

Cartaz “Diversidad e Integración. Hacia
nuevos modos de ver y ser” -
Biblioteca Central da Universidade Nacional de Cuyo (Argentina)
-
RESUMO
Num contexto de “inclusão da diferença”,
pretendemos lançar a discussão sobre a melhor forma
de actuação com vista à inclusão de pessoas com
necessidades especiais, especialmente pessoas com
deficiência visual, no circuito normal de leitura.
Nesta linha propomo-nos abordar e debater o conceito
de “Biblioteca Inclusiva”.
Muito se tem falado actualmente de inclusão:
“infoinclusão”, “inclusão de alunos com necessidades
educativas especiais em classes regulares”, “incluir a
diferença”... Esta deve ser, sem dúvida, a direcção a
tomar, para que o cidadão portador de qualquer tipo de
deficiência, e o cidadão deficiente visual em particular,
possa encontrar o seu espaço numa sociedade cada vez
mais complexa.
A leitura e o acesso à informação são elementos da
maior importância para a realização pessoal e
profissional de qualquer indivíduo, bem como factores
para o progresso de um país. É neste contexto, que nos
parece oportuno abordar o conceito de “Biblioteca
Inclusiva”, numa perspectiva de esclarecimento do
seu significado.
OS DIFERENTES MODELOS DE BIBLIOTECAS
Partindo da observação da nossa realidade, bem como
de estudos feitos no âmbito da União Europeia, dos
quais destacamos o projecto “EXLIB – Expansion of
European Library Systems for the Visually
Disadvantaged” 1
, verificamos que existem vários
modelos e diferentes formas de actuação no que toca ao
acesso à informação e às bibliotecas por parte de
pessoas com deficiência visual.
Tendo presentes as conclusões deste projecto,
verificamos que a leitura para este tipo especial de
utilizadores tem já tradição em vários países europeus.
No contexto europeu, a leitura organiza-se, a partir de
bibliotecas especiais de carácter nacional (National
Library for the Blind – Inglaterra; Danmarks
BlindenBibliotek – Dinamarca, etc), normalmente
localizadas na capital do país ou numa grande cidade.
Estas bibliotecas, sendo também entidades produtoras,
são responsáveis por organizar a produção, avaliar
necessidades e facultar os meios para que os
documentos cheguem aos leitores, respondendo às
solicitações dos mesmos. O principal serviço é o de
empréstimo, num modelo que, naturalmente, pelas suas
características de Biblioteca Nacional, promove pouco
a leitura presencial.
Numa tentativa de promover uma mais efectiva
“inclusão” da pessoa com deficiência na rede de leitura
utilizada pelos normovisuais, estas bibliotecas têm
vindo a assumir, mais recentemente, outro tipo de
funções como, por exemplo, a prestação de apoio aos
técnicos de bibliotecas e o desenvolvimento do
empréstimo inter-bibliotecas.
A EXPERIÊNCIA EM PORTUGAL
O modelo português segue, de perto, o modelo
europeu, salvaguardando as devidas distâncias que as
condições políticas, culturais e socio-económicas de
Portugal impõem em relação aos restantes países da
“União”.
O primeiro modelo a ser utilizado foi o das bibliotecas
especiais, ou seja bibliotecas cujo acervo é constituído
apenas por documentação em suporte especial,
sobretudo o livro em Braille e o documento sonoro.
Estas bibliotecas são, simultaneamente, centros
produtores deste tipo de documentação, tentando, desta
forma, dar resposta às necessidades específicas dos
seus leitores.
Este é dos modelos mais antigos, que visava dar
resposta num contexto de carência absoluta, e onde a
problemática da inclusão da diferença nem sequer era
uma questão que se colocasse.
Progressivamente, o modelo anterior foi evoluindo,
através da criação das chamadas Áreas de Leitura
Especial que, embora partilhando o mesmo edifício,
continuam a ser espaços específicos destinados a
leitores com características especiais, cuja função é
proporcionar todo o tipo de apoio que o leitor
deficiente visual possa necessitar.
