Ana Sofia Melo das Neves

La Couleur Aveugle - Sophie Calle, 1993
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Resumo | A presente dissertação -
ARQUITETURA PARA INVISUAIS: A Experiência Estética da Habitação - pretende refletir sobre como é possível
construir uma experiência estética para um invisual. Tendo em
conta que vivemos rodeados de espaços construídos e de objetos
físicos, é imperativo perceber se a relação que temos com os mesmos
enfraquece significativamente na supressão da visão, ou se, pelo
contrário, esta relação se torna apenas diferente. Neste sentido, este
tema é analisado no presente trabalho com o intuito de despertar no
arquiteto a sua intrínseca, mas suprimida, consciência relativamente
ao mesmo. Posto isto, enfatiza-se a necessidade de pensar sobre o que
é a experiência estética e o que se altera na perceção da Arquitetura
quando a visão deixa de existir. Decorrente desta ideia, são explorados
quatro componentes da experiência: três sentidos não-visuais - ou seja,
o tato, a audição e o olfato – e o movimento do corpo no espaço.
Como outras formas artísticas os exploraram de forma mais assertiva
que a Arquitetura - como a Escultura e a Arte Performativa - recorrese
às mesmas para compreender a influência destes componentes
na experiência estética. Por fim, eles são analisados em três projetos
destinados a invisuais, com o intuito de compreender como podem
ser aplicados na Arquitetura. A investigação teórica e a análise prática
destes projetos tem como fim a elaboração de um projeto de uma
habitação unifamiliar para um invisual e respetiva família.
I. Como é que se constrói uma
experiência estética para um invisual?
1.1 A Experiência Estética e a Teoria
da Arquitetura
Dado o seu caráter existencial, a experiência da Arquitetura
pode ser analisada sob várias perspetivas: filosóficas, culturais,
psicológicas, antropológicas, sociológicas, estéticas, entre outras.
Porém, levanta-se a questão se é possível descrever uma experiência
em condições meramente arquitetónicas. Alguns autores
fenomenológicos tentaram dar resposta a esta questão.
Em 1948, foi publicada a primeira edição do livro
Saper vedere
l’architettura (Saber ver a arquitetura), do arquiteto e crítico italiano
Bruno Zevi. Podemos considerar que o título do livro parece afirmar
a importância da perceção visual na apreciação da Arquitetura, mas o
conteúdo revela o interesse da parte do autor em compreender a
espacialidade, enquanto o vazio criado pelos elementos materiais da
Arquitetura. O parágrafo seguinte expressa precisamente isso:
A definição mais precisa que se pode dar hoje sobre a Arquitetura
é aquela que tem em conta o espaço interior. A Arquitetura bela, será
a Arquitetura que tem um espaço interno que nos atrai, nos eleva, nos
subjuga espiritualmente; a Arquitetura “feia” será aquela que tem um
espaço interno que nos incomoda e nos repele. Mas o importante é
estabelecer que tudo o que não tem espaço interno não é Arquitetura.1
Quando Zevi escreve sobre aquilo que [...] nos atrai, nos eleva, nos subjuga
espiritualmente [...] nos incomoda e nos repele, o historiador
refere-se indiretamente à experiência arquitetónica. Porém, a
palavra experiência é empregada várias vezes ao longo do texto.
Uma referência muito concreta pode ser encontrada no parágrafo
seguinte:
Quem se quiser iniciar no estudo da Arquitetura tem, antes
de mais, que compreender que uma planta pode ser asbtratamente
bela [...] e, apesar disso, o edifício pode ser arquitetonicamente
pobre. O espaço interno, aquele espaço que [...] não pode ser
representado completamente de forma nenhuma, nem apreendido
nem vivido senão através da experiência direta, é o protagonista do
feito arquitetónico. Apropriar-se do espaço, saber vê-lo, constitui a
chave de entrada para a compreensão dos edifícios. 2
Desta forma, torna-se evidente que, para Zevi, o espaço
arquitetónico só pode ser apreendido através da experiência direta.
Neste sentido, o autor revela-se contraditório nas suas asserções;
tendo em conta que o espaço é o protagonista da Arquitetura, Zevi
devia falar em sentir o espaço e não em vê-lo. O historiador parece
privilegiar a perceção visual em relação a outros componentes da
experiência arquitetónica, uma suspeita que pode ser sustentada pelo
facto de a visão perspetiva das três dimensões ser um dos seus pontos
de apoio. Mas esta visão tem que estar associada a um movimento,
um deslocamento do corpo no espaço. A este respeito, Zevi fala
sobre como um pintor cubista representou vários pontos de vista da
mesma caixa, permitindo que se percebe-se não só a totalidade da
sua forma externa, mas também a sua constituição interna. Posto isto,
Zevi defende que
[...] a realidade do objeto não se esgota nas três dimensões
da perspetiva; para representá-la integralmente, teria que fazer-se
uma quantidade infinita de perspetivas a partir de infinitos pontos
de vista. Há, portanto, outro elemento,
além das três dimensões
tradicionais, e é precisamente o deslocamento sucessivo do ângulo
visual. Assim, foi batizado o tempo de “quarta dimensão”. 3
O deslocamento do ângulo visual, a que Zevi se refere, implica movimento
corporal e a experiência direta da Arquitetura, porque
um corpo em movimento tem uma percepção totalmente diferente
de um corpo imóvel. Desta forma, Zevi associa este deslocamento
ao tempo, ou seja, à duração da vivência do espaço e assume-a como
quarta dimensão. A este respeito, Zevi refere que:
[...] toda a obra de Arquitetura, para ser compreendida e
vivida, requer tempo, [...] a quarta dimensão.
Resumidamente, Zevi destaca o espaço como componente
principal da Arquitetura e consequentemente da experiência da
mesma. Entende por espaço, o vazio que resulta da construção da
Arquitetura, quer seja uma rua ou um recinto. Privilegia o papel da
visão, ou seja, da imagem como agente dessa experiência, que só é
possível graças à mudança de pontos de vista. Posto isto, podemos
concluir que Zevi considera que a experiência da Arquitetura é
uma experiência visual dinâmica da espacialidade, especificamente
do espaço interior ou vazio da Arquitetura. Mas nisto reconhece
implicitamente o papel do corpo na construção da experiência.
O arquiteto e teórico norueguês Christian Norberg-Schulz
tratou em vários dos seus livros o tema da experiência arquitetónica,
a partir da noção do espaço existencial, ao qual atribui um papel
preponderante. A primeira frase do capítulo The system of spaces, do
livro Existence, Space & Architecture (1971), é ilustrativo desta noção.
O interesse do Homem no espaço tem raízes existenciais.
Decorre de uma necessidade de compreender as relações vitais
no seu ambiente, de atribuir significado e ordem a um mundo
de eventos e ações. Basicamente, o Homem orienta-se para os
“objetos”, ou seja, ele adapta-se fisiologicamente e tecnologicamente
às coisas físicas, interage com outras pessoas, e agarra as realidades
abstratas, ou “significados”, que são transmitidos através das várias
línguas criadas para o propósito da comunicação. 4
Após uma revisão de carácter histórico no âmbito de diferentes
disciplinas - como a Filosofia e a Geometria -, Norberg-Schulz
concluiu que até ao momento podiamos dividir o conceito de
espaço em cinco categorias diferentes:
[...] O espaço pragmático da ação física, o espaço percetivo
da orientação imediata, o espaço existencial que forma a imagem
estável que o Homem tem do seu ambiente, o espaço cognitivo
do mundo físico e o espaço abstracto das relações lógicas puras.
O espaço pragmático integra o Homem no seu ambiente natural
e “orgânico”, o espaço percetivo é essencial para a sua identidade
como pessoa, o espaço existencial faz com que ele pertença a uma
totalidade social e cultural, o espaço cognitivo significa que ele é
capaz de pensar sobre o espaço, e o espaço lógico, finalmente, oferece
a ferramenta para descrever os outros. A série mostra uma abstração
crescente desde o espaço pragmático, no nível “mais baixo”,
até ao espaço lógico, no topo, ou seja, um conteúdo crescente de
“informação”. [...] desta forma, a série é controlada a partir da
parte superior, enquanto a sua energia vital surge a partir do fundo. 5
Esta hierarquia de tipos de espaço torna-se cada vez mais
abstrata, desde o espaço pragmático, que se localiza no nível mais
baixo e que integra o Homem no seu ambiente natural, até ao
espaço lógico, que se localiza no topo e serve como ferramenta para
descrever os outros. Entre ambos, encontra-se o espaço percetivo,
que lhe permite orientar-se e é extremamente importante para a
formação da sua personalidade, o espaço existencial, que lhe permite
integrar-se socialmente e culturalmente, e o espaço cognitivo, que
lhe permite pensar sobre o mesmo. A estes cinco, Norberg-Schulz
acrescentou outra categoria espacial, que está acima do espaço
cognitivo na hierarquia.
Porém, um aspeto básico ainda está omitido. Desde tempos
remotos, o Homem não agiu apenas no espaço, espaço perceptível,
ele existiu no espaço e pensou no espaço, mas ele também criou
espaço para expressar a estrutura do seu mundo como uma “imago
mundi” real. Podemos chamar a esta criação, espaço expressivo ou
artístico, e o seu lugar na hierarquia é ao pé do topo, juntamente
com o espaço cognitivo. Assim como o espaço cognitivo, o espaço
expressivo precisa de uma construção mais abstrata para a sua
descrição, um conceito de espaço que sistematiza as propriedades
possíveis dos espaços expressivos. Podemos apelidá-lo de espaço
“estético”.A criação do espaço expressivo tem sido desde sempre tarefa de
pessoas especializadas, ou seja, construtores, arquitetos
e urbanistas, enquanto o espaço estético tem sido estudado pelos
críticos arquitetónicos e pelos filósofos. 6
Norberg-Schulz definiu uma grande amplitude de experiências
do mundo físico, desde a pura ação até à pura abstração e à estética.
A importância que atribui ao espaço existencial é justificada
posteriormente na ideia de que o espaço arquitetónico [...] pode ser
definido como uma concretização do espaço existencial do Homem.7
Apesar de tanto Zevi como Norberg-Schulz definirem a
arquitetura como a arte do espaço, o último considera que Zevi não
define a natureza do espaço de que fala.8
Em 1959, foi publicada a segunda edição, em inglês, do livro
Experiencing Architecture do arquitecto Steen Eiler Rasmussen. A
utilização do verbo experiencing em vez de um substantivo experience
revela uma mudança significativa no conteúdo do livro, porque
qualifica-se a experiência não como um acontecimento singular, mas
como uma ação. O objetivo de Rasmussen é fornecer aos leitores
uma ampla série de instrumentos que lhes permitam compreender
e apreciar a Arquitetura. Ele enumera e descreve as propriedades
arquitetónicas que se experimentam ao estar presente nela, ao
percorrê-la e ao analisá-la: os sólidos e os vazios, os planos de cor, a
escala e a proporção, o ritmo, as texturas, a luz do dia, a cor e o som.
O seguinte parágrafo é ilustrativo desta ideia:
Compreender a Arquitetura, desta forma, não é o mesmo
que ser capaz de determinar o estilo de um edifício através de
determinadas características exteriores. Não é suficiente ver a
Arquitetura; devemos experimentá-la. Devemos observar como
ela foi projetada para um propósito especial e como ela está em
sintonia com todo o conceito e ritmo de uma época específica.
Devemos habitar as suas salas, sentir como elas se fecham em
si, observar como somos naturalmente levados de umas para
a outras. Devemos estar cientes dos efeitos texturais, descobrir
porque é que apenas aquelas cores foram usadas, como a escolha
dependeu da orientação das salas em relação às janelas e ao sol.
Dois apartamentos, um por cima do outro, com salas exatamente
com as mesmas dimensões e com as mesmas aberturas, podem ser completamente
diferentes simplesmente por causa das cortinas, do
papel de parede e do mobiliário. Devemos experimentar o que as
grandes diferenças acústicas fazem na nossa conceção do espaço: a
maneira como o som atua na enorme catedral, com os seus ecos e as
suas reverberações de tons longos, comparativamente à pequena sala
com painéis, acolchoada com tapeçarias, tapetes e almofadas.9
Neste parágrafo, Rasmussen define muitos aspetos interessantes
na experiência da Arquitetura, nomeadamente a observação das
suas propriedades e a consciência de alguns aspetos, como a luz e o
som. Da mesma forma, existe ao longo do texto um ênfase notório
nas propriedades percetivas da Arquitetura, fortemente marcado
pelas sensações produzidas por massas e planos construídos. Porém,
Rasmussen parece centrar a experiência nas sensações e ignorar a
importância de outras dimensões da mesma, principalmente aquelas
que são derivadas dos afectos, das vivências e da memória.
As propostas de Zevi, Norbert-Schulz e Rasmussen, ainda que
válidas, instruem o leitor sobre os aspetos que deve compreender
sobre as propriedades da arquitetura quando a experimenta, mas não
investigam as consequências dessa mesma experiência.
De acordo com Alberto Saldarriaga Roa, em
La Arquitectura
como experiencia: espacio, cuerpo y sensibilidade (2002), a leitura dos
livros de Zevi e Rasmussen orienta a compreensão da arquitetura em
si mesma, como objecto capaz de ser apreendido sensorial e intelectualmente,
mas não aprofunda aquilo que o sujeito experimenta quando encontra um
espaço arquitectónico. 10
Segundo Roa, a Arte tem sido assumida como um meio de
representação do irrepresentável. Além disso, considera-se, juntamente com
a Ciência, uma das máximas criações do intelecto humano. Mas a Arte é
também uma categoria de mercado e um rótulo inerente a algumas obras,
independe da sua experiência. A experiência estética nem sempre é de ordem
artística, a sensação de agrado ou de prazer é de ordem omnívora, abarca
muitos campos. É o mundo do agrado, do prazer e este mundo é ilimitado.11
Neste sentido, Roa apoia-se no livro do filósofo francês Gaston
Bachelard, Le Poétique de L’ Espace ( 1958). De acordo com Roa, existem dois
temas centrais no livro de Bachelard: a imaginação poética
e a presença da imagem. A imagem é, em certa medida, uma síntese
da experiência, aquilo que fica quando tudo acaba.12 Quando menciona
uma imagem, Bachelard não se refere a uma imagem singular mas a
uma construção de imagens. Posto isto, a experiência da Arquitetura
tem dois momentos significativos, o da vivência e o da imagem dessa
vivência que fica retida na memória. Enquanto o primeiro requer
presença física e movimento corporal, o segundo requer afastamento
e atividade mental. Ou seja, a experiência, no momento da vivência,
invoca sensações, memórias, imaginação e emoções. Não consiste
apenas em ser vivida; a experiência consiste em reunir num
momento tudo aquilo que é importante para quem experimenta.
Baseado na leitura do livro de Bachelard, Roa conclui que
se
existem dois tipos de experiência estética, a distraída e a consciente, pode
então pensar-se em dois tipos de imagem, uma que é o fundo, e uma que é
a forma da experiência. Na primeira, há representações habituais, imagens
familiares que não requerem atenção. A segunda refere-se a tudo aquilo que
constitui a experiência consciente das circunstâncias, da atmosfera, das formas,
das nuances de um lugar. É algo, ao mesmo tempo, sensual e intelectual. Não
é um simples exercício de um hábito, é o prazer do momento.13
Apesar de todos os livros mencionados anteriormente tratarem
questões importantes, fornecerem hipóteses de definição de
experiência estética e facultarem informações sobre como devemos
interagir com a Arquitetura, nenhum deles define se a experiência
estética pode ser considerada um acontecimento de ordem afetiva
ou intelectual. Para clarificar esta questão, tornou-se necessário
recorrer a uma fonte documental de natureza não-arquitetónica:
o livro Art as Experience (1934), da autoria do filósofo e pedagogo
norte-americano John Dewey.
Ao longo do livro, Dewey apresenta de forma detalhada a sua
conceção de experiência artística, da qual se podem retirar alguns
elementos para descortinar a experiência da Arquitetura. Uma das
suas primeiras e maiores contribuições encontra-se no seguinte
parágrafo, onde o autor define e caracteriza a experiência.
