
Aluno cego explora com as mãos a cara
de um colega
INTRODUÇÃO
Inclusão é uma tarefa complexa, que exige do educador múltiplos saberes da prática
educativa, principalmente porque pressupõe o respeito para com as diferenças existentes entre os
educandos, independentemente de sua capacidade ou dificuldade, de sua origem socioeconômica
ou cultural, em escolas e classes que se propõem a atender às necessidades individuais e
coletivas dos mesmos.
Dessa reflexão inicial e a partir de inferências a respeito da inclusão, em classes
regulares, de alunos sem o sentido da visão – facto relativamente recente e sobre o qual existe um
desconhecimento quase que generalizado por parte dos educadores buscamos,
neste texto, fazer
um recorte da pesquisa empreendida sobre as estratégias de ensino utilizadas com um aluno
cego, a fim de expor e analisar qualitativamente quais são, e como estão sendo utilizadas essas
estratégias para facilitar a aprendizagem desse aluno, em classe regular. Em nossa pesquisa
enveredamos em um universo escolar da rede particular de ensino o
Instituto Educacional Casa
Escola – IECE, situada em Natal/RN, que, ao longo de uma década, vem primando por uma
prática pedagógica onde todos possam aprender num mesmo espaço, interagindo com seus pares.
A investigação foi empreendida com base em uma pesquisa bibliográfica e num estudo de caso,
utilizando como recurso metodológico a pesquisa participante.
Sabemos que a aprendizagem ocorre quando uma série de condições é satisfeita, tais
como:
-
quando o aluno é capaz de relacionar, de forma não arbitrária e substancial, a nova
informação com os conhecimentos e experiências prévias e familiares que possui em sua
estrutura de conhecimentos;
-
quando tem motivação e disposição de aprender significativamente;
-
quando os materiais e conteúdos de aprendizagem têm significado potencial lógico;
-
quando
existem materiais e instrumentos apropriados,
-
assim como uma adequada organização de tipos
específicos de atividades e de estratégias de ensino oferecidas.
Baseados em Sanchez (2001) e Haris & Hodges (1999), entendemos como estratégias
de ensino os procedimentos que incluem operações ou atividades que perseguem um propósito
determinado. São, portanto, mais que habilidades de estudo.
A execução das estratégias de ensino ocorre associada com outros tipos de recursos e
processos cognitivos de que dispõe qualquer aprendizagem, tal como nos exemplos citados por
Harris & Hodges (1999): processos cognitivos básicos; bases de conhecimento; conhecimentos
estratégicos e os conhecimentos metacognitivos.
Podendo agrupar-se, segundo sua efetividade
para determinados materiais de aprendizagem, em estratégias de: repasse de informações;
elaboração; organização de informações e estratégias de recuperação.
No processo educacional de alunos cegos, a utilização de estratégias de ensino deve,
também, considerar:
o grau de aceitação da condição de ser cego; as implicações decorrentes da
cegueira; as características e o funcionamento próprios de cada sentido – tato, olfato, audição,
paladar; além de instrumentos e recursos didáticos disponíveis na atualidade, tais como: a leitura
através do Sistema Braille, o Sorobã para os cálculos matemáticos, a audição de livros falados, os materiais didáticos adaptados, a tecnologia, os objetos concretos e
reais que o rodeiam, além
das proposições didáticas e da formação do professor que deve ser conceitual, reflexiva e prática.
Vale ressaltar que as crianças cegas são como quaisquer outras. Este é o postulado
principal a ser compreendido por todos os educadores que trabalhem com deficientes visuais.
Elas têm, basicamente, as mesmas necessidades emocionais, intelectuais e físicas relativas a todo
ser humano. Portanto, cabe ao professor perceber essa similitude, sem esquecer da
individualidade de cada uma e, como afirma Amaral (1999, p. 83):
ter confiança na sua experiência e conhecimento (como ser humano e
profissional), "além de" estabelecer níveis realísticos de expectativas para a
criança, quer na escola, quer no lar (tanto no que se refere às aquisições de
conhecimentos e habilidades, quanto à disciplina e conduta). A criança responde
bem quando sabe que é esperado dela e quando o esperado está de acordo com
suas habilidades.
Logo, é importante que o aluno cego seja orientado a seguir as mesmas regras da sala
de aula e as normas de disciplina, exatamente como qualquer outro aluno deve seguir. Deve ser
estimulado a participar de todas as atividades do dia-a-dia
escolar, sendo-lhe
apresentadas
alternativas que o tornem capaz de realizá-las
com o mesmo nível de dificuldade conferido aos
demais alunos.
