O ensino da Biologia no contexto comum e especial
No tema que segue, buscaremos abordar os principais parâmetros envolvidos na
disciplina de
Biologia, no que diz respeito ao Ensino Médio comum e especial. Devido ao fato
dos sujeitos
desta pesquisa pertencerem ao Ensino Médio, o foco será direcionado para esta
etapa da
educação escolar. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
do ano de
2000, o Ensino Médio no país vem passando por etapas decisivas e bruscas de
mudanças,
principalmente no que diz respeito à construção de um currículo diferenciado.
Este novo modelo
propõe também alterações importantes na postura do professor, incentivando uma
busca de
novas abordagens e metodologias por parte deste profissional. O ensino antes
definido como
descontextualizado e compartimentalizado – baseado no acúmulo de informações –
perde seu
espaço para um novo tipo de ensino agora contextualizado, que incentiva a
interdisciplinaridade,
o raciocínio e a capacidade de aprender.
No que tange o ensino de Ciências e de Biologia, em particular, pretende-se
adequar conteúdos
ao cotidiano dos alunos através da tomada de temas transversais como, por
exemplo: ética,
pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e orientação sexual. No Ensino Médio,
os PCN’s têm
o “duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o
professor na busca de
novas abordagens e metodologias” (BRASIL, 2001, apud KRASILCHIK, 2008).
-
[...] Muitos educadores, diante desse quadro, admitem que a biologia, além das
funções que desempenha no currículo escolar, deve passar a ter outra, preparando
os jovens para enfrentar e resolver problemas, alguns dos quais com nítidos
componentes biológicos, como o aumento da produtividade agrícola, preservação do
ambiente, a violência etc. De acordo com essa concepção, os objetivos do ensino
de
Biologia são: aprender conceitos básicos, analisar o processo de investigação
científica e analisar as implicações sociais da ciência e da tecnologia. (KRASILCHIK,
2008, p. 20)
A tomada desses objetivos propostos no ensino biológico traz uma nova realidade
para os
currículos, uma vez que novos assuntos necessitem ser adicionados aos programas
curriculares.
Assuntos não só que delimitem a Ciência pura, como também aqueles que tratem da
aplicação
da Biologia na solução de problemas reais.
No âmbito da Educação Especial, o Artigo 58 da LDB 9394∕96 normatiza os direitos
dos alunos
com necessidades especiais da rede regular de ensino, também o Médio, como, por
exemplo, o
apoio especializado na escola, estrutura física escolar de acesso adequado,
entre outros. A
educação especial passa a ser então oferecida pelo Estado aos alunos a partir da
educação
infantil (zero a seis anos) e segue por toda a sua formação acadêmica.
O currículo e as técnicas de ensino, bem como os recursos utilizados no processo
ensinoaprendizagem
devem atender as demandas desses educandos. Referente aos alunos com
deficiências visuais, não há, por exemplo, a implantação normatizada de recursos
táteis para a
apreensão do conhecimento, como maquetes e modelos tridimensionais, o que
facilitaria em
larga escala a compreensão dos conteúdos de Biologia, já que diminuiriam o nível
de abstração
dos assuntos tratados, trazendo ao alcance das mãos a aproximação entre a teoria
e a
apropriação facilitada do conhecimento.
[...] A inclusão escolar é uma realidade e, como tal, merece ser encarada de
forma
contextualizada no cotidiano escolar. A proposta de uma educação inclusiva é
muito
maior do que somente matricular o indivíduo na escola comum, implica dar outra
lógica à escola, transformando suas práticas, suas relações interpessoais, sua
formação, seus conceitos, pois a inclusão é um conceito que emerge da
complexidade, e como tal, exige o reconhecimento e valorização de todas as
diferenças que contribuiriam para um novo modo de organização do sistema
educacional. (apud DRAGO; RODRIGUES, 2008, p. 66)
Considerações metodológicas
Como objetivo geral, este estudo pretendia, entender o modo como vem sendo
trabalhada a
disciplina de Biologia com alunos com deficiência visual matriculados nas salas
comuns do
Ensino Médio, numa perspectiva inclusiva. Vislumbramos ainda, através deste
trabalho, objetivos
mais específicos como os de contextualizar a deficiência visual em seus aspectos
fisiológicos,
biológicos, históricos e legais; identificar aspectos concernentes ao ensino de
Biologia no
contexto comum e especial da educação escolar e por fim entender, a partir da
fala dos sujeitos
da educação, as relações ou não entre a deficiência visual, a disciplina de
Biologia e a educação
escolar.
Partindo dos objetivos propostos, escolhemos como local para o desenvolvimento
deste estudo,
a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Desembargador Carlos Xavier Paes
Barreto.
