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 Sobre a Deficiência Visual

Integração do Aluno Deficiente Visual em Diferentes Meios:

família, escola, sociedade

Paulo Coelho

I lock my door upon myself - Fernand Khnopff, 1891
I lock my door upon myself - Fernand Khnopff, 1891

 

1. Família

[...] Caracterizados os aspectos essenciais da deficiência visual, importa agora falar da Integração do aluno Deficiente Visual nos diferentes meios. Desde logo, na família.

A família constitui o alicerce da sociedade e, assim, é um dos principais contextos de desenvolvimento da criança, ou seja, a família é o elemento chave na vida e desenvolvimento da criança (Correia, 1999; Correia, 2003a).

Como refere Dias (1999), a família é como o primeiro núcleo de pessoas onde o indivíduo inicia as suas experiências de interacção. Só que, a maior parte dos pais idealiza que a sua criança vai nascer perfeita, e quando a esta é diagnosticado uma determinada problemática, como o caso da deficiência visual, isso pode gerar um vasto número de reacções (Nielsen, 1999).

A reacção dos pais a uma criança deficiente, envolve muitos sentimentos, tais como:

  • A negação (“isto não pode estar a acontecer-me!”);

  • A zanga (agressões à criança, aos profissionais, a outros familiares, e até mesmo a professores);

  • O medo do futuro incerto;

  • A culpabilização, pelo que pode ter causado a deficiência;

  • Confusão, pela falta de conhecimento;

  • Impotência para mudar os acontecimentos;

  • Desapontamento (a imperfeição ameaça a sua auto-estima);

  • Fenómenos de rejeição (chegam a referir o desejo da morte da criança) (Nielsen, 1999; Sousa, 1998).

Os pais de crianças com deficiência visual deparam-se com inúmeros desafios e situações difíceis, circunstâncias que os outros pais nunca se depararão (Nielsen, 1999).

Desta forma, os pais, e a família, têm de aprender a lidar com três crises: O choque inicial; o ajuste de valores/expectativas e os problemas do dia-a-dia (Wolfenberger, citado por Gath, 1972, in Sousa, 1998).

A existência de uma criança deficiente constitui um entrave na vida da família a vários níveis:

  • Problemas de ordem financeira;

  • Falta de oportunidades de descanso e lazer;

  • Isolamento social;

  • Dificuldades no relacionamento interpessoal;

  • Aumento de conflitos;

  • Organização do espaço e da vida familiar e profissional;

(Gath, 1972; Gallagher e outros, 1983; Girimaji, 1993; McLinden, 1990; citados por Sousa, 1998).

Assim, todos os membros da família estão sujeitos a stress devido à presença da criança deficiente. A própria relação conjugal pode ser afectada por discussões parentais frequentes. Traz, também, um impacto nos irmãos por uma maior tendência para distúrbios emocionais e comportamentais, rivalidade pela divisão do tempo e atenção dos pais (Sousa, 1998).

Deve-se então desenvolver uma colaboração cooperativa e de ajuda entre autoridades escolares, professores e pais. Os pais devem ser encorajados a participar nas actividades educativas em casa e na escola (onde podem observar técnicas eficazes e aprender como organizar actividades extra-escolares), assim como a orientar e apoiar o progresso escolar dos seus filhos. É a própria Declaração de Salamanca (1994) que sublinha esta preocupação, já que eles são elementos cruciais na planificação, execução e avaliação dos programas de intervenção dos seus filhos.

No entanto, os pais, como os professores têm tendência a optar pela superprotecção, frequentemente superior à que a situação exige, protegendo-a de qualquer fracasso ou rejeição. Deste modo, esta é mantida à margem de qualquer actividade competitiva na qual pode existir o risco de a problemática se tornar óbvia ou de se registar qualquer fracasso. No entanto, a superprotecção, impede a existência de oportunidades para resolver problemas e tomar decisões e não potencia a independência da criança, nem o seu desenvolvimento social e emocional (Nielsen, 1999; Ribeiro, 1991).

Uma criança com deficiência visual para crescer socialmente e emocionalmente, precisa que os pais e os professores compreendam que esta não necessita ter uma maior protecção, mas sim, que essa protecção seja menos activa. E desta forma permite que a criança se torne mais autoconfiante e mais segura de si própria (Nielsen, 1999).

Como referência Nielsen (1999: 30), “apesar da criança nem sempre ter sucesso em situações competitivas, sentir-se-á bem sucedida pelo facto de ter participado, desde que seja enfatizado o desempenho e não a problemática”.

Os pais e os professores, precisam de desenvolver a consciência individual da criança, enfatizando as qualidades, os pontos fortes e os talentos que a tornam única. Desde que lhe seja dada a oportunidade para tal, toda a criança com deficiência visual pode dar o seu contributo para a experiência familiar (Nielsen, 1999).

Assim sendo, é importante reconhecer aos pais, o direito a envolverem-se activamente nos projectos educacionais que dizem respeito ao seu filho, tendo em conta que a educação com sucesso de alunos deficientes visuais está dependente do total envolvimento dos seus pais (Warnock Report, 1978, citado por Dias, 1999); a estes devem ser dadas informações, conselhos e ajudas práticas (Dias, 1999).


