

Institut des Jeunes
Aveugles de Nancy, vers 1905
-
-
-
-
-
-
-
-
CONVERSAS SOBRE DEFICIÊNCIA VISUAL
Muitos consideram que a palavra 'deficiente' tem um significado muito forte, carregado de valores orais, contrapondo-se a 'eficiente'. Levaria a supor que a pessoa deficiente não é capaz; e, sendo assim, então é
preguiçosa, incompetente e sem inteligência. A ênfase recai no que falta, na limitação, no 'defeito', gerando sentimentos como desprezo, indiferença, chacota, piedade ou pena.
Esses sentimentos, por sua vez, provocam atitudes carregadas de paternalismo e de assistencialismo, voltadas para uma pessoa considerada incapaz de estudar, de se relacionar com os demais, de trabalhar e de constituir
família.
No entanto, à medida que vamos conhecendo uma pessoa com deficiência, e convivendo com ela, constatamos que ela não é incapaz. Pode ter dificuldades para realizar algumas atividades mas, por outro lado, em geral tem
extrema habilidade em outras. Exatamente como todos nós. Todos nós temos habilidades e talentos característicos; nas pessoas com deficiência, essas manifestações são apenas mais visíveis e mais acentuadas.
Diante disso, hoje em dia se recomenda o uso do termo 'pessoa portadora de deficiência', referindo-se, em primeiro lugar, a uma pessoa, um ser humano, que possui entre suas características (magra, morena, brasileira etc.)
uma deficiência - mental, física (ou de locomoção), auditiva ou visual.
Deficiência visual: conceitos
Os graus de visão abrangem um amplo espectro de possibilidades: desde a cegueira total, até a visão perfeita, também total. A expressão 'deficiência
visual' se refere ao espectro que vai da cegueira até a visão subnormal.
Chama-se visão subnormal (ou baixa visão, como preferem alguns especialistas) à alteração da capacidade funcional decorrente de fatores como rebaixamento
significativo da acuidade visual, redução importante do campo visual e da sensibilidade aos contrastes e limitação de outras capacidades.
Entre os dois extremos da capacidade visual estão situadas patologias como miopia, estrabismo, astigmatismo, ambliopia, hipermetropia, que não constituem necessariamente deficiência visual, mas que na infância devem ser
identificadas e tratadas o mais rapidamente possível, pois podem interferir no processo de desenvolvimento e na aprendizagem.
Uma definição simples de visão subnormal é a incapacidade de enxergar com clareza suficiente para contar os dedos da mão a uma distância de 3 metros, à luz do dia; em outras palavras, trata-se de uma pessoa que conserva
resíduos de visão.
Até recentemente, não se levava em conta a existência de resíduos visuais; a pessoa era tratada como se fosse cega, aprendendo a ler e escrever em braille, movimentar-se com auxílio de bengala etc. Hoje em dia, oftalmologistas, terapeutas e educadores trabalham no sentido de aproveitar esse potencial visual nas atividades educacionais, na vida cotidiana e no lazer.
Foram desenvolvidas técnicas para trabalhar o resíduo visual assim que é constatada a deficiência. Isso melhora significativamente a qualidade de vida, mesmo sem
eliminar a deficiência.
Usando auxílios ópticos (como óculos, lupas etc), a pessoa com baixa visão apenas distingue vultos, a claridade, ou objetos a pouca distância. A
visão se apresenta embaçada, diminuída, restrita em seu campo visual ou prejudicada de algum modo.
-
Recursos ou auxílios ópticos para visão subnormal são lentes especiais ou dispositivos formados por um conjunto de lentes, geralmente de alto poder, que se utilizam do princípio da magnificação
da imagem, para que possa ser reconhecida e discriminada pelo portador de baixa visão. Os auxílios ópticos estão divididos em dois tipos, de acordo com sua finalidade: recursos ópticos para perto e recursos ópticos para longe. (Braga,
1997. p. 12)
A importância da visão
A visão é o canal mais importante de relacionamento do indivíduo com o mundo exterior. Tal como a audição, ela capta registros próximos ou distantes e
permite organizar, no nível cerebral, as informações trazidas pelos outros órgãos dos sentidos.
Estudos recentes revelam que enxergar não é uma habilidade inata, ou seja, ao nascer ainda não sabemos enxergar: é preciso aprender a ver. Não é um processo consciente. Embora nem pensemos nisso, estamos ensinando um
bebê a enxergar, ao carregá-lo no colo e ir mostrando: Olha o gatinho; Onde está seu irmão?
0 desenvolvimento das funções visuais ocorre nos primeiros anos de vida. Graças a testes de acuidade visual recentemente desenvolvidos, hoje é possível fazer a avaliação funcional da visão de um recém-nascido, ainda no berçário.
Nós todos temos diversos 'sistemas-guia', formas muito pessoais que usamos para nos orientar no espaço, em geral sem tomar consciência disso. Por exemplo: para aprender um caminho, há quem se oriente por uma casa
diferente, um prédio, ou outro marco de referência. Outros têm uma boa noção dos pontos cardeais (norte, sul), usando-a como orientação.
A visão constitui um desses sistemas-guia - provavelmente, o mais poderoso deles. Assim, os cegos precisam recorrer a outros tipos de sistema-guia. Alguns, por exemplo, usam como referência o tipo de calçamento das ruas
(asfalto, paralelepípedos etc), ou as curvas e esquinas das ruas de seu trajeto. Outros recorrem a pistas olfativas (uma fábrica de bolachas, por exemplo), ou auditivas (ruídos de uma praça movimentada).
0 que significa a perda da visão?
A cegueira, ou perda total da visão, pode ser
adquirida, ou congênita (desde o nascimento). 0 indivíduo que nasce com o sentido da visão, perdendo-o mais
tarde, guarda memórias visuais, consegue se lembrar das imagens, luzes e cores que conheceu, e isso é muito útil para sua readaptação. Quem nasce sem a capacidade da visão, por outro lado, jamais pode formar uma memória visual, possuir
lembranças visuais.
Para quem enxerga, é impossível imaginar a vida sem qualquer forma visual ou sem cor, porque as imagens e as cores fazem parte de nosso pensamento. Não basta fechar os olhos e tentar reproduzir o comportamento de um cego pois, tendo memória visual, a pessoa tem consciência do que não está vendo.
Causas dos defeitos de visão
As causas mais freqüentes de cegueira e visão subnormal são:
-
Retinopatia da prematuridade causada pela imaturidade da retina, em decorrência de parto prematuro ou de excesso de oxigênio na incubadora.
-
Catarata congênita em conseqüência de rubéola ou de outras infecções na gestação.
-
Glaucoma congênito que pode ser hereditário ou causado por infecções.
-
Atrofia óptica.
-
Degenerações retinianas e alterações visuais corticais.
A cegueira e a visão subnormal podem também resultar de doenças como diabetes, descolamento de retina ou traumatismos oculares.
0 impacto da deficiência visual (congênita ou adquirida) sobre o desenvolvimento individual e psicológico varia muito entre os indivíduos. Depende da idade em que ocorre, do grau da deficiência, da dinâmica geral da
família, das intervenções que forem tentadas, da personalidade da pessoa - enfim, de uma infinidade de fatores.
Além da perda do sentido da visão, a cegueira adquirida acarreta também outras perdas: emocionais; das habilidades básicas (mobilidade, execução das atividades diárias); da atividade profissional; da comunicação; e
da personalidade como um todo. Trata-se de uma experiência traumática, que exige acompanhamento terapêutico cuidadoso para a pessoa e para sua família.
Quando a deficiência visual acontece na infância, pode trazer prejuízos ao desenvolvimento neuropsicomotor, com repercussões educacionais, emocionais e sociais, que podem perdurar ao longo de toda a vida, se não houver um
tratamento adequado, o mais cedo possível.
Atividades da vida diária: caminho para a autonomia
Durante muitos anos, uma pessoa cega que falasse bem, tivesse desempenho acadêmico satisfatório e bom nível de informação e verbalização deslumbrava e
maravilhava a todos. Nada mais se esperava dela, em termos de autonomia e de independência. Assim, a educação de uma criança portadora de deficiência visual se voltava basicamente para seus êxitos intelectuais.
Essa reação demonstrava a expectativa geral quanto às possibilidades de uma pessoa deficiente visual: o preconceito impedia que ela fosse considerada capaz de executar toda a gama de atividades que faz parte do cotidiano
- deslocar-se com independência, cuidar-se e vestir-se com adequação, alimentar-se, interagir socialmente de forma prática e adequada, competir no mercado de trabalho, casar-se, enfim, exercer seu papel de cidadão que conta com o respeito
da sociedade e é aceito.
Felizmente, as coisas estão mudando. Talvez não com a rapidez que seria desejável, mas muitos serviços de atendimento às crianças portadoras de deficiência visual já incorporam a seus programas um trabalho voltado para as
atividades de vida diária e para a orientação e a mobilidade.
Desde cedo, as pessoas que enxergam vão aprendendo a lidar com as mais diversas situações corriqueiras, observando o ambiente a seu redor e relacionando-se com as pessoas. É preciso possibilitar essa mesma relação
com o meio à pessoa que não enxerga, ou que enxerga pouco.
Nos programas de atendimento a pessoas portadoras de deficiência visual esse aprendizado é conhecido como 'atividades da vida diária', ou apenas 'AVD'.
0 Programa de Atividades da Vida Diária é uma preparação para a vida; capacita para o prazer da auto-suficiência, liberta da ajuda e da proteção excessivas e motiva para o crescimento pessoal, por meio de atitudes e
valores positivos.
A independência alcançada graças a um bom programa de Atividades da Vida Diária vai muito além das necessidades pessoais básicas, como higiene, alimentação, hábitos à mesa e etiqueta, cuidados com a casa e atividades
sociais. Significa desenvolvimento da autoconfiança e valorização das próprias capacidades, aquisição de naturalidade, eficiência e desenvoltura no universo social e uma atitude que favorece a conscientização da sociedade em relação às
potencialidades do portador de deficiência.
Há crianças que, além da deficiência visual, apresentam outros comprometimentos - da fala, da audição etc. Por isso, o primeiro passo em qualquer atendimento consiste em uma avaliação global, feita por uma equipe interdisciplinar composta por oftalmologista, pedagogo, fonoaudiólogo e outros profissionais, para decidir qual é o caminho a seguir.
A partir do diagnóstico, é elaborado um programa de Educação Precoce, que inclui atividades lúdicas de acordo com a idade. Sua aplicação depende, em primeiro lugar, da efetiva participação da família.
Para as crianças com visão subnormal se desenvolve um Programa de Estimulação Visual, também baseado em jogos e brincadeiras, criados ou adaptados para as mais diferentes ocasiões. Essas atividades se destinam a estimular
a visão residual (quando há), e também os outros sentidos.
Orientação e mobilidade
A deficiência visual, em qualquer grau, compromete a capacidade da pessoa de se orientar e de se movimentar no espaço com segurança e independência.
Na idade pré-escolar, quando a criança está desenvolvendo sua capacidade de socialização, isso prejudica (ou até mesmo impede) o conhecimento do mundo a seu redor e seu relacionamento com outras pessoas. É um momento em
que ela gosta de ter amigos, brincar junto e compartilhar os brinquedos. Se estiver impossibilitada de desempenhar esses papéis, ficará insatisfeita e isolada, e isso trará prejuízos a sua aprendizagem.
Para alguns autores, a limitação na orientação e na mobilidade pode ser considerada o efeito mais grave da cegueira.