OS NOVOS PARADIGMAS
A tentativa de conjugação das virtudes que
reconhecemos nos modelos instituidos com o
funcionamento normal de uma biblioteca, faz-nos
aproximar do conceito que queremos, hoje, aqui tratar
a “biblioinclusão” – integração total do leitor com
deficiência visual no circuito do utilizador, ausência de
áreas especiais de leitura, desenvolvimento de
procedimentos que conduzem à plena autonomia em
termos de circulação e de utilização dos recursos
oferecidos pela biblioteca.
É neste sentido que a Biblioteca Central da Faculdade
de Letras do Porto, através do seu Serviço de Apoio ao
Estudante Deficiente da UP, tem tentado desenvolver
um conjunto de acções que promovam e facilitem a
inclusão real e efectiva dos leitores com deficiência
visual.
Assim o leitor deficiente visual, ao utilizar a
Biblioteca, terá que se submeter às mesmas regras e
fazer rigorosamente os mesmos percursos do leitor
normovisual, circulando livremente num edifício que
constitui um excelente teste à eficácia do modelo que
pretendemos instituir.
Num edifício labiríntico e, como é sabido, com
algumas armadilhas, mesmo para os utilizadores
normovisuais, a implementação da “Biblioteca
inclusiva”, transformou-se num desafio quer para
aqueles que, na biblioteca, têm a responsabilidade de
gerir a área de apoio ao deficiente visual, quer para os
utilizadores que terão que circular em espaços que não
foram dimensionados nem tiveram em conta as
especificidades de potenciais leitores com
características especiais.
É neste contexto que se movimentam os leitores e a
equipa dos serviços de apoio, actualmente constituída
por quatro elementos dos quais três são deficientes
visuais que, naturalmente, se integraram nos serviços
da biblioteca, registando-se também aqui a aplicação
prática e efectiva do conceito de “Inclusão”, com pleno
sucesso quer ao nível profissional quer do ponto de
vista psicológico, em termos de dinâmica de grupo e de
relacionamento interpessoal no local de trabalho.
A UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
A utilização dos serviços da biblioteca por parte dos
leitores deficientes visuais segue rigorosamente os
mesmos critérios aplicados aos leitores normovisuais.
Numa fase inicial é feito um acompanhamento
próximo e regular, até que estes leitores consigam
atingir um grau de autonomia que lhes permita circular
dentro da biblioteca sem a necessidade de
sistematicamente recorrer à orientação dos
funcionários.
Para além disso a Biblioteca disponibiliza um serviço
de leitura aos utilizadores com deficiência visual em
tudo semelhante ao serviço que presta aos leitores
normovisuais que a ela recorrem, salvaguardando as
adaptações necessárias que, obviamente, têm ser tidas
em consideração dadas as necessidades particulares
desse tipo de leitores.
A recepção – num primeiro contacto com a Biblioteca
o leitor com deficiência visual, como qualquer outro
leitor, dirigi-se à recepção da biblioteca onde é
informado sobre serviços de que poderá usufruir,
recursos tecnológicos à disposição, núcleos
documentais disponíveis, gabinetes independentes
instalados nas áreas de leitura em livre acesso, etc.
Tecnologias disponíveis – na sala de leitura, em
gabinetes com equipamentos multimédia, o leitor
deficiente visual pode utilizar um conjunto de recursos
informáticos e tecnologias específicas que permitem ter
acesso a um conjunto de serviços, nomeadamente:
consulta do catálogo geral (OPAC) da biblioteca da
Faculdade, acesso à Internet, consulta de textos
digitalizados, consulta de índices ou de partes de obras
a negro com o recurso ao scanner.
Leitura presencial e livre acesso – o leitor com
deficiência visual dispõe, num Gabinete da sala de
leitura, de um núcleo documental em Braille com cotas
a negro e em Braille o que lhe permite utilizar este
núcleo em livre acesso e efectuar a consulta ou leitura
em qualquer local da sala de leitura, podendo
igualmente solicitar o empréstimo para leitura
domiciliária.
Neste contexto o leitor com deficência visual poderá ter
acesso a praticamente todos os serviços disponíveis na
biblioteca, com o benefício, do nosso ponto de vista
muito importante, de poder mais facilmente estabelecer
um contacto mais próximo e permanente com os outros
leitores, estimulando a relação pessoal entre ambos.