O professor pode, ainda, solicitar orientação da parte de um colega especialista das
equipes de educação especial existentes nas Secretarias de Educação dos estados ou municípios,
ou de profissionais de instituições especializadas, que estão aptos a ajudar o professor a adaptar
os materiais para o aluno, a fazer transcrição do sistema comum de escrita para o Braille e vice-versa,
bem como para sugerir modificações necessárias e, até mesmo, por questão de segurança,
no desenvolvimento das atividades (por exemplo, em atividades práticas, dentro e fora da
classe).
Um outro fator a ser salientado é que não cabe, nem ao professor de classe comum,
nem ao professor especializado, assumir o papel de terapeuta. Ele deve ser competente naquilo
que faz, reconhecer seus limites e procurar superá-los
a partir da pesquisa em obras afins,
consulta a profissionais especializados em outras áreas, com vistas a utilizar múltiplas estratégias
de ensino e avaliação alternativa para atender às necessidades de seus alunos. É importante,
também, acreditar na capacidade que eles têm de aprender e de desenvolver suas
potencialidades, no convívio com os alunos sem limitação visual.
É importante que haja uma ação provocativa do professor, desafiando a todos os
educandos a refletirem sobre as situações vividas, a formular e reformular hipóteses,
encaminhando-se
a um saber enriquecido.
Ao planejar atividades de ensino e aprendizagem para uma turma/classe com alunos
com deficiência visual incluídos, necessário se faz considerar os estímulos a serem priorizados
na apresentação das mesmas. O campo de atividades é vastíssimo e variado, pois são
semelhantes às aplicadas aos alunos videntes. Em quase todas as atividades há a possibilidade de
adaptação, considerando a necessidade da disciplina ministrada, a disponibilidade de espaço
físico e o material existente.
1.1. Estratégias, atividades e instrumentos favoráveis ao processo de organização dos
conhecimentos, também, por alunos cegos.
Em vários documentos oficiais existem recomendações quanto ao conteúdo curricular
a ser trabalhado na classe, que deve ser o mesmo, tanto para os alunos com visão emétrope
(normal) como para os alunos cegos. Para estes últimos, propõe-se
ênfase especial na
aprendizagem concreta, na instrução unificada (associação dos demais sentidos) e na autoatividade.
As explicações de aula podem ser dadas da mesma forma, no entanto, o professor deve
primar para que sejam descritivas e concretas e, sempre que possível, possibilitar que o aluno
cego manipule objetos e materiais que sejam os mais próximos possíveis do real e que facilitem
a compreensão e, conseqüentemente, sua participação nas atividades.
Para tanto, uma variável muito importante na metodologia é sua adequação aos
diferentes estilos de aprendizagem dos alunos e, em particular, dos alunos cegos, para propiciar a
aquisição de estratégias de aprendizagem. Conforme Martín (2003, p. 291), sempre que possível,
o professor deve tentar integrar os seguintes pontos ao estilo particular de cada aluno:
-
Formas de codificar e decodificar a informação (dimensão cognitiva);
-
Motivações, interesses, responsabilidades, senso de risco, atenção,
interação com os outros membros da comunidade educativa, etc. (dimensão
afetiva);
-
Campo da percepção sensorial (dimensão física) e as reações entre os
distintos estímulos exteriores.
Quanto às atividades a serem desenvolvidas com os alunos, os autores ressaltam que
representam um elemento curricular característico da qualidade de aprendizagem do aluno e da
maneira como o professor ensina, e que devem ser estruturadas observando os seguintes
critérios:
-
Que sejam coerentes com as exigências da organização do conteúdo;
-
Que correspondam ao nível de assimilação e estruturação das informações
do aluno;
-
Que se adaptem aos canais de recepção de informação preferenciais:
auditivo, visual, tátil, etc;
-
Que sejam adequadas ao seu estilo de aprendizagem;
-
Que estejam ligadas às expectativas, interesses e motivações do aluno;
-
Que promovam novos processos do conhecimento. (MARTÍN et al, 2003,
p. 291)
Os critérios apontados nos fazem refletir sobre a unidade entre o ensino e a
aprendizagem que, segundo Libâneo (1994), tende a ocorrer quando, de um lado, o professor tem
clareza quanto a determinados objetivos e apresenta o conhecimento sistematizado através de
métodos apropriados e, de outro, quando o aluno é capaz de compreendê-los
e aplicá-los
com
consciência e autonomia.
