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RESUMO | O ensino de física para alunos cegos apresenta
barreiras naturais quando os métodos tradicionais são
utilizados em sala de aula. Este artigo apresenta uma
alternativa para estimular o aprendizado de física por parte
de alunos cegos.
É possível ensinar física a alunos cegos ou com baixa visão? Minha vivência
pessoal e meus estudos indicam que sim, principalmente se alguns cuidados forem
tomados. Em primeiro lugar, é preciso criar ou adaptar equipamentos que emitam
sons ou possam ser tocados e manipulados. Isto é necessário para que o aluno
consiga observar o fenômeno físico a ser estudado. Em segundo lugar, o professor
deve evitar o uso de gestos, figuras e fórmulas que somente podem ser vistos.
Isso significa que o professor deve usar materiais de apoio em braile, gráficos
em relevo, calculadora falante e, quando preciso, tocar nas mãos dos alunos para
apresentar-lhes alguma explicação.
Para auxiliar os professores de física que possuem em sua sala de aula alunos
cegos ou com baixa visão, apresento neste artigo três atividades para o ensino
do conceito de aceleração.
Quando elaborei essas atividades, procurei tomar o cuidado para que o aluno
com deficiência visual participasse ativamente, quer dizer, observasse os
fenômenos, as explicações do professor e, principalmente, apresentasse suas
interpretações. Tenho verificado que é muito importante que o aluno com
deficiência visual fale aquilo que já sabe e que está aprendendo. Por isso,
sugiro aos professores que incentivem seus alunos a falar sobre o assunto
trabalhado em classe. Para tanto, organizem momentos de debates entre os alunos,
valorizem suas idéias e interpretações, procurem compreendê-las e procurem se
fazer compreendidos. Na seqüência, apresento as atividades.
Atividade 1:
o atrito e o conceito de desaceleração
Esta atividade tem por objetivo dar ao aluno com deficiência visual condições
de:
a) Compreender o atrito como resultado do contato e do deslizamento de uma
superfície sobre outra.
b) Observar tatilmente o comportamento do movimento de blocos de madeira
sobre superfícies de diferentes polimentos.
Para atingir os objetivos apresentados, utilize os seguintes materiais:
Kit 1
- Três superfícies, sendo uma áspera como uma lixa, outra bem lisa, e uma
outra com um polimento intermediário;
- Blocos de madeira em formato de paralelepípedo, de mesmas superfícies e
diferentes massas. Sugiro usar blocos de madeira com massas de 100g, 300g, e
500g.
Foto 1. Blocos de diferentes massas sobre as superfícies.
Kit 2
- Uma superfície de apoio enrugada;
- Um objeto com a superfície de apoio enrugada. Tanto a superfície quanto o
objeto, devem permitir ao aluno com deficiência visual observar com o tato suas
saliências.
Para construir as superfícies enrugadas, utilizei pequenas pedras. Pode-se,
por exemplo, utilizar pedras de asfalto. Cole as pedras nas superfícies como
indicado na Foto 2.
Foto 2. Bloco enrugado sobre a superfície enrugada.
Kit 3
(a) Um pedaço de cabo de vassoura de 30 cm de comprimento, fixo
perpendicularmente a uma pequena tábua de 30 cm de comprimento por 20 cm de
largura. Este objeto representa uma reta normal a uma superfície;
Foto 3. Representação de uma reta normal à uma superfície.
(b) Três pedaços de madeira de 5 cm de largura por 15 cm de comprimento,
fixos paralelamente a uma pequena tábua de 30 cm de comprimento por 20 cm de
largura. Este objeto representa retas paralelas.
Foto 4. Representação de retas paralelas.
A condução da atividade
Pode-se conduzir a atividade em quatro etapas.
Etapa de experimentação. Nesta etapa, siga os seguintes procedimentos:
(a) Separe os alunos em grupos de 4 alunos e distribua para cada grupo o
Kit 1;
(b) Leia para seus alunos o problema central da atividade;
(c) Solicite aos alunos para que empurrem os diferentes blocos de madeira em
diferentes posições sobre as superfícies lisas e ásperas, e para que percebam
tatilmente o que ocorre com o movimento desses blocos nas diferentes
superfícies.
Questões centrais da atividade (1):
- Quais são os principais fatores que influenciam o movimento do bloco? O
“peso” do objeto é importante? Seu formato é importante? Ambos são importantes?
