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1 INTRODUÇÃO
1.1 Problemática
Como afirma Hall (1986), a comunicação constitui o fundamento cultural da
pessoa humana, e mais que isso, da própria vida. É também uma necessidade básica sem a
qual a existência da humanidade seria impossível (STEFANELLI, 1993). Em todas as
manifestações da vida a comunicação está presente e representa elemento essencial para a
interação entre os seres humanos. Além disso, tem objetivos específicos: pode se prestar para
as relações interpessoais, as relações de grupo, a transmissão de idéias, de ensinamentos, de
convencimentos, de cultura, de lazer, entre outros (PAGLIUCA, 1996).
Etimologicamente, a palavra comunicar vem do latim communicare, cujo
significado é “pôr em comum”. O processo de comunicação é um instrumento básico da
experiência social. Assim, para haver comunicação deve haver compreensão, pois, desse
modo, as idéias, imagens, experiências serão colocadas em comum (MENDES, 1994).
Por comunicação entende-se, também, a transmissão de estímulos e respostas
provocadas por meio de um sistema completo ou parcialmente compartilhado. De acordo com
Daft (1999), comunicação é todo processo de transmissão e troca de mensagens entre os seres
humanos; é concebida, ainda, como um processo pelo qual a informação é trocada por duas ou
mais pessoas com compartilhamento e discussão de idéias e pensamentos que influenciarão
no comportamento do indivíduo. Esse processo ocorre por meio de palavras, linguagem
corporal, sonoridade, tom e intensidade da voz.
Um dos objetivos básicos da comunicação é alterar as relações originais entre os
seres humanos e o ambiente onde estes se encontram, influenciando os outros e a nós
próprios, bem como o ambiente físico, para se tornarem agentes que se comunicam para
influenciar intencionalmente. Para haver comunicação tem de ocorrer um conjunto de, pelo menos, seis
elementos, quais sejam: emissor (ou destinador), que produz e emite determinada mensagem
(código), dirigida a um receptor (ou destinatário). Estes são os principais. Mas para a
comunicação se processar efetivamente entre, emissor e receptor, a mensagem, isto é, a
informação produzida e transmitida segundo as regras do código, deve ser realmente recebida
e decodificada pelo receptor. Por isso ambos devem estar dentro do mesmo contexto
(referentes situacionais), devem utilizar um mesmo código (conjunto estruturado de signos) e
estabelecerem um efetivo contato por meio de um canal de comunicação. Na ausência de
qualquer um destes elementos ou fatores, ocorre uma situação de ruído na comunicação,
entendido como todo o fenômeno que perturba de alguma forma a transmissão da mensagem
e sua perfeita recepção ou decodificação por parte do receptor (BITTI; ZANI, 1997).
É nesse processo que acontecem as relações sociais entendidas por comunicação
interpessoal, onde se dão as trocas de experiências, sentimentos, emoções e descobertas do
outro. Um importante aspecto da comunicação interpessoal é o estabelecimento de relações.
Como afirma Mendes (1994, p.16), “no processo de comunicação interpessoal há o
desenvolvimento da personalidade humana, emergência da vida grupal e surgimento e
elaboração da cultura”. Como ressaltado, em toda situação de comunicação existem dois elementos
fundamentais para a mensagem ser apreendida: o emissor e o receptor. O emissor é a pessoa
que transmite aos outros a idéia, o pensamento, a informação. O receptor é o destinatário para
quem a mensagem é enviada. A mensagem expressa a idéia ou pensamento mandado ao
receptor, e pode ser emitida de várias formas: diretamente, em encontros pessoa a pessoa, ou
indiretamente, por meio da escrita, do telefone, da televisão, entre outros. Para interpretar o
significado da mensagem, o receptor decodifica os símbolos. Nesse processo de codificar e
decodificar as mensagens, podem ocorrer erros potenciais da comunicação em decorrência de
ruídos originados da conversão dos símbolos em significados. Quando se efetiva a perfeita
comunicação entre o receptor e o emissor há uma mensagem de retorno denominada
feedback. Sem este, a comunicação torna-se uma via de mão única. Assim, o feedback se
configura como ajuda para a eficácia da comunicação, uma vez que possibilita determinar se o
receptor a interpretou corretamente (DAFT, 1999).
Dessa forma, o processo de comunicação, por representar o sistema básico das
experiências sociais, é fundamental no desenvolvimento da personalidade humana, nas
interações grupais e no surgimento e elaboração cultural dos seres humanos. É o componente
de informação das interações. Basicamente, a comunicação pode ser classificada como verbal e não-verbal
(STEFANELLI, 1993). Enquanto a comunicação verbal é plenamente voluntária, a não-verbal
pode ser uma reação involuntária ou um ato comunicativo propositado.
Como destaca Silva (1996), a comunicação não-verbal é entendida como toda
informação obtida por posições do corpo, organização dos objetos no espaço e até pela
relação de distância mantida entre os indivíduos.
A comunicação não-verbal refere-se a mensagens enviadas por meio de ações e
comportamentos humanos em vez de palavras, representando a maior parte das mensagens
enviadas e recebidas, pelas expressões faciais, maneirismos, voz, postura e vestimenta. Esse
tipo de comunicação acontece principalmente nos encontros pessoais. O pesquisador
americano Mehrabian fez uma estimativa da proporção verbal / não-verbal do comportamento
e concluiu que 55% da mensagem é transmitida via linguagem corporal. Ainda segundo o
mesmo pesquisador, a voz é responsável por 38% das mensagens e as palavras apenas por
7%. De acordo com DAFT (1999), os pesos relativos das três fontes, na interpretação da
mensagem, são reconhecidos igualmente como: impacto verbal, 7%; impacto vocal, 38%; e
impacto facial, 55%. Segundo afirmava o teórico Birdwhistell, o homem é um ser complexo e
multissensorial que, de vez em quando, verbaliza (SILVA et al., 2000). Diante disso, pode-se
concluir que a comunicação não-verbal exerce maior influência em relação àquilo que se
deseja exprimir e que as expressões e manifestações corporais são indispensáveis para ocorrer o processo comunicativo. Muitas vezes, a comunicação não-verbal modifica a que está sendo
verbalizada: as duas se contrapõem.
A comunicação se estabelece simultaneamente em diferentes níveis, do
plenamente consciente ao inconsciente (HALL, 1986). A comunicação não-verbal, por
exemplo, é usada, em parte, de forma inconsciente, embora se possa usá-la também de forma
consciente e estratégica. Neste tipo de comunicação, utilizam-se signos não-verbais, isto é,
quaisquer outros tipos de signos diferentes da língua falada ou escrita, usados para representar
algum significado que não seja ele próprio. Estes signos são significativos para as pessoas que
os utilizam. De acordo com classificação estabelecida por Littlejohn (1998), os signos não-verbais podem ser categorizados da seguinte forma: cinésicos, proxêmicos e paralingüísticos.
A cinésica estuda os movimentos corporais, enquanto a proxêmica estuda a posição corporal e
as relações espaciais e a paralinguagem centraliza-se no estudo do uso da voz e da
vocalização. Muitos comportamentos não-verbais estão inter-relacionados numa mensagem,
uma vez que raramente um único movimento do corpo, por si mesmo, comunica um
significado.
1.2 Justificativa
Nos serviços de saúde, o enfermeiro deve agir como facilitador dos componentes
da comunicação no intuito de atender às necessidades humanas básicas dos pacientes.
Conforme Mendes (1994), para construir os relacionamentos e propiciar compreensão, alguns
componentes são necessários. Entre estes, incluem-se empatia, respeito, sinceridade, presença,
audição, percepção, cuidado, revelação, aceitação, autenticidade.
Na assistência de enfermagem aos pacientes, a comunicação agirá como
facilitadora para alcançar os objetivos dessa assistência (SILVA et al., 2000). Para isto, a
comunicação deve ser vista no contexto de relacionamento onde ela ocorre, pois, deslocada de
um contexto, esta não tem sentido. Ademais, deverá ser planejada de acordo com a clientela,
cada interação e cada pessoa em particular. Conforme ressaltado por Stefanelli (1993), as
técnicas de comunicação terapêutica devem ser adotadas em todo processo comunicativo, que
vai desde o início do relacionamento (técnicas de expressão), ao esclarecimento do que foi mencionado pelo paciente (técnicas de clarificação) até a validação das mensagens recebidas
durante o processo terapêutico por todas as pessoas envolvidas (técnicas de validação).
Portanto, com vistas à melhor comunicação com o paciente, o enfermeiro deverá
estar atento a esses componentes. Deve também considerar que a capacidade de ouvir e
compreender o paciente não inclui somente a fala, mas também suas expressões faciais e
corporais para evitar bloqueios e interrupções nesse sentido.
Na consulta de enfermagem à clientela cega, o enfermeiro poderá adotar em sua
prática essas técnicas terapêuticas, como, por exemplo, usar terapeuticamente o silêncio, uma
vez que a comunicação não-verbal ocorre também nestes momentos e os gestos expressos
tanto pela enfermeira como pelo cego validam as mensagens enviadas e recebidas por ambos.
Ainda nesta interação, a enfermeira é vidente e percebe tanto a comunicação verbal como a
não-verbal emitida pelo cego. Entretanto deverá estar atenta à sua expressão gestual porque os
signos não-verbais enviados por ela ao cego não remetem ao que ela expressa verbalmente. Já
os sinais não-verbais enviados pelo cego podem ter sentido diferente para um ser vidente, pois
este dependerá do contexto social e das experiências visuais ou não vivenciadas ao longo da
vida. Desse modo, a deficiência visual pode dificultar a relação enfermeiro-paciente e
comprometer o trabalho do profissional no referente à orientação do paciente, à adesão deste
ao tratamento, à compreensão e interpretação da comunicação, entre outras. Além disso,
interfere consideravelmente na comunicação enfermeiro-cego, pois a visão é sem dúvida um
dos principais sentidos na recepção da comunicação não-verbal.
1.3 A Experiência no Projeto Saúde Ocular
O envolvimento com a temática saúde ocular iniciou-se no terceiro semestre da
graduação em enfermagem, quando despertou-me o interesse no aprofundamento do estudo
dessa área. Inicialmente, fui admitida no projeto como voluntária no intuito de conhecer as
várias áreas da saúde ocular pesquisadas dentro do projeto.
Vale ressaltar que o Projeto Integrado Saúde Ocular é subsidiado pelo CNPq,
existe desde 1994 e caracteriza por desenvolver estudos na área de pesquisa e extensão. É
subdividido em quatro subáreas: Saúde Ocular da Criança; Saúde Ocular do Adulto; Saúde
Ocular do Idoso e Educação em Saúde do Cego. Até o final da carreira acadêmica desenvolvi
pesquisas relacionadas à saúde ocular do adulto, mais especificamente, do trabalhador.
Após a saída da academia, fui contratada como enfermeira para realizar consultas
de enfermagem à criança com necessidades especiais, aqui incluídas as crianças com
diagnóstico de cegueira. A partir desse contato com as crianças cegas decidi aprofundar os
estudos na avaliação da comunicação da enfermeira com os cegos, particularmente a
comunicação não-verbal. Alguns motivos justificam minha opção pela comunicação não-verbal. Entre estes, o interesse de desvendar esse tipo de comunicação com o cego. Além
disso, como pessoa extremamente observadora, gostaria de entender esse processo e
contribuir para a melhor atuação da enfermagem com essas pessoas. A comunicação é a base
para qualquer intervenção com o paciente. No caso de pacientes com necessidades especiais,
esse processo assume características também especiais. Portanto, devemos ter habilidade para
nos comunicar terapeuticamente e realizar nosso trabalho de forma que as necessidades desses
pacientes não se tornem barreiras para a comunicação. Para isso, é preciso enfatizar a
comunicação não-verbal e usá-la adequadamente.
2 OBJETIVOS DO ESTUDO
2.1 Objetivo Geral
-> Analisar a comunicação não-verbal do enfermeiro com o cego durante a consulta
de enfermagem. 2.2 Objetivos Específicos
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Testar o índice de confiabilidade entre os juízes da análise da comunicação não-verbal;
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Classificar os sinais não-verbais segundo o referencial de Hall (1986);
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Verificar a associação entre as filmagens e os fatores da comunicação não-verbal;
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Identificar as barreiras da comunicação não-verbal entre o enfermeiro e o cego.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Com base na literatura específica (SMELTZER; BARE, 1999; DONDIS, 1997;
PAGLIUCA, 1996), o referencial teórico abordará as seguintes questões: diabetes, cegueira e
comunicação não-verbal segundo a Teoria Proxêmica de Hall (1986).
3.1 Diabetes
Como doença crônico-degenerativa, a diabetes pode comprometer o aparelho
visual, mais especificamente a retina. A retina, área do olho que recebe imagens e envia
informações ao cérebro, é uma estrutura localizada na parte posterior do olho, bastante
vascularizada com todos os tipos de vasos (pequenas artérias e veias, arteríolas, vênulas e
capilares), responsável pela visão das cores e do preto e branco por meio de células
específicas que compõem este órgão, cones e bastonetes, respectivamente. Pessoas com
diabetes têm propensão a complicações oculares, especificamente retinopatia, catarata e
outros problemas. Há dois tipos de diabetes: a do tipo I (também chamada juvenil ou insulino
dependente), quando o corpo paralisa completamente a excreção de insulina (hormônio que
torna o corpo capaz de transformar alimentos em glicose). Pessoas com esse tipo de diabetes
necessitam tomar injeções de insulina diariamente. Esta forma de diabetes é mais freqüente
em crianças ou jovens, mas pode ocorrer em qualquer idade. E a do tipo II (também
chamada de não insulino dependente), quando o corpo ainda produz insulina, mas não o
suficiente. Esta forma de diabetes normalmente ocorre em pessoas acima de 40 anos, com
peso acima do normal, e, ou, histórico de diabetes na família. Qualquer pessoa pode adquirir
diabetes. No entanto, as com maior propensão à doença são as seguintes: pessoas com
histórico de diabetes na família, acima de 40 anos e obesas, as descendentes de afroamericanos,
hispânicos ou asiáticos, e as mulheres grávidas (diabetes gestacional), e que
talvez voltem a adquirir a doença quando mais velhas. A doença ocular comumente advinda
com a diabetes é a retinopatia diabética, causada por mudanças nos pequenos vasos da retina. Em algumas pessoas com retinopatia diabética, as veias podem se dilatar e vazar
líquido. Em outras, novas veias crescem na superfície do olho. Estas mudanças podem
resultar na perda de visão progressiva até a cegueira (SMELTZER; BARE, 1999).
Existem basicamente três estágios principais da retinopatia, a saber: não-proliferativa,
pré-proliferativa e proliferativa. Em sua grande maioria, pacientes
desenvolvem algum grau de retinopatia num prazo médio de cinco a quinze anos do
diagnóstico de diabetes. Na retinopatia não-proliferativa os pacientes têm alguns prejuízos
visuais, apresentando pouco risco de desenvolver cegueira no futuro. A retinopatia préproliferativa
é considerada precursora da retinopatia proliferativa mais grave. Em torno de
10 a 50% dos pacientes irão desenvolver esta forma mais severa a curto prazo. A retinopatia
proliferativa causa maior ameaça à visão e é o estágio em que ocorre a perda visual. Esta é
causada por hemorragia no humor vítreo (estrutura gelatinosa responsável pelo formato do
olho) ou descolamento de retina (SMELTZER; BARE, 1999).