Para Libâneo (op.cit. p. 84), o professor propõe objetivos, conteúdos, tendo em conta as características dos
alunos e da sua prática de vida. Os alunos por sua vez, dispõem em seu
organismo físico-psicológico
de meios internos de assimilação ativa (...):
percepção, motivação, compreensão, memória, atenção, atitudes e
conhecimentos disponíveis
Estabelecendo uma relação com os postulados vygotskyanos sobre o ensino e a
aprendizagem, destacamos a importância que representa a atividade conjunta, a relação de
cooperação entre alunos e entre estes e o professor.
As capacidades cognoscitivas apontadas devem ser habilmente estimuladas através de
um ensino que possibilite o desenvolvimento de habilidades que conduzam o aluno a patamares
superiores de representação mental dos conteúdos ministrados, como a reflexão contínua, a
capacidade de análise e síntese e a generalização de fatos e idéias, a compreensão dos fenômenos
naturais, sociais, econômicos, políticos e econômicos, que são condições precípuas para melhor
compreensão e inserção no mundo, das ações e relações que se materializam nas práticas sociais.
É interessante ressaltarmos que, para o bom desenvolvimento de canais de recepção
de informações, não é necessário apenas que se deixe o aluno escutar, cheirar, tocar e explorar as
coisas, os objetos, mas que o ensine a ouvir, a cheirar, a tocar, para o qual é imprescindível a
educação destes sentidos.
Isto é importante para todas as crianças, porém adquire maior
relevância no caso das crianças cegas ou com baixa visão devido à utilidade dos sentidos
remanescentes na relação com os objetos, coisas e pessoas. No estudo de minerais, por exemplo,
podemos através da utilização de estratégias de observação, trabalhar a nomenclatura das
principais texturas (fina, rugosa, suave, lisa, áspera), bem como peso e forma. Na proposição
dessa atividade, Soler A. (1999) sugere a utilização de uma ficha na qual o aluno irá registrando
as descobertas sobre os minerais observados, tais como: forma, peso, textura, cor, solidez, sabor,
odor, composição entre outras características observadas.
É, portanto, primordial que todos os educandos, e em particular, o aluno cego,
disponham de todos os recursos necessários para ter acesso ao currículo comum, já que a
dificuldade dos alunos cegos não está relacionada aos conteúdos a serem adquiridos, mas aos
meios com os quais o sistema educativo conta para ensiná-los,
podendo ocorrer o paradoxo de
haver o aluno incluído fisicamente na sala de aula, mas precisando de integração educativa
propriamente dita.
O aluno cego também deve ser incluído em todas as áreas do currículo escolar, de que
todos os demais alunos deveriam participar: arte, música, dança, teatro, educação física,
biblioteca e outras atividades especiais, como as aulas de campo. O coordenador ou professor
especialista poderá sugerir algumas modificações que sejam necessárias nestas áreas, até mesmo
por medidas de segurança.
Entre as estratégias e atividades desenvolvidas pelos professores da escola que se
constituiu em nosso campo de pesquisa, discorreremos, com mais detalhes, sobre: discussão em
grupo, gravações, uso de material concreto (minerais, mapas, plantas, animais, entre outros),
utilização de maquetes, reproduções diversas (de folhas, animais, etc.), dramatizações, audição
de músicas, dos sons do próprio ambiente etc., trabalhos individuais e em grupos, atividades de
pesquisa, aulas de campo.
Observamos que a aquisição do conhecimento acadêmico pela criança cega
investigada se processava através da leitura no Sistema Braille, do Sorobã, por meio do computador e dos sentidos que lhe restam. Destes últimos, o mais utilizado era,
sem dúvida, a
audição, o que contraria ou limita a aprendizagem multisensorial , que favorece um aprendizado
mais rico e significativo para a pessoa que não dispõe do sentido da visão.
O conteúdo curricular era o mesmo, tanto para os alunos com visão emétrope
(normal) como para o aluno cego, e o nível de complexidade também era o mesmo, pois o aluno
não demonstrava muitas dificuldades em acompanhar o raciocínio do grupo, embora
apresentasse dificuldades na habilidade de escrever e ler no Sistema Braille e de manusear o
instrumento de estudos da matemática – o sorobã.
O aluno cego seguia as mesmas regras da sala de aula e as normas de disciplina,
exatamente como os demais alunos. Era estimulado a usar a bengala perante o que manifestava
grande resistência, o que pode ser considerado natural entre os adolescentes cegos. Também
havia aprendido uma técnica de autoproteção, que consistia em elevar a mão esquerda à altura do
rosto e manter a mão direita na altura da cintura para esquivar-se
dos obstáculos.