Os sujeitos da pesquisa escolhidos são alunos do Ensino Médio, sendo: um deles
deficiente
visual desde o nascimento; uma aluna que perdeu o sentido da visão ao longo da
vida; outra
aluna que nasceu com visão normal, mas devido a um acidente médico perdeu a
visão nos
primeiros dias de vida; uma aluna com baixa visão; dois alunos com visão normal;
e uma
profissional de apoio aos deficientes visuais, totalizando um grupo de sete
pessoas. Nosso grupo
focal é compreendido pelos alunos com deficiência visual.
O estudo em questão desenvolvido é de base qualitativa, calcado em pesquisa
exploratória,
envolvendo, dessa forma, levantamento bibliográfico compatível, questionários
com os sujeitos
da pesquisa e observação não-participante
O estudo realizado: entendendo conceitos e concepções
Segundo Orlando (et all 2009), o ensino de tópicos de Biologia Celular e
Molecular constitui um
dos conteúdos do Ensino Médio de Biologia que mais requer a elaboração de
material didático
de apoio ao conteúdo presente nos livros texto, já que emprega conceitos
bastante abstratos e
trabalha com aspectos microscópicos.
Dessa forma, modelos biológicos como estruturas tridimensionais ou semi-planas
(alto relevo) e
coloridas são utilizadas como facilitadoras do aprendizado, complementando o
conteúdo escrito
e as figuras planas e, muitas vezes, descoloridas dos livros-texto. Além do lado
visual, esses
modelos permitem que o estudante manipule o material, visualizando-o de vários
ângulos,
melhorando, assim, sua compreensão sobre o conteúdo abordado. Para os
deficientes visuais, é
uma ferramenta bastante eficaz, uma vez que a diferença de textura e tamanho dos
materiais
utilizados na construção do modelo, além da particularidade da legenda em
Braille, são quesitos
primordiais auxiliares no sentido do tato, bastante explorado por esses alunos.
Levando em consideração a eficácia que modelos tridimensionais podem
proporcionar ao
processo ensino-aprendizagem, principalmente dos alunos deficientes visuais,
executamos a
proposta de criação desses modelos, centrados no assunto de Biologia Celular,
sendo um deles
uma célula vegetal, e o outro uma célula animal. Esses modelos foram
apresentados aos
sujeitos deste estudo, com posterior aplicação dos já mencionados questionários.
O diferencial
marcante desses modelos foi a utilização de adesivos com legenda em Braille e
folhas de
acompanhamento com legendas em Braille para que os alunos com deficiência visual
pudessem
além de tocar, localizar pelo método Braille os nomes das estruturas. Cabe
ressaltar que a
escolha dos materiais para a construção dos modelos foi de antemão planejada
para que estes
pudessem proporcionar diferenças de textura e tamanhos, além de serem
visualmente atraentes
para alunos de visão normal e baixa visão.
Para o alcance dos objetivos propostos e os questionamentos levantados por nós
neste artigo,
os modelos tridimensionais foram apresentados aos sujeitos da pesquisa e
questionários foram
aplicados aos mesmos no local de estudo após o contato destes sujeitos com os
modelos
pedagógicos. As principais questões abordadas nos questionários foram: a
facilitação da
compreensão dos conteúdos da disciplina de Biologia, a partir de modelos
pedagógicos
tridimensionais (3D) coloridos e com a presença de legendas em Braille; a
possível existência de
materiais de apoio didático deste e de outros tipos no local de estudo; e a
importância da criação
de uma Lei que regulamente a obrigatoriedade da presença de modelos
tridimensionais com
Braille nas escolas, principalmente na rede pública de ensino, a fim de
facilitar a compreensão
da disciplina de Biologia, foco desta pesquisa.
Quando indagados a respeito da existência de material de apoio que ajudasse na
compreensão
da disciplina de Biologia, no geral, obtivemos as seguintes respostas: livro
didático em Braille,
livro áudio, vídeos, laboratório (que não está em boas condições de uso, e além
da disciplina de
Biologia outras disciplinas se apropriam do local o que torna o ambiente
inconsistente, mal
equipado e inadequado para a realização de experiências). Todos os participantes
da pesquisa
foram unânimes ao afirmar que a utilização de modelos pedagógicos
tridimensionais facilitaria
extremamente a compreensão dos conteúdos de Biologia e o ensino por parte dos
professores.
De uma maneira geral, todos concordam que o uso de modelos em 3D com Braille é
uma opção
viável e excelente no apoio ao ensino-aprendizagem da disciplina de Biologia,
deixando as aulas
mais atrativas, interessantes e produtivas. Sobre a freqüência de utilização de
materiais de apoio
pedagógicos do tipo modelo 3D em Biologia, todos os alunos responderam que são
raramente
utilizados, com a exceção de aluno que nunca teve contato com materiais deste
tipo.
