada discente. Desta forma os professores contribuem para o crescimento de uma escola com perspectivas amplas no âmbito do desenvolvimento curricular, de ensino-aprendizagem, da organização da sala de aula e das respostas às necessidades educativas individuais dos alunos, contribuindo para o sucesso de uma escola cada vez mais inclusiva. (Tilstone, 2003).

Cabe assim, ao professor a responsabilidade de flexibilizar os currículos e de efectuar adaptações curriculares que promovam a progressão dos alunos dentro da diversidade que é a escola e mais especificamente a sala de aula. Actualmente, é o aluno que dita os conteúdos a apreender, o ritmo de aprendizagem e os processos de aprendizagem. É um ensino virado para o aluno e para as suas capacidades e limitações passando o professor para um papel de retaguarda que este não está habituado a desempenhar, daí a dificuldade que alguns docentes sentem ao trabalharem com a diferença.

Outro aspecto que não podíamos deixar de frisar é a importância que a prática reflexiva dos professores tem para o sucesso escolar. Ainscow (1996) defende a prática reflexiva como sendo uma estratégia para a resolução de alguns problemas vividos na escola uma vez que este procedimento encoraja os professores a aprenderem com a sua própria experiência fomentando a busca de soluções práticas para os obstáculos quotidianos e promovendo ainda o trabalho cooperativo entre professores. Assim, de acordo com Santos (2007) “Com base na reflexão, os professores constroem o seu saber profissional, potenciando o desenvolvimento de uma acção responsiva e ajustada às situações contextuais” (Santos, 2007:208)

Para fazer face à diversidade de situações de sala de aula, Sanches (2003) sublinha que o professor deve,

  • Estar disponível para enfrentar imprevistos porque cada situação demanda uma resposta diferente;

  • Ser capaz de controlar a ansiedade e não elevar as expectativas;

  • Consciencializar-se que a escola para além de instruir também tem um papel socializante, papel esse, que para os alunos com necessidades educativas especiais é talvez o mais importante;

  • Relacionar-se positivamente com os alunos problemáticos mesmo que tenha de abdicar de alguns idealismos;

  • Conquistar, quotidianamente, a sua autoridade;

  • Estabelecer objectivos para cada aluno tendo em conta os saberes já adquiridos;

  • Avaliar os alunos de acordo com as aquisições e progressos dos mesmos. (Sanches 2003)

É deste modo que o professor vê alargado o seu campo de actuação e assumem “novas condições pedagógicas: organiza situações de aprendizagem, observa a acção dos alunos e intervém em função das necessidades que diagnostica para fazer com que os discentes adquiram os meios de conhecimento e de acção necessários à sua progressão nas aprendizagens. (Postic, 1995:22), tais como a flexibilização dos currículos, adaptações curriculares e a diferenciação pedagógica.


Flexibilização, e adaptações curriculares

Antes de entrarmos propriamente no tema deste ponto, e dada a especificidade do mesmo, parece-nos pertinente fazer um breve apontamento sobre flexibilização e adaptações curriculares. Estamos conscientes do cariz redutor das definições apresentadas, no entanto, não é nosso objectivo aprofundar os conceitos, pois é tema, que por si só, se prestava a um trabalho específico sobre cada um deles.

Assim, por currículo, Pacheco (1996) explica que pode ser o programa de disciplina, plano de estudos de um curso académico, ou até mesmo uma série estruturada de objectivos e de aprendizagens que se concretizam através da sequência progressiva entre ciclos de escolaridade e em que cada um deles tem por função completar e alargar o ciclo anterior. Roldão, por sua vez, (1999) entende por currículo “o corpo de aprendizagens socialmente reconhecidas como necessárias, sejam elas de natureza científica, pragmática ou humanista, cívica, interpessoal ou outras.” (Roldão, 1999:47).