0 desenvolvimento das habilidades de orientação e mobilidade, parte essencial do processo educacional de qualquer criança deficiente visual, precisa começar desde
cedo, em casa, com o apoio dos pais. Depois, o treinamento continuará na escola, com o professor especializado.
Nos programas de estimulação precoce, orientação e mobilidade, há técnicas especializadas para desenvolver o sentido de orientação usando o tato, a audição e o olfato para se relacionar com os objetos significativos
que estão no ambiente. Assim, a criança vai aprendendo a usar seus outros sistemas-guia.
0 treinamento da orientação e da mobilidade permite que a pessoa se movimente e se oriente com segurança na escola, em casa, no trânsito, em locais públicos etc, de acordo com sua idade.
0 papel da família
À família, base do desenvolvimento do ser humano, cabe a tarefa de oferecer ao portador de deficiência visual condições para seu crescimento como
indivíduo, tornando-o capaz de ser feliz e produtivo, dentro de sua realidade, de suas potencialidades e de seus limites.
Embora nem sempre seja fácil, a família precisa entender que o portador de deficiência é, antes de mais nada e acima de tudo, uma pessoa total, evitando focalizar a atenção na cegueira, ou na baixa capacidade visual.
A primeira atitude importante consiste em acreditar nas potencialidades da criança, considerando-a capaz de estudar, de ser independente, de trabalhar, praticar esportes e tantas outras coisas que seus amigos fazem. Para muitos portadores de deficiência, a maior dificuldade está na falta de oportunidades.
A troca de experiências, sentimentos e informações nos ajuda a compreender a necessidade
que crianças ou adultos com deficiência, pais e profissionais, têm de um espaço para construir juntos novos valores e significados
No Brasil ainda predomina, em relação à deficiência, uma concepção assistencialista, permeada de barreiras sociais. Na maioria das vezes, o portador de deficiência e sua família se sentem isolados, impotentes, à espera de
instituições, serviços médicos ou profissionais que possam miraculosamente curar ou 'consertar' a deficiência.
Muitas famílias prolongam seus momentos de angústia, ansiedade, conflitos, negação, sublimação, frustração e até mesmo desesperança por não dispor de informações e não encontrar interlocutores para discutir sua
problemática e para se identificar. Eles precisam contar com locais e pessoas com quem possam conversar e compartilhar não só os sofrimentos, mas também os momentos de alegria, as conquistas e vitórias.
0 desenvolvimento da criança portadora de deficiência visual
Para entender e avaliar o que acontece com o processo de desenvolvimento da criança com deficiência visual é preciso considerar, entre outros fatores:
-
idade em que aconteceu;
-
associação (ou não) com outras deficiências;
-
aspectos hereditários;
-
aspectos ambientais;
-
tratamento recebido.
A criança portadora de deficiência visual (cegueira ou baixa visão) deve ser avaliada por profissionais da área da saúde e da educação, num trabalho conjunto, para identificar suas necessidades específicas e sua
potencialidade.
0 sucesso de um programa de reabilitação depende da atuação da equipe de profissionais junto à criança e à família, desde o momento do diagnóstico.
Com freqüência são erroneamente consideradas deficientes mentais, por sua dificuldade em realizar certas tarefas, crianças cuja deficiência visual não foi diagnosticada.
A maioria das crianças com deficiência visual possui algum grau residual, de visão: poucas são totalmente cegas. Infelizmente, muitas das que têm algum grau de visão são consideradas cegas e tratadas como tal; dessa
forma, perdem os benefícios que o uso da visão residual poderia trazer a seu processo de desenvolvimento e à sua qualidade de vida.
Quanto antes as crianças com deficiência visual forem encaminhadas a serviços de atendimento, maiores serão suas possibilidades de desenvolver seu
potencial.
Qual é o papel da escola? E da sociedade?
Além da família, a escola e a sociedade também podem (e devem) contribuir no sentido de ajudar a enfrentar os obstáculos colocados pela deficiência. A
escola é uma das grandes aliadas na luta pela integração. Nesse espaço, as questões relacionadas a preconceitos, mitos e estigmas podem ser debatidas e analisadas por todos: professores, alunos e funcionários.
Ao abrir suas portas igualmente para os que enxergam e os que não enxergam, a escola deixa de reproduzir a separação entre deficientes e não-deficientes que há na sociedade.
Os portadores de deficiência freqüentemente ficam segregados, escondidos, e a maioria das pessoas não entra em contato direto com eles. Por isso, ao encontrar uma pessoa com deficiência, esses indivíduos ficam inseguros,
sem saber o que fazer, e às vezes acabam tomando atitudes defensivas e preconceituosas.
Ao se tornar um espaço de inclusão, a escola promove trocas enriquecedoras para toda a equipe escolar, incluindo os alunos e suas famílias.
A fonte de informações mais importante para o educador traçar sua diretriz de ação junto ao educando é saber como ele é (como percebe, age, pensa, fala e sente). 0 deficiente visual percebe a realidade que está a sua
volta por meio de seu corpo, na sua maneira própria de ter contato com o mundo que o cerca.
Para conhecer o deficiente visual e seus significados (interesses e conhecimentos) e habilidades, é necessário acompanhá-lo nesse trajeto percorrido pelo seu corpo, prestando atenção ao referencial perceptual que ele irá revelar, que não é o da visão. Partindo
dos próprios caminhos perceptuais dos deficientes visuais, o educador pode oferecer-lhes oportunidades para entrarem em contato com novos objetos, pessoas e situações e, assim, saber (ou aprender).
-
Aprender é aqui entendido como a capacidade humana de receber, colaborar, organizar novas informações e, a partir desse conhecimento transformado, agir de forma diferente do que se fazia antes.
Aprende-se numa relação com o outro ser humano e/ou com as coisas a seu redor. (Masini, 1993)
0 convívio com pessoas portadoras de deficiência (de qualquer tipo) contribui para facilitar a quebra de tabus e de estigmas, favorecendo a plena inclusão
do portador de deficiência na sociedade e auxiliando a família a lidar com essa deficiência.
Todos os que rodeiam o deficiente visual precisam se conscientizar de que suas relações interpessoais podem ser saudáveis e baseadas na reciprocidade, pois ele é uma pessoa total e capaz.
Porém, como bem lembra Renata Neves, professora de dança e fonoaudióloga, é preciso tomar cuidado para não minimizar as potencialidades e a condição de ser do indivíduo.
A cooperação das famílias e a mobilização da comunidade em busca de melhor qualidade de vida, educação e participação social das pessoas com deficiência anuncia novos tempos, de combate às atitudes discriminatórias, de disseminação do conhecimento e, principalmente, com a criação de uma sociedade mais acolhedora e solidária.
Mitos, crendices e superstições
Devido à ignorância de suas causas, a cegueira com freqüência despertou medo e superstição nas pessoas, ao longo dos séculos.
Na antiga Grécia, a palavra 'estigma' se referia a sinais corporais, associados a uma condição moral inferior; a pessoa marcada por um estigma devia ser evitada, principalmente em locais públicos. A cegueira, como outras
deficiências, estava entre os estigmas denunciadores de péssimo caráter - seus portadores eram marginalizados, excluídos do convívio social. Já na Idade Média, a cegueira era vista como um castigo divino.
Por outro lado, houve sociedades em que o cego era considerado um favorito dos deuses: com sua 'visão para dentro', ele veria coisas que escapavam aos demais. Isso fazia dele um ser superior, um privilegiado.
À medida que a ciência foi identificando as causas e os mecanismos da perda de visão, essas concepções fantasiosas foram mudando gradualmente.
Porém, muitas pessoas ainda se perturbam diante de uma pessoa com deficiência. De certa forma, é natural que se sintam desconfortáveis diante do 'diferente'. Mas esse desconforto diminui, ou até desaparece, quando se abre
a possibilidade de um convívio mais freqüente com pessoas deficientes e de um maior conhecimento da dimensão do problema.
A civilização moderna em muito se beneficia dos feitos de Helen Keller como divulgadora, em escala mundial, das potencialidades da pessoa com deficiência, da música produzida por Johann Sebastian Bach, da obra literária de Jorge Luis Borges, da música de Ray
Charles, Stevie Wonder, Andréa Bocelli e muitos outros.
A crescente participação de pessoas portadoras de deficiência na vida social, em escolas, clubes, empresas ou igrejas, favorece a todos: a diversidade estimula e enriquece nossa percepção.
As pessoas com deficiência são como você: têm os mesmos direitos, sentimentos, sonhos e vontades. Ter uma deficiência não torna a pessoa melhor ou pior. 0 portador de deficiência não é um anjo, nem um modelo de
virtudes: é uma pessoa.
Se você se relaciona com uma pessoa deficiente, evite agir como se a deficiência não existisse, pois isso implicaria ignorar uma característica pessoal importante. Aja com naturalidade; se acontecer algo embaraçoso,
uma dose de delicadeza, sinceridade e bom humor nunca falha.
Quantos brasileiros têm deficiência visual?
A Organização Mundial de Saúde estima que, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, de 1 a 1,5 por cento da população é portadora de deficiência
visual. Assim, no Brasil haveria cerca de 1,6 milhão de pessoas com algum tipo de deficiência visual, sendo a maioria delas com baixa visão.
Calcula-se ainda que, a cada 3 mil crianças, uma é cega, e que a cada quinhentas crianças, uma tem visão subnormal.
Pelos dados do Censo Escolar, em 1998 havia 337.326 alunos com necessidades especiais matriculados em escolas de todo o país. Destes, 15.473 (ou 4,6 por cento) apresentavam deficiência visual; a maioria deles (9.907)
cursava o ensino fundamental em escolas da rede pública estadual.
Os especialistas estimam que os casos de deficiência visual poderiam ser reduzidos em até 50 por cento se fossem adotadas medidas preventivas eficientes nas
áreas de saúde e educação e se houvesse mais informação disponível.
Cabe à sociedade oferecer oportunidades para que as pessoas com limitações em seu relacionamento visual com o mundo possam desenvolver toda sua capacidade física e mental e usufruir dela. Há, ainda, muito a ser feito,
mas é preciso reconhecer que já ocorreram muitas conquistas e avanços.
Vários autores identificam como 'sensório-motor' o período que vai do nascimento até os 3 anos de idade, pois é a fase da construção do sistema de significação, do desenvolvimento
cognitivo e da interação com o meio ambiente.
Nessa fase, tenham ou não deficiência visual, os recém-nascidos desenvolvem todos os seus sentidos (olhando, cheirando, pegando e experimentando tudo), e também seu sistema motor: aprendem a sustentar a cabeça, rolar,
engatinhar, andar, correr, pular, em um processo intenso e dinâmico. Nos primeiros meses de vida eles captam fundamentalmente as sensações de calor, frio, dor, contato, pressão - formas simples de percepção tátil.
É assim que a criança vai construindo seu conhecimento, interagindo com o meio, com as pessoas ao redor, comunicando-se e recebendo em troca informações de todo tipo.
A criança deficiente visual (cega ou com baixa visão) desde o início sofre limitações em suas possibilidades de apreensão do mundo externo e de adaptação ao meio. Ela precisa contar com pessoas disponíveis para ajudá-la a
explorar o mundo e a elaborar suas próprias informações, usando os demais órgãos dos sentidos - audição, olfato, tato e paladar -para ganhar autoconfiança e senso de equilíbrio.
Bebés com Deficiência Visual
Todos nós utilizamos uma variedade de recursos para nos orientar no espaço; a visão é um deles. 0 bebê que enxerga é dotado de um potencial biológico para
compreender gradualmente o ambiente e se adaptar a ele, usando todos os sentidos. Já o bebê sem o sentido da visão precisa integrar e sintetizar os dados e as informações captados no ambiente usando os outros canais de percepção
sensorial.