O acesso a outro tipo de actividades que se
desenvolvem na Biblioteca torna-se, simultaneamente,
mais facilitado; é importante que a informação sobre
exposições, colóquios, seminários, cursos chegue com
a mesma facilidade a todo o tipo de utilizadores
diversificando-se os meios de divulgação se tal for
necessário.
Ao longo dos cinco anos de existência do Serviço de
Apoio ao Estudante Deficiente Visual temos vindo a
implementar este modelo, enfrentando inúmeras
resistências e, até mesmo, as nossas próprias dúvidas
sobre se seria este o caminho mais indicado, o trilho
certo para chegar ao destino.
Desbravar novos terrenos é avançar por tentativas,
aprender humildemente com os erros, ultrapassar
barreiras que, por vezes, parecem intransponíveis,
sempre com uma intenção indomável e com um
objectivo claro. Curiosamente, tivemos a oportunidade
de constatar numa sondagem efectuada a diferentes
bibliotecas com áreas de leitura especial, que o
percurso que tem vindo a ser seguido, apresenta muitos
pontos em comum com o modelo da Faculdade de
Letras, apesar de não terem existido contactos entre as
instituições em causa e os serviços da FLUP. Refirase
como exemplo, entre outros, a Biblioteca António
Botto – Biblioteca Municipal de Abrantes 2
, que apesar
de adoptar procedimentos de funcionamento diferentes,
segue de perto a ideia de de inclusão. Parece-nos ter
sido um indicador claro de que estamos no bom
caminho.
A IMPORTÂNCIA DA PARTILHA
Pretende-se com referência a estas experiências,
tornar mais fácil a discussão e o entendimento do
conceito de inclusão numa sociedade onde tudo parece
complexo e intransponível. Na chamada “sociedade de
informação”, não é compreensível que se mantenham
barreiras que impedem os leitores deficientes visuais de
aceder à informação. Temos que agarrar os meios
disponíveis para superar os limitações impostas a estes
leitores, mas é igualmente importante que se rompam
barreiras num contexto de integração e não num
contexto de “separação”, de “apartismo”.
Dentro desta linha de pensamento a solução passará,
inevitavelmente, pelo modelo por uma “Biblioteca
Inclusiva”.
DEFINIÇÃO DO CONCEITO “BIBLIOTECA
INCLUSIVA”
Como se poderá, então, definir o conceito de
“Biblioteca Inclusiva” num contexto como o que
acabamos de expor ?
Deodato Guerreiro no seu artigo “A Biblioteca na
interacção intelectosocial de todos os cidadãos” 3,define com alguma clareza aquilo que considera ser a
escola inclusiva ideia que podemos, perfeitamente
transpor para o plano das bibliotecas e do acesso à
informação:
“Hoje a estratégia de intervenção é baseada
no princípio da inclusão, cujo objectivo visa a
construção de uma escola efectiva para todos,
a chamada escola inclusiva que pretende
proporcionar as mesmas oportunidades a
todos, tornando a educação mais eficaz para
todos. As bibliotecas têm que passar a assumir
também esta dimensão.”
Para que as bibliotecas passem a assumir também esta
dimensão, parece-nos fundamental definir um conjunto
de requisitos, para que qualquer biblioteca possa ser
considerada inclusiva, os quais passamos a enumerar:
1. Cooperação inter-institucional:
A cooperação e intercâmbio entre bibliotecas ao nível
da partilha de recursos informativos e documentais é
um factor decisivo para a prestação de um serviço de
qualidade ao leitor deficiente visual.
2. Técnicos informados:
Numa “biblioteca inclusiva” os técnicos deverão ter
conhecimento pelo menos da existência de tecnologias
especiais de digitalização e leitura, bem como do tipo
de suportes, habitualmente, usados pelos leitores com
deficiência visual para aceder aos documentos. Caso a
biblioteca não disponha dos documentos solicitados os
técnicos devem estar preparados para canalizar os
leitores para as bibliotecas onde eventualmente
existam.