Flexibilizar o currículo, segundo Leite, in Sim-Sim (2005), consiste em abrir o currículo às aprendizagens que uma determinada sociedade considera pertinentes para nela se inserirem todos os indivíduos que a constituem. Quer isto dizer que, tendo como pano de fundo o currículo nacional o vamos reajustando às necessidades de aprendizagem da realidade social e escolar de cada região. No entanto, para Roldão (1999) “flexibilizar o currículo “não significa libertá-lo de balizas; muito pelo contrário, só é possível flexibilizar dentro de um quadro referencial muito claro” (Roldão, 1999:54)

Adaptações curriculares são “as alterações ou suplementos ao currículo com o fim de maximizar o potencial do aluno (…) As adaptações curriculares requerem do, professor uma atenção especial muito orientada para os conteúdos a leccionar e para a forma como eles devem ser apresentados, tendo em conta a sua compreensão e memorização” (Correia, 2005:44), ou seja, a adaptação curricular é a “diferenciação curricular que se faz a nível de um só aluno” (Leite in Sim-Sim, 2005:14)

Face à diversidade que se vive hoje em dia no ambiente escolar surgiram algumas questões pertinentes para as quais urgia procurar uma solução. Quer isto dizer que, os professores ao tentarem dar resposta às necessidades dos alunos com necessidades educativas especiais na sala regular vêem-se confrontados com alguns desafios, nem sempre de fácil resolução. Um desses desafios é, sem dúvida, a optimização da flexibilização curricular. A flexibilização curricular deve manter algumas das competências e dos objectivos básicos do currículo nacional, mas diferenciar a forma de organizar os conteúdos, as metodologias, os espaços e os tempos, bem como o sistema de avaliação, no intuito de promover o sucesso da inclusão de todos os alunos na escola.

Costa et al (2006:14) consideram que “o currículo deve ser estruturado e flexível, acessível a todos os alunos, organizando-se na base de uma gestão colaborativa e participativa, de forma a proporcionar a todos o desenvolvimento dos conhecimentos, competências e valores, que a sociedade espera que os seus cidadãos adquiram. “ Também Correia (2005) comunga desta linha de pensamento quando defende a flexibilidade curricular como meio de resposta à diversidade que se vive na escola da actualidade.

Para flexibilizar um currículo, a escola não pode continuar presa às amarras dos currículos nacionais com conteúdos predefinidos e com ritmos e estratégias de aprendizagem balizadas. Deve sim, adaptar-se aos conteúdos, aos ritmos, aos estilos de aprendizagem e às condições concretas dos alunos, accionando a operacionalização da autonomia escolar. No âmbito da escola inclusiva “é fundamental conceber a aprendizagem, não num sentido restrito e académico, mas num sentido mais lato de oportunidades de aprendizagem que enfatizem competências e conhecimentos que sejam, pessoal e culturalmente, relevantes e funcionais para os alunos.” (Costa et al, 2006:14). O Currículo não deve ser visto como um fim em si mas como um contexto através do qual a escola pode proporcionar um veículo de aprendizagem. (Tilstone, 2003).

Alguns autores, dos quais destacamos Roldão, (1999), Santomé, (1995), Pardal, (1993) citados por Santos, (2007) vão mais longe ao afirmarem que o currículo deve ser encarado de forma ainda mais ampla, nomeadamente numa perspectiva ecológica, prática e emancipatória, na qual todos os elementos de decisão negoceiam as soluções para os problemas com que se confrontam. Defendem ainda que, o currículo faz parte integrante do universo escolar, da experiência do aluno bem como da sociedade e da cultura onde está inserido logo, deve ir ao encontro de todas estas vertentes de modo a dar a melhor resposta possível às necessidades reais do público com necessidades educativas especiais.

Tendo em conta o exposto, ultimamos que o currículo emerge como uma construção social e educativa que se vai adaptando aos interesses e necessidades dos alunos num processo de inacabamento. No entanto, a sua implementação exige a mudança de algumas práticas por parte dos docentes. Compete à escola, e aos seus actores, organizarem uma resposta educativa válida e de acordo com dois princípios fundamentais, se por um lado a escola tem de possibilitar aos alunos com necessidades educativas especiais o acesso ao currículo igual ou idêntico ao dos outros alunos, por outro tem de o moldar às suas necessidades especificas.

