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 Sobre a Deficiência Visual

O Ensino da Biologia na Deficiência Visual

Camila Reis dos Santos & Vanessa Burgos Manga
 

 

O ensino da Biologia no contexto comum e especial

No tema que segue, buscaremos abordar os principais parâmetros envolvidos na disciplina de Biologia, no que diz respeito ao Ensino Médio comum e especial. Devido ao fato dos sujeitos desta pesquisa pertencerem ao Ensino Médio, o foco será direcionado para esta etapa da educação escolar. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio do ano de 2000, o Ensino Médio no país vem passando por etapas decisivas e bruscas de mudanças, principalmente no que diz respeito à construção de um currículo diferenciado. Este novo modelo propõe também alterações importantes na postura do professor, incentivando uma busca de novas abordagens e metodologias por parte deste profissional. O ensino antes definido como descontextualizado e compartimentalizado – baseado no acúmulo de informações – perde seu espaço para um novo tipo de ensino agora contextualizado, que incentiva a interdisciplinaridade, o raciocínio e a capacidade de aprender.

No que tange o ensino de Ciências e de Biologia, em particular, pretende-se adequar conteúdos ao cotidiano dos alunos através da tomada de temas transversais como, por exemplo: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e orientação sexual. No Ensino Médio, os PCN’s têm o “duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor na busca de novas abordagens e metodologias” (BRASIL, 2001, apud KRASILCHIK, 2008).
 

[...] Muitos educadores, diante desse quadro, admitem que a biologia, além das funções que desempenha no currículo escolar, deve passar a ter outra, preparando os jovens para enfrentar e resolver problemas, alguns dos quais com nítidos componentes biológicos, como o aumento da produtividade agrícola, preservação do ambiente, a violência etc. De acordo com essa concepção, os objetivos do ensino de Biologia são: aprender conceitos básicos, analisar o processo de investigação científica e analisar as implicações sociais da ciência e da tecnologia. (KRASILCHIK, 2008, p. 20)

A tomada desses objetivos propostos no ensino biológico traz uma nova realidade para os currículos, uma vez que novos assuntos necessitem ser adicionados aos programas curriculares.

Assuntos não só que delimitem a Ciência pura, como também aqueles que tratem da aplicação da Biologia na solução de problemas reais.

No âmbito da Educação Especial, o Artigo 58 da LDB 9394∕96 normatiza os direitos dos alunos com necessidades especiais da rede regular de ensino, também o Médio, como, por exemplo, o apoio especializado na escola, estrutura física escolar de acesso adequado, entre outros. A educação especial passa a ser então oferecida pelo Estado aos alunos a partir da educação infantil (zero a seis anos) e segue por toda a sua formação acadêmica.

O currículo e as técnicas de ensino, bem como os recursos utilizados no processo ensinoaprendizagem devem atender as demandas desses educandos. Referente aos alunos com deficiências visuais, não há, por exemplo, a implantação normatizada de recursos táteis para a apreensão do conhecimento, como maquetes e modelos tridimensionais, o que facilitaria em larga escala a compreensão dos conteúdos de Biologia, já que diminuiriam o nível de abstração dos assuntos tratados, trazendo ao alcance das mãos a aproximação entre a teoria e a apropriação facilitada do conhecimento.
 

[...] A inclusão escolar é uma realidade e, como tal, merece ser encarada de forma contextualizada no cotidiano escolar. A proposta de uma educação inclusiva é muito maior do que somente matricular o indivíduo na escola comum, implica dar outra lógica à escola, transformando suas práticas, suas relações interpessoais, sua formação, seus conceitos, pois a inclusão é um conceito que emerge da complexidade, e como tal, exige o reconhecimento e valorização de todas as diferenças que contribuiriam para um novo modo de organização do sistema educacional. (apud DRAGO; RODRIGUES, 2008, p. 66)


Considerações metodológicas

Como objetivo geral, este estudo pretendia, entender o modo como vem sendo trabalhada a disciplina de Biologia com alunos com deficiência visual matriculados nas salas comuns do Ensino Médio, numa perspectiva inclusiva. Vislumbramos ainda, através deste trabalho, objetivos mais específicos como os de contextualizar a deficiência visual em seus aspectos fisiológicos, biológicos, históricos e legais; identificar aspectos concernentes ao ensino de Biologia no contexto comum e especial da educação escolar e por fim entender, a partir da fala dos sujeitos da educação, as relações ou não entre a deficiência visual, a disciplina de Biologia e a educação escolar.

Partindo dos objetivos propostos, escolhemos como local para o desenvolvimento deste estudo, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Desembargador Carlos Xavier Paes Barreto.