Percebemos que o aluno já havia alcançado um certo grau de independência e
autonomia em muitas atividades que fazia. Sabia orientar-se
espacialmente no âmbito da escola,
sem dificuldades, o que se deve ao cuidado que os educadores daquela instituição tiveram de
ambientar o aluno nas dependências da mesma.
Percebemos que a aprendizagem concreta e a instrução unificada (associação dos
demais sentidos) e autoatividade
eram estimulados, porém, em doses ainda lentas, devido às
possibilidades que a própria instituição apresentava e devido ao desconhecimento dos próprios
professores sobre como proporcionar tais ações.
As explicações em sala de aula eram dadas da mesma forma para todos os alunos,
sem, no entanto, a devida preocupação em primar pela descrição e pela manipulação, por parte
do aluno cego, de objetos e materiais que facilitassem a compreensão do que estava sendo
exposto. Em alguns momentos, para atender à necessidade individual do aluno, as explicações
eram repetidas individualmente e com a utilização de algum material didático que favorecia a
compreensão, tal como quando a professora da 4ª série explicava ao aluno a formação de Classes
Numéricas utilizando, para tanto, o Sorobã e o Material Dourado (recurso didático que auxilia as
crianças a construírem o significado dos números, especialmente no que diz respeito à
sistematização do Sistema Decimal e à compreensão dos algoritmos convencionais das quatro
operações).
Quanto ao processo avaliativo e de promoção do aluno cego, seguiam os critérios
adotados para todos os demais alunos tal como orienta os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1999), focalizando a utilização de instrumentos de avaliação que permitiam ao educando a
expressão através do Sistema Braille ou da verbalização, os aspectos do desenvolvimento
biológico, intelectual, motor, emocional, social, comunicação e linguagem; o nível de
competência curricular e o estilo de aprendizagem.
Os professores, em geral, utilizavam amplamente a avaliação escrita. Como sabiam
Braille, ditavam as questões para que o aluno digitasse as respostas. Vale salientar que as
questões eram as mesmas dirigidas aos demais alunos. O tempo é que era um pouco mais
alargado, devido às características da própria avaliação e do aluno.
Os alunos, em geral, são avaliados bimestralmente pelos professores através, também,
de um relatório individual onde discorriam sobre os aspectos do desenvolvimento biológico,
intelectual, motor, emocional, social da comunicação e da linguagem dos alunos.
O registro do conteúdo das aulas, pelo aluno, era feito exclusivamente na máquina de
datilografia Braille, visto que nem ele nem a escola, dispunham de reglete, o que seria de grande valor no momento em que a máquina falhasse, como certa vez veio a
acontecer, ficando o aluno
sem fazer os registros, até que fosse providenciada uma outra máquina.
O aluno, na instituição pesquisada, era estimulado a participar de todas as áreas do
currículo escolar. Logo, era comum vê-lo
participando de atividades que envolviam artes,
músicas, danças, teatro, educação física, biblioteca e outras atividades especiais, como as aulas
de campo, conforme descreveremos a seguir.
Há, na escola, uma vez por semana, o momento do “Cantando Juntos”, onde todos
os alunos e seus professores sentam no pátio para cantarem músicas, tais como: Música POP e
Música Popular Brasileira MPB,
cujo repertório era cuidadosamente escolhido pelos próprios
alunos. Entre os cantores e grupos musicais escolhidos estavam: Marisa Monte, Caetano Veloso,
Rita Lee, Ivete Sangalo, Geraldo Azevedo, Luis Gonzaga, Skank, Titãs, Kid Abelha, entre outros.
Outra estratégia utilizada se constitui em aulas de campo através das quais o
aluno pôde vivenciar momentos de aprendizagem concreta no: Planetário e zoológico em João
Pessoa; nas salinas situadas no município de Galinhos/RN; no Museu Câmara Cascudo, aqui em
Natal; na Bienal do Livro, na UFRN. Nestas aulas eram fornecidas ao aluno cego informações
adicionais que o aproximassem do que os outros alunos estavam percebendo pelo canal visual. A
descrição do ambiente associava-se,
sempre que possível, ao toque das coisas, dos objetos.
Lembramos que o sucesso das aulas de campos depende do conhecimento que o
professor venha a ter da área a ser estudada, da definição clara dos objetivos a serem alcançados,
dos procedimentos e de quais materiais didáticos são mais adequados à realidade tanto de alunos
com deficiência visual, quanto de alunos videntes.