Os diabéticos devem ir ao oftalmologista anualmente, pois o médico realizará os
exames necessários para detectar qualquer doença que eventualmente possa ocorrer com a
visão. Atualmente existem diversos recursos cirúrgicos para casos mais complicados, mas o
diagnóstico precoce pode minimizar os riscos da perda de visão.
3.2 Cegueira
A visão é um dos principais sentidos na captação de estímulos e projeções
espaciais. De modo geral, ela facilita o relacionamento do homem na sociedade.
Os olhos são responsáveis por inúmeras funções desenvolvidas pelo homem, entre
as quais identificar a presença de amigos bem como a natureza dos objetos e materiais ao seu
redor, além da distância dos alimentos. Graças aos olhos, as pessoas percebem as
características físicas de qualquer ambiente e podem se desviar de obstáculos e perigos. A
maior fonte de informações dos seres humanos é a visão. Por meio dela eles se mantêm
informados acerca do mundo, encontram mais facilidade no cuidado ao próprio corpo e
constroem seus utensílios (HALL, 1986). Ao ver, identifica-se variado número de ações: vivenciam-se os acontecimentos de maneira direta; descobre-se algo ainda não percebido;
reconhece-se algo novo e percebe-se o desenvolvimento das transformações por meio da
observação atenta (DONDIS, 1997).
Conforme ressaltado por Hall (1986), o espaço físico de domínio de um cego em
ambiente não familiar limita-se a um raio de seis a trinta metros. Nas suas deslocações, os
cegos mais bem dotados vêem-se reduzidos a nunca ultrapassarem a velocidade de três a
cinco quilômetros por hora em um ambiente familiar. Isto em caso de cegueira total.
O termo cegueira pressupõe completa perda de visão, ou seja, a visão é nula,
nem a percepção luminosa está presente, o que acarreta perda ou limitação de oportunidades
de participar da vida comunitária em condições de igualdade com as demais pessoas. Remete,
também, às incapacidades da pessoa em relação ao meio. Desse modo, na sociedade, os
portadores de deficiência encontram obstáculos que dificultam seu acesso aos serviços de
saúde (PAGLIUCA; RODRIGUES, 1998).
Algumas vezes a cegueira é apenas parcial. Por exemplo, quando os indivíduos são
capazes de contar dedos a uma curta distância ou de perceber vultos. A pessoa portadora de
visão subnormal possui acuidade visual 6/60 e 18/60 (escala métrica) e/ ou campo visual entre
20 e 50º. Pedagogicamente, delimita-se como cego aquele que, mesmo possuindo visão
subnormal, necessita de instrução em Braille (sistema de escrita por pontos em relevo) e como
portador de visão subnormal aquele que lê tipos impressos ampliados ou com o auxílio de
potentes recursos ópticos (CEGUEIRA...,2004).
A perda parcial ou total, temporária ou permanente de um dos órgãos dos sentidos
compromete o processo de comunicação. No caso deste estudo, o interesse são as pessoas
com deficiência visual. Como o cego não possui a capacidade de se comunicar pela forma
visual e diante da importância desta no processo de comunicação, o enfermeiro deve estar
atento para explorar os outros órgãos dos sentidos, como a audição, o paladar, o olfato, o tato,
no intuito de tornar eficaz sua comunicação com este tipo de clientela (PAGLIUCA,1996).
Uma das dificuldades das pessoas cegas é a construção do esquema corporal. Elas,
assim como as videntes, não constroem sozinhas tal esquema. No jovem cego congênito, há
necessidade tanto do toque corporal quanto do diálogo verbal com os pais sobre o esquema
corporal e a imagem do seu corpo. Conforme Telford e Sawrey (1988), se este diálogo não for
bem esclarecido, devido à perda de elementos da comunicação não-verbal (posturas, gestos e
expressões faciais), a imagem do corpo do cego congênito poderá ficar alterada, influenciando
no seu movimento. Isto, porém, não acontece em relação às pessoas com cegueira adquirida.
3.3 Comunicação Não-Verbal
Segundo a Teoria Proxêmica de Hall (1986)
Por meio da visão, o ser humano tem a possibilidade de identificar objetos,
distinguir cores, formas, tamanhos e distâncias. Para Hall (1986, p.133), “a distância faz parte
de um dos sistemas de coordenadas na relação de nosso corpo com outros corpos e objetos”.
A visão se apresenta como um sentido de grande importância na captação de
estímulos e projeções espaciais, facilitando o relacionamento do homem na sociedade.
Enquanto as pessoas com visão poderiam atingir as estrelas, os cegos têm sua percepção
limitada a um raio de seis a trinta metros. Além disso, na maioria das vezes, suas relações
pessoais são comprometidas pela exclusão social, pois eles diferem do padrão de normalidade
estabelecido (HALL,1986). Embora a expressão verbal seja uma das características mais fascinantes do ser
humano, a linguagem não-verbal é um elemento fundamental na comunicação com os outros.
O comportamento não-verbal e as inúmeras mensagens comunicadas por meio dele
influenciam, com melhores ou piores resultados, as pessoas com quem se fala. Muitas vezes o
comportamento ineficaz das pessoas está relacionado com a quase ausência de
comportamentos não-verbais adequados.
Entre as comunicações não-verbais incluem-se sinais que produzimos, gestos e
imagens que criamos ou percebemos. Elas acontecem por meio das mãos, da cabeça, do rosto, da boca, enfim, ocorrem pela expressão do corpo. Apesar de nem sempre a expressão não-verbal possuir a objetividade das palavras, é carregada de significados. Mais emocional e
sensitivo, o não-verbal muitas vezes é o elemento de surpresa na comunicação consciente e
programada. Muitos sinais de comunicação reforçam, substituem ou contrariam a fala; os
gestos, a expressão facial, a postura (movimentos e inclinações do corpo), a ocupação do
espaço, o toque (o tato é um sentido que substitui o olhar, principalmente quando há limitação
visual). A comunicação não-verbal tem expressão própria da cultura, do ambiente social onde
vigora. Ela transmite crenças, valores comuns a determinados povos ou mesmo a uma parcela
da população. O que a comunicação não-verbal não domina é o mundo interior do
destinatário, que interpreta, modifica, reinventa a mensagem, pois este destinatário está
inserido em uma cultura própria e pode manipular esse tipo de comunicação.
Vários teóricos aprofundaram seus estudos na comunicação não-verbal, também
conhecida como teoria de signos não-verbais. No caso desse estudo, optou-se pela Teoria
Proxêmica de Hall (1986), que avalia a posição corporal e as relações espaciais do indivíduo
como elaboração da cultura onde está inserido.
A análise proxêmica de Hall (1986) envolve oito fatores que compõem suas
categorias primárias:
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Postura-sexo: analisa o sexo dos participantes e a posição básica dos
interlocutores (de pé, sentado, deitado).
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Eixo sociofugo-sociopeto: o eixo sociofugo demonstra o
desencorajamento da interação enquanto o sociopeto implica o inverso. Essa dimensão
analisa o ângulo dos ombros com relação à outra pessoa; a posição dos interlocutores
(face a face, de costas um para o outro ou qualquer outra angulação).
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Cinestésico: analisa o contato físico a curta distância, como o toque ou
o roçar da pele, e o posicionamento das partes do corpo.
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Comportamento de contato: este fator analisa as formas de relações
táteis como acariciar, agarrar, apalpar, segurar demoradamente, apertar, tocar
localizado, roçar acidental ou nenhum contato físico.
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Código visual: verifica o modo do contato visual nas interações, como o
olho no olho, ou a ausência de contato.
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Código térmico: detém-se no calor percebido pelos interlocutores.
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Código olfativo: analisa as características e o grau de odor sentido pelos
interlocutores.
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Volume da voz: analisa a percepção dos interlocutores com relação ao
volume e intensidade da fala utilizada pelos interlocutores.
Como evidenciam estes fatores, a proxemia estuda os vários tipos de sinais e
traços distintivos relativos ao uso do espaço nas relações humanas.
Ainda segundo Hall (1986), existem quatro distâncias interpessoais:
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Distância íntima (varia de 0 a 50cm): é a distância em que ocorrem o contato físico, o calor humano, a transmissão dos odores e os encontros pessoais mais
íntimos.
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Distância pessoal (50cm a 1,20m): embora seja uma distância próxima,
pode não acontecer o contato físico, e os odores e o calor do corpo não serem mais
sentidos.
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Distância social (1,20m a 3,60m): nela não há mais o contato físico,
porém existe o contato visual com o interlocutor.
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Distância pública (acima de 3,60m): é aquela que ocorre nos comícios e
conferências, não há contato visual individual (a visão é coletiva).
Birdwhistell (1970), considerado um dos mais importantes teóricos na área do
movimento do corpo, é o pai da cinésica e, ao estudá-la, concentrou-se no canal visual. A
cinésica interessa-se em abstrair das contínuas variações musculares, que são características
dos sistemas fisiológicos vivos, aqueles agrupamentos de movimentos revestidos de
significado para o processo de comunicação, e, portanto, para os sistemas interacionais de
determinados grupos sociais. Entre os milhares de movimentos corporais perceptíveis
produzidos num curto período de tempo, alguns deles destacam-se como funcionais em
comunicação. Os movimentos corporais são chamados de cines. Cines são uma gama de
movimentos ou posições vistas como se fossem um único movimento ou posição. Um
movimento da pálpebra ou um gesto de mão são exemplos de cines (BITTI; ZANI, 1997).
As idéias fundamentais desta teoria interpretam a comunicação como um processo
complexo e contínuo, já que utiliza multicanais sensoriais como o tato, o olfato, a audição, o
paladar e a visão, necessários nas relações interpessoais para decodificar a mensagem
expressa, seja verbal ou não-verbal. De acordo com a Teoria de Birdwhistell (1970), esta
possui sete pressupostos básicos. São eles:
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Nenhum movimento corporal ou expressão corporal é destituído de significado
no contexto em que se apresenta.
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A postura corporal, o movimento e a expressão facial são padronizados e, por
conseguinte, estão sujeitos à análise sistemática.
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O movimento corporal sistemático dos membros de uma comunidade é
considerado uma função do sistema social a que o grupo pertence.
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A atividade corporal visível, tal como a atividade acústica audível, influencia
sistematicamente o comportamento de outros membros de qualquer grupo.
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Até que se demonstre o contrário, tal comportamento será considerado uma
função comunicativa investigável.
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Os significados daí derivados são funções tanto do comportamento como das
operações pelas quais ele é investigado.
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O sistema biológico particular e a experiência especial de vida de qualquer
indivíduo contribuirão como elementos idiossincrásicos (maneira de ver, sentir, reação
própria de cada pessoa) para o seu sistema cinésico, mas a qualidade individual ou
sintomática desses elementos só pode ser avaliada após análise do sistema mais vasto do qual
eles são parte integrante. Na opinião de Birdwhistell (1970), um ou mais canais estão sempre
em utilização contínua e esses estudos devem ser contextualizados.
Numa mensagem, os comportamentos não-verbais estão inter-relacionados e,
raramente, um único movimento do corpo, por si mesmo, comunica um significado (Idem,
ibidem). Os signos não-verbais servem a uma variedade de funções de interação, pois a
comunicação não-verbal desempenha diversas e importantes funções no comportamento
social da humanidade. Conforme mostraram as investigações dos últimos dez anos, há uma
notável gama de elementos não-verbais no comportamento comunicativo do homem que
funcionam de maneira particularmente complexa. Atualmente, existem condições de apreciar o tipo de influência que nosso comportamento não-verbal exerce nos outros e de julgar a
capacidade das outras pessoas para emitir sinais não-verbais ou para os interpretar; sabe-se
que a informação fornecida pela palavra é, em certos casos, contrariada e desmentida pelos
sinais não-verbais que a acompanham e que, quando não é possível a comunicação verbal, as
informações são transmitidas por meio de sinais não-verbais (BITTI; ZANI, 1997).
Ao formar, por exemplo, uma idéia acerca de outra pessoa, utilizam-se,
essencialmente, as informações provenientes do seu comportamento não-verbal e, para
reconhecer o estado emotivo ou as atitudes interpessoais do interlocutor, presta-se atenção não
só ao que ele diz como também ao seu tom de voz e à sua mímica, aos seus movimentos e
gestos (Idem, ibidem). Muitos aspectos não-verbais do comportamento social exigem complicados
processos de registro, análise e reprodução. Mas a difusão das técnicas cinematográficas e
videográficas, por exemplo, facilita de modo notável essa tarefa.
As funções desempenhadas pela comunicação não-verbal são múltiplas: pode-se
entendê-la como “linguagem de relação”; pode-se também vê-la como principal meio de
expressão e comunicação das emoções; nela há valor simbólico especial que exprime, por
meio de uma linguagem corporal elementar, atitudes sobre a imagem de si próprio e do seu
corpo e que participa na apresentação do eu dos outros; ela apóia e completa a comunicação
verbal e desempenha uma função metacomunicativa para interpretar o significado das
expressões verbais; funciona como “canal de dispersão”, pois, estando menos sujeita que a
linguagem à regulamentação consciente ou à censura inconsciente, deixa passar mais
facilmente conteúdos profundos da experiência do indivíduo; desempenha função de
regulação da interação, tomando parte na sincronização dos turnos e das seqüências,
fornecendo informações retroativas e emitindo sinais de atenção; e, finalmente, assume
funções de substituição da comunicação verbal em situações nas quais não é necessário o uso
da linguagem, como, por exemplo, no meneio de cabeça.
Ainda de acordo com Bitti e Zani (1997), os elementos que fazem parte do sistema
cinésico são os seguintes: comportamento espacial, comportamento motor-gestual,
comportamento mímico do rosto e comportamento visual.
Nas observações de Hall (1986) sobre a comunicação proxêmica, e
particularmente sobre a distância entre o emissor e o receptor, determinados aspectos são
enfatizados. Por exemplo, como afirma o autor, o contato corporal representa o ato ativo de
tocar e ser tocado, por meio de carícias, abraços, apertos, pancadas etc. A distância
interpessoal exprime a relação entre o encontro e outras atividades que possam acontecer no
mesmo local. As modificações da distância interpessoal no decurso da interação podem
fornecer informações sobre a intenção de iniciar, manter ou interromper um encontro. A
orientação se dá no ângulo em que as pessoas se situam no espaço em relação umas às outras;
a orientação é um elemento de comunicação das atitudes interpessoais, por exemplo: cara a
cara e lado a lado. A postura se refere à maneira de sentar-se, andar, estar de pé, bem como
revela estilos de comportamento que exprimem os papéis vividos; podem revelar ainda o
estado de espírito, a confiança que a pessoa tem em si própria, ou a imagem de si mesma.