Como podemos descobrir?
- Como se pode notar no problema central, utilizei o termo “peso” em vez de
“massa”. Tomei esta decisão porque a idéia de peso é mais comum aos alunos do
que a de massa. Mas, ao longo da atividade, o professor poderá ir esclarecendo
aos alunos os significados desses conceitos físicos.
Etapa de discussão de problemas: Organize um debate entre os grupos para que eles apresentem suas opiniões
sobre aquilo que observaram.
Etapa de exposição de modelos: Para explicar aos alunos a relação entre o atrito e a aceleração, faça-os
tocar nos materiais do Kit 2. Em seguida, diga a eles que as superfícies dos
referidos materiais representam superfícies ao nível atômico ampliadas.
Explique-lhes que o atrito surge devido a irregularidades existentes entre as
superfícies em contato. Complemente suas explicações lendo aos alunos o texto
sobre o atrito.
Etapa de avaliação: Leia aos alunos a questão avaliativa da atividade e ouça
suas respostas.
Questão avaliativa: Como uma pessoa, em repouso sobre a superfície gelada e
muito lisa de um lago, poderia alcançar a margem?
É importante não considerar as respostas dos alunos como definitivas. Eles
poderão estar modificando suas formas de pensar em momentos fora da aula. Para
isto, procure fazer anotações sobre pontos principais das respostas dos alunos.
Utilize essas anotações para comparar as respostas dos alunos apresentadas na
primeira atividade com as respostas apresentadas nas atividades seqüentes. Por
exemplo, a ativ. 2 aborda novamente o tema da aceleração. Verifique se nesta
atividade seus alunos utilizarão conhecimentos elaborados por eles ou
apresentados por você na atividade 1.
Texto sobre o atrito
Para iniciarmos o movimento de um bloco que está apoiado sobre uma
superfície, sentimos uma certa resistência. Geralmente, assim que o movimento do
bloco se inicia, essa resistência diminui. Isto ocorre porque quando fazemos a
superfície de um corpo escorregar sobre a de outro, cada corpo exerce sobre o
outro uma força paralela às superfícies. Essa força é denominada força de
atrito. A força de atrito sobre cada corpo tem sentido oposto ao seu movimento
em relação ao outro corpo, e dessa forma as forças de atrito se opõem ao
movimento, nunca o favorecem.
Em nosso dia a dia, o atrito exerce uma função fundamental. O início do
movimento de um carro, por exemplo, só é possível porque existe uma força na
direção e no sentido do movimento do mesmo. O processo é basicamente o seguinte:
a queima do combustível no motor provoca o movimento de pistões, que é
transmitido para as rodas e, consequentemente, para os pneus.
Estes, através de uma força de contato, empurram o chão para traz, e o chão,
empurra o carro para frente. Sem a força exercida pelo chão, o carro não sairia
do lugar e os pneus deslizariam sobre o asfalto. Se não houvesse o atrito, ou
seja, se tudo fosse muito liso e escorregadio, caminhadas, corridas, passeios de
carro, de ônibus etc., se tornariam quase impraticáveis.
Segurar um punção ou mesmo ler um texto em braile seriam tarefas complexas. O
que diferencia uma determinada superfície de outra é a natureza dessa
superfície, bem como sua condição de polimento e de lubrificação.
Entretanto, como representado no Kit 2, ao nível atômico, mesmo a superfície
mais cuidadosamente polida está longe de ser plana. Portanto o atrito depende do
grau de polimento dos materiais que formam os objetos e da lubrificação entre
eles. Se as superfícies de contato forem polidas e lubrificadas, a intensidade
dos contatos nas uniões será menor, diminuindo a força de atrito.
Dessa forma, para atenuar os efeitos do atrito, costuma-se colocar
lubrificantes entre as duas superfícies, pois, os óleos diminuem os números de
uniões entre as mesmas.
Atividade 2:
queda dos objetos
Esta atividade possui dois objetivos:
(a) Dar condições para que o aluno com deficiência visual ouça e perceba
tatilmente a queda de um objeto.
(b) Dar condições para que o aluno com deficiência visual calcule a
velocidade e a aceleração de queda do objeto.