A dramatização também se constitui em uma estratégia bem utilizada pelas
professoras. Observamos que o aluno cego representava os textos trabalhados com desenvoltura
após terem sido lidos, interpretados e reescritos em classe.
Nas aulas de Técnicas Agrícolas , através da execução do Projeto Viveiro no
qual se desenvolviam atividades de cultivo da terra, plantação de hortas e, se incentivava o
cuidado com animais domésticos (tais como: coelhos, tartarugas, jabutis e aves) pudemos
observar que a professora utilizava a estratégia de observação e registro, por ela mesma, do que
fora observado.
Em atividades que requeriam a representação do conteúdo estudado através de
imagens não-verbais,
como o desenho, as professoras estimulavam o aluno cego a fazê-lo ao mesmo tempo em que os demais alunos produziam os seus, adaptando a atividade à sua
deficiência e utilizando material específico, tal como uma base de cartão revestida com tela
sobre a qual o aluno colocava o papel ofício e com um lápis cera fazia o desenho que ficava em
relevo. Também era comum o aluno desenhar utilizando-se
de tinta a dedo e cola colorida.
Um dos recursos que foi por nós estimulado entre as professoras das duas séries
investigadas, constituiu-se
na confecção e exposição de Murais, painéis e cartazes táteis de
temas estudados, nos quais as informações também apareciam em Braille.
A finalidade didática dos cartazes, painéis e murais táteis pode ser diversa. No estudo
dos conteúdos de Ciências, por exemplo, as mais importantes são as seguintes: classificar e
estudar materiais selecionados, representar espacialmente a distribuição de materiais extraídos da
natureza, estimular a criatividade e a imaginação dos alunos, conservar e colecionar materiais
naturais.
Nas aulas de Educação Física, em 2002, no entanto, pudemos observar a promoção de
jogos onde o aluno cego estava incluído, interagindo em todos os momentos, com ou sem ajuda
dos colegas. Jogos onde não existiam vencedores nem perdedores, fortes, nem fracos, mas onde
todos eram incentivados a valorizar a inclusão de todos, respeitando as diferentes possibilidades de participação. Também havia um clima de cumplicidade entre os
participantes, pois lhes era
dado o direito de refletirem sobre possibilidades de mudar o jogo, na perspectiva de que ninguém
ficasse de fora.
Uma estratégia bastante positiva e muito utilizada pelos professores, conforme
observamos nas aulas de Artes, Educação Física, Informática, Inglês e nas atividades da
professora titular (também denominada de polivalente), tanto na 3ª quanto na 4ª série, foi
possibilitar ao aluno cego expressar-se
verbalmente sobre a compreensão que tinha em relação a
tudo o que era proposto em sala de aula e sobre suas experiências anteriores. Tal procedimento
permitiu ao próprio aluno, em nosso entender, conscientizar-se
de seus conhecimentos do ponto
de vista científico e de senso comum, o que potencialmente contribuiu para que assimilasse os
conceitos trabalhados e reconstruísse seus próprios conceitos.
Como podemos perceber, o tato é um grande fornecedor de conhecimentos e,
portanto, imprescindível no desenvolvimento da aprendizagem de pessoas cegas. O tato é o
sentido que oferece ao cérebro os mais variados tipos de informação procedentes dos meios
externo e interno, em razão dos receptores próprios desse sentido se distribuírem ao longo de
toda a superfície cutânea e estarem ligados às vias nervosas correspondentes para enviar ao
córtex cerebral uma ampla gama de informações codificadas.
Para que uma pessoa assimile e acomode aprendizagens através dos estímulos táteis,
entre outros, é imprescindível o bom desenvolvimento biológico e afetivo do sentido do tato, ou
seja, é preciso desenvolver experiências positivas do contato pele a pele como o aconchego de
uma criança no colo de seus pais, por exemplo, que desencadeia sentimentos profundos de afeto,
amor, dedicação entre outros. Tais experiências são, segundo Rios González (1984, apud
SOLER, 1999), de extrema importância para a formação dos indivíduos.
Para o bom desenvolvimento do tato não é necessário, apenas, que se deixe a criança
tocar e explorar as coisas, os objetos, mas que a ensine a tocar. Para tanto, é imprescindível a
educação deste sentido. Salientamos que isto é importante para todas as crianças, porém, adquire
maior relevância no caso das crianças cegas ou com visão subnormal devido à utilidade do tato
para elas na relação com os objetos, coisas e pessoas.