É importante que o bebê deficiente visual aprenda a usar seus outros sentidos o mais cedo possível, para se
localizar e reconhecer seu espaço, evitando atrasos em atividades como engatinhar e andar. Trata-se de uma questão de aprendizado, pois ele possui o mesmo potencial dos bebês
dotados de visão.
Sem poder reagir a estímulos visuais - um brinquedo com cores fortes, o vestido da mãe, a lâmpada que se acende -, o bebê não tem motivações para
erguer a cabeça, rolar de lado, tentar alcançar alguma coisa. Como se mexe pouco, seus músculos não se desenvolvem e ele não se prepara para sentar, engatinhar e, depois, andar.
Freqüentemente, os bebês com baixa visão preferem ficar em um ambiente constante e familiar, temendo as mudanças - mesmo que seja apenas uma mudança de posição. Alguns, por exemplo, querem permanecer de costas,
escolhendo a estabilidade e a imobilidade para se proteger do desconhecido mundo ameaçador. Mas eles precisam aprender a aceitar as mudanças.
Assim sendo, os adultos devem se preocupar em desenvolver atividades variadas de estimulação, de forma gostosa, como brincadeiras, várias vezes por dia.
É importante observar o bebê, para perceber o momento em que está pronto para experimentar novos movimentos e posições, sem jamais forçar uma situação.
Quanto mais cedo forem iniciadas as atividades e quanto mais interessantes elas forem, mais satisfeito ficará o bebê e mais motivado para tentar novas posições. Se desde cedo for mudado de posição freqüentemente
(com a barriguinha para baixo, de lado e de costas), ele poderá se sentir confortável em qualquer uma, gostando das mudanças.
Um caso que merece atenção especial é o dos bebês cuja deficiência visual resulta de retinopatia da prematuridade, situação em que a retina não atinge o amadurecimento completo devido ao parto prematuro, ou a um excesso de oxigênio na incubadora. Essa mesma prematuridade provoca também o desenvolvimento insuficiente da musculatura,
que não amadurece completamente no útero, prejudicando a motricidade.
Se não forem estimulados, os bebês com deficiência visual tendem a ficar 'grudados' no colchão, mantendo a maior parte possível do corpo em contato com a superfície. Com isso, acabam fortalecendo os músculos
errados, o que bloqueia a capacidade de relaxamento e tensiona os músculos, dificultando, enfim, o futuro desenvolvimento motor.
Mãos: ferramentas preciosas
Há milhares de anos, quando o homem começou a andar em posição ereta, libertou suas mãos da tarefa da locomoção. Assim, as mãos puderam evoluir e se
tornaram o principal instrumento para agir e dominar o ambiente, além de ser um meio de expressão e de comunicação, e também um órgão de percepção.
Se as mãos têm tamanha importância para o ser humano, é fácil imaginar seu papel na vida das pessoas com deficiência visual. As informações chegam a elas por dois canais principais: a linguagem - pois ouvem e falam - e a
exploração tátil, que depende especialmente das mãos.
As mãos são os olhos das pessoas com deficiência visual. 0 uso das mãos como
instrumento de percepção deve ser intensamente estimulado, incentivado e aprimorado.
0 adulto que nasceu deficiente visual, ou adquiriu essa deficiência mais tarde, sempre pode aprender muito graças à linguagem oral e gestual, ao pensamento abstrato, aos símbolos etc. Mas o bebê com deficiência
visual precisa percorrer um longo caminho antes de dispor desses recursos, que se desenvolvem com a idade.
Desde o nascimento, é preciso despertar na criança cega o desejo de conhecer e aprender. Os pais devem conversar mais com um recém-nascido portador de deficiência visual do que se faz geralmente com os não-deficientes.
Cada vez mais, a principal adaptação requerida pela cegueira consiste em transformar a mão em um órgão também de percepção, sem perder sua função preênsil (tirar, colocar, abrir, fechar, tampar. empilhar etc).
Com as mãos, o bebê compreende que um objeto existe e pode entender para que serve. É a mão que lhe dá as informações necessárias para localizar, analisar e conhecer os brinquedos e outros objetos. Com as mãos, ele
descobre a forma e percebe o calor do rosto da mãe, adquire conceitos espaciais, entende a relação entre os objetos, integra seu esquema corporal etc.
Durante toda a vida da pessoa com deficiência visual, a mão é um recurso privilegiado de conhecimento. Mas nos primeiros anos de vida, enquanto a linguagem está num estágio incipiente, ela desempenha um papel ainda
mais relevante.
Estimulação precoce
Em um processo trabalhoso, mas também muito interessante, os adultos que acompanham a criança com deficiência visual têm a função de ajudá-la a
utilizar as mãos para descobrir o mundo e se interessar por ele. Esse trabalho recebe o nome de estimulação precoce.
0 conceito de estimulação precoce adotado pelo Ministério da Educação (Série Diretrizes nº 3, Secretaria de Educação Especial, 1995) é o seguinte:
Conjunto dinâmico de atividades e de recursos humanos e ambientais incentivadores, destinados a proporcionar à criança, nos seus primeiros anos de vida, experiências significativas para alcançar
pleno desenvolvimento no seu processo evolutivo.
A estimulação precoce é uma ação facilitadora para a construção do conhecimento, por meio da interação e da comunicação com o outro. Trata-se de um processo que procura despertar a curiosidade e o interesse pela descoberta do mundo, estimulando a iniciativa e a autonomia
da criança com deficiência visual.
Cada atividade de estimulação pode envolver várias funções ao mesmo tempo. Por exemplo: se jogamos uma bola com guizos para a criança, estamos trabalhando a coordenação ouvido/mão, a exploração da forma e da textura da
bola, seu uso, sua função, a permanência do objeto e a compreensão da organização espacial.
0 deficiente visual vivência o mundo por meio do tato. Essa percepção permite à criança compreender que existe algo fora de si mesma, um mundo exterior povoado de objetos e pessoas, cada um com seu nome, sua forma e sua
função próprias.
No entanto, para que o sentido do tato e seus principais agentes, as mãos, se coloquem a serviço do bebê cego, ou com visão residual, é preciso que ocorram duas adaptações:
-
A mão deve ser 'educada' para se transformar em órgão de percepção, em instrumento de exploração e de conhecimento.
-
A coordenação bimanual (das duas mãos) e a coordenação ouvido/mão precisam substituir a coordenação olho/mão estabelecida pelas crianças que enxergam.
É nossa tarefa ajudar a criança deficiente visual a encontrar caminhos eficazes e alegres para alcançar essas adaptações. Brincar é a forma mais simples e
mais efetiva de interação com a criança.
A coordenação de ambas as mãos é indispensável para a criança perceber as coisas; se as mãos não trabalham em 'equipe', o resultado final da pesquisa se torna impossível. Exercícios como bater palmas, segurar a mamadeira com as duas mãos, bater dois objetos
entre si horizontalmente, ou bater num pandeiro são ótimos para desenvolver a coordenação bimanual.
Inicialmente, o bebê cego não está interessado em tatear os objetos; seu interesse se concentra em sensações de calor, na maciez do rosto das pessoas, em sua chupeta, no lençol do berço, no ato de ser balançado.
Brincar com essas sensações é um bom começo.
Cabe aos pais, ou a outras pessoas que convivam com o bebê, aproximar os estímulos que estão fora de seu campo de percepção, facilitando a exploração e desenvolvendo seu interesse: orientar os movimentos para que a
criança acaricie os objetos com a palma da mão, com tempo para descobri-los e conhecê-los.
É fundamental perceber as necessidades, interesses e desejos da criança e brincar enquanto ela estiver disposta, deixando tempo para que descanse, coma, durma - e encerrando a atividade assim que observar sinais de
cansaço.
Uma intervenção invasiva ou excessiva pode trazer riscos. A receita é: estimular sem saturar, ajudar sem invadir. Encontrar o equilíbrio entre esses dois extremos depende da relação e da sintonia que estabelecemos com
o bebê.
Brincando com as mãos
Entre 12 e 16 meses de idade ocorre uma mudança significativa na forma de os bebês se aproximarem dos objetos. É o momento em que a criança cega começa a utilizar mais suas mãos, explorando cuidadosamente os objetos para identificá-los e dar-lhes um uso funcional. Mas, antes de usar as mãozinhas para fazer uma
exploração detalhada, o bebê brinca com os objetos e gosta de colocá-los na boca.
Se retirarmos um objeto das mãos de um bebê cego de menos de 8 meses de idade, ele não vai tentar resgatá-lo. Para ele, as coisas aparecem e desaparecem de seu campo tátil, sem que entenda a razão, pois não vê o movimento
do objeto, ao cair ou ser retirado.
0 único meio de o bebê compreender a existência de realidades exteriores fora de seu campo perceptivo táctil é a experimentação. Para tanto, o adulto deve dirigir as mãos da criança para os objetos, levando-a a deduzir
que as coisas permanecem por perto e poderão ser alcançadas, se ela quiser. Diversas atividades colaboram nesse sentido:
-
Brincar com o rosto ou com as mãos dos pais. Encostamos na criança e afastamo-nos um pouquinho, de modo que o menor movimento dela permita o encontro.
-
Movimentar objetos, com a mão da criança apoiada sobre a nossa ou sobre algum de seus objetos favoritos.
-
Colocar objetos sobre o peito da criança, para que ela possa senti-los e procurá-los com as mãozinhas.
-
Colocar objetos junto ao corpo do bebê, em posições variadas.
-
Colocar objetos, de preferência sonoros, bem perto de seus braços, para que sejam percebidos ao menor movimento.
-
Colocar a criança sentada, com objetos entre suas pernas, ou bem perto dela, na sua frente ou a seu lado.
-
Em um espaço aberto, incentivar a criança a engatinhar, atraindo-a com objetos sonoros.
0 Tacto e o mundo sonoro
0 desenvolvimento psicológico do bebê deficiente visual é especialmente vulnerável. Os recursos fundamentais de que dispõe para ajudar a integrar as
informações recolhidas no ambiente são a percepção tátil e a sonora, além da afetividade.
0 tato permite analisar um objeto de forma parcelada e gradual. A visão, ao contrário, é sintética e globalizador. Assim, as informações parciais
fornecidas pelo tato precisam ser integradas, para chegar a uma conclusão global.
Quando se interessa por alguma coisa, o bebê deficiente visual pode permanecer pesquisando durante longo tempo. Os adultos muitas vezes ficam impacientes, sem entender que a demora eqüivale ao tempo necessário para
conhecer o objeto, pois a criança está iniciando seu processo de abstração.
A tarefa de explorar e conhecer um objeto requer grande esforço da criança portadora de deficiência visual. Por isso, ela precisa contar com situações
adequadas de aprendizagem, sem precipitação nem impaciência.
A percepção auditiva ajuda a criança portadora de deficiência visual a compreender que existe uma realidade exterior, separada dela. No entanto, ela ainda precisa aprender o significado dos sons. Por exemplo: ao ouvir a batida de uma porta, não sabe como é a porta, para que serve, e nem que é feita de madeira. A
aquisição do significado do mundo dos sons é um processo lento.
Objetos sonoros em geral são bem aceitos por bebês com deficiência visual. Já a preferência por texturas varia muito: alguns não gostam do contato com a pelúcia; outros, rejeitam objetos de borracha. A mãe logo aprende as
preferências de seu filho.