Cabe aqui frisar que não estamos a falar de idear currículos específicos e completamente distintos do currículo normal, trata-se de, tendo por base a espinha dorsal do currículo nacional, introduzir e desenvolver as adequações necessárias às especificidades da diversidade.

Com o fim de operacionalizar a flexibilização dos currículos a um aluno específico, a escola, através dos professores, terá de desenhar um conjunto de alterações as quais, no meio, são designadas por adaptações curriculares. As adaptações curriculares individualizadas emergem com o objectivo principal de favorecer as intervenções individuais e implicam uma reorganização do currículo tendo por base a avaliação diagnostica que serve de pilar às futuras tomadas de decisões.

Esta deverá ter em conta o nível de competências do aluno, particularmente a sua competência curricular, os factores que interferem com esse nível de competência e quaisquer outras informações relevantes para a compreensão da situação e da planificação da resposta educativa considerada, num dado momento, como sendo a mais adequada.

Contudo, é evidente a presença na escola de alunos que nunca conseguirão seguir o currículo nacional e alcançar as competências exigidas de final de ciclo.

“Neste caso, já não estamos a falar em gestão flexível do currículo ou em processos de diferenciação para assegurar o acesso ao currículo comum, mas de currículos especiais (Leite in Sim-Sim, 2005:24)

Perante situações deste cariz há que ponderar, conscientemente, com pais, professores, psicólogos e demais técnicos a aplicação dos tão conhecidos currículos funcionais.


Diferenciação pedagógica

No sentido de responder de modo adequado perante as necessidades educativas especiais dos alunos, o professor deve partir do principio de que o público que tem à sua frente é dissemelhante e, por isso, serão diferentes os seus objectivos escolares, as suas motivações, os seus modos de agir, os seus pontos fortes e fracos.

No entanto, concepções e as práticas de alguns docentes continuam a ser as mesmas. Muitos esperam que os alunos de uma mesma turma consigam atingir os mesmos objectivos com o mesmo ritmo de trabalho, através das mesmas actividades e sob a mesma metodologia de ensino, apesar da evidência da diversidade de estilos de aprendizagem do grupo com o qual trabalhavam.

Mas, ensinar a muitos como se fossem um só revelou-se, ao longo do tempo, uma prática pouco eficaz, senão muitas vezes injusta, uma vez que são muitos os que não alcançam o sucesso escolar.

Perante esta situação, o professor é confrontado com o facto de ter de planear o seu trabalho mediante o perfil de aprendizagem dos seus alunos. Neste ponto, vários são os autores que consideram a “ importância da diferenciação pedagógica, nomeaddamente, (Morgado, 1999; Niza, 1996; Postic, 1995; Perrenoud, 2000), entendida como gestão das interacções e actividades para que cada aluno seja, o mais frequentemente possível, confrontado com situações didácticas que são fecundas para si.” (Aleixo, 2005:32).

A diferenciação pedagógica tem como objectivo primeiro o sucesso educativo de cada um na sua diferença, ou seja, não é um método pedagógico isolado em si mas sim todo um processo de educação em que o aluno é o centro condutor das acções e actividades realizadas na escola (Boal, 1996).

Perrenoud (1986) considera a diferenciação pedagógica como sendo o processo utilizado pelos professores para fazerem progredir no currículo uma criança inserida em grande grupo. Para tal accionam os meios mais apropriados e adequados possíveis à aprendizagem dos alunos.

Para Tomlinson, (2008) diferenciação pedagógica é programar “as actividades educativas à luz do “conceito de múltiplos caminhos” para o conhecimento em prol de diversas necessidades, e não em termos do que é normal e diferente. Logo, o princípio norteador do professor deve ser, em primeiro lugar, a avaliação do discente no sentido de o posicionar num nível de aprendizagem e, consequentemente, ir ao encontro das suas necessidades fazendo-os progredir na aprendizagem. (Tomlinson, 2008:31).