A experiência, na medida em que é experimentada, é
vitalidade elevada. Em vez de significar encerramento dentro das próprias
sensações e dos sentimentos, significa um comércio ativo e
alerta em relação ao mundo; significa [...] completa interpenetração
entre mim e o mundo dos objetos e dos acontecimentos. Em vez de
significar submissão ao capricho e à desordem, proporciona a nossa
única demonstração de uma estabilidade que não é estagnação, mas
ritmo e desenvolvimento. Tendo em conta que a experiência é a
realização de um organismo nas suas lutas e conquistas dentro de
um mundo de coisas, é arte em germe. Mesmo nas suas formas
rudimentares, contém a promessa dessa perceção deliciosa que é a
experiência estética.14
Recorrendo a esta ideia de que a experiência significa uma
completa interpenetração entre mim e o mundo dos objetos, podemos
assumir que a experiência da Arquitetura é uma interpenetração
entre o Ser Humano e o ambiente construído. A ideia do comércio
ativo e alerta em relação ao mundo permite descrever esta relação entre
ambos, no plano do consciente. Da mesma maneira, a sugestão de
Dewey de uma presença latente da experiência estética em toda
a experiência humana, pode ser transportada para o campo da
experiência da Arquitetura.
Segundo Dewey, a experiência arquitetónica deve ser
compreendida como um todo; ou seja, para o autor, não é possível
diferenciar uma experiência puramente emocional, intelectual
ou prática. No momento em que acontece, a experiência deve ser
considerada um fenómeno unificado pela emoção. Os seus caracteres
prático e intelectual contribuem apenas para lhe dar sentido, mas é a
parte afetiva que a torna uma totalidade.15
Além disso, Dewey considera que todas as experiências têm uma
forma, que se inicia, desenvolve e completa. Têm uma organização
dinâmica e crescente, e consequentemente necessitam de tempo para
se completarem. A experiência acontece, portanto, quando existe
uma interação entre esta organização dinâmica e a memória, que
Dewey refere como uma experiência anterior.16
Todas estas formulações discutem ideias úteis, como a relevância do
deslocamento do corpo e da memória para o decorrer de uma experiência.
No entanto, não respondem a algumas questões importantes para
compreender o espaço não-visual da Arquitetura. Na supressão da visão, o que se
altera na perceção de um espaço? Quais os elementos que
podemos trabalhar para estimular uma experiência arquitetónica num
invisual? Será que ainda podemos contar com as memórias visuais ou,
pelo contrário, elas deixam de existir? Para responder a estas questões,
na secção seguinte estão presentes relatos autobiográficos de autores que
ficaram cegos, nos quais descrevem experiências do quotidiano.
1.2 A Experiência Estética e a Literatura por Invisuais
«Despojaram-no do mundo diverso
Dos rostos, que não são o que eram antes. Das ruas próximas, hoje distantes,
E do côncavo azul, ontem profundo.
Dos livros, guarda apenas o que lhe deixa
A memória, essa forma de esquecimento Que retém o formato, o sentido,
E os meros títulos que reflete.
O desnível aproxima-se. Cada passo
Pode ser uma queda. Sou o lento Prisioneiro de um tempo sonolento.»
Jorge Luís Borges, excerto do poema «El ciego», em Antología Poética 1923-1977
(Madrid: Alianza Editorial, 2004).
John Hull,17 apesar de não ser um crítico de Arquitetura,
escreveu obras que são essenciais para compreender o tema
abordado, devido à detalhada descrição fenomenológica do
ambiente construído que contêm. O que Hull acrescenta ao
nosso conhecimento sobre a Arquitetura multissensorial, são as
informações que nos fornece do ponto de vista de um invisual.
Nos livros Touching the Rock (1990) e
On Sight and Insight (1997),
Hull fornece-nos relatos autobiográficos do processo da cegueira e
como isso alterou a sua perceção do ambiente construído. Apesar do
autor não rotular explicitamente desta forma este processo, a maneira
como analisa a transição de perda da visão até ficar completamente
cego assemelha-se a uma análise fenomenológica. As suas descrições
altamente detalhadas da experiência desta mudança tomam tanto o
seu corpo como o ambiente em consideração.18
No livro Touching the Rock, Hull descreve como a perda de uma
das suas modalidades sensoriais mudou a sua perceção do mundo,
passo por passo. Com 18 anos, perdeu a visão num dos olhos; 30
anos mais tarde, depois de um processo gradual de perda da visão no
outro olho, ficou completamente cego. Mas, mesmo na época que já não conseguia
distinguir nenhuma luz, Hull não se considerava cego,
mas uma pessoa com visão que não pode ver. Nos primeiros anos, as
memórias visuais de lugares que visitou e de pessoas que conheceu,
formavam uma grande parte da sua experiência quando revisitava
esses mesmos sítios e encontrava essas mesmas pessoas. Mas ao longo
do tempo, essas memórias desapareceram e outras começaram a
surgir. Como ele descreve no livro,
[As memórias de um adulto cego]
focam-se no que o seu
corpo experimentou, ou foi submetido. Isto é muito diferente de uma
memória visual, porque o corpo não sente o que o olho vê. 19
O seu corpo mudou, mas ainda tinha que aprender a interagir
com o ambiente que o rodeava, que no processo também se
alterou. Este processo de aprendizagem precisa de tempo, o tempo
que Hull precisava para se tornar cego. As alterações no corpo
de Hull, e também na maneira como ele percebia o ambiente,
não se resumiram apenas à perda gradual da visão, mas também à
incorporação gradual da bengala.
É normal as pessoas considerarem uma bengala branca uma
espécie de bengala normal. Ela é vista como algo que dá apoio.
Não é imediatamente considerada um instrumento de perceção
sensorial, uma maneira de reunir informações sobre o mundo. 20
O processo de aprendizagem, consequente da perda da visão,
foi uma reação às alterações que o seu corpo sofreu, mas o mundo
que o rodeava parecia também ter-se alterado. Uma grande parte
dele, a parte visual, simplesmente desapareceu. Não é como se de
repente se tivessem apagado as luzes; ele simplesmente desapareceu.
Quando uma pessoa que vê fecha os olhos, os objetos que compõem
a sua realidade visual ainda estão presentes na memória dessa pessoa.
Para Hull, esses objetos desapareceram e outros surgiram; ou então a
perceção que tinha dos mesmos objetos é que mudou. Por exemplo,
relativamente à temperatura do ambiente, ele refere que:
O vento tomou o lugar do sol, e um bom dia é um dia
quando há uma brisa suave. Isto reaviva todos os sons no ambiente. 21
As qualidades aurais e tácteis começaram a compor o seu
mundo. Mas foi novamente necessário algum tempo para aprender
a perceber este novo mundo e toda a sua potencialidade. No início,
a grande variedade de sensações visuais em locais diferentes - mais
concretamente em espaços de escritório - aparentemente não
traduzia a mesma variedade no que diz respeito às qualidades tácteis
e aurais. Mais tarde, Hull descobriu que certos lugares causavamlhe
uma impressão mais marcante, como podemos verificar na
detalhada descrição de uma obra que visitou. Nesta descrição, ele
menciona os sons dos passos, o vento que sentiu na pele, o caminho
que percorreu, as dimensões do local, os corrimões que tocou, etc.
Quanto mais Hull aprendia sobre este novo mundo, mais facilmente
conseguia distinguir locais diferentes e até mesmo julgar se estes
eram agradáveis, como ele resume numa das secções posteriores
intitulada O toque é bonito.22
A cegueira de Hull mudou um aspeto muito importante do
mundo que o rodeava: o seu tamanho. A maior parte do seu mundo
era composto por aquilo que estava ao alcance do seu corpo, quer
isto inclua a bengala ou não. Através do seu sentido háptico, ele
ainda conseguia olhar para as coisas, com a ajuda das memórias das
suas posições anteriores. Apesar de dentro de um ambiente sonoro,
Hull ainda conseguir focar a sua atenção em padrões sonoros dentro
do todo, quando os objetos paravam de emitir sons - porque o
vento parava ou porque ele parava de andar e de fazer sons com
a bengala e os sapatos - eles pareciam desaparecer. Cada ponto era
um ponto de atividade. Onde nada acontecia, havia silêncio. Então, essa
pequena parte do mundo morria, desaparecia.23 Portanto, a chuva revela a
parte auditiva do mundo de uma forma que lembra o mundo visual,
de acordo com Hull. O som que as gotas de água fazem cria uma
paisagem sonora, na qual cada objeto tem o seu contorno e posição
específicos, todos ao mesmo tempo.
Para resumir, Hull comparou o processo temporal de perder a
visão a um bolo:
Não devemos pensar na vida de uma pessoa cega como um
bolo, que teve uma fatia retirada. Em vez disso, é como um pequeno bolo. A
experiência mantém-se intacta, apesar de o âmbito da
atividade se ter tornado de várias formais mais pequeno. 24
Apesar de inicialmente experimentarem um grande sentimento
de perda quando ficam cegos, algumas pessoas, como Hull,
descobriram uma grande força criativa e identidade na cegueira. Por
exemplo,
John Milton,25 que começou a ficar cego por causa de um
glaucoma aos 13 anos, produziu a sua belíssima poesia depois de ter
ficado completamente cego, doze anos depois. Milton fez reflexões
muito interessantes sobre a cegueira e a forma como a perda da visão
exterior pode fazer surgir uma visão interior, em Paradise lost: a poem
written in ten books (1667), em Samson Agonistes (1671), e num soneto
muito pessoal,
On His Blindness (1974).
Jorge Luís Borges, outro poeta que ficou cego, escreveu sobre
os efeitos variados e paradoxais da sua própria cegueira; também
se questionou como teria sido para Homero, que, de acordo com
a imaginação de Borges, perdeu o mundo visual mas ganhou uma
noção muito mais profunda da passagem do tempo e, com isto, um
poder épico sem precedentes.
No
Poema de los Dones (1958), Borges relata a experiência de
andar na Biblioteca Nacional da República da Argentina, depois de
ter ficado cego.
Este poema é particularmente importante na obra de Borges.
Como assumiu na palestra pública
La Ceguera (1977), durante a sua
vida recebeu várias menções honrosas, mas a que o deixou mais
feliz foi ser nomeado diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.26
Nesse mesmo ano, por ironia do destino, o médico informou-o
que ele ficaria completamente cego, o que o iria impedir de voltar
a ler e escrever sozinho. A quadra mais importante do poema é
aquela em que ele se dirige a Deus e diz que [...] esta declaração da
maestria / de Deus, que com magnífica ironia / deu-me a um só tempo
os livros e a noite.27 Apesar de o discurso de Borges ser marcado por
um negativismo relativamente à sua situação, é bastante elucidativo
para o leitor sobre a experiência de conhecer novamente o que para
Borges já era familiar.
Jacques Lusseyran foi um soldado da Resistência Francesa
cujas memórias, compiladas em
And There Was Light (1963), relatam
maioritariamente as suas experiências na luta contra os Nazis e
mais tarde em Buchenwald, mas também incluem várias descrições
sobre a sua adaptação à cegueira. Lusseyran ficou cego num acidente
quando tinha oito anos, uma idade que ele sentiu ser ideal para esta
eventualidade, porque, apesar de ele já ter uma experiência visual
muito rica, os hábitos de um rapaz de oito anos ainda não estão formados,
nem o seu corpo nem a sua mente. O seu corpo é infinitamente flexível.28
Lusseyran relata como rapidamente começou a perder as
memórias visuais no seguinte parágrafo.
Pouco tempo depois de ter ficado cego, esqueci-me das caras da
minha mãe e do meu pai e das caras da maior parte das pessoas
que amava… Deixei de me preocupar se as pessoas eram morenas
ou loiras, com olhos azuis ou verdes. Senti que as pessoas que viam
perdiam demasiado tempo a observar estas coisas vazias… Eu já
nem pensava nelas. As pessoas parecem já não as possuir. Ás vezes,
na minha mente, os homens e as mulheres apareciam sem cabeças
ou dedos. 29
Esta descrição é muito semelhante a uma feita por Hull, que
escreveu,
Cada vez mais, não tento nem imaginar como as pessoas
se parecem… Estou a achar cada vez mais difícil perceber que as
pessoas se parecem com nada, atribuir algum significado à ideia de
que elas têm uma aparência.30
Porém, quando começou a abandonar o mundo visual e as suas
várias categorias, Lusseyran começou a construir e a usar um mundo
visual imaginário. Posto isto, ele começou a considerar-se um cego visual.
A experiência de
Hull e de
Borges, de completa cegueira,
diferem muito da experiência de Milton e de
Lusseyran, que
conseguiram construir um mundo visual interior, no qual estavam
presentes uma sensação de luz, radiação e forma. A explicação para
este fenómeno pode ser encontrada no córtex visual - o olho interior - que pode
ter sido ativado, de forma a construir uma tela na qual
eles projetam o que pensam e desejam ver.31
Através da leitura destes relatos, podemos concluir que, durante
os primeiros anos de cegueira, as memórias visuais ainda têm um
grande impacto na experiência de um lugar conhecido. Porém,
essas memórias vão desaparecendo e dando lugar a outras que
se relacionam com o corpo, como Hull refere.32 É assumido pelos
autores que à medida que o tempo passa, o conceito de aparência
deixa de existir. A supressão gradual da visão permite que seja dada
uma maior atenção aos outros sentidos, e consequentemente aos
elementos naturais também. O tato é assumido como o sentido
mais importante para reunir informações sobre o mundo, e neste
sentido a bengala torna-se uma ferramenta essencial. A audição, por
sua vez, permite que os invisuais tenham uma noção tridimensional
do espaço. O som dos passos, das atividades diárias e dos elementos
naturais permitem que o invisual construa um mapa mental sobre o
espaço. Na ausência de som, esta construção é impensável.
Após a leitura de hipóteses de caracterização de experiência
estética - escritas por autores fenomenológicos - e de relatos
autobiográficos de escritores cegos, podemos concluir que os
principais componentes da experiência estética dos invisuais: os três
sentidos não-visuais - o tato, o olfato, a audição - e o movimento do
corpo no espaço.
Posto isto, nas seguintes secções, estes componentes vão ser
explorados a partir de outros âmbitos disciplinares -como a Escultura,
a Arte Performativa, a Pintura e a Fotografia- porque estas áreas
exploraram a questão dos sentidos não-visuais e do deslocamento do
corpo de forma mais assertiva que a Arquitetura. Esta investigação
pode contribuir para compreender posteriormente a relação destes
elementos com a experiência estética da Arquitetura.
- NOTAS (1)
1 Bruno Zevi, Saber ver la arquitectura (Buenos Aires: Poseidón Editora, 1951),
pág. 26.
-
2 Ibid., pág. 20.
-
3 Ibid., pág. 24.
-
4 Christian Norberg-Schulz, Existence, Space & Architecture, Praeger Paperbacks
(Nova Iorque:
Third Printing, 1974), pág. 9.
-
5 Ibid., pág. 11.
-
6 Ibid.
-
7 Ibid., pág. 12.
-
8 Ibid., pág. 12.
-
9 Steen Eiler Rasmussen, Experiencing Architecture, MIT Press (Cambridge: Twenty
Seventh
Printing, 1999), pág. 33.
-
10 Alberto Saldarriaga Roa, La Arquitectura como experiencia: espacio, cuerpo y
sensibilidad
(Universidade Nacional da Colômbia, 2002), pág. 45.
-
11 Ibid., pág. 54.
-
12 Ibid., pág. 62.
-
13 Ibid., pág. 63.
-
14 John Dewey, El Arte como Experiencia (México: Fondo de
Cultura Económica, 1949)
-
15 Ibid., pág. 51.
-
16 Ibid., pág. 52.
-
17 John Hull foi um professor da Universidade de Birmingham e autor de uma série
de
livros no âmbito da educação religiosa, que ficou cego durante a sua carreira.
-
18 O livro de Hull também discute o impacto que a cegueira teve na sua vida
pessoal e
as consequências teológicas de tornar-se cego, mas estas não são muito
importantes para a
presente dissertação.
-
19 John M. Hull, Touching the rock. An experience of blindness (Reino Unido: The
Sheldon
Press, 1990), pág. 138.