Para atingir os objetivos apresentados, construa um artefato para que seus
alunos possam notar por meio da audição e do tato a aceleração de um objeto
durante sua queda. Sugiro um equipamento elaborado em meu doutorado e que
denominei: “Interface sonora para queda dos objetos”.
Esse equipamento permite que alunos com deficiência visual percebam auditiva
e tatilmente a queda de um disco dentro de um tubo. Além disto, o artefato
registra em relevo o movimento de queda do disco. Este registro permite aos
alunos fazer cálculos de velocidade e aceleração da queda. Para construir o
artefato mencionado, utilize os seguintes materiais:
a) Tubo de PVC de 1,8 m de altura com 102 mm de diâmetro interno.
Foto 5. Tubo de PVC do artefato: interface sonora para queda dos objetos.
b) Sensores magnéticos para alarme.
c) Um disco metálico e um imã.
Foto 6. Disco metálico preso à fita de papel.
d) Chapa dobrada.
e) Bobina, oscilador e potenciômetro.
f) Fita de papel para marcador de tempo. Utilize um pedaço de fita de papel
de 2 m de comprimento com marcações em alto relevo de 1 cm. Essas marcações,
feitas ao longo de toda fita, têm por objetivo fazer com que o aluno com
deficiência visual obtenha as distâncias entre os pontos marcados na fita de
papel pelo marcador de tempo.
Foto 7. Fita de papel com as marcas superiores e
as marcas feitas pelo vibrador
(marcas centrais).
g) Um fio de nylon de aproximadamente 3 m de comprimento. Esse fio tem por
objetivo retirar o disco de dentro do tubo após a queda do mesmo. Além disso,
ele pode ser utilizado para controlar com as mãos a velocidade de queda do
disco.
Para montar o artefato, perfure o tubo a cada 15 cm e, nesses furos, coloque
os sensores magnéticos para alarme. No topo do tubo, coloque uma chapa dobrada
por onde o papel (fita para marcador de tempo) passará durante a queda do disco.
Ainda no topo do tubo prenda a bobina com o oscilador e o potenciômetro e ajuste
a freqüência mais adequada de impacto para a agulha que perfurará o papel
enquanto o disco cai dentro do tubo.
Este equipamento permitirá que o aluno com deficiência visual observe
auditivamente a queda do objeto dentro do tubo. Permitirá também que se realizem
análises quantitativas do movimento de queda.
Para conduzir a atividade, siga os seguintes passos:
(a) Separe os alunos em grupos de no máximo três pessoas. Cada grupo de
alunos deverá realizar o experimento de deixar cair o objeto dentro do tubo,
ouvindo dessa forma a queda do mesmo. Em seguida, os grupos de posse da fita de
papel poderão seguir os passos descritos abaixo.
(b) Escolha uma unidade de tempo qualquer. Quando apliquei a atividade em uma
sala de aula com alunos com deficiência visual, escolhi como unidade de tempo
cinco batidas do vibrador.
Denominei cada batida de tique. Assim, minha unidade de tempo ficou sendo
“cinco tiques”. Depois, os grupos deverão numerar a fita de papel com intervalos
inteiros de unidade de tempo. Para tanto, reforce com a ajuda de um instrumento
pontiagudo as marcas escolhidas e deixadas na fita de papel pelo marcador de
tempo. É preciso que se reforce as marcas para que os alunos com deficiência
visual consigam percebê-las bem. Se esta atividade for aplicada em uma sala de
aula que tenha alunos com e sem deficiência visual, os colegas videntes poderão
auxiliar seus colegas com deficiência visual nesta tarefa.
(c) Solicite aos alunos para que, com o auxílio das marcas de 1 cm em relevo,
meçam o comprimento de cada intervalo numerado na fita de papel.
Aproveite este momento para fazer algumas perguntas a seus alunos: Esses comprimentos são iguais? Por quê? A diferença entre cada intervalo
consecutivo é constante? Qual é o significado físico desses comprimentos?
(d) Solicite aos alunos para que calculem a velocidade média em cada
intervalo, e o valor da variação da velocidade em cada intervalo consecutivo.
Para isto, instrua-os para subtraírem o valor da velocidade média, em um
intervalo de tempo, pelo valor da velocidade média no intervalo anterior. Repita
este procedimento em vários intervalos e compare os resultados. Neste momento, você pode apresentar aos alunos a questão: A variação da
velocidade foi constante?