Dos vários movimentos, há alguns particularmente expressivos, como os das mãos
e os da cabeça. Enquanto os acenos da cabeça são sinais não-verbais muito rápidos, mas
importantes indicadores sobre o andamento da interação, os movimentos das mãos são
altamente expressivos. Acerca destes sinais não-verbais têm sido promovidos estudos
sistemáticos, preocupados acima de tudo com o relacionamento dos gestos com estados
emocionais ou atribuindo-lhes sentido particular, ou ainda com o reconhecimento das suas
funções no referente à comunicação verbal.
Ekman, Friesen e Scherer (1976), estudiosos da comunicação não-verbal,
relacionam os gestos com as condições de uso, com a sua origem e com a sua codificação.
Estes autores distinguiram cinco categorias de sinais não-verbais: gestos simbólicos (ou
emblemas); gestos ilustrativos; gestos indicadores do estado emocional; gestos reguladores de
interação; gestos de adaptação (gestos auto-adaptativos, gestos centrados no outro, gestos de
adaptação dirigidos a objetos). Segundo Bitti e Zani (1997), o comportamento motor gestual é
avaliado de acordo com estes tipos de gestos.
No estudo ora desenvolvido, aprofundaram-se apenas três destas subcategorias: os
gestos emblemáticos, os ilustradores e os reguladores.
Os gestos simbólicos ou emblemas são sinais emitidos intencionalmente e que
possuem um significado específico capaz de ser diretamente traduzido em palavras. São
gestos culturais, aprendidos, manifestados pelas diversas partes do corpo, principalmente os
membros superiores e a cabeça. Estes tipos de gestos podem repetir ou substituir o conteúdo
da comunicação verbal no caso de despedidas em que a pessoa acena com a mão. São
exemplos desses tipos de gestos em nossa cultura: bater o pé (impaciência, raiva), mover as
mãos (adeus, ansiedade, raiva), encolher os ombros (dúvida, proteção), roer as unhas
(ansiedade ou medo) etc. (SILVA, 1996).
Os gestos ilustrativos ou ilustradores são todos aqueles movimentos executados
pela maior parte dos indivíduos no decurso da comunicação verbal e que ilustram o que eles
vão dizendo, aprendidos por imitação (complementam ou não a comunicação verbal). São
gestos emitidos conscientemente e, em certos casos, mesmo intencionalmente, e variam em
função de fatores étnicos e culturais (SILVA, 1996).
Os gestos reguladores de interação servem para manter o fluxo da conversação e
indicam o interesse ou não da pessoa, se deseja falar, se deseja interromper a comunicação.
Como exemplos, podem ser citados: o meneio positivo de cabeça, que reforça a continuidade
da fala do outro, o mover os olhos na direção da pessoa, que reforça a fala, o franzir as
sobrancelhas, as mudanças de posição. Esses gestos estão em nossa consciência e são difíceis
de serem inibidos (SILVA, 1996).
Ainda conforme Silva (1996), o comportamento facial enfatiza o rosto como a área
do corpo de maior importância no plano expressivo e comunicativo. É o canal privilegiado da
expressão das emoções: mostra as atitudes interpessoais e produz significativos sinais de
interação. O rosto é, desde o nascimento, um poderoso canal de interação entre o adulto e a
criança: ele é a fonte de símbolos que mais atrai o recém-nascido catalisando sua atenção e
provocando uma sensação de bem-estar, base indispensável para a evolução da sociabilidade.
No homem, a mímica facial desempenha diversas funções agrupadas como: expressão das emoções e das atitudes interpessoais; envio de sinais inerentes à interação em curso e
manifestação de aspectos típicos da personalidade do indivíduo. Durante a interação social, o
rosto participa ativamente nas trocas interpessoais e pode assim manifestar concordância,
perplexidade, atenção, interesse, indiferença, etc. A expressão facial fornece um constante
comentário à produção verbal (BITTI; ZANI, 1997).
Ao analisar o código visual, Hall (1986) afirma que o olhar constitui um elemento
único e primário das relações interpessoais. São numerosas as funções da interação visual: o
olhar desempenha um papel importante na comunicação de atitudes interpessoais e no
estabelecimento de relações; está, além disso, estreitamente ligado à comunicação verbal, no
decurso da qual é utilizado para obter informações retroativas sobre as reações do interlocutor
enquanto se vai falando para obter novos elementos de informação acerca daquilo que é dito.
O olhar é, enfim, usado como sinal para preparar encontros, para saudar e para indicar se a
idéia expressa foi compreendida pelo outro. Estas são funções diferentes, e é por isso que o
estudo do olhar se revela notavelmente complexo, dada a dificuldade de distinguir a função
específica por ele ocupada em cada momento particular.
No início de um encontro, há olhares recíprocos que têm por finalidade estabelecer
uma sincronia de base para o desenrolar da conversação. Durante esta, há constantes
movimentos oculares, tanto do falante como do ouvinte. Aquele que fala olha o ouvinte em
momentos estratégicos a fim de colher informações retroativas; lança-lhe olhares para
enfatizar suas palavras, ou para ser mais persuasivo, e comunica, com o olhar “final”, que está
a terminar a sua intervenção (Idem, ibidem).
No estudo de Hall sobre a comunicação proxêmica, inclui-se também o volume da
voz. Segundo o autor, o volume da voz refere-se à intensidade e volume com que se fala e
pode ser em forma de: tom normal, que indica tranqüilidade; sussurro, que sugere algo que
não pode ser ouvido por outras pessoas, é secreto; e grito, que indica raiva, desapontamento
(HALL,1986). Na interação com um paciente cego, a enfermeira vidente deverá estar atenta para o que ela expressa tanto verbalmente como não verbalmente, pois o cego não possui a
capacidade visual para perceber a gestualidade do profissional. Além disso, os gestos e
maneirismos apresentados pelo não vidente podem não ter a mesma significação para uma
pessoa vidente.
4 METODOLOGIA
4.1 Tipo de Estudo
Estudo exploratório, descritivo, quantitativo, que permitiu analisar a comunicação não-verbal da enfermeira com o cego com vistas a fornecer subsídios para a intervenção e,
portanto, melhoria na qualidade do atendimento a esta clientela. Este tipo de pesquisa tem
como objetivo principal a observação, descrição e documentação do contexto da vida a ser
aprofundada. Como afirmam Polit, Beck e Hungler (2004), a pesquisa quantitativa utiliza
testes estatísticos para reduzir, resumir, organizar, avaliar, interpretar e comunicar as
informações numéricas.
4.2 Aspectos Éticos e Legais
O projeto foi elaborado segundo as normas que regulamentam pesquisas em seres
humanos, do Conselho Nacional de Saúde, conforme a Resolução 196/96 do Ministério da
Saúde (BRASIL, 1996) e submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal
do Ceará. Recebeu a aprovação na reunião do dia 27 de janeiro de 2005 com protocolo n.º
327/04. A coleta de dados iniciou-se após a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido pela enfermeira, pelo cego e seu acompanhante.
Em seguida à explicação da pesquisa e esclarecidas as dúvidas, foi perguntado ao
cego e ao acompanhante, ainda na sala de espera, se aceitavam participar do estudo. Após
concordarem, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que foi lido
para eles e assinado pelo próprio cego, se ele estava em condições de realizar esta ação, ou
pelo seu responsável. A enfermeira também recebeu as explicações referentes à pesquisa.
Após o aceite em participar, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento.
Recolhidas as assinaturas, iniciou-se a coleta de dados.
4.3 Local
O estudo foi desenvolvido em uma unidade de saúde de referência, de nível
secundário, na cidade de Fortaleza-CE, considerado referência estadual de atenção à saúde,
com atendimento especializado ao diabético e ao hipertenso. Estruturalmente, esta unidade
conta com serviço multiprofissional e atende pacientes em nível ambulatorial com demandas
para diabetes e hipertensão, clínica médica, endocrinologia, pequenas cirurgias, odontologia,
nutrição e exames complementares especializados. Fazem parte do serviço, aproximadamente,
dezoito enfermeiras. Deste total, quatorze atuam mais especificamente nos ambulatórios e
consultam diabéticos e hipertensos cadastrados e acompanhados na instituição. Para o estudo,
optou-se por incluir apenas as enfermeiras que atendem diabéticos, pois a diabetes pode
causar várias doenças oculares como catarata, glaucoma e retinopatia diabética. Justifica-se a
escolha deste serviço por ter atendimento de enfermagem diário e em larga escala e por haver
diabéticos cegos acompanhados na instituição.
Anualmente, o número de pessoas assistidas nesta unidade é, em média, 28.000
pacientes. A instituição, no entanto, não soube informar a quantidade de pacientes com
diagnóstico de cegueira porque esse dado não está disponível estatisticamente. Mas pela
observação sistemática do local no período de realização do estudo, acredita-se em relativa
quantidade, já que havia pacientes cegos diariamente no serviço.
A rotina do paciente no serviço começa com a entrega do cartão de aprazamento
de consultas no SAME (Serviço de Arquivo Médico Estatístico). Após a entrega, ele se
dirige à sala de espera para aguardar o atendimento. A sala de espera possui capacidade
para, aproximadamente, sessenta pessoas sentadas. Nela há uma televisão e dois
ventiladores de teto, um bebedouro e uma balança próxima ao corredor de acesso aos
ambulatórios de atendimento. Os pacientes a serem consultados são pesados por auxiliares de enfermagem, que
anotam o peso no respectivo prontuário e encaminham o paciente para as enfermeiras.
Existem cinco ambulatórios de enfermagem numa mesma sala, separados por divisórias, uma única pia e um ar-condicionado. Em cada ambulatório há uma mesa, duas cadeiras, um
esfignomanômetro inserido na mesa na parte lateral por parafusos, um glicosímetro, fitas de
teste e algodão, tudo disposto sobre a mesa e utilizado durante as consultas. O atendimento
aos diabéticos também acontece em três ambulatórios maiores em um segundo corredor,
onde a enfermeira realiza as consultas simultaneamente com o médico. Há uma sala
denominada de leito-dia, localizada ao final do primeiro corredor. Nela existe uma mesa,
três cadeiras para realização de consultas, dispostas próximas à porta de acesso, além de
cinco leitos distribuídos ao redor da sala, onde os pacientes ficam em observação por
algumas horas até obter melhora do seu estado geral de saúde.
4.4 População e Amostra
Previamente, foram contatadas quatorze enfermeiras da instituição que realizavam
consultas de enfermagem a diabéticos. A pesquisadora dirigia-se ao consultório de cada uma,
apresentava-se e explicava os pressupostos da pesquisa; como se desenvolveria; como se
realizariam as filmagens, enfim, esclarecia todas as dúvidas pertinentes ao estudo. Destas
enfermeiras, sete concordaram em participar e contribuir com o desenvolvimento do trabalho,
embora apenas quatro tenham realmente participado. Após a autorização, elas assinaram o
termo de consentimento. A seleção dos pacientes diabéticos cegos foi feita por amostra de conveniência,
respeitando-se os princípios éticos de pesquisa com seres humanos. Constituiu-se, portanto,
de pacientes a serem atendidos pelas enfermeiras que concordaram em participar da pesquisa
e sobre os quais houvesse diagnóstico médico de cegueira.
Previamente, a pesquisadora permanecia na sala de espera observando os pacientes
para identificar se havia algum cego. De modo geral, o cego desempenha alguns movimentos
peculiares, como: não acompanha com os olhos os movimentos das pessoas à sua frente;
permanece de óculos escuros em ambientes com pouca luminosidade; o relógio de pulso é
apropriado para ele, no qual a hora é percebida por meio de som emitido pelo relógio ou pelo
toque; quase sempre ele está acompanhado por uma pessoa vidente, particularmente porque os cegos atendidos nesse serviço adquiriram a cegueira numa idade mais avançada, em
decorrência da diabetes, e na maioria das vezes, não se submeteram a um processo de
reabilitação para o domínio da marcha autônoma; durante a conversa com o acompanhante,
não olha para seu rosto, mantendo-se na posição em que se encontra.
Após essa observação, a pesquisadora dirigia-se ao paciente, apresentava-se como
enfermeira e perguntava se ele havia perdido a visão em virtude da diabetes e se ele saberia
informar que profissional de saúde o atenderia. Se ele fosse ser atendido pela enfermeira, a
pesquisadora se dirigia ao ambulatório para se certificar se ele seria atendido por uma das
enfermeiras que haviam consentido em participar da pesquisa. Após estas confirmações,
falava-lhe do propósito da pesquisa, do desejo de contar com sua colaboração e explicava-lhe
como seria realizada a filmagem tanto para ele como para o acompanhante. Solicitava, então,
a assinatura do termo de consentimento por ambos.
Conforme salientado, fizeram parte da amostra os pacientes cegos que adquiriram
a cegueira em decorrência da diabetes, juntamente com seu acompanhante. Como critérios de
inclusão no estudo foram aceitos somente os cegos com idade superior a 18 anos, pela questão
ética e por estarem aptos a tomar decisões sozinhos.
4.5 Operacionalização da Coleta de Dados
4.5.1 O Processo de Filmagem e a Câmera Filmadora Digital
De modo particular, o processo de filmagem é usado no cinema. A palavra cinema
vem do grego, kinema, e significa movimento. Cinematografia é a técnica de registrar o
movimento, ou melhor, de criar e reproduzir imagens em movimento. Como consta em Salles
(2005), a cinematografia nasceu pouco tempo depois da fotografia, por meio do cinetoscópio
de Edison. Foi necessária, então, a confecção de uma tira fotográfica contínua que dispusesse
de perfurações adequadas ao mecanismo da câmera e do projetor. A fotografia surgiu ainda na
Antiguidade com os inventos e observações do homem, mas somente no final do século XIX é que ela foi inteiramente montada como se vê atualmente (FRANCO, 2005). Em 1888, o
inglês George Eastman produziu a câmera Kodak no. 1. Assim, Eastman fabricou uma
película de 35mm, que era a medida de largura da tira do filme e que se diferencia das atuais
apenas quanto ao número e formato das perfurações, com menos perfurações por fotograma e
estas arredondadas, e não retangulares como hoje. A esta medida de largura da tira da película
denomina-se bitola (CINEMA..., 2005).
O ideal fotográfico e cinematográfico só foi possível tecnologicamente muito
tempo depois de Platão. Todavia, pode-se considerar a invenção da fotografia como um marco
revolucionário, tanto do ponto de vista estético/filosófico como do social/histórico. Portanto, a
fotografia e o cinema têm raízes comuns, não apenas tecnicamente, uma vez que o cinema é
uma sucessão de fotogramas, mas também filosoficamente (SALLES, 2005).
Nos dias atuais existem poucas diferenças no processo fotográfico com relação
àquele utilizado no início do século, pois a imagem digital surge com as novas descobertas do
homem por meio das explorações espaciais, globalização e competitividade de mercados
internacionais (FRANCO, 2005). As primeiras câmeras digitais profissionais chegaram às
lojas no início dos anos 1990 e em pouco tempo se tornaram acessíveis aos amadores. A
imagem digital é o processo específico de transformar imagens em dados digitais. Este tipo de
imagem fica mais fácil de ser entendida ao se desdobrar o processo em seus componentes
básicos, ou seja, a captação de imagens com uma câmera de vídeo e sua colocação dentro de
um computador; a edição, que engloba a manipulação, tratamento e modificação da imagem;
e a finalização, que representa as várias formas de saída da imagem digital, como por exemplo o CD, VCD, DVD (FRANCO, 2005).