-
20 Ibid., pág. 38.
-
21 Ibid., pág. 16.
-
22 Ibid., pág. 175.
-
23 Ibid., pág. 82.
-
24 John M. Hull, On Sight and Insight: a Journey into the World of Blindness
(Oxford: Oneworld
Publications, 1997), pág. xii.
-
25 John Milton foi um importante poeta e ministro das Línguas Estrangeiras da
Comunidade
de Inglaterra, um governo republicano que exerceu o poder no Reino Unido entre
1649 e
1660.
-
26 Jorge Luís Borges, «Blindness», em Seven Nights, trad. Eliot Weinberger (Nova
Iorque: New
Directions, 1984), pág. 109–110.
-
27 Jorge Luís Borges, Poesía, trad. Josely Vianna Baptista (São Paulo: Companhia
das Letras, 2009).
-
28 Oliver Sacks, «The Mind’s Eye: What the Blind See», The New Yorker, Julho de
2013, pág.
214.
-
29 Ibid.
-
30 Ibid.
-
31 Ibid., pág. 215.
-
32 As memórias que Hull menciona não são muito desenvolvidas em nenhum dos
livros,
deixando em suspenso várias questões sobre as mesmas.
«A pele lê a textura, o peso, a densidade e a
temperatura da matéria. A superfície de um objecto antigo,
polido até à perfeição pela ferramenta do artesão e pelas
mãos assíduas dos seus utilizadores, seduz a caricia da mão.
[...] A maçaneta é o aperto de mão do edifício. O sentido
táctil conecta-nos com o tempo e a tradição: através das
impressões tácteis, apertamos a mão a inúmeras gerações.»
Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the
Senses, pág. 58.
O filósofo irlandês do século XVIII, George Berkeley, foi um
dos primeiros autores a relacionar a visão ao toque. Ele acreditava
que o tato é o inconsciente da visão, porque lhe fornece informação
tridimensional sobre os corpos materiais.
A visão precisa da ajuda do toque, que fornece sensações
de solidez, resistência e saliência; a visão, separada do toque,
não conseguia ter nenhuma noção nem de distância, nem de
exterioridade, nem de profundidade, e consequentemente, nem de
espaço nem de corpo. 1
À semelhança de Berkeley, alguns autores consideram que
a visão e o tato têm uma relação muito próxima. Outros, como
Juhani Pallasmaa, consideram que todos os sentidos, incluindo a visão,
são extensões do tato [...], porque a pele é considerada o maior órgão do
corpo humano e em todos os pontos tem a capacidade de sentir na sua
totalidade. 2
Para a maioria das pessoas, as experiências tácteis são
experiências secundárias, porque estabelecem contato visual antes do
contato material. No caso dos invisuais, na ausência da visão, o tatotorna-se a
fonte primária de informação.
Apesar de podermos considerar que as mãos são os olhos dos
cegos, segundo John Hull, existe uma diferença crucial entre a visão
e o tato, que reside no facto de o espaço visual ser experimentado
todo ao mesmo tempo, enquanto o espaço táctil é experimentado
aos poucos.3
Apesar de os cegos não conseguirem sentir a Arquitetura como
um todo, conseguem ter muito mais noção dos pormenores que
compõem esse todo, através do tato. No livro On Sight and Insight:
A Journey into the World of Blindness, Hull descreve a visita a uma
catedral que ilustra muito bem esta ideia.
Numa catedral, tenho muito pouca noção da Arquitetura
como um todo. As janelas, o rendilhado dos tetos, a proporção geral
dos pilares, tudo isso perde-se. Apenas dêem-me alguns minutos
para explorar com os meus dedos alguns dos entalhes na tela ou
percorrer com as palmas das minhas mãos a rugosidade da pedra,
e notar as diferentes texturas e temperaturas e algo muito vívido
é recuperado. Não me devo contentar em apenas caminhar sobre
pavimentos, mas devo inclinar-me e explorar os azulejos ou as
linhas dos degraus de pedra com os meus dedos. É isso que me dá
uma sensação de conhecimento real.4
Apesar de as mãos serem a ferramenta mais importante para os
cegos conhecerem o espaço que os rodeia, o tato não se reduz às
mesmas. Na impossibilidade de as utilizar, os cegos utilizam outras
partes do corpo, como os pés, ou elementos que os auxiliem, como
a bengala. Os pés, particularmente quando estão descalços, são
uma importante fonte de informação sobre as características do
pavimento.
Em Plastik: Einige Wahrnehmungen über Form und Gestalt aus
Pygmalions bildendem Traume (Escultura: algumas observações sobre
a forma e a figura a partir do sonho plástico de Pigmalion, 1778),
Herder desafia a visão tradicional de que a beleza é restrita a objetos
que estimulam a visão, afirmando pelo contrário que há um conceito
específico de beleza acessível ao sentido do tato, que é muito diferente
do conceito de beleza relativo às coisas que são vistas. Utilizando o
exemplo da perceção de objetos pelos cegos, ele argumenta que estes têm um
genuíno fazer no toque bonito. 5
A importância do tato na experiência estética foi intensamente
discutida no século XX. Grande parte da arte deste período foi
muito influenciada pelas mudanças que se registaram no pensamento
filosófico e científico. Muitos pensadores e cientistas desta
época, como Friedrich Nietzsche e Albert Einstein, desafiaram a
possibilidade de conhecimento absoluto e objetivo. Começou a ser
discutida a insuficiência da experiência sensorial para a compreensão
dos fenómenos naturais e a predominância da visão em detrimento
de outros sentidos. Juntamente com os avanços tecnológicos na
gravação de som, na fotografia e no cinema - os quais ofereciam
novas perspetivas sobre o mundo – estas ideias levaram ao
alargamento da lacuna entre as representações novas e extremamente
realistas e as baseadas na experiência sensorial do quotidiano.
Como resposta, um conjunto de artistas visionários começou a
desenvolver novos vocabulários, altamente elaborados, que levaram
ao nascimento da intitulada arte abstrata ou não-figurativa. Na maioria
dos casos, estes vocabulários não eram apenas a translação da teoria
para uma linguagem visual, mas interpretações muito complexas
e criativas. Desta forma, o rótulo abstrato foi rejeitado por muitos
artistas que se dedicaram a estas investigações. Constantin Brancusi6
declarou que:
Eles são imbecis que declaram o meu trabalho abstracto; o que
eles chamam abstrato é o mais realista, porque o que é real não é a
forma exterior mas a ideia, a essência das coisas.7
Foram muito poucas as vezes que os artistas conceberam
formas tão sofisticadas para analisar a realidade. Neste sentido,
talvez seja pertinente considerar o pensamento pedagógico que
pode ter dado origem a estas ideias. A partir da segunda metade
do século XIX, as abordagens educativas e as metodologias
progressivas tornaram-se cada vez mais modernas, no seio das elites
intelectuais. Entre elas, é de particular interesse a do educador suíço
Johann Heinrich Pestalozzi. Inspirado no tratado de educação de Jean-Jacques
Rosseau,8 Émile (1762), Pestalozzi elaborou um sistema
pedagógico que encorajava a aprendizagem percetiva e as atividades
práticas, um sistema no qual a experiência táctil tinha um papel
muito importante. Durante todo o século XIX, estas ideias foram
desenvolvidas e popularizadas em toda a Europa por um grande
número de pedagogos, incluindo o alemão Friedrich Frobel. À
semelhança de Pestalozzi, Frobel acreditava que as experiências
visuais e tácteis tinham mais valor do que as formas de instrução
baseadas exclusivamente na linguagem. As teorias de Frobel também
desempenharam um papel muito importante na formação dos
sistemas de educação infantil que se seguiram. O Método Montessori,9
por exemplo, baseia-se na centralidade da aprendizagem sensorial e
atribuía grande valor à educação da mão.10
Algumas das figuras mais importantes da Arte e da Arquitetura
do início do século XX - como Vassily Kandinsky, Piet Mondrian,
Paul Klee, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright - foram educados
segundo estes princípios.11
Não é de estranhar, que com tantos e tão influentes artistas
educados a analisar a realidade através de vários métodos de
perceção, se tenha desenvolvido uma tendência que Martin Jay12
descreveu como anti-ocularcentrismo. 13
Foi dentro deste clima cultural que o papel do tato na
experiência estética adquiriu uma nova importância, inicialmente
como alternativa à visualidade pura. O início da década de 20 foi
muito marcado por esta nova abordagem artística.
Na Alemanha, László Moholy-Nagy14 estruturou o curso
preliminar da Bauhaus a partir da vontade de fornecer uma educação
profundamente sensorial, encorajando os alunos a utilizar o tato, a
audição e o olfato para experimentar formas e materiais.
Cada um dos sentidos com os quais registamos a posição dos
corpos, ajudam-nos a perceber o espaço. O espaço é compreendido
primeiro pelo sentido da visão. Esta experiência das relações visuais
dos corpos pode ser verificada através do movimento – alteração da
posição de uma pessoa – e através do tato.15
Em Itália, o Manifesto futurista sul tattilismo (Manifesto do
Tactilismo, 1921) de Filippo Tommaso Marinetti exaltava o papel do
toque devido ao seu valor intuitivo e psicológico, declarando-o tema
central do Futurismo pós-guerra. Para Marinetti,
[...] os fins do Tactilismo devem ser as harmonias tácteis,
simplesmente; e devem colaborar indiretamente para aperfeiçoar
a comunicação espiritual entre os seres humanos, através da
epiderme.16
O Dadaísmo e o Surrealismo também defenderam a inclusão
dos elementos tácteis na arte, atraídos pelo valor anti-retinal do
toque e pelas suas possibilidades eróticas. De facto, Francis Picaria
desafiou a reivindicação de Marinetti de ter inventado o Tactilismo,
e deu à escultora Edith Clifford Williams – cuja obra Plaster of
Touch (1915) ilustrou, em 1917, o único número do jornal dadaísta
Rongwrong - os créditos da sua invenção.
A Rongwrong foi uma das duas revistas de curta duração que
foram publicadas em 1917, em Nova Iorque, por Marcel Duchamp
e os seus amigos, Walter Arensberg, Henri-Pierre Roché e Beatrice
Wood. A outra revista foi publicada mais tarde, com o título Blind
Man. Os quatro artistas mencionados foram as principais figuras
do Dadaísmo norte-americano, e os assuntos cegueira e toque
tinham um particular interesse para eles. As questões relacionadas
com o aspeto visual da pintura eram, como é óbvio, importantes
para Duchamp. A partir dos ready-mades, o seu trabalho começou
a girar em torno da tensão entre presença e representação, com o
intuito de desafiar a centralidade da visão na experiência estética.
De facto, o gesto radical que envolvia os ready-mades baseava-se na
conceptualização do ato artístico, ou seja, retirava a obra de arte do
contexto puramente visual. De facto, Duchamp declarou que estava interessado em
ideias, não em produtos visuais, e que a sua intenção
era pôr a pintura ao serviço da mente.17 A sua rejeição relativamente ao
aspeto visual da obra de arte era tão grande que, durante uma parte
dos anos 20, abandonou a pintura e preferiu o xadrez.
Um dos colaboradores mais próximos de Duchamp era o
escultor romeno Constantin Brancusi. Conheceram-se em Paris,
em 1912, e ficaram amigos até à morte de Brancusi, em 1957. A
sua amizade foi fundada com base nos interesses artísticos que
tinham em comum. Nos anos 10 e 20, apesar de ainda ter algumas
reservas, Brancusi fez algumas declarações sobre o Dadaísmo, nas
quais revelava a sua simpatia pelo movimento. Na década de 20,
Duchamp tornou-se coproprietário de cerca de 30 esculturas do
escultor romeno e supervisionou a instalação de algumas das suas
exposições nos Estados Unidos. Apesar de não estar comprovado de
que é verdade, supõe-se que a escultura de Brancusi, Sculpture for
the Blind (1916), foi incluída na Primeira Exposição da Sociedade
dos Artistas Independentes, em 1917, no Grand Central Palace de
Nova Iorque. O único registo da presença da escultura na exposição
é da autoria de Henri-Pierre Roché,18 no qual ele menciona que a
obra foi mostrada dentro de um saco fechado com dois buracos semelhantes
a mangas para colocar as mãos... e que era uma “revelação para as mãos”,
independente do olho, apesar de a maioria das pessoas pensar que era uma
piada. 19
Embora no passado tenha sido sugerido que a escultura Sculpture
for the Blind era apenas uma versão alternativa para Beggining of the
World (1920), atualmente considera-se que Brancusi a considerava
uma obra de arte individual. O título escolhido por Brancusi
denuncia a sua vontade de associar as formas suaves e simples
da escultura à cegueira, e consequentemente à perceção táctil. É
importante notar que, apesar da familiaridade com o quase perfeito
ovóide Beggining of the World, a Sculpture for the Blind é uma peça
menos regular, uma vez que apresenta planos rasos que são quase invisíveis para
o olhar, mas muito notórios quando são tocados.
Anos mais tarde, fortemente influenciada pelo surrealismo,
primitivismo e por escultores modernistas como Constantin
Brancusi,20 surge Louise Bourgeois.
Para mim, a escultura é o meu corpo. O meu corpo é a escultura.21
A frequência com que esta frase aparece na literatura sobre
a escultora é um testemunho de que o corpo ocupa um lugar
crucial na arte de Bourgeois. Apesar de a escultura ser considerada
atualmente uma arte maioritariamente visual, a escultura de Louise
Bourgeois é profundamente táctil. Há pessoas que querem fazer mais do
que abordar um trabalho, reflete John Haber, uma e outra vez, as pessoas
querem tocar.22 A transição de Bourgeois da pintura para a escultura
reflete a necessidade que a autora tem em produzir obras de arte que
expressem uma realidade tangível. O que é importante para a artista
é o aspeto físico da escultura, ou seja, tanto o material, como o seu
carácter sensual e táctil, como a sua tridimensionalidade.
A escultura Blind Man’s Buff (1984) ecoa o esforço de Herder
de corrigir a primazia visual na experiência da escultura, ao
chamar a atenção para as propriedades tácteis do material utilizado
por Bourgeois. O título da obra refere-se ao jogo infantil com a
mesma designação, no qual um jogador vendado persegue os outros
jogadores, guiando-se apenas pelo som e pelo toque. A escultura
relembra a escultura de Brancusi, Sculpture for the Blind, mencionada
anteriormente. Embora as restrições dos museus nos impeçam de
tocar no Blind Man’s Buff, o contraste entre a superfície dura e fria
do mármore e a suavidade aparente das formas que germinam da
superfície da pedra parece transmitir uma sensação de movimento.
Enquanto ao tocar na escultura de Brancusi, a nossa atenção seria
dirigida para a forma do objeto, ao tocar na de Bourgeois, o grande
ênfase estaria na materialidade.
Esta concentração no aspecto táctil e motor da escultura resulta,
segundo as palavras de David Sylvester, numa imagem háptica; ou seja,
uma imagem, que embora seja abstrata, faz com que os corpos aparentem a maneira
como são sentidos.23 A fisicalidade da Blind Man’s Buff e a
sua qualidade sensual foram enfatizadas pela sua localização, um
pouco abaixo no nível dos olhos, o que requeria que o observador
se baixasse, convidando-o a uma visão mais próxima e íntima.
A preocupação de Bourgeois com a dimensão táctil da
escultura é mais evidente num trabalho do mesmo período, Untitled
(Fingers) (1986). Mais uma vez, a obra remete-nos para o trabalho
de Brancusi, particularmente para o seu polimento reflexivo do
bronze. Jason Geist afirma que o polimento de Brancusi relembra
o movimento da mão,24 mas que os seus bronzes altamente polidos
parecem expressar um pouco o desejo do artista de transcender a
materialidade e simultaneamente parecem negar a resposta táctil por
parte do observador - o mais leve toque iria embaciar a superfície
polida. Porém, no trabalho de Bourgeois, o contraste entre o bronze
polido e escuro e os dedos brilhantes, como Bourgeois os descreve,
apela claramente ao processo de tocar e acariciar o material. Untitled
(Fingers) apela a uma resposta táctil - mais uma vez enfatizada pelo
título, à semelhança de Blind Man’s Buff - e envolve o espetador
a nível físico. Geist concluiu sobre o trabalho de Brancusi que na
maioria dos casos a apalpação da escultura é apenas o voyeurismo das
mãos.25 Esta observação pode ser talvez um exagero relativamente à
escultura de Brancusi, mas parece aplicar-se à maioria da obra de
Bourgeois. Esta escultura revela a habilidade de Bourgeois para
explorar a matéria, para criar uma relação entre o objeto e a pessoa
que o apreende.