3. Equipamentos e serviços:
Existência de equipamentos adaptados, e tecnologias
específicas para acesso a catálogos em linha e para
leitura da documentação material a negro, ao mesmo
tempo que deverá estar disponível um serviço de
atendimento de pedidos de leitura domiciliária para os
utilizadores com mais dificuldade nas deslocações à
biblioteca.
O tratamento técnico do material em suporte especial
deverá, igualmente, seguir os procedimentos adoptados
para os outros tipos documentos existentes na
biblioteca, devendo-se ter em conta a acessibilidade da
pesquisa prevendo-se a existência de versões textuais
dos catálogos em linha.
O livre acesso poderá ser também uma opção para este
tipo de leitores, desde que os documentos em suporte
especial em livre acesso possam estar colocados num
espaço dentro da biblioteca, devidamente identificado e
facilmente localizável e se utilizem sistemas de
cotação, simultaneamente a negro e em Braille de
forma a facilitar o acesso quer aos utilizadores com
deficiência visual quer aos utilizadores normovisuais.
O alargamento dos serviços de empréstimo interbibliotecas
à documentação em suportes especiais é
outro factor importante para facilitar uma plena
integração ao nível da utilização dos serviços prestados
pela biblioteca.
4. Espaços:
Como já foi referido anteriormente os espaços onde se
movimentam os leitores da biblioteca devem ser
partilhados. A opção por áreas especiais de leitura
para pessoas deficientes visuais vem, obviamente,
agravar a situação de um determinado tipo de
marginalização, que pretendemos irradicar dos serviços
onde se movimentam estes utilizadores. A partilha de
espaços significa também partilha de vivências, de
experiências, de interacções, de entre-ajuda. E se isto é
positivo e saudável para o cidadão comum tanto ou
mais o será para o cidadão com deficiência. Ao
propor-se um modelo em que, naturalmente se
verificará um contacto entre o deficiente visual e o
normovisual, está-se a promover uma forma de
aprendizagem que fará com que todos aprendam a
conviver com a diferença e, esta, ao tornar-se uma
experiência “comum” do quotidiano, acabará mesmo
por perder a característica de “ser diferente”.
Para concluir, queremos reafirmar que o que acabamos
de expor constitui, apenas, um pequeno contributo para
algo que está, ainda, em gestação e, portanto, com um
longo caminho a percorrer até se atingir o objectivo
proclamado pelo Manifesto da UNESCO sobre as
Bibliotecas Públicas 4:
“Os serviços da biblioteca pública devem ser
oferecidos com base na igualdade de acesso
para todos, sem distinção de idade, raça,
sexo, religião, nacionalidade, língua ou
condição social. Serviços e materiais
específicos devem ser postos à disposição dos
utilizadores que, por qualquer razão, não
possam usar os serviços e os materiais
correntes, como por exemplo minorias
linguísticas, pessoas deficientes,
hospitalizadas ou reclusas.”
Mas é importante saber que já estamos a caminho nessa
direcção.
FIM
NOTAS:
-
1
EXLIB - Expansion of European Library Systems for
the Visually Disadvantaged:
http://www.svb.ne/project/exlib/exlib_del.htm
João Leite,
Biblioteca da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto,
e-mail: jleite@letras.up.pt
-
-
3 “A Biblioteca na interacção intelectossocial de todos
os cidadãos – algumas reflexões para a tornar
inclusiva”, in Biblioteca, nº 5 e 6, Dezembro, 2000
-
4 Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas Públicas,
UNESCO, 1994
BIBLIOGRAFIA:
-
IFLA – Internacional Federation of Library
Associations & Institutions. Section of Libraries of the
Blind – “Guidelines for Library Service to Braille Users” (Ago. 1998)
-
GUERREIRO, Deodato - A Biblioteca na interacção
intelectossocial de todos os cidadãos: algumas
reflexões para a tornar inclusiva. “Biblioteca”, nº 5 e 6,
(Dez. 2000), pp. 132-140
-
UNESCO - Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas
Públicas, 1994, http://www.apbad.pt
ϟ
Contributos para um Conceito de “Biblioteca Inclusiva”
autora: Alice Ribeiro
Biblioteca da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto
24.Jun.2016
publicado
por
MJA
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