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Guia de Boas Práticas para Jornalistas elaborado pela equipa do programa "Consigo"
(INR
e RTP)com o objetivo de auxiliar os profissionais da comunicação social a lidarem com
as questões da deficiência
Nathalia Santos é
deficiente visual, estudante de Jornalismo e faz sucesso na
Internet
ÍNDICE
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1. ASPETOS BÁSICOS
1.1 A diversidade humana é uma realidade
…e não pode ser ignorada pelo
trabalho jornalístico. É importante divulgar e incluir informação que seja
relevante para este público, que representa uma larga fatia da população
portuguesa.
Enquanto os Censos 2011 não
disponibilizam dados mais atuais, sabe-se pelos Censos de 2001 que pelo menos
6,1% da população – mais de 600 mil portugueses – têm uma deficiência.
Se for tida em conta a
incapacidade – um conceito mais abrangente, que pode ser provocada por
deficiência, doença permanente ou temporária, ou por outras circunstâncias – os
números são ainda mais relevantes. Um estudo realizado em 1995 pelo SNR aponta
para mais de 9% da população com incapacidades – mais de 900 mil pessoas.
Tendo ainda em conta que a
população portuguesa se encontra em clara tendência de envelhecimento, e que a
idade se relaciona proximamente com a incapacidade e deficiência, torna-se ainda
mais importante que os jornalistas, no trabalho que desenvolvem, tenham em conta
este público, os seus interesses e capacidades.
1.2
Conceitos na ordem do dia – Deficiência, Incapacidade e Funcionalidade
Hoje em dia, a deficiência já não é encarada como
um problema exclusivamente médico do indivíduo, mas como um problema social, do
meio em que o indivíduo se insere: se houver muitas barreiras – físicas,
sensoriais, na atitude de quem está à volta – a deficiência será mais
limitadora; se essas barreiras não existirem, o indivíduo pode autonomia.
A Organização Mundial de Saúde, na atual
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, substituiu
a ênfase dada à Deficiência pelos conceitos de Incapacidade e Funcionalidade. É
uma visão que vai para além da deficiência.
“A Funcionalidade é um termo que engloba todas as funções do corpo, atividades e
participação; de maneira similar, incapacidade é um termo que inclui
deficiências, limitação da atividade ou restrição na participação.” Fonte:
http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_
2004.pdf.Na prática, significa que uma
pessoa com deficiência pode ter maior ou menor grau de incapacidade, ser mais ou
menos funcional no seu dia a dia consoante as condições que encontra no meio
físico e social. Por isso se torna tão importante melhorá-lo, torná-lo para
Todos. E Todos temos essa responsabilidade. Até porque a incapacidade é
encarada, à luz do novo paradigma, como algo que ocorre a todas as pessoas, em
alguma altura da vida. Também os inquéritos dos
Censos 2011 já tiveram em conta esta nova visão internacional: procurou-se
apurar a incapacidade e funcionalidade, e já não apenas a deficiência.
1.3
As pessoas com deficiência precisam que os seus direitos sejam respeitados
Tornar o meio em que vivemos
acessível e inclusivo de Todos não é uma questão de solidariedade – é uma
questão de respeito pelos direitos humanos das pessoas com deficiência ou
incapacidade. Portugal ratificou em 2009 a
Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como o
Protocolo Opcional, comprometendo-se
a transpor os princípios da
Convenção para a legislação e para a realidade nacional.
Mais informação aqui:
A legislação portuguesa é
considerada uma das mais avançadas nesta matéria, mas as atitudes das pessoas
não se alteram por decreto. É preciso que sejam os cidadãos – professores,
arquitetos, empregadores, jornalistas, colegas – a incluírem as pessoas com
deficiência ou incapacidades, e a encará-las como cidadãos de pleno direito.
Em Portugal, a discriminação é
proibida e penalizada, mas poucas pessoas sabem disto, e menos ainda se queixam.