Apesar de até agora só terem sido mencionados trabalhos
executados em mármore e bronze - materiais que geralmente
são associados à escultura clássica e contêm conotações de beleza
ideal na arte – Bourgeois passou por um período de intensa
exploração de diferentes materiais na década de 60, entre os quais
podemos mencionar o gesso, a resina, o látex, o plástico e a cera.
Nas diferentes e numerosas Soft Landscapes deste período, ela fez
com que materiais maleáveis parecessem duros ao reter aspetos do seu
anterior estado líquido. Este uso do material como trompe l’oeil 26
prolonga-se até ao trabalho mais recente de Bourgeois, a sua série de esculturas
Echo (2007) que consiste em moldes de roupa e tecidos,
esticados e envoltos em várias formas, cobertos de bronze e pintados
posteriormente de branco. O bronze mimetiza na perfeição a textura
dos têxteis e a pintura de branco tem como intuito dissimular
o verdadeiro material utilizado e confundir as expectativas dos
utilizadores quando lhes tocassem. Mas talvez uma das obras mais
intrigantes de Bourgeois, na qual a artista brinca com as associações
tácteis do observador, é Seven in Bed (2011). A obra consiste numa
linha de bonecas, feitas a partir de pedaços de tecido cor-de-rosa
costurados e manchados, dispostas numa cama branca.
O tecido macio das bonecas carrega associações relativas ao
conforto da infância, mas mesmo assim estas figuras são pouco
infantis e um pouco perturbadoras. A importância que a artista dá ao
toque pode ser visto nos pontos ásperos das bonecas feitos à mão e
também no facto de estas também se tocarem entre si. Como Lorna
Collins escreveu, em The Wild Being of Louise Bourgeois: Merleau-
Ponty in the Flesh:
Este trabalho surge do desejo instintivo de Bourgeois de
expressão através da matéria palpável e moldada, que parece brotar
do trabalho quando olhado. Há uma poesia sensual relativa ao
táctil - ao olhar, uma pessoa deseja tocar, e ver torna-se um tipo
diferente de perceção […] 27
As reações desconfortáveis por parte do observador quando é
confrontado com este trabalho, resultam do conflito entre o que
ele associa a um tecido macio e infantil e a natureza sexualmente
transgressora da cena. Além disso, o próprio trabalho encontra-se
dentro de uma caixa de vidro e aço que está situada ao nível dos
olhos. Consequentemente, o potencial da relação táctil parece ser
negada pela presença desta barreira física entre o observador e a
obra.
O que fica claro ao analisar o extenso trabalho de Constantin
Brancusi e de Louise Bourgeois é que as qualidades tácteis dos
materiais são essenciais para determinar a forma como os invisuais
abordam os objetos escultóricos. De acordo com Zumthor, a
Arquitetura deve aprender com a escultura o emprego preciso e sensual do
material.28 Para isso, torna-se importante percebermos
as características de uma superfície material. Segundo László
Moholy-Nagy, esta pode ser avaliada em vários aspectos, quanto à
sua estrutura, grão, textura e fratura.29 Apesar desta informação ser
particularmente relevante no caso dos invisuais – que como foi
referido anteriormente, têm muito mais noção dos pormenores
- importa também perceber as diferentes sensações que são
experimentadas aquando do contacto físico com determinada
superfície. No livro The Language of Architecture (1967), Hesselgren
cita Katz, que atribui diferentes atributos à experiência de sentir
uma determinada textura: duro e macio, liso e áspero, elástico e
plástico, quente e frio.30 Num projeto de Arquitetura para invisuais,
é necessário considerar estes aspectos aquando a escolha dos
materiais utilizados, porque é através dos últimos que um espaço
se pode tornar confortável e acolhedor ou o oposto. Por exemplo,
a temperatura é um aspeto extremamente importante porque
a experiência do lar está fortemente associada ao calor. Como
Pallasmaa refere,
O espaço de calor à volta da lareira é o espaço de derradeira
intimidade e conforto. […] O lar e a pele tornam-se numa única
sensação.” 31
Além disso, devemos ter sempre em conta que o tato não é
restrito às mãos. É importante considerar o contacto dos pés com
o solo, as sensações e as memórias que podem ser despertadas
através desse contacto. Como Pallasmaa refere, a gravidade é medida
pela parte de baixo do pé, [e] nós percebemos a densidade e textura do
solo através dos nossos pés.32 Além disso, também conseguimos ler a
forma dos materiais utilizados com os pés. No capítulo Uma intuição
das coisas, do livro Architektur Denken (Pensar a Arquitetura, 2006),
Zumthor faz uma descrição sensorial da casa da tia, onde recorda as
pequenas peças hexagonais do chão, de um encarnado escuro e com juntas bem
preenchidas,33 que se opunham aos seus passos com uma dureza
implacável. Esta cozinha, que como Zumthor assume não tinha
nada de especial, tornou-se na memória do arquiteto uma síntese de
uma cozinha, precisamente por ser de uma forma quase tão natural apenas
cozinha.34
Em suma, o emprego simultâneo de massas e cavidades, com
formas, materiais e texturas diferentes, resulta em obras que se situam
numa das periferias da Arquitetura, a Escultura.35
«Que delícia passar de um ambiente olfativo para o outro,
pelas ruas estreitas de uma antiga cidade. A esfera olfativa
de uma loja de doces faz-nos pensar na inocência e
curiosidade da infância; o cheiro denso de uma oficina de
sapateiro faz-nos imaginar cavalos, selas, correias de arnês
e a excitação de montar a cavalo; a fragrância de uma
padaria projeta imagens de saúde, sustento e força física,
enquanto o perfume de uma pastelaria faz-nos pensar numa
felicidade burguesa.» Pallasmaa, The Eyes of the Skin:
Architecture and the Senses, pág. 54.
O facto de, ao longo da evolução, o Homem ter assumido uma
posição vertical contribuiu para que a visão e a audição assumissem
um papel mais relevante, no que diz respeito à nossa sobrevivência.
Desta forma, ao longo do tempo, o olfato do Homem enfraqueceu,
tornando-se, entre os nossos sentidos, o menos necessário.
No entanto, um cheiro pode desencadear uma memória tão
vividamente como um trecho de uma música ou um vislumbre de
uma cena que outrora foi familiar. 36
O olfato está quimicamente ligado ao nosso cérebro através dos
recetores olfativos, enquanto os outros quatro sentidos têm que lidar
com interfaces - a córnea, as papilas gustativas, a pele e o tímpano.
Por isso, apesar de não precisarmos do olfato para sobreviver, este
é um importante mecanismo de perceção espacial. De todos os
sentidos, é aquele que com mais facilidade ativa recordações, porque
a ligação entre o sistema olfativo e o da memória é mais intensa.
Um cheiro particular faz-nos reentrar inconscientemente num num sonho vívido. O
cheiro faz os olhos lembrarem-se.37
Para as pessoas cegas, o olfato é particularmente importante
para se orientarem dentro de uma localidade. A memorização dos
diferentes cheiros das ruas de uma cidade ajuda-as a orientarem-se
sozinhas. Quando Hull ia para o seu local de trabalho, costumava
passar por uma rua perto de uma ponte, onde sentia o cheiro do
rio. O cheiro intenso a água doce criou na memória de Hull uma
imagem olfativa tão intensa, que associava este percurso ao mesmo.
Eu subo cada vez mais, até à encosta, ao longo do
terreno acidentado debaixo da ponte que me leva ao parque de
estacionamento da Universidade e subo os degraus e lá está ele de
novo! [...] forte e firme como uma corrente de energia e de odor.38
O olfato também é fortemente associado ao lar, porque
guardamos memórias olfativas associadas às atividades
desempenhadas dentro dele, aos objetos e mobiliário que o
preenchem, aos materiais que o constituem. Hull considerava o hall
de entrada de sua casa um espaço grande, afiado, limpo e impessoal,39
onde predominava o cheiro a papel e verniz.
No que diz respeito à apreciação dos odores, a Religião sempre
foi mais sensível que a Arte. Durante muito tempo, a Religião
despertou a experiência do Sagrado através do incenso, e foi desta
forma que o perfume surgiu na Mesopotâmia. O incenso era usado
para tornar o ar mais suportável, por causa do cheiro nauseabundo
da carne dos animais queimados, como oferendas aos Deuses. De
facto, a palavra perfume surgiu da palavra per, que significa através de, e
da palavra fumare, que significa fumo.
Apesar de a arte ser uma questão relativa a todos os sentidos,
sempre teve uma porção de racionalidade associada a ela, porque
apela maioritariamente aos sentidos considerados intelectuais
– a visão e a audição. Intelectuais no sentido que são os sentidos
nos quais a Ciência, um âmbito racional, deposita mais confiança.
Grande parte da Arte Moderna negligenciou outros métodos de
perceção, como o tato, o paladar e o olfato. As artes visíveis e audíveis
e as combinações entre ambas preenchem um espaço e um tempo simbolizado pela
ordem não tocar, presente nos espaços de exposição.
O tato, o paladar e o olfato são excluídos das Belas Artes, e quando
não o são, são no máximo indiciados. O professor da Sorbonne,
Étienne Souriau, no seu livro La Correspondance des Arts (A
Correspondência das Artes, 1947), não inclui a arte olfativa.40 O seu
sistema é limitado às sete formas primárias de criação artística: linhas,
volumes, cores, luz, movimento, som falado e som musical. A sua
definição de Arte é clara: Arte é aquela que tem pontos em comum
com uma sinfonia e uma catedral, uma escultura e uma ânfora;
ou seja, a arte é o âmbito que faz com que seja possível comparar
uma pintura e um poema, um edifício e uma dança. Porém, nesta
afirmação, a ânfora destaca-se; o contentor de sabores e cheiros é
mencionado mas o seu conteúdo é completamente ignorado.
O exemplo mais antigo de uma obra de arte olfativa é o Ballet
Comique de la Reine,41 um espetáculo dirigido por Balthasar de
Beaujoyeulx para a Corte de Catarina de Médici. O espetáculo
realizou-se a 15 de Outubro de 1581, em Paris, e hoje é considerado
o primeiro ballet de cour.42 Foi criado para a celebração de casamento
da irmã da Rainha Louise, Marguerite de Lorraine. O caráter
inovador do espetáculo residia no facto de Beaujoyeulx ter juntado
todas as formas de arte conhecidas – poesia, música, desenho e dança
- numa só cenografia, tornando-as num todo artisticamente interessante
e atraente.43 O ballet foi inspirado na feiticeira Circe, da Odisseia de
Homero, e demorou cerca de cinco horas. O ponto alto do ballet
foi o facto de a Rainha e um conjunto de senhoras da Corte terem
chegado numa carruagem em forma de fonte de três camadas, cujo
cheiro a flores preencheu rapidamente todo o espaço.
A partir de meados do século XVIII, sob o pretexto
despreocupações higienistas, nasceu um movimento massivo que
defendia uma sociedade sem odores. O historiador francês Alain
Corbin, no livro Le Miasme et la Jonquille. L’odorat et l’imaginaire social,
xviiie-xixe siècles (Saberes e Odores – o olfacto e o imaginário social
nos séculos XVIII e XIX, 1986), explica como esta tendência se
tornou mais forte ao longo dos séculos XVIII e XIX. Durante este
período, os odores naturais eram associados à propagação de doenças, à morte e
putrefação, e os cheiros artificiais à riqueza e à saúde.
Consequentemente, a indústria dos perfumes cresceu, assim como o
cultivo de jardins de flores.
Porém, a relação entre as restantes artes e o odor tornou-se
mais próxima neste período, através dos movimentos vanguardistas
que emergiram no século XX - o Dadaísmo, o Surrealismo e
principalmente o Futurismo. Segundo Filippo Tommaso Marinetti,
pai do Futurismo, o cheiro do óleo e da gasolina derramados num
acidente de carro inspirou-o a criar um movimento artístico, cujo
principal intuito era a ativação dos sentidos humanos.44 Além disso,
Carlo Carrá publicou La Pittura dei suoni, rumori, odori: Manifesto
futurista (A Pintura do sons, ruídos, odores: Manifesto Futurista,
1913), o primeiro manifesto no qual o olfato é referido, e o cheiro
surgiu como conceito em dois trabalhos de Marcel Duchamp, no
seu famoso urinol Fountain (1917) e em Air de Paris (1919). Porém,
só a partir da década de 60, é que o odor começou a ser o tema
principal de várias obras de arte. A ascensão do movimento feminista,
a entrada de artistas orientais45 no cenário artístico global, a expansão
dos meios artísticos e a transformação do corpo humano num meio
de expressão resultaram numa ampla utilização do odor por artistas
que visavam, por um lado, estimular os sentidos negligenciados pelo
público, e por outro, derrubar os estereótipos atribuídos a grupos
sociais específicos.
Foi neste contexto que surgiu o artista alemão Joseph Beuys.
No introdução do livro de Caroline Tisdall, Joseph Beuys: We Go This
Way (2000), o artista esclarece que queria criar um novo tipo de
objeto escultórico que provocasse pensamentos sobre o que a escultura
pode ser e como o conceito de esculpir pode ser estendido aos materiais
invisíveis utilizados por toda a gente.46
O compromisso de Beuys com obras de arte que estimulam
o pensamento sobre a arte e a vida derivava, em parte, das suas
experiências como piloto durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1943, o avião de
combate de Beuys foi abatido e caiu na Península
do Crimea. Segundo o artista, uns nómadas turcos encontraram-no
e salvaram a sua vida, ao untarem o seu corpo com gordura animal
e o envolverem em feltro, para o manterem quente.47 Desta forma,
o feltro e a gordura começaram a simbolizar cura e regeneração
para Beuys, motivo pelo qual o artista começou a incorporar estes
materiais em tantas esculturas e ações.48
A utilização escultórica destes dois materiais começou no
início dos anos 60, com as séries de Fat Corners (1960-1962), Felt
Corners (1961-63) e Fat Chair (1964). Apesar de nestas obras o valor
simbólico dos materiais se manter, a sua função principal é ilustrar
e provocar uma discussão sobre a Teoria da Escultura.49 Para Beuys,
estes trabalhos são ilustrações ideais dessa teoria porque demonstram
o poder transformador da substância; a gordura, por exemplo,
pode ser considerada uma demonstração física das diferenças de
temperatura e da presença do calor, através do cheiro que emana.50
Na montagem do ambiente das ações, os materiais que utilizava
também possuíam uma natureza olfativa extremamente marcante.
Como Alan Borer percebeu, o ambiente e o artista ficavam
impregnados de cheiros, na sua maioria fortes e desagradáveis.
Beuys privilegiava os odores naturais, verdadeiros e originários,
contrapondo-se aos cheiros agradáveis e elaborados artificialmente.
O cheiro é um veículo mais confiável do que a transmissão
de conceitos [...]. Inicialmente, somos tomados pelo nariz e então
o corpo é lançado para dentro do seu covil e mantido prisioneiro. O
cheiro é mais que um signo; ele dá forma a uma presença invasiva.
Esse tipo de ensinamento tem raízes, sem dúvida, em rituais
sacerdotais, somos exortados, por um lado, a tomar a iniciativa, a pegar aquilo
que quisermos e, por outro lado, Beuys prende-nos,
escraviza-nos. O odor em Beuys aproxima-se da adoração. 51
Através dos cheiros presentes nas suas ações, era possível recriar
uma atmosfera que ajudava a instaurar uma espécie de espaço
sagrado como frequentemente se pode observar na prática de alguns
rituais.
Na ação Coyote: I like America and America likes me (1974 e
1979), o ambiente estava impregnado com o cheiro de urina do
animal; em Celtic +~~~~ (1970 e 1971), o ambiente possuía um
forte cheiro a enxofre que vinha de uma bacia com água; em The
Chief (1964), o cheiro da gordura espalhada pela sala era tão forte
que por vezes incomodava o público. Os odores emanados dos
materiais auxiliavam o ambiente da ação, porque instauravam
atmosferas e remetiam para sentimentos. Beuys procurava nos
odores a fantástica possibilidade que estes possuem de nos levar para
outros lugares, de apelar às nossas memórias. O odor é o material
impalpável da obra de Beuys.