Neste estudo, a captação da imagem foi feita com a obtenção direta de imagens na
forma digital, armazenando-as em minicassetes DV (sessenta minutos SP), as quais
possibilitam a imediata transferência das imagens para reprodução em televisão ou
computador. Em uma câmera tradicional, a imagem é gravada no filme somente; em câmeras
digitais, o charge-coupled device (CCD), dispositivo de carga acoplada equivale ao filme.
Ambos, filme e CCD, registram as imagens, mas a partir de então os processos tornam-se bem
diferenciados. A eliminação do filme, a imediata visualização da imagem na câmera, televisão
ou computador constituem-se enormes vantagens para a filmagem digital (FRANCO, 2005).
O “coração” de uma câmera é o CCD, formado por uma matriz de fotodiodos
que se carregam eletricamente ao receber o impacto da luz. O CCD é um sensor responsável
pela captura das imagens. Constitui-se de um chip que suporta e transfere cargas elétricas em
função da quantidade de luz que atinge suas células fotossensíveis. Ou seja, transforma fótons
(luz) em elétrons (eletricidade). Posteriormente, a intensidade da corrente elétrica é
interpretada por um conversor analógico/digital (A/D) e convertida em bits que descrevem os
pixels da imagem. Cada fotodiodo corresponde a um pixel. O CCD captura apenas a
intensidade da luz, gerando imagens monocromáticas. Para visualizar as cores capturadas, a
luz é decomposta por filtros nas cores básicas: vermelho, azul e verde e depois composta
digitalmente (FRANCO, 2005). Segundo Ebert (2005), os CCDs apresentam precisão na
geometria e no registro, não “envelhecem”, não “queimam” e reduziram bastante o lag, isto é,
aquela persistência da imagem nos pontos luminosos (“cauda de cometa”).
A escolha de câmera filmadora digital deve-se ao seu alto poder de resolutividade
e reprodução de imagens mais detalhadas para a análise da comunicação não-verbal. Utilizou-se, portanto, câmera filmadora Sony, em cores NTSC, portátil, digital, com zoom de 120
velocidades, som estéreo, lux 7 (capacidade de iluminação), foco automático digital com
Lente de Alta Precisão Carl Zeiss Vario-Tessar. Esta é desenhada para minimizar os reflexos
sobre a lente, permitindo maior entrada de luz no CCD, e resultando em imagens com cores
mais vivas e naturais e com reprodução de imagens detalhadas, peso de 400 gramas. Apesar
de ser pequena, possui alta potência: conta com um CCD de 680K pixel e é capaz de gravar
em ambientes totalmente escuros com a função NightShot Plus. Sua estação de Handycam
fornece conexões rápidas e fáceis a uma TV para reprodução ou a um PC, editando e
compartilhando o vídeo. O tripé dobrável, ao qual se acoplou a câmera, constitui-se de fibra de carbono, de
altura e ângulos ajustáveis, com peso de aproximadamente 200 gramas, ambos de fabricação
japonesa.
4.5.2 O Pré-Teste
Antes do início da coleta de dados propriamente dita, realizou-se um pré-teste com
a filmagem de dois pacientes com capacidade visual normal em um atendimento de
enfermagem. Este procedimento serviu para testar os equipamentos, a adequação do
posicionamento e a distância da câmera, o uso do tripé, como também a permanência da
pesquisadora na sala e a distância dela em relação ao lócus da interação dos sujeitos do
estudo. Foi utilizado, ainda, como recurso importante no processo de treinamento dos juízes
da análise de dados, conforme abordado posteriormente. Este teste, no entanto, não foi usado
como parte da amostra final do estudo. Na opinião de Polit, Beck e Hungler (2004), o préteste
é um ensaio para determinar se os instrumentos foram formulados de acordo com o
objeto de estudo e se é útil para gerar as respostas desejadas.
4.5.3 A Coleta de Dados
Após o consentimento em participar do estudo, o cego respondia a um questionário
contendo os dados de identificação (nome, idade, sexo, naturalidade, tempo
de tratamento para controle de diabetes, tempo de acompanhamento na instituição). Era
interrogado também acerca de como adquiriu a cegueira (devido a diabetes) e do tempo em
que está cego. Estas informações permitiram a contextualização do sujeito e forneceram
subsídios para a interpretação da comunicação não-verbal.
Como auxiliar na coleta e análise dos dados, adotou-se o diário de campo para
registrar as peculiaridades ocorridas no momento da consulta como, por exemplo,
interrupções de outras pessoas entrando na sala, toque do telefone. De acordo com Duarte e
Barros (2005), quando se utiliza a imagem audiovisual é interessante ressaltar o contexto da
sua exibição e relacionar a imagem analisada ao papel da mensagem visual nas categorias da
linguagem utilizada, referencial teórico adotado.
A coleta de dados ocorreu nos meses de fevereiro a abril de 2005 e se deu
mediante uso de uma câmera filmadora que registrou toda a consulta de enfermagem entre a
enfermeira, o cego e o acompanhante. Desse modo, os dados não-verbais foram arquivados
para análise. A filmagem foi realizada dentro do consultório da enfermeira, e a câmera estava
disposta em um local estratégico e sobre tripé fixo para poder visualizar os sujeitos do estudo.
Durante o atendimento, a pesquisadora permaneceu no consultório, em um local estratégico
para não ofuscar nem fazer sombra passível de invalidar o filme e interferir na comunicação.
O tempo médio utilizado para montagem completa do equipamento era de
aproximadamente cinco minutos, incluindo-se a identificação, o rebobinamento da minifita
cassete DV (sessenta minutos SP) e a mensuração da distância de aproximadamente um metro
e meio da cadeira da enfermeira (BERTONCELLO, 1999). Demarcou-se essa distância
porque permitia abranger, na mesma cena, a enfermeira, o cego e o acompanhante. Justifica-se, também, pela importância de reduzir ao máximo a presença da filmadora, dispondo como
ideal o uso de aparelhos pequenos e fora da visão do paciente (DALRROSO; GREGORY;
FRANCO, 1998).
4.6 Apresentação e Análise dos Dados
4.6.1 Instrumento de Análise dos Dados
O instrumento de análise dos dados para avaliar a comunicação não-verbal da
enfermeira com o cego foi elaborado a partir do referencial teórico de Hall (1986) e recebeu a
denominação de Comunicação Não-Verbal Enfermeira – Cego (CONVENCE -APÊNDICE
E). O CONVENCE avalia a Distância Espacial, primeira categoria ou variável, dividida em
quatro subcategorias, de acordo com Hall (1986). São elas: 1. Distância, classificada em
íntima, pessoal, social e pública; 2. Postura, delimitada em: de pé, sentado, deitado; 3. Eixo,
identificado como: face a face, de costas, outro ângulo, sociofugo e sociopeto; 4. Contato,
denominado: toque, carícia, agarrar, apalpar, segurar demoradamente, apertar, tocar
localizado, roçar acidental e nenhum contato.
A segunda categoria, Comportamento Social, conforme Silva (1996), subdividiu-se em: 1. Gestos emblemáticos, classificados em bater o pé, mover as mãos e outro; 2. Gestos
ilustradores: ora complementa o verbal, ora, não complementa; 3. Gestos reguladores: meneio
de cabeça, mover os olhos e outro.
A terceira categoria, a exemplo da quarta e da quinta, é também baseada em Hall
(1986), foi denominada Comportamento Facial, e continha: perplexidade, nojo, alegria, medo,
raiva, tristeza e outro. A quarta categoria, Código Visual, englobou duas subdivisões: 1.
Abertura ocular: surpresa, alegria, tristeza e outro; 2. Direção do olhar: no interlocutor ou
desviado do interlocutor. A quinta, Volume da Voz, foi classificada como sussurro, grito,
normal e silêncio. Concomitantemente à coleta de dados, o CONVENCE foi enviado a três juízes
para ser analisado. Escolheram-se três juízes especialistas em comunicação, doutores em
enfermagem, com diversas dissertações e teses orientadas nesta linha de pesquisa, publicações
em livros e periódicos, conferências ministradas em congressos, enfim, com conhecimento
elaborado em comunicação não-verbal. Foram convidados, previamente, via e-mail, para
participarem desse momento. Após a confirmação, foram enviados por sedex o convite
formal, o CONVENCE, o projeto na íntegra e um breve resumo (APÊNDICE F) da teoria
adotada na pesquisa. No prazo máximo de trinta dias, os juízes devolveram o material via email
e correio com as devidas sugestões. Como não houve divergência quanto às sugestões,
todas foram acatadas. Para a análise das filmagens escolheram-se outros três juízes que concordaram em
participar da pesquisa. A contribuição de cada um no estudo será ressaltada a seguir.
4.6.2 Treinamento dos Juízes da Análise dos Dados
Os juízes convidados para analisar os dados eram enfermeiros e estudantes do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, do nível mestrado e doutorado, da
Universidade Federal do Ceará. Todos são bolsistas do programa, estão envolvidos em grupos
de pesquisa do Departamento de Enfermagem desde a graduação e com tempo disponível para
proceder à análise dos dados. É importante enfatizar que estes juízes não possuíam
conhecimento prévio no referencial proposto, mas foram treinados antes de iniciar a análise
propriamente dita e avaliaram os dados coletados. O treinamento ocorreu nos meses de
fevereiro a abril de 2005. A teoria utilizada na pesquisa, fundamentada em Hall (1986), lhes
foi entregue no mês de fevereiro e deu-se um prazo de trinta dias para a sua leitura.
Terminado o prazo, iniciou-se a parte prática do treinamento, em março de 2005. Este foi
dividido em quatro sessões: a primeira destas foi a apresentação do projeto; a segunda referiu-se à discussão do referencial adotado e do CONVENCE; a terceira e quarta sessões
destinaram-se à apresentação das filmagens pré-teste para treinamento do uso do instrumento.
A primeira sessão constou da apresentação do projeto aos juízes para tomarem
conhecimento do estudo e da teoria que o embasava bem como de discussão dos
questionamentos feitos por eles pertinentes ao estudo. A segunda sessão relacionou-se ao
aprofundamento e discussão da teoria e do instrumento de análise de dados utilizados na
pesquisa. Neste momento, foram esclarecidas as dúvidas. Houve um estudo detalhado do
instrumento de análise de categorização dos sinais não-verbais com exemplos práticos
mostrando o tempo de avaliação de cada cena e o preenchimento do instrumento. Cada sessão
durou em média duas horas. A terceira e quarta sessões referentes ao treinamento dos juízes,
conforme comentado, contou com a apresentação de duas filmagens pré-teste sobre a consulta
de enfermagem com pacientes videntes para capacitar os juízes no preenchimento do
instrumento. As sessões de treinamento e análise dos dados foram realizadas com todos os
juízes presentes na mesma sala e no mesmo horário, conforme predeterminado no início da
capacitação. As reuniões aconteceram no Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Escolheu-se uma sala de aula com boas condições de luminosidade, clima
agradável, cadeiras confortáveis e que pudesse ser fechada para evitar interrupções de outras
pessoas bem como minimizar a presença de ruídos externos. A sala também continha uma
televisão de 29 polegadas para facilitar a visualização das imagens. A importância de estarem
todos reunidos justifica-se, especialmente pelo fato de se analisar a filmagem exatamente no
mesmo milésimo de segundo e evitar discordâncias relacionadas ao tempo de análise das
cenas. O processo de avaliação do CONVENCE ocorreu ainda em outras duas fases: a
primeira foi relacionada aos juízes da análise dos dados e a segunda ao estatístico. Os juízes
da análise solicitaram inclusão de alguns itens, como outros, na categoria Comportamento
Facial e na subcategoria abertura ocular no CONVENCE, e silêncio, na categoria Volume da
Voz. Outra contribuição acordada unanimemente foi permitir paralisar a cena a cada quinze
segundos, com vistas a avaliar e preencher o instrumento. Para facilitar a catalogação dos
dados analisados, o estatístico sugeriu numerar as categorias do CONVENCE. Finalizou-se o
treinamento quando a pesquisadora observou que as respostas dos juízes concordavam entre si
em torno de 80%, pois este é um índice já adotado por pesquisadores como Sawada (1990),
mesmo porque a subjetividade nesta linha de pesquisa jamais permite uma fidedignidade
absoluta entre os juízes.
4.6.3 Orientações aos Juízes para Registros no CONVENCE
Antes de iniciar a análise das filmagens, os juízes receberam algumas orientações
para facilitar os registros no CONVENCE, como: fazer uma releitura da teoria dos sinais não-verbais na comunicação de enfermagem de acordo com Hall (1986) antes de cada sessão;
começar o trabalho assistindo ao filme (referente a uma consulta) completo, para tomar
conhecimento da enfermeira, do paciente, do acompanhante e do contexto da situação, antes
de iniciar a identificação dos tipos e categorização dos sinais não-verbais; proceder à
identificação dos sinais não-verbais emitidos pela enfermeira adotando o critério de tempo de
quinze segundos para transcrição da imagem em pausa; o tempo ser cronometrado pela
pesquisadora para facilitar a análise; interromper a análise da filmagem diante de fadiga, cansaço; realizar a transcrição de apenas uma filmagem por dia; trabalhar em conjunto num
local fechado onde não houvesse interrupções; disponibilizar o CONVENCE durante as
análises. Em virtude da subjetividade nesta linha de pesquisa, estabeleceram-se, ainda,
alguns critérios de padronização durante o processo de treinamento dos juízes, como:
-
a) classificar apenas os sinais não-verbais emitidos pela enfermeira registrados na
imagem;
-
b) considerar como toque quando a enfermeira o faz nos objetos que se estendem
ao corpo do paciente. Por exemplo, segurar o estetoscópio e colocar o esfignomanômetro no
braço do paciente;
-
c) preencher o instrumento com a expressão não visualizado quando não houver
possibilidade de visualizar alguma parte do corpo ou rosto da enfermeira;
-
d) voltar a imagem a ser classificada no máximo duas vezes.
Para especificar a gestualidade de forma mais detalhada, utilizou-se a classificação
adotada por Silva (1996), com base em Ekman, Friesen e Scherer (1976), que avalia os gestos
humanos em cinco categorias, embora neste estudo tenham sido aprofundadas apenas três
destas categorias: gestos emblemáticos, gestos ilustradores e gestos reguladores. Os gestos
emblemáticos são gestos culturais aprendidos e de largo uso social, como: bater o pé
(impaciência, raiva); mover as mãos lateralmente (adeus); roer as unhas (ansiedade, medo),
etc. Os gestos ilustradores são apreendidos por imitação, acompanham a fala, enfatizando a
palavra ou a frase, como se desenhassem a ação descrita. Por exemplo: “Ele tem uma mancha
aqui”, e indica-se o local da mancha no corpo. Já os gestos reguladores são os que regulam e
mantêm a comunicação entre as pessoas. Um exemplo desse tipo de gesto é o meneio positivo
de cabeça, que reforça a fala do outro. O mover os olhos em direção à pessoa que fala também
reforça a fala, enquanto o desvio do olhar inibe a fala do outro.