2. MITOS EM TORNO DA DEFICIÊNCIA
Mito n.º 1
As pessoas com deficiência só
se interessam por assuntos ligados à deficiência
Muitas pessoas com deficiência terão certamente um interesse acrescido por esta
temática, porque se identificam com ela mas, como os demais cidadãos, têm uma
variada panóplia de interesses. Por esta razão, é importante
que os jornalistas tenham em mente que, entre o seu público
leitor/espetador/ouvinte, estão pessoas com deficiência ou incapacidade e,
consequentemente, é importante incluírem no seu trabalho informações que sejam
relevantes para estas pessoas.
Mito n.º 2
As pessoas com deficiência não
são ativasPoderá ser verdade nos casos
mais graves, ou nos casos em que o meio envolvente não oferece condições que
permitam a autonomia. No entanto, em regra, as pessoas com deficiência
trabalham, fazem desporto, viajam, constituem família e podem ter uma vida tão ativa como qualquer outro cidadão. Cada caso é um caso, mas a inatividade não é,
de forma alguma, a regra. Apenas é, talvez, mais vezes mostrada na comunicação
social.
Mito n.º 3
As pessoas com Paralisia
Cerebral têm deficiência intelectual
Pode acontecer, mas não é a regra. A designação deste problema – Paralisia
Cerebral – pode levar a esse engano, mas o que se passa na realidade é que a
zona do cérebro que coordena certas partes do corpo (os movimentos, fala…) está
afetada. Portanto, trata-se de um problema eminentemente físico, e não
intelectual ou mental. É importante ter isto em conta na forma como lidamos com
pessoas que têm este problema. Muitas vezes, a articulação das palavras está
comprometida e é difícil compreender o que dizem, mas é importante lembrar que
se trata apenas de uma questão física.
Mito n.º 4
Acessibilidade significa
ausência de barreiras arquitetónicas
Também, mas não só. A acessibilidade é um conceito muito complexo e
diversificado – tanto quanto as necessidades especiais de cada pessoa. Pode ser
física, sensorial, ou ao nível da informação.
Damos um exemplo: em Portugal,
existe o GAM, Grupo para a Acessibilidade aos Museus, um conjunto de
profissionais de diversos espaços museológicos que procuram torná-los acessíveis
a todos os públicos. E, por isso, muitos museus portugueses já contemplam oferta
acessível a todos os públicos – além da ausência de barreiras físicas, ou das
alternativas para transpor estas barreiras, existem legendas em Braille; peças
para tocar por quem não as pode ver; audioguias que as explicam (e que podem ser
úteis a pessoas com e sem deficiência visual); pavimento táctil no chão, para
orientar quem não vê e usa bengala; videoguias com língua gestual, a explicar as
peças a pessoas surdas, catálogos em Braille, ou em linguagem fácil, para ser
compreendida por todos (pessoas com deficiência intelectual, idosos pouco
letrados, crianças…). A acessibilidade é uma mais
valia para todos, pois facilita a circulação e a apreensão de conteúdos por
todos, sem excluir ninguém.
Mito nº 5
A acessibilidade é importante
apenas para pessoas com deficiência
Não é verdade. No que toca à acessibilidade física, é facilitadora para pessoas
com deficiência e – não esquecer – seus acompanhantes, que assim evitam esforços
extra; é ainda facilitadora para pessoas idosas, cuja agilidade já não é o que
era; para quem tem uma limitação física temporária, por exemplo por ter partido
um membro inferior; para quem empurra carrinhos de bebés, ou transporta pesadas
malas com (ou sem) rodas; facilita cargas e descargas de material… enfim, a
acessibilidade física facilita a vida de muitas pessoas.
A acessibilidade na informação
também serve todas as pessoas – um texto em linguagem fácil pode ser entendido
por todos sem exceção, e é especialmente adequado para quem tem deficiência
intelectual, baixa literacia, ou ainda para crianças.
A acessibilidade sensorial
também pode ser utilizada por Todos ou, mesmo que não o seja, não interfere nem
prejudica quem não a utiliza.