Como podemos constatar, Beuys não estava interessado em
produzir obras que fossem agradáveis para os olhos. Como o artista
referiu, as artes plásticas foram tradicionalmente concebidas em termos
retinais, ou seja, são consideradas do ponto de vista da forma e são apenas
apreendidas pelo olhar.52 Para ultrapassar este formalismo, as suas obras
pretendem explorar a natureza das substâncias.
A obra de Peter de Cupere tem como base este grande período
de opressão dos cheiros naturais; porém, na sua mistura artística de
imagens e odores, ele não tenta compensar os dois ou três séculos
de arte sem odor. Enquanto artista visual e olfativo, é um percursor
das vanguardas artísticas mencionadas anteriormente. Nas suas obras,
estão claramente presentes a ironia e alienação absurdas no Dadaísmo e
Surrealismo, os processos com materiais vivos de Joseph Beuys, a dimensão
da imagem icónica da Pop Art e os princípios ordenadores alternativos da
instalação artística. 53
Escreveu o Olfactory Art Manifest (2014), que tem como objetivo focar a Arte
Olfativa como uma forma de arte digna 54 e criar um novo
movimento artístico, o Olfatismo.55 O Manifesto apela a todos os artistas a
entrarem numa experiência olfactiva,[...] todos os curadores, diretores de
museus,
executores de exibições e organizadores a mostrarem mais arte olfactiva,[...]
todos os espectadores a olharem para além do seu nariz quando experimentam
uma obra de arte olfativa,[...] e a ponderarem a função do odor como meio.56
A curiosidade de Peter de Cupere pelos odores surgiu quando era
criança. Gostava de experimentar e investigar, e um dos seus objetos de
estudo era o odor; o facto de as pessoas mascararem o seu cheiro natural
com perfumes despertou-lhe curiosidade. Por isso, à semelhança de
Beuys, é um defensor dos cheiros naturais. Os primeiros produtos desta
curiosidade foram a Mouldy Installation (1997-99) e os Mouldy Matresses
(1998), nos quais transformou o mofo numa obra de arte. Ambas foram
produzidas enquanto De Cupere ainda estudava no Higher Institute of
Fine Art, cuja formação reside no âmbito da artes visual e audiovisual. A
primeira instalação consistia apenas em mil potes com mofo no interior
e a segunda, como o próprio nome indica, em colchões com mofo. De
Cupere considerava-as obras de arte dinâmicas, devido às transformações
orgânicas que sofreram com o passar do tempo.
De Cupere cria instalações, esculturas, performances, filmes e pinturas
olfativas nas quais brinca com a correspondência entre imagem e odor; ou
seja, quando cheiradas, as obras têm um odor inesperado. Ele gera uma
espécie de experiência meta-sensorial que vai além da visão e do olfato.
O medo de ficar cego quando era criança também motivou a sua
curiosidade pelos cheiros.57 Talvez tenha sido este medo infantil que o
direcionou para obras que questionam a experiência estética dos cegos.
Em 2014, criou os Invisible (SCENT) Paintings, que utilizam a
tecnologia de esfregar e cheirar. Os nomes dos quadros brancos só
podem ser compreendidos ao esfregar a superfície e cheirar o perfume
nos dedos.58 De Cupere já tinha utilizado esta tecnologia na Flower
Fragum Cardomomi, mostrada pela primeira vez no Creative World
Forum na Bélgica, em 2001. A escultura de nove metros era feita de époxi, metal,
cem morangos e cardomomo.
Além disso, o artista apresentou na Bienal de Criatividade
Mundial do Rio de Janeiro, o Blind Smell Stick (2012), que De
Cupere define como um conceito olfativo.59 A conceito da obra
consiste na transformação da bengala numa ferramenta de auxílio
olfativo para os cegos. A bengala consegue capturar cheiros através
de uma esfera, localizada na parte que entra em contacto com o
chão. Esta esfera tem pequenos furos que captam os cheiros e miniventiladores
que fazem com que estes subam até ao topo da bengala.
Os cheiros eventualmente vão para um tubo especial ligado aos
óculos de proteção. Segundo De Cupere, o intuito do Blind Smell
Stick é ajudar as pessoas cegas a encontrar o seu caminho,60 para evitar que
eles calquem algo que não devam.
A resposta a um estímulo olfativo pode traduzir-se na rejeição
ou apreciação de um objecto ou de um espaço, ou seja, vai gerar
uma opinião, um sentimento e uma memória associados a essa
experiência, como podemos constatar no trabalho de Joseph
Beuys. Peter Zumthor recorda, num dos seus livros, os cheiros que
compunham a atmosfera da casa da tia: os vários odores do jardim e
o estranho cheiro de tinta de óleo61 que irradiava do armário da cozinha.
Segundo Pallasmaa, as imagens retinais da Arquitetura contemporânea
parecem estéreis e sem vida quando comparadas com o poder associativo e
emocional das imagens olfativas do poeta.62
Helen Keller, uma escritora e ativista social cega e surda, foi
capaz de reconhecer uma casa de campo antiga através dos vários níveis de
odores, deixados por uma sucessão de famílias, de plantas, de perfumes e de
cortinas.63
Da mesma forma que o olfato lida com a memória, também lida
com a imaginação. E, segundo Bachelard, a memória e a imaginação
mantêm-se associadas.64 Bachelard relata a memória de um armário
antigo, que tinha um odor a passas que secavam numa bandeja de
vime. De acordo com o autor, este odor não pode ser descrito, tem que ser
imaginado. 65
A ideia que a Arquitetura pode ser experimentada através do
olfato parece estranha. Mas o poder do olfato, enquanto ferramenta
de orientação, é revelado no livro Perfume: The Story of a Murderer
(1985), de Patrick Süskind. O livro conta a história de Jean-Baptiste
Grenouille, um homem que possui olfato extraordinariamente
apurado, mas que não possui um cheiro próprio. Grenouille
consegue construir um mapa mental de Paris, baseado nos odores
da cidade.66 Além disso, o livro revela também o poder do olfato
enquanto colector de memórias, porque na história Grenouille
encontra uma rapariga, cujo odor é diferente dos milhares que já
cheirou e fica obcecado por ela. A jovem acaba por ser uma das 26
que Grenouille mata para criar o perfume perfeito.
As sensações despertadas pelas obras de Joseph Beuys e de De
Cupere e a riqueza descritiva da literatura dos autores mencionados
anteriormente podem ser transportadas para a Arquitetura. Gordon
S. Grice, um arquiteto e autor canadiano, faz uma reflexão de quais
são os aromas que representam para ele a Arquitetura.
Agora pense no cheiro da terra escavada recentemente, do betão
molhado, dos abetos cortados recentemente com uma serra circular, ou
no aroma forte e oleoso a aço estrutural. Estas são as substâncias
intoxicantes da nossa profissão. Se fechar os olhos e imaginar estes
odores, pode ser transportado para outro lugar e para outro tempo. 67
Com base na investigação realizada, podemos concluir que
é necessário que os estudantes e os arquitetos reflitam quais são os
cheiros que associam à Arquitetura e que escolham os materiais
consoante as suas propriedades olfativas.
«O som do espaço – o que primeiro me vem à cabeça são
os ruídos de quando era criança, os barulhos da minha mãe a
trabalhar na cozinha. Estes sempre me fizeram felizes.» Peter Zumthor, Atmosferas (Barcelona: Editorial Gustavo
Gili, 2009), pág. 31.
Apesar de geralmente ser negligenciado, o sentido auditivo pode
enriquecer extremamente a experiência espacial e a compreensão
do espaço. A reverberação no escuro consegue criar uma atmosfera
misteriosa e intimista, e pode atestar a capacidade dos ouvidos para
esculpir um volume no vazio da escuridão. 68
A visão isola, enquanto o som incorpora; a visão é
unidirecional, o som é omnidirecional. O sentido visual
implica exterioridade, enquanto o som cria uma experiência de
interioridade. Eu considero um objeto, mas o som aproxima-se de
mim; o olho atinge, o ouvido recebe.69
A importância da audição pode não ser óbvia, mas ela faculta
uma atmosfera tridimensional. À escala da cidade, a reverberação
fornece informações sobre a dimensão do espaço.
Qualquer pessoa que acorde com o som de uma ambulância
numa cidade noturna, e através do seu sono tenha experimentado
o espaço da cidade com os seus inúmeros habitantes espalhados
dentro das suas estruturas, sabe o poder do som para a imaginação;
o som noturno é um lembrete da mortalidade humana e faz com que eu esteja
consciente da cidade toda. 70
Como todos os sons são consequências de uma atividade,
quando nada acontece, impera o silêncio. Por este motivo, é muito
mais fácil controlar as informações visuais que recebemos do que as
informações auditivas, tendo em conta que mesmo no escuro, uma
pessoa pode usar uma tocha e forçar a visibilidade.71 Como Hull refere,
o mundo visual permanece o mesmo independentemente para onde eu vire a
cabeça.72 Isto não é verdade no mundo percetível. Ele muda quando
eu viro a cabeça. Novas coisas surgem na minha visão.
As pessoas cegas são muito sensíveis ao som. Após um
longo dia de trabalho ou de viagem, é frequente os invisuais
ficarem extremamente cansados. No caso de Hull, ele sentia-se
psicologicamente exausto depois de um dia com a sua família inteira.
Certamente foi um dia muito barulhento. Duas crianças
mais velhas pareciam ter uma discoteca no andar de cima. Dois
rapazes mais novos estavam a desfrutar de um emocionante jogo
de “He-man” no meu estúdio. A rádio estava no andar de baixo,
e um grupo de crianças mais novas estavam a correr por toda o
lado. Toda a casa ficou gradualmente repleta de brinquedos, apesar
dos melhores esforços dos adultos para arrumar, de modo que, no
final, eu mal podia dar um passo a menos que limpasse o chão à
minha frente, como um ritual de medo. Tudo aquilo faz-me sentir
bombardeado; não posso responder, apesar do ambiente me estar a
chamar. Isto dá-me uma sensação de afastamento. 73
Dos cinco sentidos, a audição é aquele de que o Homem mais
facilmente se consegue abstrair. No quotidiano, se uma pessoa que
vê estiver concentrada numa tarefa ou num pensamento, todos os
sons que o envolvem deixam de existir enquanto ela/ele durar. Isso
acontece porque a concentração passa a ser puramente visual. É
fácil entender porque é que no caso dos invisuais isto não é possível
acontecer. É impossível para os invisuais não prestarem atenção aos
sons que os rodeiam, a não ser que tapem os ouvidos.
Porém, por exemplo, ouvir o som dos sinos pode ser uma
experiência muito enriquecedora para os invisuais. Quando Hull os ouvia, parecia
que a sua cabeça estava a tocar em consonância com
os sinos. Ele conseguia sentir as vibrações no ar e o chão a tremer.
Tentei contar quantos padrões diferentes é que eles estavam a
tocar, e, sem sucesso, perceber quantos sinos estavam na torre. Pensei
que realmente devia tornar-me um especialista nesta coisa bonita.
Tentei descrever as qualidades do próprio som, comparando-o
mentalmente com outros sinos que tinha ouvido recentemente.
Uma e outra vez, os estrondos descendentes soaram, sobre o
murmúrio da conversa, cortando o ar frio de Outono, pesando
tudo com uma expectativa solene e estranha. Eu fui inundado de
alegria, e repeti uma e outra vez no meu coração, “Sim, eu ouço-vos,
queridos sinos, eu ouço-vos”. 74
Antigamente, a audição desempenhava um papel muito
importante. Segundo Lucien Febvre, o século XVI não viu primeiro:
ouvia e cheirava, respirava o ar e assimilava os sons. Foi apenas mais tarde,
que se tornou seriamente e ativamente envolvido na geometria, focando a sua
atenção no mundo das formas...75
O som está associado a todas as atividades humanas e
consequentemente à urbanização. As escrituras budistas, que datam
de 500 aC, mencionavam os dez barulhos numa grande cidade, que eram
elefantes, cavalos, carruagens, tambores, tamborins, alaúdes, música címbalos,
gongos e pessoas a chorar [...].76 William Hogarth escreveu o artigo The
Enraged Musician (1741), que captava na perfeição o barulho que
se ouvia numa rua em Londres, no século XVIII. Segundo Emily
Thompson, a angústia acústica sentida no seu “The Enraged Musician”
foi sofrida por inúmeros outros habitantes, porque as populações das cidades
aumentavam mais rápido do que as suas geografias expandiam.77 Ou seja,
no século XVIII, houve um aumento exponencial da população
nas cidades, o que teve como consequência a frequência de
queixas relativamente ao barulho. Portanto, as pessoas começaram a
questionar a definição de barulho e o significado cultural do som.
Em 1896, o Dr. J. Gardner fez uma lista dos barulhos
tradicionais de Nova Iorque no artigo The Plague of City Noises, que
eram os veículos puxados por cavalos, os vendendores ambulantes, os músicos, os
animais e os sinos.78
No século XIX, a torre sineira da igreja não
só representava um espaço auditivo, mas também uma marca de
territorialidade. Segundo Michael Bull e Les Back, no livro The
Auditory Culture Reader, as funções cruciais da torre sineira eram soar o
alarme e garantir a preservação da comunidade.79 A torre geralmente
localizava-se no centro da vila, para que as casas que a rodeavam,
se situassem a uma distância semelhante da mesma. De acordo
com Bull e Back, devido à regularidade com que eram tocados, os
sinos desempenhavam uma papel importante na recarga sacral periódica do
espaço circundante.80 O volume do toque do sino também era crucial,
porque devia ser alto o suficiente para garantir que o som chegasse
também à periferia da vila, de forma que os anúncios públicos e
alertas fossem ouvidos por todos os habitantes. O toque dos sinos
também servia como ferramenta de orientação e oferecia uma
sensação de proteção em áreas de montanha, zonas costeiras, florestas
e áreas planas.
Porém, em 1908, o filósofo alemão Theodor Lessing declarou-se
irritado [no seu jornal Der Larm] tanto pelos barulhos tradicionais, dos
sinos da igreja e das carpetes a bater, como pelo incómodo mais recente das
máquinas a sacudir, dos gramofones estridentes, dos telefones a tocar, e dos
automóveis, autocarros, eléctricos e comboios a apitar.81 Lessing acreditava
que o barulho criava e exagerava os instintos e emoções humanas
profundamente enraizadas e que diminuía as funções intelectuais
e racionais da alma.82 Por outro lado, para Lessing, o silêncio [...]
era o sinal de sabedoria e justiça,83 essencial para a criação da cultura.
Porém, os sons mecânicos eram os efeitos secundários de uma época
extremamente produtiva e eram excessivamente altos.
Trinta anos depois de Gardner ter escrito The Plague of City
Noises, a paisagem sonora urbana de Nova Iorque era completamente
diferente, porque já não continha ruídos tradicionais.84 A imagem
City Noise (1930) do relatório da Comissão de Redução de Ruído
de Nova Iorque mostra claramente a esmagadora paisagem sonora,
com as tecnologias mecânicas, que caracterizava as cidades modernas.
Nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, os Futuristas assumiram-se
como um grupo de artistas, escritores e
músicos que abraçaram as mudanças radicais do início do século
XX. Eles celebravam as dinâmicas da era mecânica: a velocidade,
a agitação e, particularmente, o barulho. Os Futuristas produziram
manifestos ousados e criaram performances que frequentemente
acabavam em caos, com as audiências divididas. Apesar de existirem
compositores e músicos dentro do grupo, foi um pintor, Luigi
Russolo, que escreveu o manifesto L’Arte dei Rumori (A Arte do
Ruído), em 1913. No manifesto, ele critica as limitações da orquestra
moderna e o facto de o som musical ser muito limitado na sua
variedade qualitativa de tons.
Este círculo limitado de sons puros deve ser quebrado, e a
variedade infinita do “Barulho” conquistada... nós temos muito
mais prazer na combinação dos ruídos dos eléctricos, dos escapes
dos motores, das carruagens e das multidões a gritar do que no
ensaio, por exemplo,, do “Eroica” ou do “Pastoral” [ou seja, das
sinfonias de Beethoven.]85
Alguns anos mais tarde, em 1916, outro grupo iconoclasta
estava a desenvolver a sua própria arte sonora: os Dadaístas. Um dos
membros, o artista Hugo Ball, descreveu uma as suas performances.