Segundo Silva (1989; 1986), a categoria Comportamento Facial avalia os sinais
faciais emitidos pelo sujeito que fala. São eles:
-
Perplexidade (surpresa) – abertura da boca e dos olhos, sobrancelhas erguidas e
afastadas, músculos aparentemente contraídos;
-
Nojo – lábio superior levantado com acompanhamento ou não do lábio inferior,
sobrancelha acentuada;
-
Alegria – pálpebras levantadas, sorriso, “olhar brilhante”, levantamento da
bochecha com fechamento do olho e levantamento da boca;
-
Medo – testa levantada com rugas horizontais, pálpebras fechando rapidamente
ou abrindo-se excessivamente, rigidez, lábios finos e tensos com boca aberta ou não, tremor
nas mãos, braços e pernas, palidez, grito;
-
Raiva – testa enrugada verticalmente pela junção das sobrancelhas, olhos
fechados e tensos ou abertos e firmes, boca tensa, mandíbula cerrada;
-
Tristeza – comissura labial voltada para baixo, sobrancelha oblíqua, “olhar
cabisbaixo”, choro;
-
Atenção (interesse) – olhar na direção do objeto ou da pessoa, sorriso, meneio
positivo de cabeça;
-
Desconfiança (dúvida) – lábios em “bico”, inclinação lateral da cabeça,
sobrancelhas erguidas;
-
Impaciência (incômodo) – olhos fechados, rugas na testa, lábios comprimidos,
rigidez facial, comissura labial voltada para baixo, suor frio, choro;
-
Indiferença (desprezo) – lábio superior com um dos cantos levantados, olhar de
cima para baixo.
4.6.4 Análise dos Dados das Filmagens
Esta etapa da análise dos dados ocorreu no mês de maio de 2005. A pesquisadora
programava as sessões de análise com todos os juízes em conjunto e permanecia no local para
controlar o tempo predeterminado (paralisar a imagem), rebobinar a fita e distribuir o material
quando este acabava. Além disso, esperava todos preencherem o CONVENCE para continuar a transcrição da filmagem e não permitia comunicação entre os juízes no momento da
transcrição. Os juízes assistiam ao filme e avaliavam as cenas, adequando-as nas categorias
não-verbais do instrumento de análise. No primeiro momento de análise da filmagem, o filme
foi apresentado integralmente a todos os juízes e após esta etapa foi analisado conforme
estabelecido.
4.6.5 Análise Estatística dos Dados
A princípio os dados foram analisados em freqüência absoluta por meio de uma
tabela univariada com freqüência relativa e porcentagens. Para se analisar a associação entre
as variáveis e as enfermeiras, segundo Hall (1986), foram empregados os testes qui-quadrado
(X2) e o de Fisher-Freeman-Halton. Os dados foram processados no programa Stats Direct
(ST). A confiabilidade entre os três juízes foi feita utilizando-se o coeficiente Kappa de Cohen
não ponderado, haja vista o não ordenamento das categorias estudadas e o fato de esse
coeficiente levar em consideração a probabilidade de concordância decorrente do acaso. Para
essa medida calculou-se o intervalo de confiança de 95% e aplicou-se o teste z para verificar a
significância da confiabilidade. Fixou-se para todas as análises estatísticas inferenciais o nível
de significância de 5% (GORENSTEIN; ANDRADE; ZUARDI, 2000).
5 RESULTADOS
5.1 Caracterização da Amostra
A amostra foi constituída por quatro enfermeiras, todas do sexo feminino, que
concordaram em participar do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido. Com relação às enfermeiras, apenas uma foi filmada duas vezes. Os cegos – duas
mulheres e três homens – que também autorizaram sua participação, totalizaram cinco
pacientes, porém dois destes não assinaram o termo. O primeiro não assinou pela falta de
habilidade motora, pois perdera a visão há cerca de dois meses, e o outro pediu ao seu
acompanhante para assinar por ele. Foram realizadas cinco filmagens, cada uma com um cego
diferente. Todos eles estavam acompanhados por um responsável, denominados de
acompanhantes, que também assinaram o termo autorizando sua participação no estudo. Estes
eram o (a) esposo (a) ou o (a) filho (a) dos pacientes.
Os pacientes responderam devidamente o questionário (APÊNDICE D), que
continha dados de identificação especificamente sobre tempo de tratamento de diabetes, de
acompanhamento na instituição, forma e há quanto tempo adquiriram a cegueira. As
enfermeiras pertenciam ao quadro de funcionários da instituição, com vínculo empregatício, e
realizavam consultas de enfermagem a pacientes diabéticos há pelo menos cinco anos. As
filmagens foram analisadas a cada quinze segundos, totalizando 1.131 análises de
comunicação não-verbal. O tempo médio de duração das filmagens foi de dezenove minutos,
variando entre quinze e vinte e quatro minutos.
A filmagem 1 durou aproximadamente dezenove minutos. A paciente 1, sexo
feminino, 75 anos, é natural de Natal-RN, casada e com escolaridade no nível fundamental 1.
Há dez anos faz tratamento para diabetes e há dois é acompanhada na instituição. Adquiriu
cegueira há sete anos em virtude do glaucoma. Ela foi atendida no segundo consultório do
ambulatório onde se localizam os cinco consultórios, no primeiro corredor da instituição. A
enfermeira iniciou o atendimento se apresentando e comunicando que realizaria uma consulta
de enfermagem. Usava luvas. O ambiente estava bastante barulhento. Ela solicitou a última receita da paciente e fez anotações no prontuário. Após concluir essas anotações, perguntou a
que horas a paciente havia se alimentado. Quando a acompanhante informou que havia apenas
dez minutos, a enfermeira interrompeu a consulta e quase desistiu de atendê-la naquele
momento pois o tempo era insuficiente para realizar a glicemia. Nesse momento, o barulho
intensificou-se no consultório ao lado, e dava para ouvir uma pessoa chamando o nome de
outra. Quando a enfermeira consentiu em atendê-la (informou que verificaria a glicemia ao
final da consulta), tocou a paciente nos braços, orientando os locais de aplicação da insulina e
a forma de rodízio nas diversas partes do corpo. Ela também reforçou as orientações para a
acompanhante. Verificou a pressão arterial (PA) mesmo com o barulho da consulta na sala
vizinha. Após a aferição, forneceu orientações acerca da alimentação, dirigindo-se sempre à
paciente e à acompanhante. Anotou no prontuário os resultados e ainda concluiu informações
sobre os hábitos alimentares, sugerindo evitar frituras, óleos, massas e açúcares na dieta.
Inspecionou e apalpou a pele, observou áreas ressecadas e orientou o uso de hidratante e a
ingestão de líquidos. Apalpou os pés, tocando e perguntando se ela sentia formigamento ou
dor nos pés e pernas. Recomendou o uso de calçados confortáveis. Examinou a boca e
orientou a higienização da prótese e da língua. Ao final, fez o teste de glicemia. Depois,
solicitou à paciente colocar o algodão no dedo que foi perfurado para estancar o sangue, mas
esta sentiu dificuldade em fazê-lo. Nesse momento a sala estava muito barulhenta e ela
concluiu encaminhando a paciente ao consultório médico.
A filmagem 2 durou aproximadamente 24 minutos. A paciente 2, sexo feminino,
70 anos, reside no interior do Estado do Ceará, é casada e com escolaridade no nível
fundamental 1. Há vinte anos faz tratamento para diabetes e há três é acompanhada na
instituição. Adquiriu cegueira há cinco anos em decorrência da diabetes. A enfermeira iniciou
a consulta perguntando como a paciente estava e se tinha alguma queixa. Estava usando as
luvas. Fez anotações no prontuário. Depois se apresentou e comunicou que faria a consulta de
enfermagem. Anotou alguns dados e solicitou a assinatura da acompanhante. Verificou a PA,
orientou quanto aos valores normais e questionou o tipo de medicação que a paciente estava
tomando. Esclareceu as dúvidas da paciente acerca da insulina e dos sinais de hiperglicemia e
hipoglicemia que podem aparecer se a pessoa não se alimentar em horários regulares. No
momento de realizar o teste de glicemia, explicou que perfuraria o dedo anelar com uma
agulha estéril para colher a gota de sangue necessária para o glicosímetro dar o resultado
imediato. Anotou no prontuário. Nesse momento, o telefone da acompanhante tocou. Ela permaneceu falando aproximadamente dois minutos ao telefone enquanto a enfermeira
continuava conversando com a paciente. Realizou o exame do pé e recomendou o uso de
sandálias confortáveis. Interrogou sobre a alimentação. Pediu para verificar os exames e fez
anotações no prontuário. Explicou os resultados e orientou quanto aos hábitos alimentares dos
diabéticos. Por um momento, a paciente tocou na mão da enfermeira. A consulta foi concluída
e a paciente foi encaminhada ao médico.
A filmagem 3 durou em média quinze minutos. O paciente 3, sexo masculino, 41
anos, é natural de Poranga – Ceará, com escolaridade no nível fundamental 1. Faz tratamento
para diabetes há quatro anos e há um ano é acompanhado na instituição. Ficou cego há dois
meses em virtude de glaucoma associado a diabetes. A consulta é iniciada com a apresentação
da enfermeira e a explicação sobre como realizá-la. Tocou o dedo do paciente para que ele
percebesse o local onde seria feito o exame. Chamou a acompanhante para assinar um
documento. O paciente permaneceu à frente da enfermeira com a cabeça baixa, como se
estivesse olhando para o chão. A enfermeira fez o teste de glicemia e colocou o algodão entre o dedo polegar e o indicador do paciente para que ele mesmo tomasse a iniciativa de pôr no
dedo sangrante. Mas como este não reagiu a esta conduta, a enfermeira colocou o algodão no
local. Ela relatou o resultado do exame e verificou a PA logo em seguida. O paciente
continuou com a cabeça baixa, semblante triste. Ela fez anotações no prontuário e perguntou
se ele estava tomando os remédios corretamente. Anotou as observações e pediu a última
receita dele, que a acompanhante entregou prontamente. Orientou os locais do rodízio de
aplicação da insulina, tocando o paciente para ele entender o que estava sendo dito. Saiu da
sala para pegar luvas. Em seguida, examinou os pés do paciente. Nesse momento, o barulho
atrapalhou a comunicação entre ambos. Percebeu um pequeno ferimento no pé e encaminhou
o paciente ao consultório do pé diabético. Olhou para a acompanhante e fez anotações no
prontuário. Interrogou as queixas e relatou insônia, dor nas costas e nos rins. Ela o orientou a
cortar as unhas, fazer a dieta e ingerir bastante água para hidratar a pele. Ele mais uma vez
falou da dor nas costas (pescoço). Ela calçou novamente as luvas, inspecionou o local e
anotou as observações. Encaminhou-o novamente ao pé diabético. Examinou-lhe a boca,
encaminhando-o também ao dentista. Orientou a higiene bucal e concluiu enfatizando os
encaminhamentos. Nesse momento, a sala estava barulhenta, escutavam-se gritos de pessoas.
As filmagens 4 e 5 foram realizadas pela mesma enfermeira. Ambas duraram em
média dezenove minutos. O paciente 4, sexo masculino, 67 anos, natural de São Gonçalo do
Amarante – Ceará, é casado e cursou até o ensino fundamental 2. Há doze anos faz tratamento
para diabetes e há três é acompanhado na instituição. Ficou cego há três anos em virtude do
glaucoma associado a diabetes. A enfermeira começou a consulta se apresentando ao paciente
e sua acompanhante. Perguntou a idade dele e anotou no prontuário. Enquanto organizava o
material em sua mesa, conversou um pouco. Interrogou acerca da visão dele e continuou a
arrumar seu material. Fez algumas anotações. Indagou se o paciente possuía queixas e ele
relatou constipação. Ela o encaminhou à nutricionista. Perguntou a ele e à sua acompanhante
sobre a alimentação e as doses de insulina. Fez-lhe alguns toques para explicar os locais de
rodízio de aplicação da insulina e o interrogou acerca de remédios para controlar a pressão.
Fez anotações e continuou a conversa enquanto anotava. Conversou com a acompanhante por
longo período e voltou a falar com o paciente. Orientou sobre a medicação para a PA. Nesse
momento, o telefone tocou na sala ao lado, mas foi bastante perceptível e barulhento e
interferiu na consulta. O paciente referiu queixas quanto ao atendimento na instituição e ela o
interrompeu para aferir a PA. Ela anotou e orientou quanto à alimentação e aos sinais de
hipoglicemia. Fez o exame de glicemia e o informou em relação aos valores normais
esperados. Conversou com ele sobre a queixa de dor nos olhos que ele relatou no início do
atendimento. Fez outras orientações e concluiu a consulta.
O paciente 5, sexo masculino, 76 anos, Canindé – Ceará, é casado e cursou o
fundamental 1. Há trinta e seis anos faz tratamento para diabetes e há vinte é acompanhado na
instituição. Ficou cego há dez anos em virtude da diabetes (retinopatia diabética). Nessa
consulta a enfermeira estava acompanhada de duas alunas da graduação em enfermagem,
estagiárias do local, mas não houve interrupções em momento algum por parte delas. A
enfermeira iniciou a consulta interrogando as queixas do paciente. Ele referiu dor nas pernas e
episódios de hipoglicemia. Ela explicou o que significa neuropatia para a acompanhante e as
alunas. Conversou com o paciente, utilizando termos técnicos. Fez anotações e realizou a
glicemia. Continuou a conversa com a acompanhante. Orientou os hábitos alimentares do
paciente. Fez alguns questionamentos a ele e anotou no prontuário. A sala da consulta era o
leito-dia e estava bastante tranqüila, sem interrupções. Aferiu a PA e fez as anotações.
Enfatizou as orientações acerca da alimentação, sugerindo uma revisão na dieta. Uma pessoa abriu a porta da sala e interrompeu a consulta. Ao final, ela o encaminhou ao médico, à
nutricionista e despediu-se com um aperto de mão.
5.2 Apresentação dos Dados
A seguir serão apresentadas as Tabelas 1, 2 e 3. A Tabela 1 é referente aos índices
de concordância entre os juízes para validação das variáveis do CONVENCE. Vale ressaltar
que se dois juízes concordassem as categorias das funções não-verbais seriam validadas.
A Tabela 2 exibe a freqüência absoluta e as porcentagens das categorias dos sinais
não-verbais analisadas no CONVENCE.
A Tabela 3 mostra a associação das categorias de comunicação não-verbal com as
filmagens 1, 2, 3, 4 e 5, utilizando os testes qui-quadrado (X2) ou o teste de Fisher-Freeman-Halton para verificar o nível de dependência entre as variáveis cruzadas.