Para Grave-Resendes (2002), Niza (1996) e Benavente (1994) in (Gomes, 2001) diferenciar não significa individualizar o ensino: significa que as regulações e os percursos devem ser individualizados num contexto de cooperação educativa que vão desde o trabalho contratado ao ensino entre pares.

A diferenciação pedagógica opõe-se à uniformização dos conteúdos e condena a uniformidade de ritmos, de métodos, de didácticas e de práticas pedagógicas.

Podemos então afirmar que a diferenciação pedagógica é um procedimento que procura empregar um conjunto diversificado de meios e de processos de ensino e de aprendizagem, a fim de permitir a alunos de idades, de aptidões, de comportamentos, mas agrupados na mesma turma, atingir, por vias diferentes objectivos comuns (Gomes, 2001).

Esta concepção de diferenciação pedagógica salienta o papel do professor como organizador de respostas para que a aprendizagem de cada aluno possa acontecer. O aluno é autor da sua aprendizagem e parceiro do professor e dos colegas, ficando assim invertido o sentido tradicional da docência.

Para que tal aconteça é indispensável que o docente se capacite da diferença e crie, no exercício da sua prática pedagógica, abordagens pedagógicas diferenciadas no sentido de dar resposta a todos os alunos que frequentam a escola. Neste âmbito é necessário que o professor repense a sua prática, no que respeita à organização do trabalho, do tempo, dos materiais, da partilha de poder com os alunos e da autonomia.

“É necessário que o professor mude a seu papel dentro da sala de aula, não sendo o monopolizador do saber. Há que dar lugar ao aluno para que ele próprio procure o saber e execute as etapas necessárias à sua apropriação” (Sanches, 1996:42).

Na perspectiva de Heacox (2006) a diferenciação pedagógica pode ser feita de três maneiras:

  • a nível de conteúdo – quando o professor simplifica os objectivos curriculares às capacidades dos alunos;

  • a nível do processo – quando o professor diversifica as tarefas a realizar pelos discentes de acordo com o seu perfil;

  • a nível de produto – quando o professor utiliza formas variadas para os alunos demonstrarem as aprendizagens efectuadas.

Não obstante a dificuldade que a diferenciação pedagógica possa causar à primeira vista ao professor, cabe referir que, mesmo dentro de um grupo tão heterogéneo como aquele que a escola inclusiva abarca, há sempre características comuns que tornam viáveis a sua educação conjunta. O cerne da questão está em saber-se transformar o conjunto de diferenças em vantagens educacionais que facilitem a progressão das aprendizagens entre pares. (Aleixo, 2005).

De qualquer forma, não temos dúvidas de que, no terreno, não é fácil operacionalizar a mudança de uma pedagogia centrada no professor e no ensino igual para todos para uma pedagogia centrada no grupo, não se limitando a escola a oferecer a igualdade de oportunidades em termos de acesso à educação, mas sim diversidade de respostas no processo educativo. Cabe, portanto à escola, pela figura do professor, concretizar esta mudança cujo primeiro passo, a nosso ver, é limpar as teias de aranha do passado que se apoderaram das mentalidades docentes e abrir uma janela a esta tarefa hercúlea de mudança mas que, na maior parte das vezes, só necessita de disponibilidade psicológica para emergir.

Como dizia Piaget, (1969) “ A realidade dolorosa da Pedagogia, assim como da Medicina e outros ramos do conhecimento que abrigam ao mesmo tempo em si arte e ciência, é o facto de os melhores métodos também serem os mais difíceis” (Piaget, citado por Tomlinson, (2008:59).

 

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excerto de
Concepções e práticas de professores de 2º e 3º ciclo do Ensino Básico face à inclusão de crianças com Necessidades Educativas Especiais
AUTORA: Maria da Conceição Almeida Rebelo
Dissertação apresentada à Escola Superior de Educação de Lisboa para obtenção do grau de mestre em Educação Especial, 2011
Fonte da obra integral: repositorio.ipl.pt

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1.Jan.2014
publicado por MJA