(e) Solicite aos alunos para que calculem a aceleração em cada intervalo. Para isso, instrua-os a dividir a variação da velocidade pelo intervalo de
tempo correspondente a essa variação (cinco tiques).
Para os cálculos, os alunos poderão utilizar uma calculadora falante ou o
material em braile. Quando apliquei esta atividade em uma sala de aula com
alunos com deficiência visual, notei que eles faziam bem os cálculos e decoravam
os valores obtidos. Mas isso pode não acontecer com seus alunos. Se for preciso,
ajudeos com os cálculos e com os registros dos valores. Mais uma vez, o
professor deve incentivar a participação dos alunos videntes nos cálculos e no
registro dos valores, no caso de se trabalhar com uma classe que tenha alunos
com e sem deficiência visual. É muito importante o contato entre eles nas
atividades em sala de aula.
Avaliação
Depois dos alunos terem realizado as medidas e cálculos anteriormente
mencionados, leia para eles a seguinte questão avaliativa:
- Como seriam as marcas deixadas por um vibrador em uma fita de papel presa a
um objeto que se move com velocidade constante?
Para finalizar, organize um debate entre os alunos sobre a questão
avaliativa.
Aproveite o debate para observar a compreensão dos alunos sobre o fenômeno
gravitacional. Procure observar se as aprendizagens obtidas na atividade (a)
foram utilizadas pelos alunos durante este debate. Lembrese, o processo de
aprendizagem não é uniforme, e muitas vezes ocorre em momentos de reflexão fora
da sala de aula. Proporcione problemas interessantes para que seus alunos pensem
durante a semana ou entre uma atividade e outra. Isto é algo muito importante
para a qualidade da aprendizagem de seus alunos.
Atividade 3:
problemas com muitas respostas - posição de encontro
Esta atividade tem por objetivo trabalhar um problema com muitas
possibilidades de respostas. Este problema apresenta um evento sonoro que
descreve uma possível colisão entre um trem e um carro. Como o professor vai
notar, as soluções do problema exigem a análise do fenômeno físico envolvido, a
formulação de hipóteses e a realização de várias tentativas e aproximações.
Utilize os seguintes materiais durante a realização desta atividade:
a) Rádio para tocar CD ou fita.
b) A gravação do evento sonoro (em CD ou fita cassete).
Evento sonoro: Um carro se aproxima de uma ferrovia. O motorista nota por
meio do som do apito e das rodas do trem o movimento do mesmo. Conseguirá o
motorista do carro frear o veículo para que não haja colisão?
[Este evento sonoro
foi gravado em um estúdio e está disponível para download em http://www.fc.unesp.br/pos/ciclos/index.htm
. Deve clicar em download e depois no arquivo audio9.mp3].
Para conduzir esta atividade, siga os procedimentos descritos:
a) Separe os alunos em grupos de quatro e apresente-lhes a gravação do evento
sonoro.
b) Proporcione aos alunos um momento de reflexão e discussão sobre a questão
do evento: “Conseguirá o motorista do carro frear o veículo para que não haja
colisão?”
c) Proporcione um momento para o debate entre os grupos. Como esta atividade
apresenta um problema com muitas possibilidades de respostas para uma possível
colisão entre um carro e um trem, ela pode proporcionar aos alunos condições
para a realização de um estudo qualitativo acerca da posição de encontro de
veículos. Incentive seus alunos a apresentar respostas sobre o evento sonoro.
Valorize as respostas de todos os alunos. Organize essas respostas; se for o
caso, destaque as diferenças entre as respostas, promova momentos de reflexão
entre os alunos. Após um certo tempo de discussão faça sínteses, inclusive para
chegar a situações físicas mais específicas como o movimento com aceleração
constante.
Se houver dúvidas sobre algum ponto das atividades, não deixe de entrar em
contato comigo pelo e-mail
camargoep@dfq.feis.unesp.br
ϟ
O
Ensino de física para alunos cegos ou com baixa visão
in Física na Escola,
v. 8, n.º 1, Maio 2007
[Suplemento da Revista Brasileira de
Ensino de Física]
Eder Pires de Camargo
[Departamento de Física e Química
-
Faculdade de Engenharia da Universidade
Estadual Paulista]
Δ
22.Set.2008
publicado
por
MJA
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