Todas as ações educativas, até então descritas fruto
da observação em classe durante
nossa pesquisa estão
de acordo com as estratégias e atividades propostas pelos autores
pesquisados, pois apontam para uma aprendizagem onde a interação com o outro e com o objeto
direto do conhecimento se torna imprescindível, não só para os alunos videntes, mas também e,
necessariamente, para os alunos sem o sentido da visão.
É preciso acrescentar que é de fundamental importância, para responder a essas
exigências, que se promova uma boa formação inicial, bem como uma formação permanente e
diversificada dos professores, a fim de que possam melhorar suas habilidades de trabalho, de
avaliação e de registro de suas ações educativas.
CONSIDERAÇÕESO estudo que desenvolvemos junto a uma escola da rede particular de ensino do
município de Natal/RN, possibilitou-nos
a reflexão, entre outros aspectos, sobre as estratégias de
ensino possíveis, também, de serem utilizadas com alunos cegos, a fim de proporcionar-lhes
aprendizagens significativas.Do que foi pesquisado, parafraseando o grande mestre Paulo Freire (1989),
através das “leituras de mundo” (no campo de pesquisa) e da “leitura da palavra” (leituras dos
autores pesquisados e dos discursos proferidos na escola campo de pesquisa), podemos concluir,
nesse momento, que uma criança cega não é uma criança menos desenvolvida que as videntes,
ela apenas estabelece relação com o mundo que a cerca de forma diferente, pois se utiliza de
meios e instrumentos próprios para fazê-lo,
tais como: habilidades perceptivas táteis e
sinestésicas; sistemas simbólicos alternativos e recursos materiais como a bengala; sistema de
escrita Braille; materiais didáticos adaptados.
A convivência com a diferença nos faz perceber, entre tantas outras coisas, que não é
a falta do sentido da visão, por exemplo, que tem condenado pessoas à marginalidade, ao
esquecimento, ao abandono e, sim, a arrogância das relações de poder instituídas e das
concepções ideologias de homem e sociedade ideais, concebidas ao longo da história da
humanidade. Assim, as pessoas cegas podem ser olhadas e entendidas como pessoas diferentes,
sim, enquanto aparência, enquanto forma de comunicação, enquanto indivíduo, mas iguais às
demais pessoas, enquanto capacidade produtiva e relacional, com enorme potencial a ser
desenvolvido e com possibilidades de desenvolver vários trabalhos e serviços de que a sociedade
precise, desde que lhes sejam oferecidas oportunidades e condições necessárias.
Temos claro que são muitas as dificuldades encontradas nas escolas para atender às
crianças com necessidades educacionais especiais em geral, tais como: falta de informação e de
compromisso ético e político com a profissão; dificuldades de adaptação de material; resistência
da família e desinformação; problemas sócioeconômicos
dos educandos e educadores; falta de
apoio por parte das escolas, dos colegas e do próprio governo, em suas três instâncias; alto custo
de materiais; arraigamento a procedimentos metodológicos que enfatizam a deficiência como
explicação para o atraso na aprendizagem, em detrimento das possibilidades de desenvolvimento
e de aprendizagem que o aluno apresenta.
Contudo, acreditamos nas possibilidades aqui apresentadas como meio de dinamizar
a prática e de promover uma educação que possibilite não só às pessoas com deficiência visual,
mas a todos os considerados 'especiais', a oportunidade de avançarem no desenvolvimento de
suas capacidades e potencialidades, com vista ao exercício de sua cidadania.
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aos Parâmetros Curriculares Nacionais/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
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Mediação, 2000.
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Brasília: MEC/CNE, 2001.
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Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, 1997.
-
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-
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professor).
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Paulo: Santos Editora Ltda, 2003.
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MASINI, Elcie F. S. Intervenção educacional junto a pessoa deficiente visual. In: Deficiência:
alternativas de intervenção. São Paulo: Casa do psicólogo, 1997.
-
SOLER, MiquelAlbert
Martí. Didáctica multisensorial de las ciências: un nuevo método para
alumnos ciegos, deficientes visuales, y también sin problemas de visión. Barcelona:
Once/Piadós, 1999.
ϟ
Estratégias de Ensino utilizadas, também, com
um Aluno Cego, em Classe Regular
Luzia Guacira dos Santos Silva
(Secretaria Municipal de Educação Natal/
RN)
Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Fonte: UFPI
29.Mai.2014
publicado
por
MJA
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