Desenvolvimento afetivo
0 desenvolvimento afetivo é fundamental para garantir à criança cega o desenvolvimento
normal de seus conhecimentos e a formação de uma personalidade harmônica. Embora isso seja verdadeiro para todas as crianças, com ou sem deficiência, é ainda mais importante para aquelas que possuem alguma deficiência. Desde cedo, a
criança com deficiência visual manifesta uma forte preferência por pessoas, enquanto seu interesse por objetos demora mais a se manifestar, em comparação com as crianças
que enxergam. As pessoas de quem ela gosta são muito significativas e determinantes. Essa relação de vínculo deve ir evoluindo, abrindo lugar para o interesse por objetos, por outras pessoas e pelo mundo exterior em geral.
Na relação com o bebê portador de deficiência visual,
é bom não esquecer estas palavras:
conversar e acariciar.
A voz e o toque são as melhores formas de tranqüilizar e confortar a criança. É importante desenvolver quaisquer atividades de forma lenta e suave, por pouco
tempo de cada vez. Dedicar alguns minutos, várias vezes ao dia, é a melhor forma de estimulá-la, sem deixá-la cansada ou irritada.
0 domínio do corpo
Muitas vezes, a criança deficiente visual demora muito tempo para se sentir confiante e segura o suficiente para andar sozinha. Afinal de contas, é
assustador andar sem conseguir dominar a situação, sem ver o ambiente em que se desloca.
Mas os adultos não devem desanimar; vale a pena ser paciente e insistir. Se ela for aprendendo a andar com apoio, vai chegar a hora em que possa andar sozinha. A prática aumenta sua competência e também a confiança
nela e nos adultos.
Por outro lado, essa criança não tarda a perceber que está cercada por muitos perigos, e isso restringe seus movimentos. E com freqüência os pais podem deixá-la ainda mais medrosa, insegura e sem iniciativa, ao
impedir que se desenvolva como as outras crianças - que caiam, ralem o joelho, se machuquem, mas aprendam a usar o corpo, a fortalecer os músculos e a descobrir o mundo.
0 trabalho feito para estimular o desenvolvimento motor deve promover experiências multissensoriais, combinando movimentos com panos, bolas e bambolês e estímulos sonoros, como músicas e instrumentos musicais,
incentivando com brincadeiras o uso do corpo.
Família, escola e profissionais
Na escola de educação infantil ocorre um movimento de interação entre a criança e o ambiente que a rodeia, um trabalho conjunto envolvendo a família
e a comunidade (principalmente a comunidade escolar), para auxiliar a criança com deficiência visual a interpretar e assimilar o mundo.
O papel da comunidade escolar consiste em apoiar, orientar e dar suporte à família, para que esta aprenda a lidar adequadamente com sua criança, pois é com ela que se dá a maior convivência.
Os programas de Intervenção Precoce, Educação Infantil e Escolar, adotados em escolas públicas particulares e instituições especializadas, cuidam das necessidades da criança, ouvem os pais e escutam suas prioridades e
desejos, considerando o contexto social em que vivem.
O programa de Educação Precoce deve possibilitar a integração da criança com deficiência
visual na família, na escola e na comunidade, pela interação com crianças e adultos.
O ideal é realizar um trabalho conjunto, no qual profissionais e famílias possam se reunir e trocar informações. Na prática, infelizmente, nem sempre é possível: em algumas localidades não há esse tipo de serviço;
outras vezes, a família não tem recursos para matricular o filho em escolas especializadas, ou mesmo ignora a existência desses recursos, achando que nada há a fazer.
Entre os 4 e os 6 anos, toda criança aprende a calçar sapatos, se vestir, tomar banho e adquire várias utras habilidades, se encaminhando para a autonomia. Ao mesmo tempo, constrói conceitos e utiliza formas de expressão
que serão fundamentais para o futuro aprendizado da leitura e da escrita. Mas, para isso, ela precisa ser orientada e estimulada. A ausência de estímulos vindos da família e do grupo social e a limitação da aquisição de experiências por
meio da privação de um dos órgãos dos sentidos prejudica o desenvolvimento.
No caso da criança com deficiência visual, é mais importante ainda desenvolver os órgãos dos sentidos de que ela dispõe, já que lhe falta a visão, principal canal de apreensão do mundo exterior. Ela não pode ser
superprotegida e ficar em uma redoma de vidro: deve ser incentivada a desenvolver seu potencial e sua curiosidade. Se levar tombos, arranhões, ralar o joelho, ficar suja, isso deve ser visto com naturalidade - afinal, é uma criança!
Nessa etapa da vida (de 4 a 6 anos), a aprendizagem significativa e conceituai passa pelas vivências corporais no espaço e no tempo; daí a importância de brincadeiras e jogos que estimulem a imaginação, de atividades
lúdicas e recreativas. A criança gosta de ouvir histórias e de ter amiguinhos, por isso as atividades em grupo são muito mais enriquecedoras.
As atividades lúdicas e exploratórias, os jogos e as brincadeiras, ajudam a reconhecer as potencialidades de cada um, a desenvolver o raciocínio, a usar os gestos para
exprimir idéias, pensamentos e emoções e permitem que a criança entre em contato com seu próprio corpo e com suas possibilidades de movimentação, desenvolvendo assim sua consciência corporal e seu autoconhecimento.
Ao acreditar em si mesma, a criança passa a confiar mais nos outros e aprende a brincar e
a atuar em grupo, trocando o isolamento por novas amizades.
O primeiro dia na pré-escola
Muitas crianças, com deficiência ou não, começam a freqüentar a escola por volta dos 4 anos. Em geral, as dificuldades de adaptação são superadas com
naturalidade nas primeiras semanas, tanto pela criança quanto por seus pais. No entanto, quando a criança é portadora de uma deficiência, isso pode ser mais difícil, e às vezes frustrante, para ela e para os pais. Assim, esse processo
precisa ser seguido com atenção.
Desde que tenha condições mínimas de comunicação e de interação, de explorar o meio e de se organizar para compreender o ambiente que a rodeia, a criança com deficiência visual pode e deve ser integrada à pré-escola comum
(ou seja, com crianças não-deficientes).
No Brasil, a integração de crianças com deficiência visual e não-deficientes na pré-escola é recente e se manifesta em ações isoladas e assistemáticas, sendo mais freqüente nas grandes cidades.
As situações de integração são variadas: algumas escolas têm salas de apoio ou de recursos pedagógicos, com professores especializados; outras recebem a visita de
professores itinerantes. Em outros casos, a criança com deficiência freqüenta duas escolas: uma comum e outra especializada. E há famílias que preferem pagar um professor particular.
Alguns municípios estão promovendo a inclusão de crianças com deficiência já na fase de creche, e os resultados têm sido muito positivos: crianças que convivem com a diversidade desde pequenas tendem a crescer com
menor carga de preconceitos e a aceitar com naturalidade as diferenças.
O processo de aceitação da criança com deficiência depende do trabalho conjunto de profissionais especializados e da equipe escolar, com a participação da família.
A adequação e a adaptação das atividades para incluir a criança com deficiência visual serão feitas, sempre que possível, de acordo com a estruturação e a organização do cotidiano da escola. Para isso, é indispensável
que o professor de apoio e o professor da classe comum trabalhem em conjunto.
A integração escolar é um processo gradual e dinâmico , que assume diferentes formas
segundo as necessidades e as características de cada aluno e o contexto da escola.
Para colher resultados positivos do processo de inclusão, é preciso que toda a equipe escolar esteja preparada para acolher a criança portadora de deficiência, desde o porteiro até o diretor, passando pelos colegas de classe e pelas demais crianças.
Quando a escola desenvolve um processo de sensibilização e de acolhimento da criança com deficiência, os resultados costumam ser positivos, pois todos se beneficiam: as crianças aprendem a exercer a solidariedade e a
conviver com o diferente; os professores desenvolvem novas técnicas de ensino e pesquisam novos materiais didáticos.
Aspectos positivos da integração
O processo de integração pré-escolar, além de favorecer o desenvolvimento integral - motor, intelectual e emocional - do aluno com deficiência visual,
também contribui para o desenvolvimento de uma auto-imagem positiva e para o enriquecimento e a ampliação de conhecimentos, graças às experiências partilhadas com o grupo.
Requisitos da integração
• Reavaliar a prática pedagógica, levando em conta o potencial da criança portadora de deficiência
visual, o fato de ela apresentar uma perda (a ausência da visão), e os fatores sociais e culturais do grupo a que ela pertence;
• Utilizar os recursos específicos disponíveis (lentes especiais, máquina de escrever braille, jogos adaptados, equipamentos de informática,
softwares específicos etc).
A proposta pedagógica da pré-escola enfatiza aspectos do desenvolvimento afetivo, cognitivo, social e físico, privilegiando o atendimento das necessidades
da criança e envolvendo a família, sempre que possível. A procura constante de recursos pedagógicos, de novos métodos e técnicas, deve ser preocupação de todos os que rodeiam a criança deficiente visual.
A parceria família/escola
A participação da família é fundamental para todo o processo de atendimento à criança portadora de deficiência visual. Os pais precisam entender as
dificuldades do filho portador de deficiência, comunicando-se com ele em uma atitude positiva diante dos desafios impostos pela deficiência.
O trabalho de integração na escola depende centralmente da colaboração dos pais, aos quais cabe fornecer informações a respeito das condições visuais (cegueira/visão subnormal) do aluno, do eventual uso da visão
residual, de aspectos de seu desenvolvimento global, da necessidade de adaptação do material, da utilização de recursos ópticos, não-ópticos e tecnológicos.
Os colegas da classe também devem ser informados a respeito do colega portador de deficiência. O ideal é que o professor crie situações em que a participação e a cooperação ocorram espontaneamente -por exemplo, no
trabalho em grupo -, sem que a criança com deficiência seja exposta a situações difíceis ou constrangedoras.
É preciso avaliar se as atividades propostas contribuem de fato para criar relações de amizade, evitando a rejeição e/ou a superproteção. O professor pode propor um rodízio para os companheiros ajudarem a criança com
deficiência visual, quando necessário, dentro e fora da sala de aula.
É importante procurar dar oportunidades a todos de exercer a solidariedade e de perder o medo dos 'diferentes', que ocorre naturalmente entre as crianças. Com o tempo, os pais de todos os alunos perceberão que a inclusão de crianças com deficiência traz um ganho para a classe. O professor, por sua vez, também
enriquece seu trabalho, ao se ver diante da necessidade de diversificar e tornar mais concretos os conceitos e o material didático utilizados.
Defasagens no processo de desenvolvimento
Nessa faixa etária, é natural que a criança com deficiência visual severa, ou cegueira, apresente defasagens de desenvolvimento em relação às videntes (que
enxergam). Ela começa a compensar as discrepâncias a partir dos 6 ou 7 anos, com o estabelecimento da linguagem conceituai, que lhe torna possível verificar as hipóteses cognitivas.
A escola pode tomar diversas medidas com o objetivo de capacitar os professores e a
comunidade escolar para lidar com as diferenças, como por exemplo:
-
promover reuniões para discutir as dificuldades;
-
convidar especialistas para fazer palestras a professores e alunos;
-
distribuir literatura e exibir vídeos a respeito do assunto;
-
convidar pais de crianças portadoras de deficiência, ou professores que já tiveram essa experiência, para dar depoimentos.
Entre os 7 e os 11 anos, mais ou menos, a principal atividade da criança consiste em estudar. A escola constitui o foco de seu mundo, local de aprendizagem e de socialização, determinante de toda a rotina e do ritmo de sua vida. Ela
aprende a ler e a escrever e vê se abrirem novos horizontes. Tudo isso é verdadeiro para todas as crianças, inclusive as portadoras de deficiência - talvez até com mais ênfase para estas.