TABELA 1
Índice de concordância entre os juízes para cada categoria
da comunicação não-verbal
de acordo com Hall (1986)
CATEGORIAS
|
Kappa de Cohen
|
IC 95%
|
z
|
p
|
1. DISTÂNCIA 1x2 1x3
2x3
|
0,076 0,031 0,046
|
0,004; 0,148 0,062; 1,124 -0,027; 0,119
|
2,06 0,66 1,24
|
0,020 0,256 0,108
|
2. POSTURA (100% de concordância entre os juízes)
|
3. EIXO 1x2 1x3 2x3
|
0,005 -0,015 -0,026
|
-0,014; 0,024 -0,038; 0,008 -0,052; 0,009
|
0,53 1,29 -1,89
|
0,931 0,217 <0,001
|
4. CONTATO 1x2 1x3 2x3
|
-0,003 0,029
0,005
|
-0,010; 0,004 -0,037; 0,096 -0,001; 0,012
|
-0,87 0,86 1,64
|
0,809 0,194 0,050
|
5. GESTOS EMBLEMÁTICOS 1x2 1x3 2x3
|
0,004
0,047 -0,001
|
-0,024; 0,032 -0,032; 0,127 -0,019; 0,017
|
0,28 1,17 0,11
|
0,390 0,121 0,545
|
6. GESTOS ILUSTRADORES 1x2 1x3 2x3
|
0,040 -0,071 0,017
|
0,016; 0,096 0,012; 0,155 -0,056; 0,022
|
1,41 1,67 -0,84
|
0,079 0,047 0,800
|
7. GESTOS REGULADORES 1x2 1x3 2x3
|
0,034 -0,032 -0,002
|
-0,015; 0,083 -0,075; 0,011 -0,047; 0,043
|
1,36 -1,46 -0,09
|
0,087 0,927 0,536
|
8. COMPORTAMENTO FACIAL 1x2 1x3 2x3
|
0,008 0,001 0,031
|
-0,001; 0,017 -0,010; 0,120 -0,021; 0,083
|
1,72 0,15 1,18
|
0,043 0,439 0,120
|
9. ABERTURA OCULAR 1x2 1x3 2x3
|
0,055 0,001 0,055
|
-0,026; 0,137 -0,007; 0,009 -0,026; 0,137
|
1,34 0,17 1,34
|
0,090 0,431 0,090
|
10. DIREÇÃO DO OLHAR 1x2 1x3 2x3
|
-0,020 -0,102 0,269
|
-0,113; 0,073 -0,195; -0,008 0,180; 0,359
|
-0,42 -2,13 5,88
|
0,663 0,983 0,001
|
11. VOLUME DA VOZ 1x2 1x3 2x3
|
-0,010 0,002 -0,097
|
-0,041; 0,021 -0,001; 0,006 -0,128; -0,067
|
-0,62 1,29 -6,32
|
0,734 0,098 0,999
|
P< 0,05 – Dependência das respostas dos juízes.
A Tabela 1 verificou o índice de concordância entre os juízes quanto à análise de
dados. Como mostra esta tabela, as variáveis do CONVENCE validadas pela confiabilidade
entre os juízes foram as seguintes:
-
― na categoria Distância Espacial, as subcategorias distância,
postura, eixo, contato e contato;
-
― na categoria Comportamento Social, a subcategoria gestos
ilustradores;
-
― na categoria Comportamento Facial, a própria categoria;
-
― e na categoria Código
Visual, a subcategoria direção do olhar,
todas significativas ao nível de p < 0,05. Entre estas,
a postura apresentou concordância absoluta entre os juízes.
TABELA 2
Síntese univariada de análise das categorias da
comunicação não-verbal segundo Hall
(1986)
CATEGORIAS
|
|
N.º
|
%
|
1. DISTÂNCIA ESPACIAL
|
|
|
1.1 Distância
|
Íntima Pessoal Ausente
|
1.030 89 12
|
91,0 7,9 1,1
|
1.2 Postura
|
Sentado De pé Ausente
|
1.112 6 13
|
98,3 0,5 1,2
|
1.3 Eixo 1.3.1 Eixo/ Posição
|
Outro ângulo Face a face
Costas Ausente
|
645 445 3 38
|
57,0 39,3 0,3 3,4
|
1.3.2 Eixo/Interação
|
Sociopeto Sociofugo Ausente
|
892 203 36
|
78,9 18,0 3,1
|
1.4 Contato
|
Nenhum contato Tocar localizado/ Toque Segurar demoradamente Roçar acidental Apertar/ Apalpar Ausente
|
943 140 19
9 3 17
|
83,3 12,4 1,7 0,8 0,3 1,5
|
2. COMPORTAMENTO SOCIAL
|
|
|
2.1 Gestos Emblemáticos
|
Mover as mãos Não observado/Nenhum contato Olha/Escreve no prontuário Realiza procedimento Mover o corpo Bater o pé Ausente
|
762 247 45 38 10 1 28
|
67,4 21,8 4,0 3,4 0,9 0,1 2,4
|
2.2 Gestos Ilustradores
|
Complementa o verbal Não complementa Ausente
|
566 510 55
|
50,0 45,1 4,9
|
2.3 Gestos Reguladores
|
Não observado/Nenhum contato Mover os olhos Meneio de cabeça Olha/Escreve no prontuário Mover o corpo Realiza procedimento Ausente
|
582 273 176 35 20 10 35
|
51,4 24,1 15,6 3,1 1,8 0,9 3,1
|
3. COMPORTAMENTO FACIAL
|
|
|
|
Não observado/ Nenhum contato Atenção
Alegria Impaciência/Indiferença/Desconfiança Perplexidade
Nojo Raiva/Medo/Tristeza Ausente
|
499 155
97 36 30 23 13 43
|
44,1 13,7 8,6 3,2 2,6 2,0 1,2 3,8
|
4. CÓDIGO VISUAL
|
|
|
4.1 Abertura Ocular
|
Não observado/Nenhum contato Alegria Atenção
Tristeza/Apatia/Cansaço Surpresa Olhos fechados Ausente
|
873 53 51 28 19 18 89
|
77,2 4,7 4,5 2,5 1,7 1,6 7,8
|
4.2 Direção do Olhar
|
Desviado do interlocutor Centrado no interlocutor Ausente
|
597 502 32
|
52,8 44,4 2,8
|
5. VOLUME DA VOZ
|
|
|
|
Normal Silêncio Sussurro
Grito Ausente
|
746 365 4 1 15
|
66,0 32,3 0,3 0,1 1,3
|
|
|
|
|
TOTAL
|
1.131
|
100,0
|
Como evidenciado, a Tabela 2 enumerou as categorias da comunicação não-verbal
e classificou os tipos de sinais não-verbais relacionados às análises de todas as imagens.
TABELA 3
Análise da associação das filmagens com as categorias
e subcategorias da comunicação não-verbal
|
FILMAGEM
|
1
|
2
|
3
|
4
|
5
|
Teste
|
p
|
CATEGORIAS
|
|
n.º
|
%
|
n.º
|
%
|
n.º
|
%
|
n.º
|
%
|
n.º
|
%
|
|
|
1. DISTÂNCIA
|
Íntima Pessoal
|
224 -
|
100,0 -
|
278 7
|
97,5 2,5
|
167 2
|
98,8 1,2
|
200 25
|
88,9 11,1
|
161 55
|
74,5 25,5
|
46,73
|
0,001(2)
|
2. POSTURA
|
De pé Sentado
|
2 222
|
0,9 99,1
|
- 284
|
- 100,0
|
4 165
|
2,4 97,6
|
- 225
|
- 100,0
|
- 216
|
- 100,0
|
-
|
0,006(1)
|
3. EIXO
|
Face a face/Sociofugo Face a face/Sociopeto Outro ângulo/Sociofugo Outro ângulo/Sociopeto
|
4 102 37 70
|
1,88 47,89 17,37 32,86
|
7 105 42 122
|
2,54 38,04 15,22 44,20
|
5 37 72 47
|
3,11 22,98 44,72 29,19
|
- 86 11 117
|
- 40,19 5,14 54,67
|
3 87 19 99
|
1,44 41,83 9,13 47,60
|
-
|
0,001(1)
|
4.
CONTATO
|
Toque Segurar Tocar localizado Roçar acidental Nenhum contato
|
11 11 24 - 173
|
5,1 5,1 11,0 - 79,7
|
15 2 7 4 255
|
5,3 0,7 2,5 1,4 90,4
|
12 1 31 2 121
|
7,2 0,6 18,6 1,2 72,4
|
3 1 12 - 209
|
1,3 0,4 5,3 - 92,9
|
11 4 13 3 185
|
5,1 1,8 6,0 1,4 85,6
|
79,78
|
0,001(2)
|
5.
GESTOS EMBLEMÁTICOS
|
Mover as mãos Outro
|
129 84
|
60,6 39,4
|
206 77
|
72,8 27,2
|
117 50
|
70,0 30,0
|
163 62
|
72,4 27,6
|
147 67
|
68,4 31,2
|
10,35
|
0,001(2)
|
6.
GESTOS ILUSTRADORES
|
Complementa Não Complementa
|
137 75
|
64,6 35,4
|
160 118
|
57,5 42,4
|
49 111
|
30,6 69,4
|
127 93
|
57,7 42,3
|
93 113
|
45,1 54,9
|
52,93
|
0,001(2)
|
7.
GESTOS
REGULADORES
|
Meneio de cabeça Mover os olhos Outro
|
40 78 94
|
19,0 37,0 44,5
|
54 61 168
|
19,1 21,6 59,6
|
22 19 125
|
13,2 11,4 75,3
|
29 74 124
|
12,9 33,0 55,3
|
31 41 136
|
14,9 19,7 65,4
|
58,91
|
0,001(2)
|
8.
COMPORTAMENTO FACIAL
|
Perplexidade Nojo Alegria Raiva Outro
|
4 - 4 - 203
|
1,9 - 1,9 - 95,7
|
1 - 25 - 254
|
0,3 - 8,9 - 90,1
|
1 - - - 164
|
0,6 - - - 98,8
|
18 18 17 1 169
|
8,0 8,0 7,5 0,4 75,1
|
- 5 34 6 129
|
- 2,9 19,5 3,4 74,1
|
|
-0,001(1)
|
9.
ABERTURA OCULAR
|
Surpresa Alegria Outro
|
3 7 201
|
1,4 3,3 94,8
|
1 15 263
|
0,3 5,3 93,9
|
1 - 164
|
0,6 - 99,4
|
14 8 198
|
6,3 3,6 89,6
|
- 23 141
|
- 14,1 86,5
|
|
-0,001(1)
|
10.
DIREÇÃO DO OLHAR
|
No interlocutor Desviado
|
108 107
|
50,2 49,8
|
125 160
|
43,8 56,1
|
59 106
|
35,7 64,2
|
86 138
|
38,4 61,6
|
124 86
|
59,0 41,0
|
28,64
|
0,001(2)
|
11.
VOLUME DA VOZ
|
Normal Silêncio
|
157 64
|
71,0 29,0
|
153 131
|
53,7 46,0
|
77 92
|
45,6 54,4
|
184 41
|
81,8 18,2
|
175 37
|
81,0 17,1
|
104,52
|
0,001(2)
|
(1) Teste p de Fisher – Freeman – Halton;
(2) Teste X2.
Na Tabela 3 consta a análise da associação de cada filmagem de acordo com as
variáveis da comunicação não-verbal do CONVENCE. A associação é verificada pelo teste
qui-quadrado ou pelo teste de Fisher-Freeman-Halton. Conforme se conclui, houve associação
quando p<0,05.
Segundo demonstrou a análise estatística da Tabela 3, houve dependência, melhor
dizendo, houve associação das respostas pelas filmagens, inferindo-se também que as
categorias foram influenciadas por cada filmagem em virtude do valor de p ser <0,05.
As categorias da variável independente ou causal, representadas, na tabela, pelas
filmagens 1, 2, 3, 4, 5, agem de maneira diferente nas categorias das variáveis dependentes ou de
desfecho, ou seja, as características da comunicação não-verbal. Variável independente, no
caso deste estudo representado pelas filmagens, caracteriza-se por ter efeito presumido sobre a
variável dependente, categorias da comunicação não-verbal. Já a variável dependente
constitui-se pelo efeito presumido da variável independente sobre o resultado (LOBIONDOWOOD;
HABER, 2001). Isto aconteceu em quase todas as categorias (p= 0,001), mas não na
subcategoria postura (p= 0,006). No caso de p= 0,001, existe apenas a probabilidade de 1‰
de não ocorrer associação. Quando p= 0,006, significa que há apenas 6 possibilidades em 1.000 de não existir associação.
Quanto ao eixo estabelecido entre a enfermeira e o paciente, a filmagem 3
mostrou: 44,72%, outro ângulo/sociofugo; 29,19%, outro ângulo/sociopeto; 2,98%, face a
face/sociopeto e 3,11%, face a face/sociofugo. É importante observar que na filmagem 3
exatamente 44,20% das análises demonstraram desencorajamento na interação.
Segundo a análise da subcategoria contato observada na filmagem 1, não houve
nenhum contato (79,7%) entre a enfermeira e o paciente. Na filmagem 2 este índice foi maior,
com 90,4% das situações avaliadas. Na filmagem 3 também predominou nenhum contato
(72,4%). A filmagem 4 foi a que apresentou o pior desempenho neste quesito (92,9%). Na
filmagem 5 foi encontrado nenhum contato em 85,6% das observações. Conforme se conclui,
em todas as filmagens em mais de 70% das análises não houve contato entre a enfermeira e o
cego. Na subcategoria gestos ilustradores, estes foram analisados com relação a
complementar ou não a comunicação verbal. A filmagem 1, com 64,6% complementa os
comentários verbais. A 2 correspondeu como complementação da comunicação verbal
(57,5%). Na filmagem 3 muitos gestos não complementaram o verbal (69,4%). A filmagem 4
complementou o verbal (57,7%), enquanto a 5 não complementou (54,9%). Deve-se estar
atento às filmagens 3 e 5. Nelas, mais de 50% dos gestos não enfatizaram o que era dito
oralmente, apesar do cliente não perceber a gestualidade.
Na subcategoria direção do olhar, a filmagem 1 relacionou o olhar da seguinte
forma: no interlocutor (50,2%) e desviado do interlocutor (49,8%). Na filmagem 2 o olhar
estava desviado do interlocutor (56,1%, e também na 3 (64,2%). Da mesma forma, na
filmagem 4, segundo demonstrado, o olhar da enfermeira estava desviado do interlocutor
(61,6%).
6 DISCUSSÃO
De acordo com os dados do último censo demográfico realizado no país (IBGE,
2000), existem atualmente no Brasil aproximadamente 16.644.842 pessoas com leve ou
grande dificuldade permanente de enxergar.
Os cegos, como já são conhecidos, são pessoas que possuem severa limitação
visual. Neste trabalho, gostaria de ressaltar não a sua deficiência, mas a pessoa de cada um.
Como pessoas, também possuem direitos, inclusive o de não serem submetidas a
discriminação em virtude da deficiência. Esses direitos emanam da dignidade e da igualdade
inerentes a qualquer ser humano. Enfatizando-se esse aspecto de igualdade é que têm surgido
os movimentos de inclusão em todo o mundo (FÁVERO, 2004).