Os sujeitos da pesquisa escolhidos são alunos do Ensino Médio, sendo: um deles deficiente visual desde o nascimento; uma aluna que perdeu o sentido da visão ao longo da vida; outra aluna que nasceu com visão normal, mas devido a um acidente médico perdeu a visão nos primeiros dias de vida; uma aluna com baixa visão; dois alunos com visão normal; e uma profissional de apoio aos deficientes visuais, totalizando um grupo de sete pessoas. Nosso grupo focal é compreendido pelos alunos com deficiência visual.

O estudo em questão desenvolvido é de base qualitativa, calcado em pesquisa exploratória, envolvendo, dessa forma, levantamento bibliográfico compatível, questionários com os sujeitos da pesquisa e observação não-participante O estudo realizado: entendendo conceitos e concepções Segundo Orlando (et all 2009), o ensino de tópicos de Biologia Celular e Molecular constitui um dos conteúdos do Ensino Médio de Biologia que mais requer a elaboração de material didático de apoio ao conteúdo presente nos livros texto, já que emprega conceitos bastante abstratos e trabalha com aspectos microscópicos.

Dessa forma, modelos biológicos como estruturas tridimensionais ou semi-planas (alto relevo) e coloridas são utilizadas como facilitadoras do aprendizado, complementando o conteúdo escrito e as figuras planas e, muitas vezes, descoloridas dos livros-texto. Além do lado visual, esses modelos permitem que o estudante manipule o material, visualizando-o de vários ângulos, melhorando, assim, sua compreensão sobre o conteúdo abordado. Para os deficientes visuais, é uma ferramenta bastante eficaz, uma vez que a diferença de textura e tamanho dos materiais utilizados na construção do modelo, além da particularidade da legenda em Braille, são quesitos primordiais auxiliares no sentido do tato, bastante explorado por esses alunos.

Levando em consideração a eficácia que modelos tridimensionais podem proporcionar ao processo ensino-aprendizagem, principalmente dos alunos deficientes visuais, executamos a proposta de criação desses modelos, centrados no assunto de Biologia Celular, sendo um deles uma célula vegetal, e o outro uma célula animal. Esses modelos foram apresentados aos sujeitos deste estudo, com posterior aplicação dos já mencionados questionários. O diferencial marcante desses modelos foi a utilização de adesivos com legenda em Braille e folhas de acompanhamento com legendas em Braille para que os alunos com deficiência visual pudessem além de tocar, localizar pelo método Braille os nomes das estruturas. Cabe ressaltar que a escolha dos materiais para a construção dos modelos foi de antemão planejada para que estes pudessem proporcionar diferenças de textura e tamanhos, além de serem visualmente atraentes para alunos de visão normal e baixa visão.

Para o alcance dos objetivos propostos e os questionamentos levantados por nós neste artigo, os modelos tridimensionais foram apresentados aos sujeitos da pesquisa e questionários foram aplicados aos mesmos no local de estudo após o contato destes sujeitos com os modelos pedagógicos. As principais questões abordadas nos questionários foram: a facilitação da compreensão dos conteúdos da disciplina de Biologia, a partir de modelos pedagógicos tridimensionais (3D) coloridos e com a presença de legendas em Braille; a possível existência de materiais de apoio didático deste e de outros tipos no local de estudo; e a importância da criação de uma Lei que regulamente a obrigatoriedade da presença de modelos tridimensionais com Braille nas escolas, principalmente na rede pública de ensino, a fim de facilitar a compreensão da disciplina de Biologia, foco desta pesquisa.

Quando indagados a respeito da existência de material de apoio que ajudasse na compreensão da disciplina de Biologia, no geral, obtivemos as seguintes respostas: livro didático em Braille, livro áudio, vídeos, laboratório (que não está em boas condições de uso, e além da disciplina de Biologia outras disciplinas se apropriam do local o que torna o ambiente inconsistente, mal equipado e inadequado para a realização de experiências). Todos os participantes da pesquisa foram unânimes ao afirmar que a utilização de modelos pedagógicos tridimensionais facilitaria extremamente a compreensão dos conteúdos de Biologia e o ensino por parte dos professores.

De uma maneira geral, todos concordam que o uso de modelos em 3D com Braille é uma opção viável e excelente no apoio ao ensino-aprendizagem da disciplina de Biologia, deixando as aulas mais atrativas, interessantes e produtivas. Sobre a freqüência de utilização de materiais de apoio pedagógicos do tipo modelo 3D em Biologia, todos os alunos responderam que são raramente utilizados, com a exceção de aluno que nunca teve contato com materiais deste tipo.

Por fim, abordamos a importância da criação de uma Lei que garantisse a obrigatoriedade da existência de modelos pedagógicos, semelhantes aos apresentados (3D) e de outros tipos, principalmente nas escolas da Rede Pública de Ensino, e as opiniões coletadas dos alunos foram em sua grande maioria favoráveis à criação de uma Lei deste tipo, já a opinião da profissional de apoio foi de discordância em relação à criação da Lei e consideramos relevante expor as justificativas da opinião da mesma: O interesse do aluno e do professor é que farão a diferença nestes casos. Além do mais, a simples criação de uma lei não garante que o professor utilizará os materiais disponíveis. (profissional de apoio aos alunos com deficiência visual).