A leitura e a escrita ocupam um papel central em nossa sociedade, convertendo-se em habilidade indispensável, mesmo para quem não enxerga, mas dispõe de técnicas diferentes, como o braille.
Diferentes processos de desenvolvimento
Mesmo antes de aprender a ler e a escrever, a criança vidente (que vê) incorpora muitas noções a respeito da escrita: ela observa as embalagens, vê cartazes
na rua, anúncios na televisão, folheia livros, revistas e jornais, vê as pessoas lendo e escrevendo. Sem perceber, ela vai incorporando assistematicamente hábitos de leitura e escrita; mesmo as menores fingem 'escrever': fazem rabiscos no
papel, desenham, brincam de escolinha.
Esse contato constante com a palavra escrita cria motivações para a alfabetização, pois a criança percebe o objetivo e o significado da leitura.
Logo que o aluno chega à escola, o professor procura avaliar cuidadosamente seu desenvolvimento psicomotor e cognitivo, buscando também conhecer suas habilidades sensoriais (táteis, auditivas
e visuais), pois tudo isso é importantes para o processo de alfabetização.
A aprendizagem das técnicas de leitura e escrita depende do desenvolvimento simbólico e conceituai do aluno, de sua maturidade mental, psicomotora e emocional. Esse processo não acontece de forma espontânea: resulta da
orientação e do estímulo oferecidos pelo professor, que escolhe um método e um processo de alfabetização, bem como técnicas adequadas para desenvolver seu trabalho.
Logo de início, o aluno com deficiência visual (seja cegueira ou baixa visão) apresenta uma desvantagem básica: a perda (ou a redução) da visão. De modo genérico, podemos destacar algumas características de seu processo
de desenvolvimento:
-
ele precisa mais tempo para assimilar determinados conceitos, especialmente os mais abstratos;
-
requer estimulação contínua;
-
mostra dificuldade de interação, apreensão, exploração e domínio do meio físico;
-
desenvolve mais lentamente a consciência corporal.
São muitas as carências da criança portadora de deficiência visual. É importante que o professor e a família levem em conta as inevitáveis diferenças em
relação à criança que enxerga, evitando fazer comparações.
A experiência e o aprendizado das crianças portadoras de deficiência visual dependem muito de seus outros órgãos dos sentidos, já que não contam (total ou
parcialmente) com a visão. A falta de estímulos e experiências que mobilizam os sentidos disponíveis pode prejudicar a compreensão das relações espaciais e temporais e a aquisição de conceitos necessários ao processo de alfabetização.
Porém, não se pode deixar de considerar que cada criança tem uma história de vida peculiar e, conseqüentemente, desenvolve habilidades e características muito pessoais. Assim, o mais importante é que o professor
procure conhecer e entender cada aluno de sua sala.
Não há uma receita pronta e infalível para educar essa ou aquela criança. O alfabetizador precisa conhecer o aluno que está sob seus cuidados.
Braille ou tipos ampliados?
O portador de visão subnormal deve utilizar auxílios ópticos adequados e materiais adaptados a suas necessidades especiais, como por exemplo os textos
com letras ampliadas. Na sala de aula, o professor precisa estar atento para planejar a melhor posição (localização da carteira em relação à lousa, à janela etc.) do aluno, de forma a facilitar sua aprendizagem.
Não há uma regra única: tudo vai depender do grau de visão da criança e do tipo de patologia que ela tem. Dependendo do grau de visão, o aluno aprenderá o sistema braille, ou disporá de textos com letras escritas em
tamanho maior que o comum (tipos ampliados) e com maior espaço entre as linhas.
Um pouco de história
A primeira tentativa conhecida no sentido de desenvolver um sistema de leitura para pessoas sem visão ocorreu em 1580, quando letras do alfabeto romano
foram gravadas em baixo-relevo, sobre pedacinhos de madeira.
Em 1825, Louis Braille inventou um eficiente sistema de leitura e escrita para cegos, que leva seu nome e ainda hoje é usado no mundo inteiro.
O Alfabeto Braille

O sistema braille, inscrito em relevo, é explorado por meio do tato. Cada 'cela' é formada por um conjunto de seis pontos, penmitindo 63 diferentes combinações para
obter todos os sinais necessários à escrita: letras do alfabeto, sinais de pontuação, maiúsculas e minúsculas, símbolos de Matemática, Física, Química e notação musical.
Os seis pontos são dispostos em duas colunas, com três pontos em cada uma, formando um retângulo, ou 'cela' de 6 milímetros de altura por 2 de largura. Para facilitar sua identificação, os pontos são numerados.

O sistema braille pode ser escrito com dois tipos de equipamento: o conjunto manual de reglete e punção e a máquina de datilografia (Perkins-Braille), que começou a ser produzida no Brasil em 1999.
Alfabetização da criança com deficiência visual
Ao contrário da criança que enxerga, a cega demora a conceber a idéia de leitura e escrita. Muitas vezes, só entra em contato com esse universo no período
escolar, e isso inevitavelmente retarda seu processo de alfabetização.
O material braille não é tão atraente ao tato como os livros coloridos são para a visão; por isso, não é tão fácil despertar o interesse da criança. Outro fator que interfere na motivação para a aprendizagem está no
estímulo familiar. Bem poucas pessoas conhecem o sistema braille. Assim, não só o acompanhamento em casa se torna mais complicado, como também fica difícil para os adultos avaliar e valorizar os esforços do estudante e os progressos que ele faz. Dificilmente um cego poderá ouvir frases de estímulo como: Que letra bonita você
tem!, ou: Deixe-me ver seu caderno?.
Cabe à escola abrir frentes de conhecimento, suprir lacunas e minimizar as carências. A educação precisa investir com vigor no desenvolvimento integral
da criança, utilizando técnicas e recursos específicos para promover a aprendizagem pelo sistema braille.
O aprendizado da leitura e da escrita em braille requer um elevado desenvolvimento das habilidades motoras finas, além de flexibilidade nos punhos e agilidade nos dedos. Se possível,
a escola deve oferecer treinamento para desenvolver tais habilidades, em situações concretas. Se a escola não dispuser de meios para isso, a família precisará buscar auxílio
especializado.
Se tiver um aluno cego em sua sala, o professor precisa sempre:
-
falar em voz alta o que está escrito no quadro negro;
-
sempre que possível, passar para esse aluno especial a mesma lição dada aos outros, em classe ou para casa;
-
buscar apoio com o professor especializado (da sala de recursos, de apoio pedagógico ou do ensino itinerante), que ensinará à criança o sistema braille e acompanhará o processo de aprendizagem e de desenvolvimento do raciocínio;
-
a partir do momento em que a criança estiver alfabetizada, orientá-la para que anote todas as tarefas.
O aluno que tem visão parcial suficiente para ler e escrever com materiais comuns precisa ficar sentado perto do quadro negro e utilizar recursos ópticos (óculos
com lentes próprias, lupas etc). Dependendo do grau de deficiência, ele precisará usar tipos ampliados e escrever em cadernos especiais, com maior espaço entre as linhas.
Como é a leitura no sistema braille?
As pessoas com deficiência visual nem sempre conseguem ter suficiente velocidade de leitura para conseguir ler de forma eficiente e prazerosa. A
velocidade da leitura em braille depende da idade em que a pessoa aprendeu a ler, e também do grau de desenvolvimento do tato: quanto maiores forem as oportunidades para pesquisar e explorar o ambiente e quanto antes se iniciar o
processo de alfabetização, melhor será a qualidade da leitura.
Para o cego, a atividade de leitura envolve dificuldades bem peculiares. Por exemplo: a pessoa vidente pode ler durante horas, sem parar; já a pessoa cega é obrigada a interromper a leitura após algum tempo, pois os
dedos indicadores (os mais utilizados para ler) vão perdendo a sensibilidade e se torna difícil identificar as palavras e as letras.
Pesquisas comprovam que a leitura tátil é três vezes mais fatigante que a leitura
visual.
Também são cansativos os movimentos das duas mãos e a posição em que se precisa manter os braços. A temperatura ambiente é outro fator adverso; no tempo frio, é comum a sensação de amortecimento nos dedos, o que
prejudica o tato.
Como facilitar a leitura em braille
Algumas medidas simples contribuem para facilitar a leitura em braille, como por exemplo:
-
distribuir o texto de forma lógica no espaço do papel; se ele estiver 'espalhado', fica difícil a localização pelo tato e, conseqüentemente, a leitura se torna
cansativa;
-
um resumo colocado antes do texto completo desperta o interesse e aumenta a segurança, pois a pessoa tem uma idéia do conteúdo.
Resultados esperados
Ao final do processo de alfabetização, a criança deverá ter desenvolvido habilidades para:
-
expressar seus pensamentos por escrito com clareza, espontaneidade e criatividade;
-
ler com fluidez, entonação e ritmo;
-
compreender e interpretar pequenos textos;
-
escrever orações e pequenos textos de estrutura simples, com palavras de seu vocabulário cotidiano.
O aprendizado da Matemática
O aluno com deficiência visual tem as mesmas condições de um vidente para aprender Matemática, acompanhando idênticos conteúdos. No entanto, se faz
necessário adaptar as representações gráficas e os recursos didáticos. Com freqüência, ao criar recursos didáticos especiais para o aprendizado de alunos com necessidades especiais, o professor acaba beneficiando toda a classe, pois
recorre a materiais concretos, facilitando para todos a compreensão dos conceitos.
Assim, o professor não precisa mudar seus procedimentos quando tem um aluno portador de deficiência visual em sua sala, mas apenas intensificar o uso de materiais
concretos, para ajudar a abstrair os conceitos.
O sorobã, ou ábaco, é fundamental para o ensino da Matemática. Seu manuseio é fácil e aprender a usá-lo é útil mesmo para o professor de classe comum.
Outra técnica complementar indispensável para o aprendizado do aluno com deficiência visual é o cálculo mental, que precisa ser estimulado desde o
início e será de grande valia, entre outras coisas, no estudo da álgebra.
A tecnologia na educação do aluno deficiente visual
O enorme avanço na área da informática tem proporcionado recursos valiosos para o processo de ensino-aprendizagem do portador de deficiência visual.
Há dois tipos de sistema de ampliação de letras para as pessoas com visão reduzida:
-
softwares especiais, como o programa Lentepro, desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre outros;
-
sistemas que permitem a ampliação direta do texto, como os circuitos fechados de televisão.
Para pessoas com cegueira, há softwares que, com um sintetizador de voz, fazem a leitura do que aparece escrito na tela do microcomputador. No
Brasil, temos alguns programas com essa tecnologia, como por exemplo o Dosvox, desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e o Virtual Vision, desenvolvido pela MicroPower, empresa do
município de São Caetano do Sul.
Sorobã ou ábaco
O sorobã, ou ábaco, é um instrumento usado tradicionalmente no Japão para fazer cálculos matemáticos (muito antes das maquininhas eletrônicas). Ele torna
possível realizar as operações matemáticas (adição, subtração, multiplicação, divisão, radiciação e potenciação) com rapidez e eficiência. Além de tudo, é um objeto de baixo custo e grande durabilidade. No Brasil, o sorobã foi adaptado para
o uso de deficientes visuais em 1949, e é hoje adotado em todo o país.

Legenda da imagem:
-
Moldura, assentada sobre suportes de borracha na base, para evitar o deslizamento.
-
Régua, que divide as partes inferior e superior.