2. Escola

Um outro espaço de intervenção é na Escola.

A relação Escola – Família é essencial aquando da integração do aluno deficiente visual na Escola.

A escola e a família têm interesses, objectivos e preocupações comuns relativamente aos seus filhos/alunos. Logo, estas duas instituições são complementares uma da outra e têm um papel fundamental na socialização da criança. Primeiro, na família e depois na escola, a criança cresce, desenvolve-se e conquista a sua identidade. Deverá estão existir colaboração, envolvimento, cooperação entre os pais e a escola. (Davies, 1989; Moreno, 1972, citado por D‟Antola, 1983; Dias, 1999; Matos & Pires, 1994).

Por isso, nada melhor do que os pais e educadores integrados num trabalho de troca de experiências para propiciar à criança o conhecimento do mundo em que ela vive (Famagalli e outros, citado por D‟Antola, 1983; Lézine, 2000).

É claro que a educação de alunos com deficiência visual deve ser feita em equipa, marcado pela partilha e pela colaboração. Tendo em conta o plano educativo individualizado e as necessidades pessoais do aluno, uma equipa multidisciplinar implica a presença:

  • Do especialista em Educação Especial;

  • Do psicólogo da escola;

  • Do assistente social;

  • Do professor;

  • Dos pais;

  • De outros especialistas e consultores.

É óbvio que para que o aluno com deficiência visual possa crescer emocional e socialmente, é necessário que receba apoio e a aceitação dos seus companheiros e dos seus professores (Nielsen, 1999).

Segundo Dias (1999), a Escola é como uma organização indispensável ao indivíduo dos tempos modernos como forma de enriquecimento das experiências de socialização e da dinâmica das relações interpessoais. As amizades desenvolvidas na infância são a base para os relacionamentos formais, informais e íntimos na idade adulta. Desta forma, não podemos negligenciar a amizade (Strully & Strully, 1989; citados por Stainback & Stainback, 1999).

Cada vez mais os pais e as crianças com deficiência têm dado ênfase ao valor da amizade e de relacionamentos significativos, tanto em crianças como em adultos com deficiência e seus pares que não têm deficiências (Barber & Hupp, 1993; Strully & Srully, 1989; Van der Kilf & Kunc, 1994; citados por Stainback & Stainback, 1999).

Strain (1984), citado por Stainback & Stainback (1999: 184), explicou que “as amizades para crianças com deficiência podem ser até mais importantes do que para as outras crianças, devido à sua maior necessidade de desenvolvimento linguístico, cognitivo, social, sexual e académico”.

Embora as amizades não possam ser forçadas, o seu desenvolvimento pode ser encorajado, alimentado e facilitado nos ambientes educacionais e comunitários. Mas, para que isso aconteça, os indivíduos com deficiência precisam de estar na presença de indivíduos sem deficiência, e a forma de isto acontecer é ambos receberem uma educação em ambientes compartilhados (Hamre-Nie-tupski, Shokoohi-Yekta, Hendrickson & Nietupski, 1994; citados por Stainback & Stainback, 1999). As oportunidades para a proximidade física dentro da sala de aula aumentam muito com o modelo inclusivo de prestação de serviço (Stainback & Stainback, 1999).

Desta forma, os alunos com deficiência devem desempenhar um papel que contribua para as interacções sociais no contexto das actividades académicas, físicas ou sociais. Assim, na aula de Educação Física, um aluno com deficiência física pode ser envolvido como capitão de equipa, treinador, estatístico, organizador do equipamento ou lançador dos lançamentos livres da equipa, num jogo de basquetebol. Assim sendo, os professores de Educação Física podem adaptar/estruturar os jogos/exercícios em torno das habilidades específicas de um aluno (Stainback & Stainback, 1999).

As oportunidades de contribuir de maneira significativa na aula, são importantes não somente para a auto-estima do aluno com deficiência, mas também para conquistar o respeito dos seus colegas (Stainback & Stainback, 1999).

As atitudes positivas com relação aos alunos com deficiência desenvolvem-se quando são proporcionadas orientação e direcção por parte dos adultos em ambientes integrados (Forest, 1987a, 1987b; Johnson & Johnson, 1984, Karagiannis, 1988; Karagiannis & Cartwright, 1990, Stainback & Stainback, 1988; Strully, 1986, 1987; citados por Stainback & Stainback, 1999). A interacção e a comunicação ajudam o desenvolvimento de amizade e o trabalho com os colegas. Os alunos aprendem a ser sensíveis, a compreender, a respeitar e a crescer confortavelmente com as diferenças e as semelhanças individuais entre seus pares (Stainback & Stainback, 1999).