Por fim, abordamos a importância da criação de uma Lei que garantisse a
obrigatoriedade da
existência de modelos pedagógicos, semelhantes aos apresentados (3D) e de outros
tipos,
principalmente nas escolas da Rede Pública de Ensino, e as opiniões coletadas
dos alunos
foram em sua grande maioria favoráveis à criação de uma Lei deste tipo, já a
opinião da
profissional de apoio foi de discordância em relação à criação da Lei e
consideramos relevante
expor as justificativas da opinião da mesma:
O interesse do aluno e do professor é que farão a diferença nestes casos. Além
do
mais, a simples criação de uma lei não garante que o professor utilizará os
materiais
disponíveis. (profissional de apoio aos alunos com deficiência visual).
A fim de ilustrar melhor este projeto, fotografamos desde as etapas de confecção
dos modelos
didáticos até sua aplicação aos sujeitos da pesquisa como pode ser observado nas
fotos 1 a 7:
Foto 1 - Materiais utilizados para a confecção dos
modelos didáticos e organelas
celulares prontas
Fotos 2 e 3 - Início da montagem da célula vegetal
Fotos 4 e 5 - Célula vegetal pronta (à esquerda) e célula animal pronta (à
direita) ambas ainda sem a legenda em
Braille
Fotos 6 e 7 - Células em destaque com legenda em Braille: à esquerda célula
vegetal e à direita célula animal
Conclusão
Partindo do pressuposto dos objetivos deste estudo e dos resultados obtidos com
a pesquisa, as
condições de inclusão dos alunos com deficiência visual observada, é de baixa
qualidade. Isso
se fundamenta na escassez de recursos didático-pedagógicos não só de modelos
tridimensionais, como também de outras modalidades no local de estudo.
Podemos inferir que a construção dos modelos pedagógicos 3D que foram utilizados
neste
processo, torna-se completamente viável, já que o custo médio por modelo e o
tempo para a
confecção dos mesmos é ínfimo e baixo. Como observamos nas falas dos sujeitos
questionados,
o que se precisa é tão somente boa disposição e vontade de melhorar o processo
ensinoaprendizagem,
onde professores e alunos deverão sair da inércia para a plenitude da construção
e apropriação do conhecimento. Ainda no que se referem às opiniões dos sujeitos
aqui relatadas,
os modelos por nós apresentados superaram as expectativas não só dos alunos e da
profissional de apoio, como também as nossas, já que cumpriram com primor o
papel para o
qual foram produzidos.
Fechando a abordagem das considerações, acreditarmos ser de grande importância,
a criação
de uma Lei regulamentadora que promova a existência obrigatória de modelos
pedagógicos
tridimensionais e de outros tipos, e que contenham legendas em Braille, nas
escolas da Rede
Pública de Ensino, e também nos estabelecimentos particulares, a fim de promover
uma melhora
significativa no processo inclusivo para a educação de alunos com deficiência
visual,
contemplando não só a disciplina de Biologia, como também as demais disciplinas.
Referências:
-
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conceitos esportivos, educacionais, médicos e legais, 2006. Disponível em:
<http://www.efdeportes.com /efd93/defic.htm>. Acesso em: 23 out. 2009.
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JÚNIOR, A. F. N., SOUZA, D. C. de. A confecção e apresentação de material
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na formação de professores de Biologia: o que diz a produção escrita?, 2007.
Disponível em:
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-
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-
MAZZOTTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas.
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-
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01. fev.
2009.
-
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forma celular: Um estudo com modelos. Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica
e
Biologia Molecular. v. 1, dez. 2003. São Paulo: Sociedade Brasileira de
Bioquímica e Biologia
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Acesso
em: 16 nov. 2009.
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excerto de:
O ENSINO DE BIOLOGIA NA DEFICIÊNCIA VISUAL : PRESSUPOSTOS INCLUSIVOS
[Este artigo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Deficiência
Visual e Ensino de Biologia:
Pressupostos Inclusivos, apresentado ao Centro de Educação da UFES, sob a
orientação do Prof. Dr. Rogério Drago]
autoras:
Camila Reis dos Santos [Bióloga graduada pela Universidade Federal do Espírito
Santo]
& Vanessa Pita Barreira Burgos Manga [Bióloga graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo]
in Revista FACEVV | Vila Velha | Número 3 | Jul./Dez. 2009 | p. 13-22
Δ
21.Mar.2015
publicado
por
MJA
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