-
Eixos ou hastes, ao longo dos quais as contas são movimentadas.
-
Pontos salientes, que dividem a régua em sete espaços.
-
Parte superior, com 1 conta em cada haste.
-
Parte inferior, com 4 contas em cada haste.
-
Borracha que se apoia na base da moldura do sorobã, evitando que as contas deslizem livremente, sem ser movidas pelo operador.
Valores:
-
Na parte superior cada conta vale 5 unidades.
-
Na parte inferior cada conta vale 1 unidade.
-
As três primeiras hastes formam a classe das unidades simples: unidades, dezenas e centenas. O espaço delimita o conjunto seguinte de hastes que correspondem ao milhar: unidade, dezena e centena de milhar. E assim por diante. No sorobã é possível registrar até quintilhões.
Existem também equipamentos para imprimir o texto em braille, tanto para uso individual quanto para a produção de grandes tiragens de livros e revistas.
Por enquanto, o microcomputador e a impressora são os equipamentos de informática mais freqüentemente encontrados no Brasil. Porém, já há outros disponíveis, como por exemplo: reglete de mesa, terminal braille
(display braille) e braille falado (minicomputador).
A política nacional de Educação Especial
Desde a década de 50 há salas de recursos para a integração de crianças com deficiência visual nas escolas públicas do Brasil, fazendo de nosso país o
pioneiro nesse tipo de atendimento na América Latina.
As diretrizes atuais do Ministério da Educação recomendam que se dê prioridade ao atendimento escolar integrado aos portadores de necessidades educativas
especiais.
Em obediência a essas diretrizes, a rede pública oferece diversas modalidades de atendimento:
-
classe comum sem apoio da educação especial;
-
classe comum com apoio de serviços especializados;
-
sala de recursos nas escolas comuns;
-
ensino itinerante;
-
escolas integradoras/inclusivas;
-
classe especial nas escolas comuns;
-
centro de apoio pedagógico para atendimento a pessoas com deficiência visual;
-
escolas e centros especializados.
Em geral, os alunos com deficiência visual são alfabetizados por professores especializados e em seguida integrados às classes comuns do ensino regular. A partir daí, freqüentam a classe comum em um turno e a sala de
recursos, ou outro tipo de assessoria, em outro.
No entanto, a integração nas salas de aula de ensino regular não deve ser uma imposição; deve-se respeitar a vontade dos portadores de deficiência visual e de seus familiares. Só devem ser integrados na sala de aula
comum os alunos com condições de acompanhar a proposta curricular e cuja família tenha feito essa opção.
Para os alunos portadores de deficiência visual terem acesso ao currículo de disciplinas como Educação física, Educação artística, Geografia, Matemática etc. os professores dessas disciplinas precisam fazer algumas
adaptações, em conjunto com os professores especializados.
O objetivo principal consiste em tornar mais concretos os conceitos que serão ensinados. Por exemplo: é mais fácil ensinar acidentes geográficos (ilha, rio, estuário etc.) utilizando um mapa em relevo ou um tabuleiro
cheio de areia, no qual a professora pode ir jogando água e 'construindo' o relevo.
Embora a atual política educacional esteja preocupada com a inclusão de crianças portadoras de deficiência no sistema comum de ensino em classes regulares, temos comprovado a falta de
alternativas pedagógicas que facilitem essa integração. No caso específico de portadores de cegueira, uma das maiores limitações é a precariedade de suporte pedagógico quanto ao acesso a informações escritas, textos
literários, livros de literatura infantil, revistas e outros. A falta de materiais impressos é um dificultador da integração da criança no ensino regular e, até mesmo, de uma aprendizagem bem-sucedida e, principalmente, prazerosa. Temos
observado que essas crianças ficam restritas a materiais didáticos com pouco ou nenhum espaço para a imaginação, a criação e o aspecto lúdico da leitura. (Garcia, 1998, pp. 3 I e 32)
Onde acontece a integração?
A integração da criança portadora de deficiência visual não acontece apenas na sala de aula; é desejável que ela aconteça na família, nos ambientes sociais,
religiosos e de lazer. Mesmo que não estude em uma sala comum, a criança precisa estar integrada ao ambiente social em que vive - na praça, no parquinho, na festa de aniversário, na igreja, na lanchonete...
Antigamente, os educadores e profissionais especializados enfatizavam apenas o diagnóstico e a reabilitação de aspectos específicos da deficiência. Nem sempre pensavam nas outras faces do desenvolvimento da criança -
habilidades motoras, integração social, vida emocional e afetiva etc.
Felizmente, hoje em dia o foco das atenções dos educadores está na recuperação da integridade do ser humano. Compreende-se que somente pela reintegração dos aspectos físicos, emocionais, cognitivos e sociais será possível
alcançar um desenvolvimento global e harmonioso.
Para que o processo de integração do aluno com necessidades especiais aconteça de modo positivo, toda a comunidade escolar deve estar preparada: pais,
professores, técnicos, funcionários de apoio da escola e, especialmente, os alunos.
O processo de integração na escola ajuda a perceber que as diferenças individuais são relativas -todos temos dificuldades e, ao mesmo tempo, qualidades, o que nos dá direito à igualdade e à diferença. Assim,
devemos centralizar nosso interesse na resolução, e não no problema; na qualidade de vida, e não na facilidade da segregação; na diversidade, e não na homogeneidade; na
atenção às necessidades individuais, e não na simplificação da educação.
No contato com os adultos, a criança precisa sentir que as limitações enfrentadas não são dela, mas da própria deficiência. Isso contribui para dar-lhe segurança e para que aprenda a expressar sem medo suas
dificuldades e pedir auxílio, saindo da passividade e da acomodação que, em geral, levam a uma auto-imagem negativa.
O verdadeiro trabalho de integração consiste em criar situações estruturadas, que favoreçam a vivência de experiências significativas, fortalecendo a auto-imagem e ensinando o aluno a lidar com seus próprios limites e
frustrações. Assim, ele vai se sentindo como um indivíduo atuante, capaz de compreender as diferenças e as semelhanças e de se relacionar bem com as outras pessoas.
Entreaberto botão, entrecerrada rosa.
No ciclo vital humano, a adolescência corresponde à transição entre a infância e a idade adulta. Muitas são as questões e muitas as possibilidades de mudança, entre as
quais sobressaem o despertar da sexualidade e a escolha da profissão.
Para alguns autores, a puberdade é a primeira fase da adolescência. Nos meninos, a voz muda, aumenta o tamanho do pênis e começa a produção de
espermatozóides; aparecem pêlos, penugem e barba. Nas meninas ocorre a menarca (primeira menstruação); aparecem pêlos e seios, as formas se arredondam.
Em ambos os sexos, os odores corporais mudam, espinhas e cravos são comuns. Todas essas mudanças são sinais evidentes do processo de amadurecimento sexual, com aumento da produção hormonal. De modo geral, as
transformações hormonais, corporais e cognitivas são comuns a todos os jovens, mas, no plano psicológico, cada um tem sua vivência particular.
O processo de adolescência implica elaborar várias perdas: perda do corpo, do papel e da identidade de criança. Nessa transição, o indivíduo já não reconhece seu 'novo' corpo e questiona sua 'nova' identidade. Tudo é
ambíguo: briga com os pais, mas precisa de sua atenção; ora se comporta como criança, ora quer ser adulto. Os pais, por sua vez, também se sentem desnorteados diante desse 'novo' filho.
Sem dúvida se trata de uma situação de crise, mas uma crise que pode ser muito criativa, pois o estado anterior desaparece, dando lugar a uma nova condição. Superar essa fase difícil é uma condição de crescimento
interior.
Em nossa sociedade, um dos sinais de passagem da adolescência para a idade adulta na classe média, por exemplo, é o ato de se habilitar para dirigir um carro: representa liberdade, autonomia de movimentação e
possibilidade de namoro. Imagine a situação do adolescente com deficiência visual diante dessa limitação...
Espelho, espelho meu...
A imagem corporal é extremamente importante para todo adolescente. Acne, obesidade, seios muito pequenos, ou muito grandes, excesso ou falta de pêlos,
estatura baixa, ou alta demais, comparação com a aparência dos colegas, tudo isso ganha dimensões importantes, levando o adolescente a se sentir infeliz e desvalorizado. Qualquer diferença individual em relação à maioria dos colegas é
olhada com temor e insegurança.
Às vezes se desenvolve um quadro de depressão, o jovem se fecha, passa a comer demais, ou de menos, manifesta comportamentos agressivos ou introspectivos, a sociabilidade fica comprometida.
Em uma sociedade como a nossa, que cultua o corpo, a beleza e a perfeição, qualquer desvio desse padrão parece intolerável ao adolescente.
Embora não possa ver, o adolescente com deficiência visual também sabe quais são os padrões estéticos por intermédio das conversas com a família e com os amigos e pelos meios de comunicação. Assim, as dificuldades
dessa fase crítica ganham para ele proporções muito maiores.
Para alguns autores, aprender a amar o próprio corpo - principalmente quando ele não corresponde ao modelo estético da sociedade - leva tempo e faz
parte de um processo mais amplo, de auto-aceitação e amadurecimento.
Por outro lado, devido à existência de riscos reais, a criança portadora de deficiência visual freqüentemente é superprotegida pela família, pelos amigos e demais pessoas de suas relações. Com isso, seu campo de
sociabilidade acaba sendo naturalmente restringido. Quando chega a adolescência, ela pode se sentir insegura diante de novos relacionamentos e de novos ambientes. O medo de se relacionar se torna um sentimento constante e negativo, o
adolescente se sente ameaçado por tudo e por todos. Para alguns psicólogos, é nessa fase da adolescência que surge a raiva da própria deficiência.
Adolescentes, deficiência visual e sexualidade
Outro aspecto muito importante da adolescência se refere à educação sexual dada pela família. Segundo as pesquisas, essa educação não tem possibilitado aos jovens - mesmo àqueles que enxergam - assumir
com responsabilidade suas relações afetivo-sexuais. Em geral as informações se restringem à sexualidade ligada à genitália, pois ainda hoje os pais têm dificuldade de dialogar sobre esse tema.
Mas, apesar da informação ser inexistente, fraca ou inadequada, os jovens não deixam de se iniciar na prática sexual, sem entender muito bem o que está acontecendo com eles, como se fosse uma brincadeira de faz-de-conta.
E, muitas vezes, com resultados inesperados, como um bebê não-planejado.
Ora, se a educação sexual dos jovens videntes é reconhecidamente inadequada, imagine o que acontece com jovens portadores de deficiência visual, vítimas de superproteção por um lado e, por outro, de preconceitos e mitos -
que projetam sua imagem como assexuados, incapazes, dependentes e eternas crianças. Com freqüência, em seu próprio ambiente familiar ele é visto como pessoa 'pura' e 'ingênua'.
O portador de deficiência visual é um ser humano igual aos demais, com impulsos sexuais e
potencial para viver sua sexualidade.
Assim, se é complicado para
os jovens sem deficiência viver sua sexualidade, supõe-se que, para adolescentes portadores de cegueira ou de baixa visão, a descoberta da sexualidade é muito mais difícil. É
fundamental que tenham a oportunidade de expor abertamente suas dúvidas e receber em resposta informações claras e verdadeiras, para que consigam vivenciar sua sexualidade de forma tranqüila e responsável.