As atitudes dos professores podem contribuir, para a implementação de práticas educacionais inovadoras e, concludentemente, para o sucesso de todos os alunos. Tais atitudes devem ser consideradas a dois níveis, o da classe regular, aonde Correia (1997: 18), referencia “que as atitudes dos professores influenciam as suas expectativas e os seus comportamentos, vindo a influenciar as realizações escolares dos alunos e até, a afectar a sua auto-estima”; E o das práticas e dos métodos de atendimento, aonde o mesmo autor demonstra-nos que as atitudes dos professores é um factor a ter em conta quanto ao atendimento de alunos com NEE‟s, quando estes se baseiam em práticas e modelos de atendimento inovadores (Scruggs & Mastropieri, 1996; citado por Correia, 2000).

Desta forma, a escola existe, para transmitir conhecimentos mostrando o seu valor e utilidade e para colaborar no desenvolvimento do sujeito, preparando-o para a vida adulta, ou seja, promovendo a sua socialização e autonomia/individualização (Sousa, 1998).

Pois bem, para que o processo de integração na escola tenha sucesso é necessário que os professores do ensino regular tenham formação e que promovam a aquisição de competências de ensino, como garantia de uma eficaz resposta às necessidades educativas dos alunos, desenvolvendo-lhes atitudes positivas face à integração (Correia, 1999).

Em jeito de conclusão neste campo da relação escola-família e citando Correia (1999: 169), poderemos dizer que “(...) só estaremos perante uma integração/inclusão com sucesso quando existir:

  • Um esforço concertado que inclua uma planificação e programação eficazes para a criança com deficiência visual;

  • Uma preparação adequada do professor do ensino regular, do professor de educação especial e de todos os técnicos envolvidos no processo;

  • Um conjunto de práticas e serviços de apoio (...) necessários ao bom atendimento da criança com deficiência visual;

  • Um pacote legislativo que se debruce sobre todos os aspectos da inclusão da criança com deficiência visual nas escolas regulares; e

  • Um clima de bom entendimento e de cooperação entre a Escola, a Família e a Comunidade.

Caso contrário, a igualdade de oportunidades nunca será alcançada e o futuro da criança com deficiência visual será sempre incerto no que diz respeito a uma verdadeira integração social”.


3. Sociedade

Finalmente, e na continuidade do que vimos a referenciar, um dos objectivos da educação é integrar os indivíduos na sociedade (Bairrão, Felgueiras, Fontes, Pereira & Vilhena, 1998). Para que esta integração aconteça as crianças com NEE's devem ser educadas, aliás como já referimos: ”(...) em conjunto com os seus iguais, na mesma sala de aula, com o mesmo currículo, sempre que possível, e variando apenas as estratégias de acesso a este mesmo currículo, ela poderá usufruir de todas as vantagens que as interacções com as crianças normais proporcionam e, mais tarde, usufruir duma integração plena e societal” (Soder, 1980, citado por Bairrão, Felgueiras, Fontes, Pereira & Vilhena, 1998: 49).

Desta forma, a escola assume um papel importante na formação, não só a nível intelectual e pedagógico, mas também a nível das relações sociais; é através da escola que a criança se integra na sociedade e prepara para a sua posterior inserção na vida social adulta. A instituição escolar deve potenciar nela o gosto pelo trabalho, fomentar a sua curiosidade intelectual, desenvolver as suas aptidões, o seu espírito de iniciativa, e o seu sentido de crítica (Costa, A.; Ruivo, J. & Baptista, J., 1999).

O grande benefício que o ensino inclusivo proporciona à sociedade, é o valor social da igualdade. Os professores ensinam os alunos através do exemplo de que, apesar das diferenças, todos nós temos direitos iguais (Stainback & Stainback, 1999).

E quando as escolas incluem todos os alunos, a igualdade é respeitada e promovida como um valor na sociedade, com os resultados visíveis da paz social e da cooperação (Stainback & Stainback, 1999).

O valor social da igualdade é consistente com o motivo de ajudar os outros e com a prática do ensino inclusivo. Desta forma, os professores devem garantir que os alunos com deficiência sejam apoiados para tornarem-se participantes e colaboradores numa planificação e num bem-estar de um novo tipo de sociedade (Stainback & Stainback, 1999).

Assim, perante uma sociedade cada vez mais diversificada, o ensino inclusivo ensina os alunos a aceitar as pessoas que são diferentes (Stainback & Stainback, 1999).

Stainback & Stainback (1999:29), ainda referem que se “colocarmos os alunos com deficiência em escolas ou classes especiais impede esta socialização benéfica e transmite uma mensagem destrutiva de intolerância”.

No entanto, se queremos uma sociedade justa e igualitária, em que todas as pessoas tenham valor igual e direitos iguais, devemos reavaliar a maneira como se age nas escolas, de forma a proporcionar aos alunos com deficiência as oportunidades e as habilidades para participar na nova sociedade que está a surgir (Stainback & Stainback, 1999).

 

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excerto da Monografia:
Integração de Alunos com Necessidades Educativas Especiais no Ensino Regular: Um Estudo de Caso
autor: Paulo Coelho
Departamento de Educação Física e Desporto
Universidade da Madeira

 

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13.Nov.2013
publicado por MJA