A fim de ilustrar melhor este projeto, fotografamos desde as etapas de confecção dos modelos didáticos até sua aplicação aos sujeitos da pesquisa como pode ser observado nas fotos 1 a 7:

 

foto 1
Foto 1 - Materiais utilizados para a confecção dos modelos didáticos e organelas celulares prontas


 

foto 2    foto 3
Fotos 2 e 3 - Início da montagem da célula vegetal

 

foto 4   foto 5
Fotos 4 e 5 - Célula vegetal pronta (à esquerda) e célula animal pronta (à direita) ambas ainda sem a legenda em Braille

 

foto 6    foto 7
Fotos 6 e 7 - Células em destaque com legenda em Braille: à esquerda célula vegetal e à direita célula animal



Conclusão

Partindo do pressuposto dos objetivos deste estudo e dos resultados obtidos com a pesquisa, as condições de inclusão dos alunos com deficiência visual observada, é de baixa qualidade. Isso se fundamenta na escassez de recursos didático-pedagógicos não só de modelos tridimensionais, como também de outras modalidades no local de estudo.

Podemos inferir que a construção dos modelos pedagógicos 3D que foram utilizados neste processo, torna-se completamente viável, já que o custo médio por modelo e o tempo para a confecção dos mesmos é ínfimo e baixo. Como observamos nas falas dos sujeitos questionados, o que se precisa é tão somente boa disposição e vontade de melhorar o processo ensinoaprendizagem, onde professores e alunos deverão sair da inércia para a plenitude da construção e apropriação do conhecimento. Ainda no que se referem às opiniões dos sujeitos aqui relatadas, os modelos por nós apresentados superaram as expectativas não só dos alunos e da profissional de apoio, como também as nossas, já que cumpriram com primor o papel para o qual foram produzidos.

Fechando a abordagem das considerações, acreditarmos ser de grande importância, a criação de uma Lei regulamentadora que promova a existência obrigatória de modelos pedagógicos tridimensionais e de outros tipos, e que contenham legendas em Braille, nas escolas da Rede Pública de Ensino, e também nos estabelecimentos particulares, a fim de promover uma melhora significativa no processo inclusivo para a educação de alunos com deficiência visual, contemplando não só a disciplina de Biologia, como também as demais disciplinas.


Referências:

  • CRÓS, C. X.; et al. Classificações da deficiência visual: compreendendo conceitos esportivos, educacionais, médicos e legais, 2006. Disponível em: <http://www.efdeportes.com /efd93/defic.htm>. Acesso em: 23 out. 2009.
  • DRAGO, R.; RODRIGUES, P. S. Diversidade e exclusão na escola: em busca da inclusão. Revista FACEVV, n. 1, 2. sem. 2008.
  • JÚNIOR, A. F. N., SOUZA, D. C. de. A confecção e apresentação de material didáticopedagógico na formação de professores de Biologia: o que diz a produção escrita?, 2007. Disponível em: <http://www.foco.fae.ufmg.br/conferencia/ index.php/enpec/viienpec/paper/viewFile/1218/366>. Acesso em: 18 nov. 2009.
  • KRASILCHIK. Prática de ensino de biologia. 4. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008.
  • MAZZOTTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
  • ORLANDO, T. C. et al. Planejamento, montagem e aplicação de modelos didáticos para abordagem de Biologia Celular e Molecular no Ensino Médio por graduandos de Ciências Biológicas. Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular. n. 01. fev. 2009.
  • SÁ, E. D. de; CAMPOS, I. M. de; SILVA, M. B. C. Atendimento educacional especializado: deficiência visual. Brasília: SEESP∕ SEED∕ MEC, 2007.
  • SEPEL, L. M. N.; LORETO, E. L. S. Relação entre membrana plasmática e citoesqueleto na forma celular: Um estudo com modelos. Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular. v. 1, dez. 2003. São Paulo: Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular. Disponível em: <http://www.sbbq.org.br/revista/ index.php?dt=2003-04-12>. Acesso em: 16 nov. 2009.

 

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excerto de:
O ENSINO DE BIOLOGIA NA DEFICIÊNCIA VISUAL : PRESSUPOSTOS INCLUSIVOS
[Este artigo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Deficiência Visual e Ensino de Biologia: Pressupostos Inclusivos, apresentado ao Centro de Educação da UFES, sob a orientação do Prof. Dr. Rogério Drago]
autoras:  Camila Reis dos Santos [Bióloga graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo] & Vanessa Pita Barreira Burgos Manga [Bióloga graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo]
in Revista FACEVV | Vila Velha | Número 3 | Jul./Dez. 2009 | p. 13-22
fonte: http://www.facevv.edu.br/revista/03/artigo camila reis.pdf

 

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21.Mar.2015
publicado por MJA