Ajustamento à sociedade
As expectativas da sociedade são diferentes para os que enxergam e os que não enxergam. Para atender a essas expectativas, o adolescente com deficiência
visual procura atuar de forma similar a seu amigo que vê: quer descobrir o mundo, conhecer pessoas, namorar. A ausência da visão cria barreiras, pois interfere em seu senso de integridade física e em sua imagem corporal de pessoa
sexualmente aceitável, bem como em sua capacidade de escolha do parceiro.
E, como todos os adolescentes, os jovens que não vêem também buscam desesperadamente definir sua identidade e seu lugar na sociedade. Além disso, querem descobrir sua própria sexualidade e encontrar meios adequados
para expressar seus impulsos sexuais e vivenciar relacionamentos afetivos.
O impacto da deficiência visual sobre o desenvolvimento individual e psicológico e sobre as responsabilidades potenciais trazidas pela adolescência varia muito - depende da idade, do grau de perda sensorial, da
atitude dos pais e da dinâmica geral da família.
Quando os pais são superprotetores (e isso é muito comum), a transição da infância para a adolescência se torna mais difícil, ou mais demorada. Preocupados com a possibilidade de gravidez, com doenças sexualmente
transmissíveis e com o uso de drogas, e receosos de que seu filho seja rejeitado e explorado, os pais com freqüência acabam complicando a situação. Além disso, bloqueados por seus temores, deixam os diálogos e os esclarecimentos apenas para a escola e os meios de comunicação, omitindo-se desse processo.
A deficiência visual prejudica seriamente a atração física, pois a aparência desejável é o primeiro requisito para um envolvimento afetivo e sexual. O 'jogo do namoro' também fica mais difícil para o adolescente cego,
pois não há o contato visual, a paquera. Ele depende de sinais mais perceptíveis (toques, palavras) e, às vezes, seu desajeitamento e seu atropelo inibem a aproximação.
Por isso, muitas vezes ele procura um companheiro (ou uma companheira) também deficiente, o que lhe traz segurança. Por outro lado, ter um namorado (ou namorada) que enxerga lhe dá status, valorizando-o diante dos outros
portadores de deficiência.
Se o jovem (ou a jovem) for muito tímido, inseguro, e se tiver assimilado os preconceitos e a falta de informação existentes em seu grupo social, ele pode ter problemas até mesmo em seu desempenho sexual - não por
dificuldades físicas (visto que a deficiência visual somente afeta a visão), mas por razões psicológicas.
A adolescência, uma fase plena de descobertas e transformações, pode ser vivida com intensidade pelo portador de deficiência visual, do ponto de vista afetivo e sexual. E a sexualidade, como parte da natureza humana, contribui para inseri-lo no mundo.
A difícil autonomia
Nessa fase, parte dos jovens se encaminha para o mercado de trabalho; outros continuarão seus estudos, indo para o Ensino Médio e, posteriormente, para um curso de nível superior. Todos sabemos como a autonomia, a independência, a sociabilidade e a possibilidade de sair com a 'turma' são importantes para
qualquer adolescente. Para o portador de deficiência visual, é ainda mais.
É nesse momento que são mais valorizadas as habilidades adquiridas por meio das técnicas de orientação e
mobilidade, que idealmente o jovem deve ter desenvolvido em seus primeiros anos escolares. O mesmo é verdade em relação às
técnicas de atividades da vida diária. O jovem com deficiência visual precisa ter aprendido a cuidar de sua aparência, a combinar as roupas e a se comportar em espaços sociais
de forma adequada.
Esse aprendizado é indispensável para que ele possa começar a planejar sua integração no mercado de trabalho e a escolha de sua vida profissional.
Nesse campo, o jovem portador de deficiência enfrenta as mesmas angústias e indecisões do jovem que enxerga, mas de forma mais acentuada. Suas escolhas são mais restritas, é mais difícil comprovar sua potencialidade
para um possível empregador, a família superprotetora hesita em deixá-lo 'sair do ninho' e tentar voar com as próprias asas.
Dessa forma, a orientação vocacional assume um papel fundamental para ajudá-lo a se conhecer melhor e fazer sua opção profissional.
A orientação vocacional é uma técnica pedagógica que propõe desenvolver no aluno - com ou sem deficiência visual -comportamentos racionais em direção à
escolha realista e responsável de uma profissão. Existem escolas que oferecem oficinas ou aulas de informática, afinação de piano, trabalhos com madeira, preparação de produtos de higiene pessoal, operador de
telemarketing, cursos de massagem, acupuntura, artesanato - enfim, alternativas bem diversificadas.
Alguns jovens conseguem definir rapidamente sua profissão; para outros, esses programas funcionam como uma sondagem de aptidões, contribuindo para
desenvolver a criatividade, a memória, a acuidade auditiva etc.
Se os profissionais e os familiares tiverem investido no desenvolvimento de atitudes de responsabilidade, autonomia, adequação social, consciência de direitos e deveres, teremos um jovem pronto a encarar a passagem para a
vida adulta e para o exercício da cidadania.
Para o ser humano, seja ou não portador de deficiência visual, a vida adulta envolve a capacidade de prover o próprio sustento e o da família. E inclui também a responsabilidade de votar, participar de sindicatos,
partidos, clubes, associações ou movimentos sociais, exercendo seu papel de cidadão.
Ao chegar à idade adulta, o portador de deficiência visual congênita em geral já passou por um processo de reabilitação, de escolarização, de orientação e mobilidade, de aquisição de hábitos de higiene e cuidados
pessoais. Esse aprendizado pode ter ocorrido em escolas e instituições especializadas, ou em escolas integradas. Seja como for, a pessoa deve estar preparada para procurar seu lugar no mercado de trabalho, assumir responsabilidades e
exercer seus direitos.
A situação é bem diferente quando a perda da visão ocorre na idade adulta. Esse acontecimento é um golpe na vida de um ser humano, atingindo também seus familiares e amigos. E as perdas não se resumem ao prejuízo da visão: elas são emocionais, afetam as habilidades básicas, a ocupação profissional, a comunicação
e a personalidade como um todo.
Após a cegueira a pessoa se vê mutilada, fragmentada; ela se sente diferente do que era e também está diferente dos demais. Algumas assumem o papel de 'coitadinhas'; perdem sua auto-estima e procuram tirar partido de sua
condição, exigindo comiseração. Deixam de trabalhar, esperando a boa vontade alheia.
Outras tentam negar sua nova condição de várias formas: percorrendo consultórios médicos sem parar, sem aceitar o diagnóstico, recusando-se a desenvolver novas habilidades e a se adaptar à nova vida.
Para superar o golpe e encarar sua nova condição, a primeira coisa é admitir com determinação a nova realidade. Para isso, é muito importante o apoio de
familiares e amigos, para fortalecer sua capacidade de luta e de superação de dificuldades e obstáculos.
O processo de reabilitação do deficiente visual com cegueira adquirida começa quando ele mesmo aceita que deve buscar auxílio para enfrentar suas limitações.
Após admitir a necessidade de um acompanhamento, o deficiente visual adulto deve procurar um centro de reabilitação que ofereça acompanhamento especializado, com uma equipe multidisciplinar: médico oftalmologista,
fisioterapeuta, fonoaudiólogo, assistente social, psicólogo, professor especializado e terapeuta ocupacional.
Programa de reabilitação
Esse programa, preparado para adultos que perdem parcial ou totalmente a visão, inclui vários tipos de atendimento:
Orientação e mobilidade: A pessoa que perdeu a visão precisa aprender a se deslocar e a executar as tarefas do dia-a-dia sem o estímulo visual. Para isso, é
fundamental aprimorar os demais sentidos, a capacidade de concentração e a atenção, para conseguir caminhar em ambientes conhecidos e desconhecidos.
No Brasil, esse treinamento é feito em duplas (um guia vidente e um deficiente visual), com a bengala longa de alumínio, que pode ser inteiriça ou dobrável. O cão-guia, muito freqüente em outros países, ainda não é
comum entre nós, mas os que existem têm sido utilizados com excelentes resultados.
Existem pesquisas em andamento para desenvolver auxílios eletrônicos, baseados no sonar dos morcegos, destinados a alertar para obstáculos no caminho.
Desenvolvimento de habilidades manuais: É necessário trabalhar o tato e as habilidades manuais (coordenação motora fina), para que a pessoa possa aprender o braille e desempenhar com mais facilidade e eficiência as
atividades da vida diária.
Aprendizado do sistema braille: A leitura e a escrita em braille dependem da sensibilidade do tato, indispensável para seu exercício. Seu aprendizado abre para o adulto cego uma ampla perspectiva de comunicação.
Atividades da vida diária: Esse treinamento tem por objetivo desenvolver (ou devolver) ao deficiente visual a independência nos cuidados pessoais, na administração do lar, em tarefas como alimentação, higiene e
vestuário, para que ele possa agir adequadamente em seu cotidiano.
O mercado de trabalho e o deficiente visual adulto
A situação de desemprego que hoje afeta um grande número de brasileiros sem dúvida se estende também para os portadores de deficiência visual. E, no caso deles, se
torna particularmente importante o investimento na capacitação educacional e profissional, para que dominem novas tecnologias, e ampliem seu acesso ao mercado de trabalho.
Por outro lado, a escolha de um trabalho depende do conhecimento das opções existentes no mercado, e depende de saber quais delas podem ser exercidas pelo portador de deficiência visual, quais cursos e treinamentos
existem para a capacitação e como procurá-los.
Até recentemente, o portador de deficiência contava com bem poucas opções de trabalho. Podia procurar uma vaga no mercado formal de trabalho (embalador, controlador de qualidade, separador de peças, operador de câmara
escura, telefonista etc.) em empresas, fábricas, hospitais e outras instituições, ou fazer 'bicos', vendendo vassouras, bilhetes de loteria ou algo semelhante.
O crescente desenvolvimento tecnológico, especialmente nas áreas de microeletrônica e informática, cria continuamente uma ampla variedade de profissões e empregos, inexistentes até há pouco tempo, muitos deles compatíveis com a situação do deficiente visual. Quem poderia imaginar, há alguns anos, que um cego chegaria a analista de sistemas, por
exemplo?
Existem alguns equipamentos que são utilizados igualmente por deficientes visuais e por pessoas que enxergam; para os primeiros, se instala um software
especial, um sintetizador de voz, que 'fala' o que está na tela. Esse computador pode ser acoplado a uma impressora braille ou a uma impressora comum.
Escritório doméstico computadorizado
Essa solução, mencionada por Romeu Sassaki (1997) permite às pessoas com deficiência atuar de várias formas:
-
como empregado: trabalhando em casa, longe da empresa que o contratou, mas conectado a ela por meio do computador;
-
como empresário: monitorando, de sua casa, uma empresa que fica em outro local, com a qual se conecta por meio do computador;
-
como empresário: trabalhando em casa, onde está instalada sua empresa, comunicando-se com clientes e fornecedores por meio do computador.
Em qualquer dessas atividades, a pessoa precisa, entre outras coisas, investir no desenvolvimento de habilidades de autogestão empresarial, de técnicas de gerenciamento e de administração, adquirir noções sobre
legislação, organização e financiamento de microempresas e de cooperativas.
Embora ainda haja obstáculos a vencer, atualmente há muitos deficientes visuais ocupando cargos em indústrias, escolas, clínicas, empresas e hospitais, com desempenho equivalente ao da média dos videntes ou, em alguns casos, acima deles.
Ao se habilitar para prover seu sustento e formar uma família, o portador de deficiência visual se torna um cidadão de primeira categoria, capaz de exercer seus direitos e seus deveres. Passa a estar incluído na sociedade
e conquista o respeito de todos, por sua luta para chegar onde está.
