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A plate from Johannes
Kepler's "Ad Vitellionem Paralipomena..." (1604)
illustrating the structure of eyes
índice
A percepção visual é item fundamental na avaliação funcional de uma criança.
É preciso observar com cuidado a resposta visual apresentada por ela durante o
período em que está sendo avaliada. A resposta dada pela criança poderá vir de
forma imediata, como também após alguns minutos de estímulo dependendo da
intensidade luminosa, cor, adaptação do ambiente, entre outros. Perceber
visualmente significa discriminar, reconhecer e interpretar esses estímulos
recebidos. E, por estar presente em quase todas as ações da vida é considerada
de extrema importância no processo global e diretamente relacionada com o treino
das demais funções. Segundo Frostig existem cinco capacidades de percepção
visual relevantes para o desenvolvimento escolar. Sejam:
1) A Coordenação visomotora
2) A Percepção de posição no espaço
3) A Percepção de relações espaciais
4) A Constância perceptual
5) A Percepção figura-fundo
Desta forma, para que a criança desenvolva habilidade funcional visual para
sua escolaridade através da visão, torna-se necessário que esta desenvolva essas
capacidades, iniciadas desde o nascimento, e que, algumas crianças apresentam
déficits. Para tanto, torna-se criterioso acompanhamento de oftalmologista
especializado, bem como atendimentos com profissionais capacitados. É preciso
utilizar-se de critérios para escolha de tais profissionais. Entre eles, a
experiência do profissional com relação ao tratamento e diagnóstico.
A percepção visual decorre da
conexão entre dois mecanismos, o “ver” (de caráter fisiológico) e o “olhar” (de
caráter cognitivo e psicológico). O ato de “ver” envolve a percepção pelo olho
de padrões de luz (móveis / estáticos, sombra / matiz) e a transferência dessas
informações para o cérebro. O “olhar”, no entanto, está revestido de artifícios
psicológicos, onde o cérebro combina operações perceptivas e conceituais para
responder a estímulos visuais com interpretação intencional do significado.
Por incrível que pareça, muitas pessoas ainda confundem estes termos...
Inclusive tenho presenciado várias situações que comprovam estas colocações.
Há
alguns anos, tive o privilégio de atender uma criança, na época com
aproximadamente 9 anos de idade. Esta criança é portadora de Retinopatia da
Prematuridade (graus I e II) e catarata congênita (afácico), no entanto, não
utilizava seu resíduo visual para nenhuma atividade diária, apresentava
dificuldades no caminhar, falar e expressar-se, segundo avaliações realizadas
pela equipe, todos os comprometimentos eram de ordem emocional, salvo alguns
atrasos motores devido a ausência de estímulos.
Quando iniciei a avaliação funcional visual, me surpreendi com as repostas, e,
mais ainda quando percebi que a mesma teria possibilidade de uma aprendizagem
através da escrita em negro (até então a criança estava sendo alfabetizada no
Braille pela terceira tentativa consecutiva). Então, após inúmeros atendimentos,
avaliações (inclusive oftalmológica, claro!) e Estudos de Casos freqüentes, em
parceria com a oftalmologista, decidimos alfabetizá-la no negro.
Foi uma
reviravolta, a professora de Sala de Aula, bem como, a maioria dos profissionais
da Escola Especial, acharam um erro. Fizeram inúmeras reuniões, inclusive com a
presença da oftalmologista, na tentativa de compreender o caso, pois, para
todos, tratava-se de uma criança cega. A professora, temerosa pela situação de
mudança, veio ao meu encontro com a figura de um sino (estava em período natalino). A figura tomava toda a folha ofício A4. A professora alegou que havia
mostrado a figura à criança e perguntado se ela estava vendo a figura. A criança
disse que não. Então, solicitei que esta me trouxesse a criança para uma
demonstração. Após a saída da professora, peguei uma nova folha ofício A4, fiz
um único ponto com uma caneta preta comum (bic ponta grossa), quase no centro da
folha e, quando chegaram, perguntei a criança se poderia me ajudar a encontrar
um ponto que havia perdido na folha. A professora ficou surpresa com a rapidez
que o ponto foi encontrado pela criança e a satisfação que sentia por ter
ajudado foi tamanha que há muito não se ouvia sua voz, mesmo assim em tom firme
e alto ela dizia: - Não fica triste, não. Ta aqui ó...