Eu usei um traje especial, desenhado por Janco e por mim.
As minhas pernas estavam envoltas num pilar cilíndrico apertado,
feito de papelão azul brilhante, que chegava aos meus quadris
de forma que eu parecia um obelisco. Para cima, eu usava um
enorme colarinho de casaco feito de cartão, escarlate por dentro e
dourado por fora, que estava preso ao meu pescoço de tal forma
que eu podia batê-lo como um par de asas quando movia os meus
cotovelos. Também usei um chapéu de bruxa, alto e cilíndrico, com
riscas azuis e brancas... Então, como um obelisco não pode andar,
fui para a plataforma durante um apagão. Então comecei, lenta e
majestosamente, “Gadji beri bimba glandridi Laula lonni cadori
gadjama gramma Berida bimbala glandri galassassa laulitalomni
...”
Isto foi demais. A recuperar-se do choque inicial relativamente
a este som totalmente novo, o público finalmente explodiu. 86
Nos anos 40, John Cage visitou uma câmara anecóica na Universidade de Harvard.
Esta câmara é basicamente uma sala
projetada para cancelar todos os ruídos, ou seja, é totalmente à prova de som.
John Cage entrou nesta câmara para ouvir o
silêncio absoluto, mas como ele escreveu mais tarde:
Ouvi dois sons, um alto e um baixo. Quando descrevi ao engenheiro do som, ele
informou-me que o som alto era do meu sistema nervoso, e o
baixo o do meu som em circulação.
Apesar do seu traje ser elaborado e da iluminação ser
extremamente crua, o ponto alto da performance foram os sons que
Ball fez. Ele não estava a contar nenhuma história, por isso não era
uma peça de teatro narrativo. Era uma apresentação teatral do som,
porque o único propósito da performance era fazer sons e os sons
eram diferentes de tudo o que o público já tinha ouvido.
Entre 1922 e 1932, Kurt Schwitters, outro artista associado ao
Dadaísmo, compôs a Ursonate, uma peça com apenas uma voz, mas
não era para ser cantada. Tem mais de 40 minutos e uma estrutura
musical convencional, com ritmos fortes e fracos, repetição, passagens
altas e tranquilas; porém, também compreende a fala, as vogais e as
consoantes, em palavras inventadas que não têm sentido.
A pessoa que mais se dedicou ao que atualmente chamamos
Arte Sonora foi o compositor americano John Cage. Apesar de os
seus primeiros trabalhos serem fortemente influenciados pela Música
Clássica ocidental, o compositor saiu dos limites das estruturas
musicais convencionais, fortemente ligadas à harmonia e ao pitch.87
Rapidamente, Cage começou a defender composições feitas com
todos os sons possíveis. Em 1937, Cage escreveu:
Eu acredito que a utilização do barulho para fazer música
vai continuar e aumentar até chegarmos a um tipo de música,
produzido com a ajuda de instrumentos electrónicos, que vai
tornar disponíveis, para propósitos musicais, todos e quaisquer
sons que podem ser ouvidos... Os atuais métodos de composição
musical, principalmente aqueles que empregam a harmonia e
a sua referência a medidas específicas no âmbito do som, serão
insuficientes para o compositor, que será confrontado com todo o
campo do som.88
As experiências numa sala anecóica89 inspiraram-no a compor
a peça mais notória de Cage é conhecida como ‘4’ 33”’ (1952).
Tem uma estrutura musical ocidental muito convencional, com três
movimentos, e a notação para cada movimento lê-se simplesmente
Tacet. É um termo musical que significa Está silêncio, e que indica
que o instrumento ou a voz pararam de emitir som. Com esta peça,
Cage está a pedir ao artista performativo que fique em silêncio durante três
movimentos consecutivos. A peça não instrui o artista a
não fazer nada, um equívoco comum; ela apenas requer que o artista
não faça barulho. Porém, a todas as atividades está sempre associado
um som, por muito baixo que seja. Durante a primeira performance,
o pianista David Tudor, indicou a passagem dos três movimentos ao
fechar a tampa do piano no início de cada movimento e abri-la no
final. Mesmo que Tudor não tenha feito qualquer tipo de barulho,
o som dos espasmos, da tosse e dos passos do público encheram o
espaço, e os sons exteriores entraram para o auditório. Cage esboçou
uma situação, na qual o som podia ser ouvido, mas ele não tinha
qualquer controlo sobre ele. Os papéis convencionais de compositor,
artista performativo e ouvinte foram completamente subvertidos,
era difícil dizer quem era o compositor, o artista ou o ouvinte. Os
ouvintes estavam a fazer sons então, em termos convencionais, eram
eles os artistas performativos. O artista performativo, por sua vez, era
também o ouvinte. O compositor não tinha controlo na elaboração
do que estava a ser ouvido porque os sons foram inteiramente
feitos pelos supostos ouvintes, então de facto, eles eram também os
compositores. Em suma, Cage virou a convencional composição
musical do avesso.
No final dos anos 50, Cage deu aulas de música experimental
na New School for Social Research, em Nova Iorque. Os alunos
não eram apenas músicos, haviam também artistas, poetas, artistas
performativos, etc. Alguns desses alunos tornaram-se mais tarde
nos fundadores do Fluxus. O grupo tinha como como referências
os movimentos artísticos iconoclastas anteriores - o Futurismo, o
Dadaísmo e o Surrealismo - e a prática contemporânea da música,
do teatro e da poesia. Um dos trabalhos mais conhecidos do grupo é
a Water Yam (1963) do pintor George Brecht, uma caixa com cartões
de diferentes tamanhos, que contêm instruções relacionadas com
som. O cartão intitulado Drip Music, instrui o artista performativo a
arranjar uma fonte com água a cair e um recipiente vazio, para que a
água caia no seu interior. Em Air Conditioning, Brecht dá instruções
ao artista para se mover através do espaço.
Podemos encontrar algum paralelismo na obra de Beuys e na
do escultor e artista sonoro italiano Harry Bertoia.
Quando era criança, Bertoia desejava que houvesse um
instrumento musical que pudesse ser tocado por toda a gente
instantaneamente. Na idade adulta, a ideia de começar a trabalhar
com hastes de metais surgiu quando estava a dobrar uma e esta fez um som que
considerou maravilhoso. Posto isto, ele questionou-se
sobre como soariam vinte hastes semelhantes aquela. Começou assim
a aventura que deu origem ao Sonambient, ou seja, o ambiente criado
pelas esculturas sonoras.90 Bertoia começou a fazer experiências
com o irmão, com o intuito de produzir uma ampla gama de tons,
que não tinha comparação com a escala musical da época. Para isso,
eles limparam o celeiro da casa de Bertoia, em Bally, e mandaram
restaurá-lo para que este servisse como uma caixa de ressonância.91
Bertoia começou a construir esculturas com diversos metais,
com diferentes espessuras e alturas, que foram colocadas dentro do
celeiro. As experiências feitas com estas esculturas pretendiam [...]
desenvolver a gama, a autonomia, o ritmo e a continuidade dos sons.92
Alguns dos seus materiais preferidos eram os bronzes, o cobreberílio
e as ligas de níquel.
O ruído, apesar de ser adjetivado como indesejado e
inarmónico, é algo intrínseco: mesmo quando julgamos estar no
silêncio absoluto temos os sons do organismo Segundo Brian
O’Doherty, a arte moderna precisa do som do trânsito exterior para a
autenticar.93 Este som de que O’Doherty fala é a paisagem sonora
que nos envolve. Este conceito surgiu nos anos 60, associado à
Ecologia Acústica94 de Murray Schafer. Segundo Schafer, no livro
The Thinking Ear (O Ouvido Pensante, 1986), devemos aprender a
ouvir a paisagem sonora95 como se fosse uma composição musical.
Desta forma, desenvolvemos o sentido auditivo através da absorção
de diferentes sons. É exatamente esta a filosofia de John Cage. Tudo
pode agradar aos nossos ouvidos e ser encarado como uma obra
musical.
Sendo intrínseco ao funcionamento do nosso organismo, o som
é permanente na nossa vida e não o podemos ignorar. A Arquitetura
deve abraçar o som como uma importante qualidade da experiência
estética, porque cada espaço funciona como um instrumento grande, que coleciona,
amplia e transmite os sons.96
Os arquitetos devem aprender
com os artistas da música contemporânea e da arte sonora, porque
eles trabalham com as oposições de melodia, harmonia e ritmo.97
A
importância do silêncio não reduz a importância de trabalhar com
diferentes sons, adequados a diferentes atividades. O edifício deve ser
um recipiente sensível para o ritmo dos passos no chão, para a concentração
do trabalho, para o silêncio do sono.98
Apesar de raramente nos apercebermos que ouvimos a
Arquitetura, porque geralmente recebemos uma impressão total da
mesma quando estamos a olhar para ela,99 no caso dos invisuais isto
não acontece. Os invisuais prestam atenção aos vários sentidos que
contribuíram para esta impressão. Além disso, as paisagens sonoras
das pessoas cegas são compostas maioritariamente por elementos
naturais como a chuva, o vento e os trovões. Hull fez uma descrição
sensual e enriquecedora da experiência de ouvir a chuva a cair.
Eu ouço o tamborilar da chuva no telhado por cima de mim,
a escorrer pelas paredes à minha esquerda e direita, respingando
a partir do cano de esgoto ao nível do solo à minha esquerda,
enquanto mais para a esquerda há um padrão mais claro, porque
a chuva cai de forma quase inaudível sobre um grande arbusto
frondoso. À direita, há uma percussão de um som mais profundo,
mais firme sobre a relva. Consigo delinear os contornos da relvado
que sobe, à direita, para uma pequena colina. O som da chuva
é diferente e permite-me perceber a forma da curvatura. [...] Na
frente, os contornos do percurso e dos passos estão marcados, até
ao portão do jardim. Aqui a chuva golpeia o betão, aqui está a
espirrar para dentro das poças rasas que já se formaram. [...]O
som do percurso é completamente diferente do som da chuva a cair
no relvado do lado direito [...] 100
A experiência de Hull é semelhante à experiência acústica que
temos quando fechamos os olhos durante a noite e ouvimos o som
da chuva no exterior. Por isso, quando pensamos em trabalhar com
estes elementos, não nos podemos limitar a considerá-los apenas em
projetos destinados a invisuais.
A perceção dos ecos e sons é extremamente enriquecedora para a experiência de
qualquer pessoa. Para os cegos, ela é ainda mais
estimulante: o som da chuva é semelhante à luz quando vemos uma
paisagem e através dela conseguimos ter a noção dos detalhes que a
compõem.
O vento e os trovões são elementos que também produzem
uma experiência sensual. Quando o vento sopra, dá vida a todos
os sons de uma atmosfera. Mas os trovões tornam a experiência
mais excitante, porque permitem que tenhamos uma sensação de
profundidade espacial.
A análise das obras de John Cage e de Harry Bertoia, em
conjunto com os relatos feitos por Hull de experiências acústicas
sensuais, alertam-nos para deixar de evitar os sons dos elementos
naturais e dos materiais que constituem os espaços.
Segundo Michael Bull e Les Back, o som é indissociável da vida,
porque o som habita o objeto assim como o objeto pode-se dizer que habita
o som, enquanto a visão, em contraste com o som, representa a distância, o
singular, a objetivação.101
1.2.4 Movimento do Corpo no Espaço
«Recordo a sua circularidade. [...] eu não conseguia distinguir os objetos,
mas a luz, e notava que o caminho não era em linha recta...[sabia que] estávamos
a descer [...] em círculos, porque a luz estava sempre à minha direita, uma luz
que provinha de uma cúpula de cristal, disseram-me, e eu notava sobre a minha
cabeça, como se não estivéssemos dentro de um edifício, mas ao ar livre, e eu
perguntava-me angustiado se não acabaria tudo abruptamente no vazio, e se me
despenharia...» Jorge Luís Borges citado por Cristina Grau, Borges y la
Arquitectura, Ensayos Arte Cátedra (Madrid: Cátedra, 1989), pág.82.
A experiência estética implica o movimento do corpo no
espaço. Entrar no edifício, passar de um espaço para o outro,
empurrar a porta que queremos abrir. Todas estas ações transmitemnos
sensações de surpresa e desilusão. O conjunto de sensações
através das quais percebemos os movimentos musculares é intitulado
cinestesia.
Quando abrimos uma porta, o peso do corpo encontra o peso
da porta; as pernas medem os passos quando subimos uma caixa
de escadas, a mão aperta o corrimão e o corpo inteiro move-se
diagonal e dramaticamente através do espaço. 102
Esta experiência necessita de um tempo mais acelerado ou mais
lento para se concretizar, precisa de apelar a todos os sentidos para
ser comovente, porque as qualidades da matéria, do espaço e da escala
são medidos igualmente pelos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua, esqueleto e
músculo.103
Há uma sugestão inerente de ação nas imagens da Arquitetura
e é essa possibilidade de ação que separa a Arquitetura de outras
categorias artísticas.
Como consequência desta ação implicada, uma reação física é
um aspecto inseparável da experiência arquitetónica.104
Uma experiência arquitetónica com significado não é apenas
uma série de imagens retinais e os elementos arquitetónicos não
são puramente visuais, são encontros, confrontos que interagem com a
memória.105 O encontro com o edifício não se esgota em si mesmo;
em vez disso, atribui significados, relaciona, separa e une, facilita e
proíbe.106
A questão da relação entre o deslocamento do corpo e a
Arquitetura surgiu apenas no século XX, quando emergiu no
âmbito arquitetónico um conceito mais antropológico de espaço; isto
é, foi no contexto da Arquitetura que o corpo humano se tornou
referência para a experiência e perceção dos espaços construídos.
Esta nova abordagem na conceção do espaço arquitetónico foi
influenciada pelas investigações da, então emergente, Psicologia
Percetiva e pela Einfühlung, também conhecida por Teoria da
Empatia.107 Ambas enfatizaram o papel do corpo e da sua posição
cinestésica relativamente aos processos de perceção e cognição.
Neste contexto, o espaço começou a ser associado ao movimento do
corpo.
Na última década do século XIX, o conceito de Raum, ou seja
de espaço, emergiu como tema central num grupo de investigação,
formado por historiadores e críticos alemães. Entre estes autores
são particularmente relevantes, na investigação da espacialidade, os
trabalhos de August Schmarsow, Adolf Hildebrand e mais tarde, de
Paul Frankl. 108
Frankl introduz a noção de rede de movimento para descrever a
totalidade de movimentos possíveis numa situação espacial. Além
disso, ele elaborou a noção de axialidade, ou seja, de corpos a
moverem-se em torno de um eixo. Esta noção tornou-se, mais tarde,
uma das bases do pensamento teórico de Le Corbusier.
Nesta altura, esta discussão teórica em torno do espaço refletiuse
nos métodos de ensino da Arquitetura europeus. Existem relatos
de que, na École de Beaux-Arts, a avaliação do trabalho do aluno, num projeto de
Arquitetura, era baseada na demonstração das qualidades
das sequências espaciais do mesmo. O procedimento foi intitulado
La Marche.
No entanto, foi na fundação teórica do Movimento Moderno
que o tema da espacialidade assumiu um papel crucial. Este período
foi marcado pela introdução de uma nova espacialidade: a promenade
architectural. A investigação sobre as possibilidades desta nova
espacialidade, que é suportada pelos conceitos movimento e atividade,
tornou-se mais forte no período em que a Bauhaus começou a ter
um importante papel na formação dos artistas modernos.