LEMBRETES
Excerto da obra "A cegueira trocada em miúdos" de Helena Flávia de Rezende Melo
Cegueira não é o fim do mundo
Procure não encarar a cegueira como desgraça. Não sinta pena do deficiente visual; a educação especial e a reabilitação permitem superar muitas
dificuldades.
Cegueira não 'pega'
A cegueira é uma deficiência sensorial, não é uma doença. Você já viu alguém 'pegar' surdez?
Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você
É de extrema indelicadeza chamar um deficiente visual de 'cego', ou 'ceguinho'. Ninguém gosta de ser rotulado. Você gostaria de ser chamado de 'gordo', ou
de 'baixinho'?
Cegos não são surdos
Se a pessoa com deficiência visual estiver acompanhada, não se limite a falar apenas com seu companheiro, para se comunicar com ela. Dirija-se diretamente a
ela, identifique-se e faça um contato físico: toque ligeiramente seu braço ou seu ombro, mostrando que está se dirigindo a ela. Também não é o caso de falar aos berros. O fato de ela não retribuir seu olhar não significa que não possa manter uma conversação normal.
Não há palavras 'tabu'
Às vezes as pessoas evitam usar palavras como 'ver', 'olhar', 'cegueira' etc. quando conversam com pessoas com deficiência visual. Não há motivo
para isso.
Os cegos não são 'puros'
Os portadores de deficiência visual não são criaturas puras, sem interesse pelas coisas deste mundo. Eles se interessam por tudo que interessa a você,
desfrutando das coisas a seu modo.
Músicos extraordinários?
Não pense que todos os deficientes visuais têm dons artísticos, em particular musicais. Muitos são tão musicais quanto eu ou você: sabem tocar bem uma
campainha!
O famoso 'sexto sentido'
Não pense que os cegos têm um sexto sentido ou alguma outra compensação pela perda da visão. Eles apenas desenvolvem recursos latentes em todos nós. Você,
com o mesmo treinamento, será tão 'extraordinário' quanto eles!
Nem todos são vendedores de vassouras
É preconceituoso achar que as pessoas com deficiência visual só podem desempenhar determinadas profissões. Atualmente, eles são analistas de sistemas,
digitadores, operadores de telemarketing, psicólogos, montadores de peças etc, profissões que exigem escolaridade e treinamento equivalentes aos que se requer das demais pessoas.
Não fale com as mãos
Não gesticule nem aponte, pois isso não significa nada para o portador de deficiência visual. Diga: "O cinzeiro está em sua frente"; "A cadeira está
atrás de você". Ao indicar direcções, tome como referência a posição dele, e não a sua.
Tintim por tintim
Em ambientes desconhecidos, ou em situações novas, ofereça ao deficiente visual o maior número possível de informações, para que ele se oriente e se
localize, sabendo o que está acontecendo. Evite que ele passe momentos de tensão e desconforto.
Adivinhe quem eu sou
O deficiente visual não precisa adivinhar quem está falando com ele; sua memória auditiva é boa, mas é impossível se lembrar de todas as vozes. Você
também não se lembra do rosto de todos a quem foi apresentado. Identifique-se quando o encontrar e despeça-se dele quando sair.
Dê uma mãozinha
Se encontrar uma pessoa cega sozinha, pergunte se ela quer ajuda e qual é a forma mais adequada. Mas, não se ofenda se seu oferecimento for recusado:
nem sempre as pessoas com deficiência precisam de auxílio. Às vezes, uma determinada atividade pode ser executada melhor sem assistência.
Um lugar para cada coisa, cada coisa em seu lugar
Mantenha o caminho por onde passa um deficiente visual limpo e desimpedido: objetos fora de lugar podem causar acidentes.
Para que complicar, se pode simplificar?
Para mostrar onde está uma cadeira, basta colocar a mão do deficiente visual no encosto da mesma: ele vai saber onde ela está e vai se sentar sem problemas.
Não assuma o problema dele
Um deficiente visual não é de responsabilidade exclusivamente sua, mas de toda a sociedade. E, acima de tudo, deve ser responsável por si mesmo. Não faça
tudo por ele, como se fosse um bebê ou um incapaz.
"Do prato à boca, nem sempre se perde a sopa"
Não é preciso dar comida na boca da pessoa com deficiência visual. Descreva os alimentos servidos, faça o prato para ela e explique onde está a comida no
prato. Ela pode falhar algumas vezes, mas se arranjará sozinha.
Nos imprevistos, seja discreto
A pessoa cega pode não saber que há manchas, rasgos ou um pequeno desalinho em suas roupas ou sapatos. Avise-a, mas de modo discreto, evitando desencadear
comentários maldosos.
Cego não é nômade
Se você encontrar um deficiente visual parado na calçada, não o puxe nem empurre, forçando-o a atravessar a rua. Pergunte antes se ele quer.
Seja um guia eficiente
Nunca puxe ou empurre a pessoa deficiente visual. Ofereça seu braço; pelo movimento de seu corpo, ela vai perceber se você está virando à direita ou à
esquerda etc.
"Antes só que mal acompanhado"
Não siga a pessoa portadora de deficiência visual, pensando em evitar problemas. O cego, quando está sozinho, está alerta, com os outros sentidos
aguçados; ele pode perceber sua presença e se irritar com isso, perdendo a concentração.
O cego não é deficiente físico
Em uma escada, coloque a mão dele sobre o corrimão, se houver. Caso contrário, dê o braço a ele ou algumas dicas a respeito da estrutura da escada.
Um usuário diferenciado
Não empurre ou levante a pessoa com deficiência visual para entrar no ônibus. Coloque sua mão sobre a alça externa vertical e ela subirá sozinha. Dentro
do ônibus, ela pode preferir ficar de pé.
Não o deixe na mão
Quando você estiver no ponto do ônibus e chegar um deficiente visual pedindo para avisar quando sua condução chegar, não se esqueça de fazê-lo. Caso
seu ônibus chegue antes, avise outras pessoas; se não houver mais ninguém, avise o portador de deficiência, pois ele confiou em você.
Dedos que valem ouro
Quando uma pessoa portadora de deficiência visual for entrar ou sair de um carro, preste muita atenção antes de bater a porta, para não prender os dedos
dela: eles são preciosos!
Não dê esmolas sem olhar a quem
Nem todos os cegos são pessoas carentes. Não ofenda: só dê dinheiro se a pessoa for tão pobre que precise pedir ajuda.
Melhor prevenir que remediar
Se você conhece pessoas portadoras de deficiência visual ou que tenham membros da família com essa deficiência e que estejam em idade reprodutiva,
oriente-as para procurar um serviço de aconselhamento genético. Essa é a única forma de saber se há possibilidade de ter filhos com essa deficiência.
"É de pequenino que se torce o pepino"
Se você conhece um bebê com problemas visuais, oriente a família para levá-lo a uma clínica ou escola especializada o mais cedo possível. Não se deve
esperar que ele cresça para receber tratamento adequado. Quanto mais cedo for atendido, maiores chances terá de superar suas dificuldades.
-
ALMEIDA, Maria da Glória de Souza. Prontidão para alfabetização através do sistema
braille. Apostila. Rio de Janeiro, Instituto Benjamin Constant, 1995.
-
AMIRALIAN, Maria Lúcia de Toledo. Interação - condição básica para o trabalho do portador de deficiência visual. Tendências e desafios da Educação
Especial. Brasília, SEEP, 1994.
-
BATISTA, Cristina et al. Educação profissional e colocação no trabalho. Brasília, Federação Nacional das APAEs, 1997.
-
BRAGA, Ana Paula. "Recursos ópticos para visão subnormal - seu uso pela criança e adolescente". Revista Con-tato. São Paulo, Laramara, agosto de
1997.
-
BRUNO, Marilda. Intervenção precoce: momento de interação e comunicação. Perspectivas e reflexões. São Paulo, CENP/SEE, 1993.
-
BRUNO, Marilda. O desenvolvimento integral do portador de defi ciência visual. São Paulo, Laramara, 1993.
-
BRUNO, Marilda. Reflexão da prática pedagógica. São Paulo, Laramara, 1997.
-
CARVALHO, Erenice Natália S. A educação especial: concepção de deficiência. Brasília, Secretaria de Educação Especial, Ministério da Educação, 1996.
-
CARVALHO, Keila Miriam Monteiro et al. Visão subnormal - orientação ao professor do ensino reguiar. Campinas, Unicamp, 1994.
-
CARVALHO, Rosita Edler. A nova LDB e a Educação Especial. Rio de Janeiro, WVA, 1997.
-
COLL, César Palácios j. Necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Vol. 3. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.
-
FELIPPE, Vera Lúcia L.R. & ÁLVARO, João. Orientação e mobilidade. São Paulo, Laramara, 1997.
-
GARCIA, Nely. "As implicações do sistema Braille na vida escolar da criança portadora de cegueira", in Con-tato: conversas sobre deficiência visual.
São Paulo, Laramara, nº 4, junho de 1998.
-
MANTOAN, Maria Teresa Egler et al. A integração de pessoas com deficiência. São Paulo, Memnon, 1997.
-
MASINI, Elcie F. Salzano. "Conversas sobre deficiência visual". Revista Contato. São Paulo, Laramara, n° 3, p. 24, 1993.
-
MASINI, Elcie F. Salzano. O perceber e o relacionar-se do deficiente visual. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), Ministério da Justiça, Brasília, 1994.
-
MELO, Helena Flávia de Rezende. A cegueira trocada em miúdos. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 2a edição, 1988.
-
NABAIS, Márcia Lopes de Moraes et al. Estudo profissiográfico para o encaminhamento da pessoa deficiente visual ao mercado de trabalho.
Rio de Janeiro, Instituto Benjamin Constant, 1996.
-
PARKER, Steve. Conviver com a cegueira. São Paulo, Scipione, 1994.
-
PIMENTEL, Maria da Glória. O professor em construção. Campinas, Papirus, 1996.
-
RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. Coleção Primeiros Passos. São Paulo,
Brasiliense, 1983.
-
SASSAXI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.
-
SIAULYS, Mara O.C. Papai e mamãe, vamos brincar? Laramara, São Paulo, 1997.
-
TRINDADE, E. & BRUNS, M.T. Era isso o que EU queria? Um estudo da maternidade e da paternidade na adolescência. Monografia (conclusão de
bacharelado). Ribeirão Preto, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 1995.
-
WERNECK, Cláudia. Ninguém mais uai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro, WVA, 1997.
O Ministério da Educação tem publicações para orientar os professores, como adaptações curriculares, normas e instruções. Alguns exemplos:
-
Plano orientador das ações de educação especial nas escolas públicas do DF. Brasília, Secretaria de Educação do Distrito Federal, 1994.
-
Proposta curricular para deficientes visuais. Brasília, Secretaria de Educação Especial/MEC, 1979.
-
O deficiente visual na classe comum. São Paulo, Secretaria de Estado da Educação, Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, 1993.
-
Complementação curricular específica para a educação do portador de deficiência da visão. Orientação e mobilidade. Brasília, Secretaria de
Educação do Distrito Federal, FEDF, 1994.
-
Propostas curriculares da Educação Infantil. Brasília, Secretaria da Educação Fundamental/MEC, 1996.
Publicações especializadas
-
Revista Con-TATO - conversas sobre deficiência visual - Publicação de
Laramara - Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual
-
-
-
Internet:
ϟ
Deficiência visual Marta Gil (org.) MEC - Secretaria de Educação a Distância, Brasil - 2001 Cadernos da TV Escola. (Este caderno complementa a série de vídeos da TV Escola)
Δ
1.Out.2010 publicado
por
MJA
|