Conforme o princípio básico da inclusão, “é preciso tratar desigualmente os
desiguais”. A inclusão preconiza que cabe à sociedade e aos ambientes em geral promover as
adequações necessárias para possibilitar o pleno acesso de quem possui algum tipo de
limitação física, sensorial ou mental. Essas adequações são uma espécie de tratamento
diferenciado para propiciar a igualdade. Deve-se ter cuidado, porém, para tratar de forma
correta essas pessoas, pois, caso contrário, pode haver grave discriminação (Idem, ibidem).
Todos têm direito à educação, saúde, trabalho, lazer, benefícios, acessibilidade,
informação, entre outros. No âmbito da saúde, este é um dos direitos garantidos pela
Constituição Federal Brasileira. Os níveis de saúde da população expressam a organização
social e econômica do país. Este nível é um indicador final das pessoas com deficiência
(Idem, ibidem). Os cegos têm direito a um atendimento especializado também por parte dos
enfermeiros, um dos principais membros da equipe de saúde. Para ser esse atendimento
realmente bem-sucedido, é necessário o enfermeiro desenvolver habilidades específicas de comunicação com o cego. Desse modo, o atendimento à saúde pode ser preservado e
tornado eficaz. Com esta finalidade, o enfermeiro precisa aprofundar seus conhecimentos no
atendimento a este tipo de clientela partindo do desenvolvimento de habilidades
comunicativas para efetivar condutas e intervenções necessárias ao paciente. No amplo
contexto da comunicação, o objeto de discussão ora enfatizado é a comunicação não-verbal.
A comunicação não-verbal, conforme já abordado por diversos autores e
explicitado neste estudo, permite aos indivíduos expressar sentimentos e emoções de si
mesmos de forma direta e tem as funções de complementar, contradizer e substituir a
comunicação verbal (SILVA, 1996).
A expressão desses sinais não-verbais pode ser percebida constantemente, durante
uma relação interpessoal, como ocorre também na consulta de enfermagem. Tornou-se, assim,
imprescindível decodificar esses signos para identificar as barreiras encontradas nas
interações para futuramente criar mecanismos e tornar a comunicação mais efetiva no cuidado
de enfermagem ao paciente cego. Após três meses de treinamento dos juízes, os dados foram analisados. Diante
disto, como mencionado, a expectativa era de concordância em todas as categorias. No
entanto, de acordo com os dados obtidos no estudo e conforme se observa na Tabela 1, houve
discordâncias entre os juízes nas seguintes variáveis do CONVENCE: a categoria Volume da
Voz e as subcategorias gestos emblemáticos, gestos reguladores e abertura ocular.
Pode-se inferir a discordância dos juízes com relação aos gestos emblemáticos,
gestos reguladores e abertura ocular pelo grande número de respostas não observadas durante
as cenas. Já o volume da voz diz respeito a uma resposta mais subjetiva, pois para um juiz a
enfermeira poderia estar falando em tom normal e para outro por meio de sussurro e
vice-versa. Vale ressaltar que o volume da voz sofreu influência, ainda, por ser percebido por
meio da técnica de gravação das consultas e o som variou de acordo com o tipo de ambiente,
visto que as gravações foram realizadas no ambiente real da consulta.
A Tabela 2 mostra uma visão geral das categorias da comunicação não-verbal
partindo do referencial proposto por Hall (1986) com a freqüência absoluta e percentual das 1.131 unidades de interação emitidas pelas enfermeiras em todas as filmagens classificadas
pelos juízes da análise.
De acordo com Hall (1986), as distâncias mantidas entre as pessoas em uma
interação podem variar conforme a cultura e as características das pessoas (sexo, estatura). A
distância considerada ideal para latinos e europeus para se manter um diálogo é diferente.
Quando a distância é muito próxima pode ser vista como uma invasão à intimidade e quando
a distância é excessiva pode ser interpretada como falta de interesse. Nesse sentido, não existe
um limite específico, pois este varia de acordo com a cultura e a posição.
A primeira categoria contemplada na análise da comunicação não-verbal da
enfermeira com o cego foi a Distância Espacial. Nesta categoria, a subcategoria distância
íntima obteve 1.030 (91%) unidades de interações, enquanto a subcategoria distância pessoal
ficou em torno de 89 (7,9%) e em 12 (1,1%) a enfermeira não foi visualizada ou não apareceu
na imagem. De modo geral, ao prestar assistência ao paciente o profissional precisa estar a uma
distância íntima, contudo, sem descuidar do espaço pessoal de cada um. Além disso, deve-se
estar atento aos sinais de defesa, quando possíveis de serem observados. A distância íntima
prevaleceu, também, em virtude do ambiente onde aconteciam as consultas favorecer, tanto ao
profissional quanto ao paciente, adotar quase unicamente esta distância, pois todos os
ambulatórios medem aproximadamente 3m x 2,5m, conforme se observa na figura a seguir.
Figura 1 - Layout do ambulatório de atendimento desenhado pela autora
Como mostra a Figura 1, o espaço favorece a distância íntima. Mas a disposição da
mesa e do mobiliário em geral também pode afetar o relacionamento interpessoal. O
mobiliário interfere na postura das pessoas e pode demonstrar ações de conversação,
cooperação, competição, poder, defesa e ações separadas (SILVA et al., 2000).
A posição da mesa entre o enfermeiro e o paciente demonstra exatamente a ação de
conversação, conforme se observa na Figura 2, de acordo com Silva (1996, p. 84). É
importante ressaltar, ainda, que esta sempre estava cheia de papéis e de materiais de
procedimento durante os atendimentos. Este fato pode interferir na dinâmica da relação
interpessoal, já que a enfermeira se desviava constantemente do cego para alcançar os
materiais dispostos na mesa.
Figura 2 - Ação de conversação.
Adaptação da autora, com base em Silva (1996)
Contudo, especialmente a enfermeira deve procurar manter uma distância que
demonstre interesse (LANDEROS, 2004). Uma atitude capaz de induzir à aproximação
poderá ter grande importância em um primeiro contato, quando a relação enfermeira-paciente
ainda não existe (LEITE; SILVA; SCOCHI, 2004).
Quanto à distância, há dúvida: Se o ambiente não favorecesse essa distância, será
que os enfermeiros ou os pacientes manteriam a mesma distância íntima? Ou escolheriam a
distância pessoal, já que poderia haver outras possibilidades de mudança de posição?
Ao se analisar a subcategoria 2, postura, a sentada obteve 1.112 (98,3%) nas
imagens analisadas, a de pé, 6 (0,5%) e a ausente, 13 (1,2%). Quando emissor e receptor
mantêm a mesma postura significa que ambos estão em sintonia, partilhando do mesmo ritmo,
grau de interesse e movimento. A postura revela, ainda, o tipo de relação estabelecida com o
outro, demonstrando domínio ou submissão, territoriedade dos envolvidos, intensidade do
relacionamento e tentativa de fortalecer o vínculo.
Na consulta de enfermagem a diabéticos, a postura sentada é justificada por ser
uma posição confortável para realizar a anamnese, registrar no prontuário o que está sendo
dito e expresso pelo paciente, fazer o teste de glicemia e verificar a pressão arterial. De acordo
com Landeros (2004), a postura adequada deve manifestar disponibilidade. Neste estudo,
sobressaiu a postura sentada. A posição adotada pelo corpo reflete pensamentos e sentimentos. Como afirma
Hall (1994), os verdadeiros sentimentos da pessoa humana são comunicados por meio da
linguagem do comportamento. Quanto ao eixo/ posição, 645 (57%) relacionavam-se a outro
ângulo, como se pode observar na Tabela 2, 445 (39,3%) na posição face a face, 3 (0,3%), de
costas, e 38 (3,4%) ausente. O eixo/interação diz respeito à posição dos ombros com relação a
outra pessoa. Sociofugo implica desencorajamento da interação e sociopeto denota o
contrário, encorajamento (HALL, 1986). Do total de interações, 892 (78,9%) demonstraram
encorajamento, 203 (18%) desencorajamento e 36 (3,1%) ausentes. Como afirma Silva
(1996), em um ambiente restrito tende-se a olhar menos para o outro. Por isso a posição mais
detectada durante as consultas foram ângulos diferentes entre emissor e receptor.
Na subcategoria 4, denominada contato, para 943 (83,3%) interações não
houve nenhum contato, mas houve 140 (12,4%) tocar localizado ou toque, 19 (1,7%) segurar
demoradamente, 9 (0,8%) roçar acidental, 3 (0,3%) apertar ou apalpar e 17 (1,5%) ausente.
De acordo com Oliveira (2002), o contato do ser humano com o mundo começa pelos
sentidos, que são capazes de transmitir prazer e desprazer.
Entre todos os sentidos, a visão desempenha papel fundamental e
preponderante, sendo responsável por cerca de 80% do que se pode perceber do mundo ao
redor. A audição também exerce função primordial e por ela se captam os sons e ruídos. No
caso dos indivíduos cegos, a audição responde por 75% das suas experiências sensórias. O
olfato, embora seja o sentido menos desenvolvido, é importante na dinâmica de orientação
dos cegos, pois eles diferenciam os ambientes a partir dos odores característicos de cada um
(HALL, 1986). O tato possibilita a percepção precisa das formas e texturas dos objetos que
tocamos. Essa sensação não se limita somente às mãos, mas estende-se ao longo de todo o
corpo humano (OLIVEIRA, 2002). De todas as sensações, a tátil é a que é experimentada de
modo mais pessoal e pode ser definida como uma faculdade que a pele possui de emitir e
detectar sensações. Por ser extraordinariamente desenvolvida, acredita-se ter contribuído no
passado de modo decisivo para a sobrevivência do homem. Segundo Hall (1986), ela ainda continua a desempenhar certo papel nesse aspecto. Os não-videntes, por exemplo, percebem a
luz do dia ou o frescor da noite pelas sensações térmicas.
Na opinião de Castro (2002), o toque pode ter diversos significados tanto para a
enfermeira como para o paciente. O toque utilizado como objeto de humanização da
assistência pode tornar-se fonte de apoio no sentido de minimizar o sofrimento dos pacientes
e criar vínculo afetivo para proporcionar uma melhor forma de cuidado.
Ressalta-se neste estudo que, na rotina da instituição, os pacientes não são
atendidos pela mesma enfermeira, tanto pela demanda de usuários do serviço quanto pelo
reduzido número de profissionais de enfermagem distribuídos para o atendimento aos
diabéticos. Soma-se a este fato, também, o maior número de médicos disponíveis para este
tipo de consultas. Então, a possibilidade do relacionamento enfermeiro-paciente manter um
vínculo afetivo é desafiadora. E quando os indivíduos não se conhecem, conseqüentemente
não possuirão este vínculo. Isto impossibilita qualquer tipo de contato mais pessoal, a
exemplo do toque. Por meio deste, as emoções podem ser melhor manifestadas, pois o toque firme e
seguro vale mais que as palavras (ARAÚJO et al., 2002). A enfermeira precisa estar ciente da
importância deste recurso na humanização do cuidado aos clientes e deve utilizá-lo de modo
eficaz, para evitar torná-lo um ato mecânico, motivo de distanciamento entre enfermeira-paciente e barreira no processo comunicativo.
A categoria 2, Comportamento Social, compreende as seguintes subcategorias:
gestos emblemáticos, gestos ilustradores e gestos reguladores.
Os gestos emblemáticos são culturais, aprendidos e podem expressar diretamente o
que é pronunciado verbalmente. O suporte desses gestos são as várias partes do corpo,
principalmente os membros superiores e a cabeça. Segundo Silva (1996), as características
próprias deste tipo de gestualidade estão presentes nas mais variadas culturas. Nesta pesquisa, o gesto mais observado foi mover as mãos (67,4%), que pode ter vários significados, como
adeus, até breve, raiva. Como afirma Davis (1979), a gesticulação das mãos emerge quando uma pessoa
tem maior dificuldade para se expressar ou quando o esforço para se fazer entender é enorme.
Conforme observado no estudo ora desenvolvido, as enfermeiras gesticularam com as mãos
para poder o cego entender o que estava sendo expresso em suas palavras. Entretanto, como
ele não possui a capacidade visual para perceber esse tipo de comunicação, estas profissionais
precisam estar atentas para explorar outras formas de comunicação.
Os gestos ilustradores são aprendidos por imitação. Acompanham a fala,
enfatizando a palavra ou a frase pronunciada (SILVA, 1996). Esse tipo de gestos refere-se aos
sinais emitidos pelas mãos e braços entre si. De acordo com Davis (1979), pode haver mais de 700.000 sinais diferentes. Segundo revelaram os gestos ilustradores emitidos pelas
enfermeiras, 566 (50%) desses gestos complementaram a comunicação verbal e 510 (45,1%)
não a complementaram.
Os gestos reguladores, como o próprio nome sugere, regulam e mantêm a
comunicação entre as pessoas e orientam o emissor para que ele continue, repita, elabore, e dê
oportunidade ao outro falar (Idem, Ibidem). Com relação a este tipo de gesto, foram
identificados: 582 (51,4%) nenhum contato/ não observado, 273 (24,1%) mover os olhos, 176
(15,6%) meneio de cabeça, 35 (3,1%) olha/ escreve no prontuário, 20 (1,8%) mover o corpo,
10 (0,9%) realiza procedimento e 35 (3,1%) ausente. Conforme Silva (1996), o meneio de
cabeça reforça a fala do outro enquanto o movimento dos olhos na direção da pessoa reforça a
fala, e o desvio inibe. Esses gestos estão na periferia da nossa consciência e, portanto, são
difíceis de se inibir, haja vista que os movimentos corporais são involuntários. O restante do
corpo e seu posicionamento com relação a outras pessoas revelam, principalmente, o que não
está consciente no indivíduo. Após as análises do comportamento como um todo, já descrito, optou-se por
aprofundar o estudo do comportamento e expressões faciais, pois a face é a parte mais exposta
do ser humano e onde as emoções são mais explícitas, e mais claramente demonstradas. De
acordo com Darwin, um dos primeiros estudiosos a estudar a expressão humana, este estudo é difícil em virtude de serem os movimentos, muitas vezes, extremamente sutis e de natureza
efêmera. Segundo ele acreditava, os principais movimentos expressivos dos homens são
inatos ou hereditários, embora, em parte, possam ser modificados pela aprendizagem ou pela
imitação (DARWIN, 2000). Ainda conforme Darwin (2000), algumas expressões podem ser facilmente
reconhecidas, mas cada pessoa pode fazer um juízo diferente em decorrência da capacidade
de imaginação e da forma de agir de cada um. As expressões são mais bem analisadas quando
não são influenciadas pela imaginação. Ademais, os músculos faciais confundem-se bastante,
são muito variáveis na sua estrutura física e dificilmente são iguais em meia dúzia de
indivíduos. Outros estudiosos confirmaram o que Darwin (1872) havia descoberto, ao
estudarem as expressões faciais de crianças cegas e surdas a partir do nascimento, e
observaram o sorriso, o riso, a ira e algumas outras expressões fundamentais, que
demonstraram serem esses comportamentos inatos. Além disso, conforme se acredita, todas as
principais expressões mímicas exibidas pelo homem de diferentes países, do ponto de vista
cultural, possuem importantes semelhanças entre si (BITTI; ZANI, 1997).