Acredito que esta experiência é suficiente para comprovar a diferença entre o
“ver” e o “olhar”. É preciso seguir critérios para se avaliar essas crianças.
Procurar, pesquisar, experimentar junto com ela.
Mas, para isto, inicialmente, se faz necessário um melhor esclarecimento quanto
à relação da deficiência visual (cegueira e baixa visão) e do processo de
aprendizagem. Devem ser levadas em conta suas condições físicas, mentais,
sociais, cognitivas, enfim... devemos olhar para ela como um todo e em partes
também.
Um deficiente visual portador de baixa visão possui uma incapacidade para “ver”
e conhecer visualmente o mundo em sua volta. No entanto, suas capacidades e seu
potencial sendo estimulado propiciarão o desenvolvimento visual, bem como de
suas habilidades visuais que consistem o ato de “olhar”.
A identificação e o tratamento precoce de distúrbios oculares na infância
constituem prioridades para os programas de prevenção da cegueira. As medidas
preventivas devem ser planejadas e estabelecidas, pois, esses programas visam a
preservação e/ou melhoria da visão, contribuindo, assim, para o alcance de
melhor qualidade de vida e baseia-se na necessidade de identificar e tratar
pessoas, ainda em tempo de manter a própria independência.
Conforme BARRAGA (1978), a aprendizagem visual depende não apenas do olho, mas
também da capacidade do cérebro de realizar as funções. A capacidade de
funcionamento visual da criança depende fundamentalmente de seu desenvolvimento.
Quanto mais a criança é estimulada a olhar, principalmente em pequena distância,
mais estimula os canais perceptivos para o cérebro. Conforme o cérebro recebe
mais e mais informações, há uma eventual acumulação de variedades de imagens em
sua memória visual ainda em amadurecimento.
Pode-se deduzir então que percepção e cognição parecem ser processos
interdependentes, e que variam de pessoa para pessoa, de acordo com a fisiologia
do olho e os seus caracteres psicomotores, cognitivos e afetivos (condições
emocionais e sócio-emocionais).
Portanto, a problemática social que envolve a criança com visão prejudicada é
extremamente abrangente, variante de sua habilitação ou reabilitação,
dependentes de um processo educacional que a prepare para ser independente.
A criança com baixa visão, sem dúvida alguma, apresenta falhas na percepção da
realidade que a cerca, bem como das formas, tamanhos e cores dos objetos. Daí a
dificuldade de se utilizar livros comuns, mesmo ampliados, nesta fase da
aprendizagem, uma vez que estes apresentam pluralidade de formas e cores,
impossíveis de serem percebidas e interpretadas.
Faz-se necessário redimensionar a interpretação a que a percepção consiste
apenas na capacidade de registro de informações sensoriais para que haja uma
concepção do aprendizado, entre outros, com ênfase na memória visual, no
raciocínio, na atenção, na estratégia de resolução de problemas e nos conceitos
específicos.
Esse contexto se mostra convincente para redimensionar o padrão clínico para um
enfoque educacional cujo parecer está em equilibrar o desenvolvimento da
percepção visual com as demais áreas do desenvolvimento infantil, visando assim
à globalização na evolução de suas habilidades. Tendo em vista esta
problemática, torna-se necessário que a criança aprenda a usar sua visão para
identificar e discriminar estímulos visuais, a princípio, simples e isolados,
devendo gradativamente atingir estímulos mais complexos. As formas geométricas
simples são indicadas para desenvolver, inicialmente, na criança, a habilidade
de identificar, discriminar e perceber estímulos visuais.
O tempo de aprendizagem de uma criança com baixa visão varia de acordo com as
condições e estímulos que serão oferecidos a ela. Concordando com Kato (1995),
quando faz alusão a velocidade e precisão com que uma palavra é percebida ou
lida, assim também a aprendizagem visual de caracteres varia de acordo com o
registro no léxico visual pela freqüência como o leitor já foi exposto estando
acoplado ao seu sentido, pelo conhecimento de regras e imposições a que está
sujeita e da capacidade de raciocínio que lhe permite também antecipar itens
ainda não vistos.
A "Estimulação Visual" abrange um conjunto de procedimentos sensibilizadores da
habilidade perceptiva visual, visando o emprego adequado da visão da criança com
comprometimentos ópticos diversos, não passíveis de correção refrativa
satisfatória, que acarreta complicações em seu desenvolvimento global da
aprendizagem e no desempenho da vida cotidiana.