Mito n.º 6
As pessoas com deficiência têm
quase sempre poucos recursos financeiros
Essa é uma ideia muito veiculada pelos casos – dramáticos – apresentados na
comunicação social. Mas não corresponde necessariamente à realidade.
As crianças com deficiência nascem em qualquer família, as pessoas milionárias
também têm acidentes, envelhecem e perdem faculdades, e larga fatia dos cidadãos
com deficiência trabalha, portanto tem tantos recursos como a restante
população.
Mito n.º 7
Tratar o tema da deficiência é
deprimenteSe apenas nos centrarmos em casos extremos, poderá ser, claro. A dor alheia
toca-nos inevitavelmente. Mas a deficiência não se resume a casos extremos e
dramáticos (muitas vezes associados a pobreza), e é um erro pensar que a maioria
das pessoas com limitações físicas ou sensoriais vive amargurada com o facto de
terem uma deficiência. Trabalham, têm família, hóbis, e fazem o mesmo que os
restantes cidadãos – apenas de maneira diferente.
Há pessoas com deficiência a
praticar vela, ténis, canoagem, basquetebol, a trabalhar em áreas tão diferentes
como a área jurídica, o cinema e a televisão, enologia, ou a dar aulas ou
consultas médicas, a fazer voluntariado para ajudar outras pessoas… a
ultrapassar limitações e a ter vidas interessantes!
3. A DEFICIÊNCIA
NOS MEDIA - INDICAÇÕES PARA
JORNALISTAS
a) No trabalho jornalístico – seja qual for o tema ou o órgão de comunicação social
– devemos ter em conta que há ouvintes/espetadores/leitores com deficiência ou
incapacidade, e por isso
faz sentido incluirmos informações que sejam relevantes
para estes cidadãos.Ex: Quando é noticiado que uma
determinada praia tem bandeira azul, muitas vezes essa mesma praia também tem a
bandeira da acessibilidade – pode ser frequentada por todos. E isto raramente
aparece nas notícias. Em 2011, existiam mais de 70 praias acessíveis no país.
Ex: Na inauguração de um novo
espaço cultural ou de lazer, podemos inquirir os responsáveis – e informar o
público – sobre se existem ou não acessibilidades para todos, ou condições para
públicos especiais. Muitos museus, por exemplo, oferecem a possibilidade de os
visitantes cegos tocarem nas peças. Outros instalaram sistemas inovadores de
acesso ou informação para públicos especiais, mas os jornalistas raramente lhes
perguntam sobre isto.Ex: Em reportagens sobre
turismo, porque não incluir informações sobre as condições de Turismo Acessível
– seja na hotelaria, transportes, serviços… Sabia que a Lousã apostou em ser o
primeiro destino acessível nacional? Ou que em Londres, 100% dos autocarros e
táxis têm rampas móveis e são acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida? Ou
que na Suíça foi criado um hotel para pessoas muito altas, que não se ajustam às
medidas padrão existentes na hotelaria?
b) Outro aspeto muito importante
é a forma como a deficiência é veiculada na comunicação social.
Por um lado, há que centrar o trabalho jornalístico nas pessoas – suas
capacidades, interesses, know how, etc. –
e não apenas na deficiência que têm.
Esta mudança de foco torna os conteúdos mais interessantes, mostra a pessoa na
sua plenitude e evita o dramatismo excessivo a que muitas vezes assistimos. Há
ainda que evitar o desnecessário e deselegante voyeurismo de mostrar lesões ao
pormenor, algo que pertence apenas à intimidade da pessoa.
Por outro lado, as pessoas com deficiência podem também ser
chamadas a dar um
contributo – como entrevistados, comentadores, etc. – sobre diversos temas, uma
vez que exercem cargos nas mais diversas áreas de atividade: ensino,
empreendedorismo, saúde, direito… É um engano – e uma forma de discriminação –
considerar que apenas entendem de “deficiência”.
c) Como lidar com pessoas com
deficiênciaA falta de familiaridade com a
deficiência pode levar muitos jornalistas a afastarem-se do tema. Por isso, aqui
ficam algumas informações úteis que podem ajudar. O desconforto desaparece, com
a convivência!