As pessoas na Bauhaus percebiam que as coisas não podiam
ser criadas independentemente umas das outras no espaço, quer
sejam móveis (mobiliário) quer sejam fixas (edifícios), sem ter em
conta as inter-relações e a sua relação com o todo.109
A promenade tornou-se, mais tarde, um dos temas essenciais da
obra corbusiana. O arquiteto tece a seguinte observação a respeito da
Villa Savoye:
Mas continuamos a promenade. Desde o jardim ao andar,
subimos a rampa para o telhado da casa onde é o solário. A
arquitetura árabe dá-nos um ensinamento precioso. Ela apreciase
ao andar, com os pés: é caminhando, deslocando-se que vemos
desenvolver-se a ordem da arquitetura. 110
Para Le Corbusier, a marcha comanda a memorização dos
lugares construídos.111 Os Carnets são uma espécie de diário, onde o
arquitecto acumulou observações, cálculos e desenhos sobre uma
percepção física que foca o solo, o mobiliário, as paredes interiores
e a volumetria exterior . Eles transcrevem a escrita bruta e pensativa de
levantamentos e perspetivas rápidas.112 Nos Carnets, está presente uma
descoberta inesperada: a ascensão à Acrópole. A construção das
escadas, pedestais e contrafortes que precedem o recinto, pareceu-lhe
elementar para todos visitantes que sobem a colina. Afinal de contas, os sapatos
são o instrumento da memória, l’oeil du marcheur.
Para Aldo Van Eych, o ponto de partida foi a aprendizagem da
perceção sensorial da criança. Para o arquiteto, os lugares onde jogam
as crianças são o motor da arquitetura e o mobiliário da cidade.113 Posto
isto, podemos considerar que Van Eych apela a uma Arquitetura de
configuração dinâmica, na qual o percurso espacial devia articular
os momentos sensoriais numa cadeia de reações, como acontece nos
jogos das crianças.
À semelhança de Van Eych, Peter Zumthor também considera
que a Arquitetura é uma arte temporal.114 Para Zumthor, um dos
aspectos mais importantes da Arquitetura é o vaguear livre,115 ou
seja, não conduzir os seus visitantes mas seduzi-los. A condução é
importante em edifícios funcionais, como um hospital, mas em
edifícios onde pretendemos estimular uma experiência estética, a
sedução através das unidades espaciais deve ser o ponto de partida.
Porém, também devem existir espaços que consigam reter o visitante.
A escolha de mudar de espaço deve ser inteiramente do visitante,
como Zumthor indica na seguinte reflexão:
Estou bem aqui, mas neste momento ao virar da esquina, ou
noutro ponto qualquer, há algo que desperta a minha atenção, a
luz que entra duma certa maneira, e eu passo descontraidamente.
Tenho que dizer que isto é um dos meus maiores prazeres: não ser
conduzido, mas sim poder deambular – “drifting”, sim? E assim
me encontro numa viagem de descoberta. 116
Para um invisual, a experiência de percorrer um espaço
desconhecido é muito diferente do que para uma pessoa que
vê. Caminhar pode tornar-se uma experiência extremamente
perturbadora, porque pode causar sensações de insegurança e de
incerteza. Estas sensações são decorrentes da falta de orientação e de
mobilidade autónoma.
Segundo Weishaln, no caso dos invisuais, a orientação é
o processo de utilizar os sentidos remanescentes para estabelecer a
própria posição e o relacionamento com outros objetos significativos no meio
ambiente. 117
Tanto para um invisual congénito como para um invisual que
perdeu recentemente a visão é difícil tentar relacionar a posição do
próprio corpo com a dos objetos, porque a visão é o sentido mais
importante no que diz respeito à representação mental dos espaços.
Na ausência da mesma, o invisual tem que utilizar os outros sentidos
para se orientar, mas isto requer experiência e familiaridade com o
local. Nos lugares que o invisual conhece, ele consegue orientar-se
através do pavimento do chão que pisa, dos ruídos dos carros que
passam, do cheiro dos jardins. Neste caso, apesar de não existir uma
memória fotográfica, existem as memórias táctil, auditiva e olfativa.
As dificuldades espaciais que um invisual sente durante processo
de orientação são relativas a: pontos fixos, quando está parado; a
pontos fixos, quando está em movimento; a pontos em movimento, quando
está parado; e a pontos em movimento, quando está em movimento.118 O
raciocínio necessário para resolver estas quatro situações é diferente,
o que implica que o invisual tenha que estar sempre num estado de
completa consciência do que está a acontecer à sua volta.
Tendo em conta que os olhos são os únicos órgãos humanos
que permitem que o Homem reaja quase imediatamente, a marcha
de um cego tende a ser instável. Além disso, a visão é uma parte
importante do lado sensorial do sistema de equilíbrio, porque é
o orgão que estimula a maior parte dos reflexos protetores. Posto
isto, podemos considerar que a perda da visão afecta a deslocação
dos invisuais de três maneiras: perda dos dados sensoriais necessários para
temporizar os passos; equilíbrio empobrecido; deficiência de reflexos
protetores.
Tendo isto em conta, o invisual tem que possuir alguns apoios e técnicas que
o ajudem a deslocar-se de forma autónoma.119
Segundo Weishaln, a mobilidade é a habilidade [que o invisual
tem] de deslocar-se com segurança, eficiência e conforto no meio ambiente,
através da utilização dos sentidos remanescentes.120
Para deslocar-se com autonomia e segurança, o invisual precisa
de referências. Nos locais com os quais está familiarizado, desloca-se
sem qualquer tipo de apoio, porque já memorizou os pontos de referência
necessários. Mas, nos locais desconhecidos, tem
que recorrer a algumas ferramentas para reconhecer os possíveis
obstáculos que possa encontrar no seu percurso. Existem dois apoios
que o invisual pode utilizar para se orientar e deslocar: a bengala e o
cão-guia.
O fotógrafo Florian Bong-Kil Grosse, oriundo da Coreia do
Sul, documentou os movimentos de uma pessoa cega num ambiente
desconhecido - a quem estão a ser dadas instruções orientadoras
- para ilustrar as dificuldades decorrentes da situação. Ao observar
as fotografias do projeto Blind Walk (2011), podemos concluir que
os gestos são hesitantes e que o invisual não se guia pelas linhas
geométricas que pode encontrar no pavimento. A presença de uma
bengala ou de um cão-guia talvez o ajudasse neste sentido. Além
disso, está a ouvir as instruções de uma pessoa que fala à distância,
num espaço maioritariamente amplo, o que lhe causa muita
insegurança. Não sabe quando é que pode encontrar um obstáculo
ou um degrau. Numa entrevista para o site alemão Ignant, Grosse
disse:
Uma pessoa não pode ver nada e move-se através das minhas
instruções. Eu observo e documento a sua perda de controlo,
enquanto a oriento à distância. A sua coordenação e movimentos
continuam cautelosos e desajeitados, ao mesmo tempo, como uma
máquina. A diferença entre mim e a outra pessoa cresce na medida
em que eu posso claramente identificar-me como um objecto
estático. 121
Só quando o invisual compreende espacialmente o ambiente
que o envolve e consegue ganhar autonomia para percorrer esse
mesmo ambiente, é que pode realmente apreciar a experiência que
está a ter e atribuir-lhe um significado.
O último trabalho de Marina Abramovic, apesar de não ter
uma relação direta com o tema debatido na presente dissertação,
pode ser uma ilustração dos sentimentos de desorientação e insegurança
sentidos por um invisual quando não tem ferramentas que o ajudem
a orientar-se e deslocar-se sozinho.
Ao longo da sua prática artística, fortemente baseada na performance, Abramovic
produziu uma grande diversidade de
trabalhos - que inclui performances artísticas ao vivo, instalações,
esculturas, fotografias e vídeos – relacionados com o corpo. Generator
(2014) foi o primeiro exercício participativo, da sua autoria,
baseado na privação sensorial. Esta atividade marcou uma grande
mudança nas performances de Abramovic, tendo em conta que
não era uma obra de arte performativa dependente da sua presença
física. Contudo, Abramovic esteve presente na galeria durante a
maioria do tempo que esta decorreu e chegou a participar algumas
vezes. De qualquer das formas, a sua presença foi irrelevante para
os participantes, tendo em conta que eles estiveram com os olhos
vendados o tempo todo.
Para participar nesta atividade, os participantes foram vendados e
tiveram que colocar auscultadores para isolar completamente o som.
Com a visão e a audição anuladas, os participantes foram conduzidos
à galeria principal, que podia estar completamente vazia ou cheia
de gente. Aos participantes foram dadas instruções para percorrerem
o espaço, tocarem uns nos outros e permanecerem o tempo que
quisessem. Apesar de objetivamente a atividade ser igual para todos
os participantes, a experiência da mesma é extremamente diferente
para cada um. Ken Johnson, jornalista do New York Times, relatou
uma parte da sua experiência:
Depois de depositar o meu telemóvel e os meus óculos num
cacifo no “hall” de entrada, sou recebido por uma das assistentes da
Sra. Abramovic, uma jovem mulher vestida de preto. Ela diz-me
para levantar a minha mão quando estiver pronto para sair. Amarra
a venda à volta da minha cabeça, coloca-me os auscultadores e, depois
de me pegar na mão, lenta e suavemente leva-me para a galeria. À
medida que continuamos a andar, não tenho a certeza se ela vai
parar ou se está à espera que eu pare, então paro. Ela larga-me a
mão, e estou por minha conta. Fico de pé durante algum tempo, sem
ter a certeza do que fazer. Está silencioso mas não está um silêncio
completo. Consigo ouvir os sons abafados dos camiões que passam lá
fora e das pessoas que caminham no andar de cima.122
A experiência de Johnson foi muito marcada por esta incerteza do que fazer e
pelo medo de ir contra alguma coisa ou alguém, à
semelhança das pessoas que ficam cegas recentemente. Johnson
relata que não conseguia compreender a totalidade do espaço que o
rodeava e, como não viu a galeria anteriormente, não conseguia ter
noção das suas dimensões. Também não podia depender da audição
para saber se a galeria era grande ou pequena, porque não conseguia
ouvir os passos das pessoas que se dirigiam a ele.
A dada altura da experiência, começou a sentir-se
desconfortável e percebeu que não sabia há quanto tempo estava
lá dentro. Nesse momento, levantou a mão, a assistente foi buscálo
e retirou-lhe a venda e os auscultadores. Perguntou-lhe à quanto
tempo estava lá dentro e ela respondeu-lhe que já lá estava há uma
hora.
À semelhança da maioria das pessoas, Johnson fez um
paralelismo entre a experiência e a Alegoria da Caverna,123 na qual
Platão associou a visão à verdade. O intuito de Abramovic era
precisamente esse, utilizar a arte para afetar os participantes e os
fazer pensar. A artista performativa culpa a atual dependência na
tecnologia, o consumo visual excessivo e o ritmo acelerado da
vida urbana pelo facto de o Homem ter deixado de pensar em si
próprio.124 Apesar de Johnson ter interpretado que o valor da
experiência residia no regresso à realidade que ele conhecia, para
Abramovic este reside precisamente no tempo que a atividade
decorre.
A impossibilidade de perceber um espaço não reside na
incapacidade de ver, mas na incapacidade de o percorrer. O
movimento é o coração da Arquitetura e da sua prática.125
Mas como pudemos concluir através da análise das obras Blind
Walk (2011) e Generator (2014), para os invisuais este movimento
pode revelar-se uma experiência traumática. Por isso, é importante
perceber que o movimento dos invisuais está fortemente associado
ao tato, porque este sentido é a fonte primária de informação dos invisuais.
Posto isto, importa compreender que o movimento háptico126
envolve três tipos de toque: o toque ativo, o dinâmico e o passivo.
Enquanto o toque ativo e dinâmico requerem movimento do
próprio corpo, o toque passivo surge a partir da movimento do
próprio ambiente.127
Como o sentido táctil, ao contrário da visão, apenas recebe
informação através da experiência física aproximada, as superfícies
desempenham um papel-chave nas qualidades tácteis do ambiente.
Posto isto devemos considerar três características espaciais das
superfícies: a direção, a forma e a configuração.128
A direção refere-se à maneira como as superfícies são aplicadas
relativamente ao movimento físico do Homem. A aplicação de
superfícies ortogonais, por exemplo, é preferível quando estas
constituem elementos de orientação.
A forma refere-se ao facto de todas as superfícies poderem ser
aplicadas ou construídas num determinado ângulo relativamente
ao corpo. Isto resulta numa esquina que tem influência na experiência e
orientação.129 Para planos de movimento, as superfícies das paredes
devem estar a noventa graus, enquanto o chão deve ter um
inclinação entre 0 e 3. O mesmo se aplica aos planos de orientação.
A configuração refere-se ao número e à forma como as superfícies
são interligadas. Esta ligação entre planos ou superfícies podem
informar o invisual da sua localização. Tendo em conta que a
configuração depende maioritariamente da escala – a Arquitetura
pode ser experimentada em micro, meso e macro escalas – e que o
sentido do tato é proximal, quanto mais o arquiteto quiser integrar
a experiência háptica passiva no movimento, mais atenção deve dar
aos detalhes.130
Através da leitura das secções anteriores, podemos concluir
que para perceber um espaço, é necessário percorrê-lo, tocar
nas paredes, cheirar os materiais, ouvir o ranger das portas. De
acordo com Pallasmaa, há uma sugestão inerente de ação nas imagens
de Arquitetura, o momento de ativo encontro, ou uma promessa de função
e propósito. [...] É a possibilidade de ação que separa a Arquitetura de
outras formas de arte. Como consequência desta ação, uma reação física é um
aspeto inseparável da experiência arquitetónica.131
Posto isto, na seguinte secção vão ser analisados os componentes
da experiência estética dos invisuais em projetos de Arquitetura
destinados aos mesmos: a Glass House 2001 for a Blind Man, dos
arquitetos Penezic e Rogina; a Instalação Balnear da Lourinhã, do
arquiteto Carlos Mourão Pereira; e o Polytrauma and Blind Rehab
Centre, das empresas The Design Partnership e Smith Group, com a
colaboração do arquiteto Christopher Downey.
- NOTAS (2)
1 George Berkeley citado por Peter Lord e Duncan Templeton, The Architecture of
Sound:
Designing Places of Assembly (Londres: The Architectural Press, 1986), pág. 4.
-
2 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 10.
-
3 Hull, On Sight and Insight: a Journey into the World of Blindness, pág. 183.
-
4 Ibid., pág. 21.
-
5 Johann Gottfried Herder citado por Rachel May Walker, Material Matters: Louise
Bourgeois
and the Question of Materiality, 2010, pág. 7.
-
6 Constantin Brancusi foi um célebre escultor romeno, uma figura central do
Movimento
Moderno e um dos pioneiros da arte abstrata. A sua escultura é conhecida pela
elegância visual
e pela utilização de materiais sensíveis.
-
7 Sebastiano Barassi, «The Sculptor Is a Blind Man: Constantin Brancusi’s
Sculpture for the
Blind», em Sculpture and Touch, por Dr. Peter Dent (Bristol, Reino Unido:
Ashgate Publishing,
Ltd., 2014), pág. 169.
-
8 Jean-Jacques Rousseau foi um importante filósofo, teórico político, escritor e
compositor
autodidata suíço. É considerado um dos principais filósofos do Iluminismo e um
precursor do
Romantismo.
-
9 O Método Montessori é um conjunto de práticas desenvolvido pela médica e
educadora Maria Montessori, caracterizado pelo ênfase na independência e no
respeito pelo
desenvolvimento natural das habilidades físicas, sociais e psicológicas da
criança.
-
10 Barassi, «The Sculptor Is a Blind Man: Constantin Brancusi’s Sculpture for
the Blind»,
pág. 170.
-
11 Ibid.
-
12 Martin Jay é um professor de História na Universidade da Califórnia, em
Berkeley. É um
historiador cuja investigação ligou a História a outras atividades académicas,
como a teoria
crítica da Escola de Frankfurt, a teoria social, o criticismo cultural e a
historiografia.
-
13 Barassi, «The Sculptor Is a Blind Man: Constantin Brancusi’s Sculpture for
the Blind»,
pág. 170.
-
14 László Moholy-Nagy foi um designer, fotografo, pintor e professor de design,
conhecido
particularmente por ter leccionado na Bauhaus. Foi muito influenciado pelo
Construtivismo
Russo e era um defensor da integração da tecnologia e da indústria nas artes,
particularmente no design.
-
15 László Moholy-Nagy citado por Barassi, «The Sculptor Is a Blind Man:
Constantin
Brancusi’s Sculpture for the Blind», pág. 172.
-
16 Filippo Tommaso Marinetti citado por ibid.
-
17 Marcel Duchamp citado por ibid.
-
18 O registo de Roché está em desacordo com a data de execução da obra
atualmente
aceite.