Portanto, só após um trabalho criterioso e bem dosado é que a criança com
resíduo visual será capaz de identificar e discriminar formas, figuras, letras,
palavras e frases. Necessário se faz adaptar recursos didáticos e utilizar o
sistema de escrita e leitura ideais para as condições visuais desta criança. No
entanto, não obstante à limitação sensorial, estas crianças gozam da mesma
capacidade que desenvolvemos na infância, ou seja, de construir conhecimentos a
partir da interação com o meio ambiente, da relação com as pessoas, objetos e
acontecimentos, levando-nos a tomar consciência de nossa existência
individualizada, do outro e do mundo ao nosso redor, identificando-se com as
demais pessoas humanas.
A estimulação do pensar, agir e processar são fatos importantes. Porém, de nada
valem se não houver interesse por parte do educador em conhecer e interagir com
a criança, ou seja, identificando suas diferentes fases, sejam físico-motoras,
cognitivas, visuais e outras, visando o aluno como um ser construtivo. A
aprendizagem só acontece diante de um ensino dinâmico, concreto e participativo,
vigente de uma mudança na conduta, analisada em diferentes ângulos.
Muitas pessoas têm enviado mensagens pela internet ou por via telefone
solicitando ajuda, informações e sugestões para trabalhos com portadores de
baixa visão. Alguns são familiares (pais numa maioria) ou profissionais
inseridos em salas para atendimentos a deficientes visuais sem nenhum preparo
prévio ou até mesmo com conhecimento básico, mas inseguros com relação à
prática.
Sabemos que os atendimentos às pessoas com resíduo visual têm sido realizados,
numa maioria de forma intuitiva, variantes ao interesse do profissional
responsável pelo serviço. Além disso, é grande a dificuldade ao acesso de
informações, bem como, as técnicas e métodos de avaliação e aplicação de
programas, além do apoio profissional ser insuficiente.
A estimulação e reabilitação visual destina-se à aquisição de habilidades,
formação de atitudes e noções que estimularão o desenvolvimento
percepto-cognitivo da pessoa com resíduo visual, levando-a a buscar soluções
para o crescimento de seu raciocínio lógico e abstrato, bem como para problemas
ligados à sua vida, de forma interativa, estabelecendo relações lógicas entre
ela e o mundo de cores e formas que a cerca.
Para isto, necessário se faz a ciência da diferença entre acuidade e
funcionalidade visual:
>> A acuidade visual é a capacidade de discriminação de
formas, medida por Oftalmologistas por meio de apresentações de linhas, símbolos
ou letras em tamanhos diversificados. A pessoa com baixa acuidade visual
apresenta dificuldades para perceber formas, sejam de perto, longe, ou em ambas
as situações (Souza, et al., 2005).
>> A funcionalidade visual seria o desempenho
visual, da maneira como as pessoas apreendem o mundo externo, como organizam ou
reorganizam a sua percepção. De acordo com Amiralian (2004, p.21): "a falta de
clareza sobre o que realmente significa enxergar menos leva a uma fragilidade do
conceito que identifica o que é e como se constitui a pessoa com baixa visão”.
Para esta autora, a falta de identificação dessas pessoas como sujeitos de baixa
visão e o deslocamento de seu déficit visual para outras áreas, dificultam sua
educação e/ou reeducação e a formação de sua personalidade.
É preciso desenvolver a capacidade, trabalhar os conceitos, organizar e
reorganizar a percepção visual, estimulando habilidades viso-cognitiva,
trabalhando atividades de vida diária e orientação e locomoção, harmonizando uma
evolução global.
Toda a aprendizagem tem que ser feita através de experiências concretas e vividas
com o corpo interior. Vayer diz que a criança precisa “agir, falar, constatar,
controlar, corrigir e descobrir para depois interiorizar”, no entanto, Piaget
afirma que não basta agir, é imprescindível refletir sobre as ações realizadas
para que ocorra a significação.
A criança possui uma mente absorvente e, tendo em vista esta problemática,
torna-se necessário que ela aprenda a usar sua visão para identificar e
discriminar estímulos visuais.
Para Carvalho et al. (2002), os principais fatores que dificultam a integração
de um aluno com baixa visão na escola são a aceitação e a flexibilidade, por
parte de professores, das suas reais necessidades, limitações e habilidades.