–
Se marcar
um encontro ou entrevista com alguém com mobilidade reduzida, escolha um local
com acessibilidade e com casa de banho adaptada – nenhum dos dois ficará
satisfeito se o entrevistado tiver de ser carregado ao colo, para aceder ao
espaço.
–
Se quiser
alguma informação de uma pessoa com deficiência, fale com ela diretamente, e não
com o acompanhante ou intérprete. Ninguém gosta de ser tratado como se não
estivesse presente.
–
Resista à
tentação de fazer festas num cão guia, ele está a trabalhar.
–
A maioria
das pessoas com deficiência não se importa de responder a perguntas sobre a sua
condição – a origem da deficiência, a forma como desempenha tarefas… Use de bom
senso, delicadeza e respeito, como faria em qualquer outra circunstância.
–
Para
cumprimentar uma pessoa cega, fale com ela, para que perceba a sua presença e
identifique-se. O mais provável é estender-lhe a mão, que poderá apertar.
–
Se
entrevistar uma pessoa anã, ou em cadeira de rodas, sente-se para ficar ao nível
dela – é desconfortável estar sempre a olhar para cima.
–
A maioria
das pessoas em cadeira de rodas não precisa de ajuda para se deslocar ou para
manobrar a cadeira, mas se for esse o caso, pergunte se pode ajudar, e empurre a
cadeira com cuidado, e apenas quando a pessoa der indicação, para evitar
acidentes.
–
Geralmente,
as pessoas com paralisia cerebral têm dificuldade em articular a fala. Tenha
paciência e pergunte, se não perceber. Mas lembre-se de que a deficiência é
apenas motora, não intelectual.
–
Se
entrevistar uma pessoa surda, peça a presença – gratuita – de um intérprete.
Pode ser alguém da associação, um amigo dela… A pessoa certamente arranjará
maneira. E claro, ao falar com uma pessoa surda, não adianta levantar a voz.
Fale normalmente, tentando articular bem as palavras – muitos surdos fazem
leitura labial.
d) Como falar sobre a
deficiência?
Outro aspeto que pode afastar
os jornalistas do tema é a falta de à vontade com a terminologia correta a
empregar, para não ferir suscetibilidades. Eis um pequeno guia que facilitará a
vida aos profissionais:
A EVITAR
|
CORRETO
|
O deficiente (reduz a pessoa à sua deficiência)
|
Pessoa com deficiência
|
Surdo-mudo (São raríssimos os casos em que pessoas surdas são também mudas – muitas não
falam simplesmente porque não ouvem, mas não têm qualquer deficiência na fala.)
|
Surdo, pessoa surda
|
Invisual (É uma espécie de eufemismo, totalmente desnecessário)
|
Cego, Pessoa cega
|
Amblíope
|
Pessoa com baixa visão
|
Linguagem Gestual (Totalmente errado. Trata-se de uma Língua, consagrada na Constituição da
República desde 1997, a par da Língua Portuguesa)
|
Língua Gestual
|
Coxo, manco…
|
Pessoa com mobilidade reduzida
|
Velhos, idosos
|
Pessoas idosas, seniores.
|
Casa de banho para deficientes
|
Casa de banho adaptada
|
Ajudas técnicas (termo a cair em desuso;
corresponde
a...)
|
Produtos de apoio
|
Lugares de estacionamento para deficientes
|
Lugares de estacionamento para pessoas com mobilidade reduzida, ou com
deficiência (motora)
|
Cão-guia (treinado para acompanhar pessoas com deficiência visual)
|
Cão de assistência (treinado para dar assistência a pessoas com mobilidade
reduzida, ou com deficiência auditiva)
|
ϟ
Δ
10.Mar.2012
publicado
por
MJA
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