-
19 Henri-Pierre Roché citado por Barassi, «The Sculptor Is a Blind Man:
Constantin
Brancusi’s Sculpture for the Blind», pág. 172.
-
A maioria dos peritos na obra de Brancusi considera esta descrição um mito
criado por
Roché. Alternativamente, Elio Grazioli sugere que, apesar de a data de execução
da obra ser
anterior, a ideia de a expor dentro de um saco foi de Marcel Duchamp, na
tentativa de inserir Brancusi na esfera do Dadaísmo. O que é certo é que não há mais registos
relativamente à
forma como a obra foi exibida, por isso podemos assumir que se aconteceu, foi um
evento
único.
-
20 John Haber, «Do Not Touch», Haber’s Art Reviews: Louise Bourgeois, 28 de
Setembro de2008, http://www.haberarts.com/louiseb.htm.
-
21 Louise Bourgeois citado por Walker, Material Matters: Louise Bourgeois and
the Question of
Materiality, pág. 6.
-
22 Haber, «Do Not Touch».
-
23 David Sylvester citado por Walker, «Material Matters: Louise Bourgeois and
the Question
of Materiality», pág. 7.
-
24 Sidney Geist citado por ibid.
-
25 Sidney Geist citado por ibid.
-
26 Técnica artística, que através da utilização da perspetiva, cria uma ilusão
óptica que faz
com que formas bidimensionais aparentem possuir três dimensões. É uma expressão
francesa
que significa enganar o olho e é utilizada na Pintura, na Escultura e na
Arquitetura.
-
27 Lorna Collins citado por Walker, «Material Matters: Louise Bourgeois and the
Question
of Materiality», pág. 8.
-
28 Zumthor, Pensar a Arquitectura, pág. 8.
-
29 László Moholy -Nagy, Do material à arquitectura.
(Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2005),
pág. 33.
-
30 Katz citado por S. Hesselgren, El lenguaje de la arquitectura (Buenos Aires:
Editorial
Universitaria de Buenos Aires, 1973), pág. 131.
-
31 Juhani Pallasmaa, «An Architecture of the Seven Senses», em a+u Architecture
and Urbanism: Questions of Perception (Tóquio: a+u Publishing Co., Ltd, 1994),
pág. 33 e 34
-
32 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 58.
-
33 Zumthor, Pensar a Arquitectura, pág. 7.
-
34 Ibid.
-
35 Rasmussen, Experiencing Architecture, pág. 85.
-
36 G. M. Wyburn, R. W. Pickford, e R. J. Hirst, Human Senses and Perception
(Toronto:
University of Toronto Press, 1964).
-
37 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 54
-
38 Hull, On Sight and Insight: a Journey into the World of Blindness, pág. 207.
-
39 Ibid.
-
40 Étienne Souriau citado por Willem Elias, «The Scent of a Colour, or the
Colour of
a Scent», Peter de Cupere, sem data, pág. 3,
http://www.peterdecupere.net/works/teksten/willem/text.pdf?Update=[type+Function]&top=17&bottom=341.4&left=18.1&right=589.9.
-
41 Ibid., pág. 1.
-
42 O ballet de cour é o nome dado aos ballets que eram desempenhados na Corte do
século
XVI e XVII.
-
43 Elias, «The Scent of a Colour, or the Colour of a Scent», pág. 1.
-
44 Jennifer Fisher e Jim Drobnick, «Perfumatives:Olfactory dimensions in
contemporary
art», The Aroma-chology Review, 1998, pág. 4.
-
45 Em 1965, o artista japonês Takako Saito, membro do grupo Fluxus, criou a obra
Smell
Chess, na qual substituiu as peças de xadrez por garrafas que continham
diferentes cheiros.
Os jogadores tinham que cheirar as peças antes de decidirem quais as jogadas que
iam fazer.
Consequentemente, o cheiro tornou-se um fator crucial para a evolução do jogo,
porque os
odores ficaram associados aos movimentos dos indivíduos na sociedade. Além
disso, o artista
também pretendia expandir a nossa percepção de um jogo que é culturalmente
ligado à masculinidade e à visão. Em 1972, a artista Judy Chicago criou Menstruation
Bathroom, cujo
cheiro a sangue pretendia acabar com os taboos relativamente à menstruação e com
associação
do corpo feminino à sujidade.
-
46 Joseph Beuys, «Introdução», em Joseph Beuys: We Go This Way, por Caroline
Tisdall
(Violette Editions, 2000), pág. 7.
-
47 Fred S. Kleiner, «Performance and Conceptual Art and New Media», em Gardner’s
Art
through the Ages (Cengage Learning, 2012), pág. 935.
-
48 Alguns autores questionam se a história é verdadeira, tendo em conta que a
obra de Beuys
mistura muitas vezes factos e ficção, mas o que podemos constatar é a presença
constante dos
dois materiais.
-
49 A Teoria da Escultura é o elemento central da visão de Beuys sobre a prática
estética. Esta
teoria expressa a crença de que todos os processos, tanto no mundo natural como
humanizado,
envolvem um movimento potencialmente contínuo entre os pólos de caos e ordem, ou
entre
os estados determinado e indeterminado. Para Beuys, o ideal é manter um estado
de equilíbrio
entre vontade, sentimento e pensamento.
-
50 Na série Fat Corners, Beuys estava a estudar os paradoxos da substância e da
transformação da mesma, quando transformou a gordura, um dos materiais mais
maleáveis,
em formas extremamente geométricas com ângulos rectos. Quanto à utilização do
feltro, para
Beuys, o significado é o mesmo. O feltro é um material que, como que a gordura,
pode ser
moldado de várias maneiras; está associado ao calor por causa das suas
propriedades isolantes
e, como é construído através de camadas de pêlos de animais, combina as
características
orgânicas do material com a estrutura e a ordem. Felt Suit (1970), The Felt IV
(1968) e o
chapéu que costumava utilizar em público são os melhores exemplos da utilização
do feltro.
-
51 Na série Fat Corners, Beuys estava a estudar os paradoxos da substância e da
transformação
da mesma, quando transformou a gordura, um dos materiais mais maleáveis, em
formasextremamente geométricas com ângulos rectos. Quanto à utilização do feltro, para
Beuys, o significado é o mesmo. O feltro é um material que, como que a gordura, pode ser
moldado
de várias maneiras; está associado ao calor por causa das suas propriedades
isolantes e, como
é construído através de camadas de pêlos de animais, combina as características
orgânicas do material com a estrutura e a ordem. Felt Suit (1970), The Felt IV (1968) e o
chapéu que
costumava utilizar em público são os melhores exemplos da utilização do feltro.
-
52 Joseph Beuys citado por Timothy O’Leary, «Fat, Felt and Fascism: The Case of
Joseph
Beuys», em Literature and Aesthetics, vol. 6 (Los Angeles, 1996), pág. 97.
-
53 Filip Luyckx, «The Collectors House», trad. Catherine Thys, Peter de Cupere,
pág. 2
54 Peter De Cupere, «Olfactory Art Manifest», 1 de Julho de 2014, http://olfactoryartmanifest.com/en/.
-
55 O Olfatismo é um termo derivado do verbo latino olfacere, que significa
cheirar. Apesar de
este termo também ser utilizado, por exemplo, na sinestesia, ele refere-se mais
ao significado
da sensação de cheirar, originado pelos outros sentidos, do que ao estimulo
olfativo. Ou seja, refere-se à ação e não ao odor enquanto conceito ou meio artístico.
-
56 De Cupere, «Olfactory Art Manifest».
-
57 «Peter de Cupere: Olfactory Art», CollabCubed, sem data,
http://collabcubed.
com/2012/05/11/peter-de-cupere-olfactory-art/.
-
58 Marta Intermezzo, «Invisible (SCENT) Paintings in Marta Museum - Herford,
Museum in Motion | Peter De Cupere», Peter de Cupere, Junho de 2014, http://www.peterdecupere.net/index.php?option=com_content&view=article&catid=1:exhibitionnews&id=142:invisible-scent-paintings-in-marta-museum-herford-museum-in-motion.
-
59 Priscilla Frank, «Artist’s “Blind Smell Stick” Guides Your Nose», The
Huffington Post, 19 de
Novembro de 2012,
http://www.huffingtonpost.com/2012/11/19/peter-de-cuperes-blindsmell-stick_n_2160522.html.
-
60 «Peter De Cupere’s “Blind Smell Stick” Helps You Find Your Way Using Your
Nostrils
(PHOTOS)», acedido 3 de Fevereiro de 2016, http://www.huffingtonpost.com/2012/11/19/peter-de-cuperes-blind-smell-stick_n_2160522.html.
-
61 Zumthor, Pensar a Arquitectura, pág. 7.
-
62 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 55.
-
63 Helen Keller citado por ibid.
-
64 Gaston Bachelard citado por ibid., pág. 54.
-
65 Gaston Bachelard citado por ibid.
-
66 Patrick Susskind citado por «Architecture and the Non-Visual Senses», pág.
14.
-
67 Gordon S. Grice citado por ibid., pág. 11.
-
68 Juhani Pallasmaa, Polemics: Architecture and the Senses, Great Britain
(Academy Group Ltd.,
1996), pág. 34.
-
69 Ibid., pág 34.
-
70 Ibid., pág. 34.
-
71 Hull, On Sight and Insight: a Journey into the World of Blindness, pág. 73.
-
72 Ibid.
-
73 Ibid., pág. 141.
-
74 Ibid., pág. 168–169.59 Priscilla Frank, «Artist’s “Blind Smell Stick” Guides
Your Nose», The Huffington Post, 19 de
Novembro de 2012,
http://www.huffingtonpost.com/2012/11/19/peter-de-cuperes-blindsmell-stick_n_2160522.html.
-
75 Lucien Febvre citado por Pallasmaa, Polemics: Architecture and the Senses,
pág. 18.
-
76 Emily Thompson, The Soundscape of Modernity: Architectural Acoustics and the
Culture of
Listening in America, 1900-1933 (Londres, Inglaterra: The MIT Press, 2002), pág.
115.
-
77 Ibid., pág. 115.
-
78 Ibid., pág. 117.
-
79 Michael Bull e Les Back, eds., The Auditory Culture Reader, Sensory Formation
Series
(Oxford: Berg, 2003), pág. 118.
-
80 Ibid., pág. 119.
-
81 Ibid., pág. 167.
-
82 Ibid.
-
83 Ibid.
-
84 Thompson, The Soundscape of Modernity: Architectural Acoustics and the
Culture of Listening in
America, 1900-1933, pág. 117.
-
85 Luigi Russolo citado por Robert Worby, «An Introduction To Sound Art», 2006,
http://www.robertworby.com/writing/an-introduction-to-sound-art/.
-
86 Hugo Ball citado por ibid.
-
87 Pitch é a qualidade que permite julgar os sons como altos e baixos, no
sentido que estão
associados a melodias musicais.
-
88 John Cage citado por Worby, «An Introduction To Sound Art».
-
89 Uma sala anecóica é uma sala na qual todas as superfícies absorvem os sons
nela
incidentes. É utilizada para medir campos de som diretos das fontes sonoras.
-
90 «Harry Bertoia Sonambient Sculpture», Harry Bertoia, 2015,
http://www.harrybertoia.org/sonambient.html.
-
91 Caixa de ar, em certos instrumentos musicais, que serve para reforçar o som
produzido por
obras vibrantes ou por diapasões.
-
92 John Grayson, ed., Sound Sculpture: a collection of essays by artists
surveying the techniques,
applications and future directions of sound sculpture (Vancouver, Canadá: A.R.C.
Publications,
1975), pág. 20.
-
93 Brian O’ Doherty, Inside the White Cube (California: University of California
Press, Ltd.,
1999), pág. 44.
-
94 A Ecologia Acústica consiste no estudo da relação entre os organismos vivos e
o seu
ambiente sonoro.
-
95 Conceito que tem origem na palavra inglesa Soundscape e que se caracteriza
pelo estudo e
análise do universo sonoro que nos rodeia.
-
96 Zumthor, Atmosferas, pág. 29.
-
97 Zumthor, Pensar a Arquitectura, pág. 11.
-
98 Ibid., pág. 12.
-
99 Rasmussen, Experiencing Architecture, pág. 232.
-
100 Hull, On Sight and Insight: a Journey into the World of Blindness, pág.
26–27.
-
101 Bull e Back, The Auditory Culture Reader, pág. 118.
-
102 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 63.
-
103 Pallasmaa, «An Architecture of the Seven Senses», pág. 30.
-
104 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 63.
-
105 Ibid.
-
106 Ibid.
-
107 Douglas Vieira de Aguiar Aguiar, «Espaço, Corpo e Movimento: notas sobre a
pesquisa
da espacialidade na arquitetura», Arqtexto8, 2006, pág. 76.
-
108 Ibid., pág. 77.
-
109 Henri Lefebvre, The Production of Space (Cambridge: Blackwell, 1991), pág.
63.
-
110 Le Corbusier citado por Jacques Gubler, «Motion, Émotions: notes sur la
marche à pied
et l’architecture du sol», Revista Nu, Julho de 2007, pág. 26.
-
111 Le Corbusier citado por ibid.
-
112 Le Corbusier citado por ibid.
-
113 Aldo Van Eych citado por ibid., pág. 29.
-
114 Zumthor, Atmosferas, pág. 43.
-
115 Ibid.
-
116 Ibid.
-
117 R. Weishaln, Orientation and mobility in blind children (Nova Iorque:
Englewood Cliffs,
1990), pág. 59.
-
118 J. Pathas citado por Olga Solange Herval Souza, Itinerários da inclusão
escolar: múltiplos
olhares, saberes e práticas (Editora AGE Ltda, 2008).
-
119 Josephine Miller, «Vision, a component of locomotion», Journal of Chartered
Society of
Physiotherapy, 1967, pág. 114.
-
120 Weishaln, Orientation and mobility in blind children, pág. 59.
-
121 Florian Bong-Kil Grosse citado por Caroline Kurze, «Blind Walk», 7 de Março
de 2012,
http://www.ignant.de/2012/03/07/blind-walk/.
-
122 Ken Johnson, «At Marina Abramovic’s ‘Generator,’ Blindfolds Are Required»,
The New
York Times, 6 de Novembro de 2014,
http://www.nytimes.com/2014/11/07/arts/design/atmarina-abramovics-generator-blindfolds-are-required.html?_r=1.
-
123 A Alegoria da Caverna - também conhecida por Parábola da Caverna, Mito da
caverna
ou Prisioneiros da Caverna - foi escrita pelo filósofo grego Platão e é parte
integrante da
obra A República (Livro VII). Trata-se da exemplificação nos podemos libertar da
escuridão, associada à ignorância, através da luz, associada à verdade ou conhecimento. Na
Alegoria da
caverna, Platão reflete sobre a teoria do conhecimento, a linguagem e a educação
na formação
do Estado Ideal.
-
124 Erin Whitney, «Why Marina Abramovic Is Not Your “F*cking Guru”», The
Huffington
Post, 26 de Novembro de 2014,
http://www.huffingtonpost.com/2014/11/26/marinaabramovic-generator_n_6214916.html.
-
125 Christy Anderson e David Karmon, «On foot: Architecture and movement»,
Architectural Review, Outubro de 2015,
http://www.architectural-review.com/rethink/viewpoints/what-does-the-extraordinary-activity-of-walking-upright-bring-to-the-study-ofarchitecture/8689972.fullarticle. 126 Ligação entre movimento físico e perceção háptica.
-
127 Ann Heylighen e Jasmien Herssens, «Haptic design research: A blind sense of
place»
(Katholieke Universiteit Leuven),
http://www.aia.org/aiaucmp/groups/aia/documents/pdf/aiab087187.pdf.
-
128 Ibid.
-
129 Ibid.
-
130 Ibid
-
131 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 63.
FIM
Experiência Estética para Invisuais é um excerto (capítulo I) da obra
'ARQUITETURA PARA INVISUAIS: A Experiência Estética da Habitação'
de Ana Sofia Melo das Neves
Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura
sob orientação do Professor Doutor Armando Rabaça
Departamento de Arquitectura Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra Fevereiro 2016
Δ
1.Jul.2017 publicado
por
MJA
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