Isto ocorre devido falta de informações sobre as diversas características que
esta criança possa apresentar, classificando-a como cega, ignorando sua
capacidade visual. Muitas vezes, este comportamento ocasionará dificuldades na
construção da personalidade por parte da criança, possivelmente provocará
inúmeros questionamentos (quem sou? cego? vidente? Por que outros são capazes de
perceber coisas que eu não percebo?) (AMIRALIAN, 2004).
Como critério de avaliação, deve-se direcionar o programa de atendimento para as
bases da aprendizagem, ou seja, noções básicas (visuais) do período preparatório
e, após o diagnóstico realizar um planejamento intercalando o material a ser
utilizado (necessidade para a percepção visual) e o conteúdo a ser trabalhado
(necessidade para função visual). No entanto, estas noções básicas somente devem
ser trabalhadas quando a criança já possuir um poder de acomodação satisfatório.
Imaginamos uma criança que possua apenas percepção luminosa, com acomodação a
luminosidade (cores) e escuro. Já consegue identificar quando a luz acende ou
apaga e até as cores apresentadas com uso de lanterna e luz direta. O primeiro
passo está na identificação da distância, perto/longe, ou do tamanho,
grande/pequeno (neste caso poderão ser utilizadas lanternas grandes e pequenas).
Sempre devemos ter o cuidado de trabalhar conteúdos de domínio e de objetivo, ou
seja, se já é capaz de identificar as cores poderão ser feitas atividades lúdicas
com esse objetivo, com o intuito de favorecer a confiança e a atenção da criança
e, somente depois com a continuidade do atendimento, inserindo na atividade o
propósito a ser alcançado (desenvolver mais uma capacidade da função visual).
Essa atividade é a chave para o pleno desenvolvimento das habilidades visuais. É
preciso que o profissional esteja atento para as respostas fornecidas pela
criança, seja, em suas palavras, postura e comportamentos. É fundamental que o
conteúdo seja trabalhado de forma isolada, tendo o cuidado de facilitar o
raciocínio da criança, sem exigir-lhe muito esforço evitando assim a fadiga, ou
seja, primeiro exercitar o que já sabe pedindo a esta respostas do que vê e
depois trabalhar para desenvolver uma habilidade sem cobranças de respostas,
apenas estimulando para que estas brotem com naturalidade.
Assim sendo, uma das preocupações que se deve ter ao iniciar o processo de
estímulos para desenvolver a interpretação de imagens (cor, formas, figuras e
letras) está em identificar qual o nível de escolaridade da criança e qual
conteúdo não-verbalizado está radicado. Segundo Piaget, o pensamento da criança
ocorre de acordo com o estágio de desenvolvimento em que se encontra.
Existem inúmeros recursos que podem facilitar e somatizar a aquisição de
habilidades visuais seja no lar, na escola, no lazer... As adaptações realizadas
com relação ao conteúdo escolar, no ambiente familiar, no ambiente de lazer
contam com o apoio do profissional, técnico em baixa visão, em parceria com
familiares e voluntários.
Vale salientar que o atendimento de estimulação visual não correspondem aos
atendimentos realizados em sala de aula, afinal, nas escola se trabalha o
conteúdo, o objetivo maior está em adquirir conhecimentos; na estimulação visual
se trabalha o funcionamento visual, o objetivo maior está em adquirir
capacidades e habilidades visuais. Existem também, os serviços de assessoria
familiar e escolar. No entanto, este tema ficará para uma próxima postagem.
-
AMIRALIAN, M. L.T.M. Sou cego ou enxergo? As questões da baixa visão. Revista
Educar, Curitiba, n. 23, p. 15-28, 2004.
-
CARVALHO, K. M. M.; et al. Visão subnormal: orientações ao professor do ensino
regular. 3 ed. rev. Campinas: Ed.UNICAMP, 2002.
-
SOUZA, A. D.; BOSA, C. A.; HUGO, C.N. As Relações entre deficiência visual congênita, condutas do espectro do autismo e estilo materno de Interação.
Revista de Estudos de Psicologia, v. 22, n. 4, p 355-364, 2005.
-
VENTORINI, Silvia Elena. A experiência como fator determinante na representação
espacial do deficiente visual / Silvia Elena Ventorini. – Rio Claro: [s.n.],
2007. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Geociências e Ciências Exatas
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27-Jan-2010
publicado
por
MJA
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