A categoria 3, Comportamento Facial, procurou retratar as expressões do rosto das
enfermeiras transmitidas durante as consultas, assim identificadas: em 44,1% não foi
observado, em 13,7% houve atenção, em 8,6% alegria, em 3,2% impaciência/indiferença/desconfiança, em 2,6% perplexidade, em 2% nojo, em 1,2% raiva/medo/tristeza e em 3,8%
ausente. A expressão facial e o contexto no qual ocorre a interação estão inter-relacionados.
Os movimentos expressivos do rosto e do corpo, qualquer que seja sua origem, são por si
mesmos muito importantes para o nosso bem-estar. Eles são o primeiro meio de comunicação
entre a mãe e o bebê, desde o nascimento. O rosto também é tido como o melhor “mentiroso”
da comunicação não-verbal, pois é a área do corpo da qual as pessoas têm mais consciência e
onde as tentativas de controle são mais constantes (SILVA, 1993,1996).
Segundo Darwin (2000), os movimentos do rosto conferem vivacidade e
energia às palavras, revelando pensamentos e intenções melhor do que as próprias palavras.
Diante disto, é necessário os enfermeiros entender, na medida do possível, a fonte ou a origem
das expressões manifestadas constantemente à sua volta, bem como conhecer as próprias
expressões. Desse modo, poderão mais facilmente reconhecê-las no rosto dos pacientes.
Como enfatizado por Silva et al. (2000), o rosto dos pacientes torna-se o principal local a ser
observado pelas enfermeiras. Visualmente, o cego não é capaz de perceber o que o enfermeiro expressa pelo
rosto. O enfermeiro, porém, pode avaliar se sua comunicação com ele é efetiva ao observar
suas expressões faciais. Entretanto, a expressão facial do cego pode ser pobre em termos de
comunicação, já que ele não percebe as expressões do outro. Na opinião de Barczinski
(2001), existe dificuldade em comunicar essas expressões. Mas é por meio dessa compreensão
que se avaliam as reais necessidades do paciente e pode-se programar um plano de ação
individualizado, levando em consideração a pessoa como um todo (SILVA, 1993). Portanto, é
necessário aprofundar o conhecimento em comunicação não-verbal com vistas a um
relacionamento interpessoal eficaz.
Ainda segundo Silva (1989), o olhar também merece destaque na área da face
humana pela variada quantidade de sinais que ele pode emitir. A categoria 4, Código Visual,
possui duas subcategorias: abertura ocular e direção do olhar. O contato visual constitui outra
forma de mostrar interesse e atenção e é considerado a maior fonte de informação do homem.
Por mais importante que seja sua função de coletar informações, é preciso ter cuidado, pois o
poder do olhar é incalculável. Ele pune, encoraja, domina.
O olhar tem a capacidade de retratar as emoções, pois o aumento da dimensão das
pupilas pode traduzir-se em interesse, surpresa, assim como a diminuição pode significar
tristeza, repulsa (HALL, 1986; SILVA, 1996). Conforme Mazza (1998), o olhar pode
significar inúmeras mensagens como interesse, desinteresse, encorajamento, atenção, alegria,
e até definir domínio. Outra importante função do olhar é estabelecer e regular o fluxo da
conversação. Ao manter o olhar sobre o paciente, ele perceberá que há um esforço de
aproximação psicológica. Para alguns pesquisadores, só existe uma base real de comunicação quando duas pessoas se olham diretamente nos olhos (SILVA, 1989). Há, porém, outra
corrente de pensamento segundo a qual é importante evitar os “olhos nos olhos” do cliente
para não constrangê-lo; é melhor olhar entre os olhos por ser considerado menos ameaçador
(LANDEROS, 2004). Nesse estudo, a subcategoria abertura ocular mostrou o seguinte: não
observado/nenhum contato (77,2%, alegria (4,7%), atenção (4,5%), tristeza/apatia/cansaço
(2,5%), surpresa (1,7%), olhos fechados (1,6%) e ausente (7,8%) dos registros.
Segundo Peto (2000), os olhos revelam, muitas vezes, o que está escondido na
alma e podem despertar sentimentos emotivos como amor, simpatia, entusiasmo, cansaço.
A subcategoria direção do olhar registrou: desviado do interlocutor (52,8%),
centrado no interlocutor (44,4%) e ausente (2,8%). Como afirma Leite, Silva e Scochi (2004),
manter contato visual é evitar desviar o olhar com freqüência, o que não significa olhar
fixamente, pois o bom contato sugere interesse em ouvir o outro.
Ainda de acordo com estes autores, desviar o olhar com freqüência sugere
relutância ou desconforto em estar com a pessoa. O olhar um pouco mais intenso demonstra
uma pessoa segura de si, sincera, que interage, ou seja, favorece o aprofundamento da relação
interpessoal. O enfermeiro não pode esperar que o cego reaja a um olhar, pois existe um
obstáculo a impedir esse contato visual, embora não signifique que ele não esteja interagindo
e em harmonia durante o atendimento (BARCZINSKI, 2001). Conforme enfatiza Landeros
(2004), o enfermeiro deve concentrar-se no paciente durante a interação, sem se preocupar em
arrumar papéis, preencher formulários ou dirigir-se a outras pessoas, pois essas atitudes
podem revelar falta de atenção. A quinta categoria contemplada na análise da comunicação não-verbal da
enfermeira com o cego foi o Volume da Voz, resultando em: tom normal (66%), silêncio (32,3%), sussurro (0,3%), grito (0,1%) e ausente (1,3%). O tom da voz e os gestos reforçam o
discurso; são uma das formas mais elaboradas da interação humana (HALL, 1994).
O ato de ouvir o outro é uma atitude de comunicação não-verbal inserida nas
relações interpessoais, essencial para o maior entendimento das pessoas envolvidas no
processo (BRAGA, 2004). Como afirma Oliveira (2002, p. 168), “o homem é muito mais um
ser que fala do que um ser capaz de ouvir”. Ouvir, de forma eficaz, ocorre quando o receptor é
capaz de discernir e compreender o significado da mensagem que está sendo emitida pelo
outro (LINGUAGEM..., 2005). Para Freire (1997), o ato de ensinar e orientar exige que a pessoa aprenda e saiba
escutar. Escutar ativamente constitui uma técnica a ser aprendida e praticada principalmente
pelos profissionais que lidam com o público, nesse estudo, representados pelos enfermeiros
(LINGUAGEM..., 2005). A enfermeira precisa escutar atenta e criticamente o paciente, pois assim estará se
comunicando com ele positivamente. Para ouvir, é necessário ficar em silêncio, demonstrar
interesse e, sobretudo, aprender a controlar sentimentos, emoções e preconceitos (SILVA,
1996). Após comentadas as categorias e suas subcategorias, serão abordados alguns
aspectos relevantes da comunicação não-verbal observados durante as consultas, quando da
filmagem. Esses dados foram também contemplados na Tabela 3, que analisou a associação
das filmagens com as categorias não-verbais.
• FILMAGEM 1
Conforme é possível perceber nessa filmagem, a distância entre a enfermeira e a
paciente demonstrou interesse. Ressalta-se, porém, a falta de habilidade da enfermeira no
início da consulta quando disse claramente que não iria atender a paciente. O motivo alegado foi a paciente ter se alimentado dez minutos antes do atendimento, haja vista o teste de
glicemia não poder ser realizado em tal circunstância.
A acompanhante da paciente justificou que já estava no horário da alimentação e,
como não sabia que esta iria ser atendida em poucos minutos, ofereceu o lanche. É importante
observar, também, que é rotina da instituição orientar os usuários a se alimentarem nos
horários adequados para evitar os episódios de hipoglicemia.
Após a explicação da acompanhante, a enfermeira verbalizou que continuaria o
atendimento, e deixaria o teste de glicemia para o final da consulta.
Esse imprevisto ocorrido no início do atendimento gerou constrangimento e
bloqueou a comunicação enfermeira-paciente, prejudicando, assim, o relacionamento
interpessoal entre ambas. De acordo com Powell e Brady (1994), qualquer comportamento
que estabeleça uma barreira entre o falante e o ouvinte é um bloqueio de comunicação. No
caso mencionado, este bloqueio pode estar relacionado, também, a uma atitude da enfermeira
em recusar a realização da consulta por receio ou inibição em virtude de estar sendo filmada.
A filmagem foi, então, interrompida e a pesquisadora questionou se a profissional queria
desistir de participar. Todavia, esta manifestou interesse em continuar e encontrou meios
favoráveis à situação. Tal tipo de barreira deve ser evitado. Para isso, é necessário,
primeiramente, ouvir o paciente. Saber qual seria sua explicação por ter se alimentado, em vez
de simplesmente se recusar a atender.
Ao analisar o ambiente da sala, percebeu-se o barulho em vários momentos
durante a realização da consulta. Deve-se ter em mente que o ambiente é um importante fator
a ser tratado quando está relacionado à comunicação entre as pessoas. O local deve favorecer
a comunicação e não acarretar barreiras e dificuldades passíveis de comprometer o diálogo
sério e intencional do profissional. Como afirma Benjamin (1994), o ambiente não deve
parecer ameaçador, barulhento nem provocar distrações.
Com relação ao contato entre ambas, como mostra a Tabela 3, este não existiu
(79,7%). Tal fato pode ser justificado porque a maioria das pessoas evita tocar em estranhos, pois os indivíduos parecem ter reações negativas quando se encontram em condições térmicas
não familiares (HALL, 1986). Enfatiza-se, entretanto, a importância do toque, já que a
paciente não possui o canal visual para se comunicar e o mais leve toque pode dizer algo,
expressar um calor impossível de ser transmitido por palavras (POWELL; BRADY, 1994).
Ao se observar a direção do olhar, percebe-se que a enfermeira manteve o olhar na
paciente (50,2%) ou desviado dela (49,8%). De acordo com Landeros (2004), o enfermeiro
deve concentrar-se essencialmente no paciente durante o tempo da interação, sem se
preocupar em organizar papéis, preencher formulários ou se dirigir a outras pessoas. Tais
atitudes podem ser interpretadas como falta de atenção.
• FILMAGEM 2
Conforme visto, o ambiente deve proporcionar um local propício à comunicação e
favorável ao desenvolvimento da consulta. Em determinado instante, no desenrolar da
conversação entre enfermeira-paciente, o telefone da filha da paciente tocou e ela permaneceu
falando ao telefone por cerca de dois minutos. Enquanto isso, a enfermeira continuou a
consulta, mas o barulho ocasionado tornou-se uma barreira no processo de comunicação.
Deve-se estar atenta às questões externas do ambiente como interferências e
interrupções, pois esses acontecimentos só servem para prejudicar o andamento da entrevista.
Segundo alerta Benjamim (1994), chamadas telefônicas, batidas à porta, secretárias que
interrompem a conversa, podem destruir em segundos aquilo que enfermeiro e paciente
tentaram criar num tempo considerável.
Durante o atendimento observou-se nenhum contato (90,4%). Mesmo quando
aconteceu o toque, estava relacionado ao exame físico da paciente. O toque instrumental é
aquele que ocorre quando se realizam os procedimentos técnicos para alterar os padrões
fisiológicos e observar os sinais manifestados pelo corpo (MAZZA, 1998).
Cabe enfatizar, porém, que o ato do enfermeiro tocar de forma expressiva, genuína
e sincera pode exprimir cuidados e apoio ao paciente e à sua família. Inserir esta forma de
cuidado em sua assistência é importante para desenvolver habilidades próprias, inerentes ao
processo de comunicação (CASTRO, 2002.
Quanto aos gestos da enfermeira, não complementaram a comunicação verbal
(42,4%). Este dado revela que os gestos não são usados de forma consciente ou não são
conhecidos por parte da enfermeira. A gestualidade é intrínseca à comunicação e o
profissional deve aprofundar seus conhecimentos neste campo de estudo para tornar a
comunicação eficaz. No referente ao olhar, permaneceu desviado do interlocutor (56,1%) durante o
atendimento, mas, como já abordado por diversos autores, deve-se evitar os olhos fixos. Isto,
no entanto, não significa não olhar para o outro de forma alguma. A direção do olhar da
pessoa indica o objeto da sua atenção. Tal atitude observada nessa filmagem pode ser
decorrente do desconforto da enfermeira diante de uma pessoa cega, cujo comportamento
ocular proporciona poucos indícios de suas intenções (DAVIS, 1979).
O rosto é a parte do corpo humano que mais comumente se olha quando se
estabelece uma relação interpessoal. A expressão do rosto é mais fácil de se observar. Por
meio dela surgem muitas interpretações (LINGUAGEM..., 2005). A enfermeira pode ter
desviado o seu olhar do paciente apenas porque ele não olhava para ela, ou porque estava com
os olhos voltados para outra direção. Outro motivo seria a pouca expressividade percebida no
rosto do paciente. Segundo exposto em Darwin (2000), os cegos congênitos possuem as expressões
inatas inerentes à pessoa cega, assim como a vidente, desde o nascimento. Como exemplo de
aquisição natural dessa habilidade tem-se o sorriso, a expressão de choro, entre outras
observadas pelo pesquisador. Esses tipos de gestos não são apreendidos pela assimilação da
imagem mental, ou por imitação. Já os pacientes com cegueira adquirida, como são caracterizados todos os que
fizeram parte dessa pesquisa, podem possuir resquícios de expressões faciais aprendidas
quando sua capacidade visual era normal. Podem, ainda, não possuir mais esta habilidade de
expressão como as pessoas videntes, em decorrência da perda da facilidade da comunicação
corporal, uma vez que estão impossibilitados de perceber as reações da pessoa que fala
(BARCZINSKI, 2001). Devido ao comprometimento visual da paciente, a fala é um componente a ser
bastante explorado pelo profissional. Durante a consulta, observou-se atitude de silêncio
(46%) da enfermeira. Evidentemente o silêncio também tem significado, pois ele pode
enfatizar um desentendimento, ser neutro, conter empatia, ser resultado de uma confusão,
entre outros (BENJAMIN, 1994). O silêncio também pode significar o ato de escutar o que o
outro tem a falar. A enfermeira deve, portanto, estar atenta a isso e propiciar a ocorrência
desses momentos na relação enfermeira-paciente.
• FILMAGEM 3
Nessa consulta, segundo informações colhidas pela pesquisadora após o
consentimento do paciente em participar do estudo, este ficara cego há dois meses.
Em nenhum momento a enfermeira perguntou acerca da cegueira. Tal fato pode
estar relacionado à posição adotada pelo paciente e observado na análise de cada cena. A
postura relaciona-se, intrinsecamente, ao modo do ser humano estar no mundo, revelando suas
atitudes psicológicas, como receber e selecionar estímulos, avaliar e responder a situações
(PETO, 2000). A postura adotada pelo paciente era sempre cabisbaixa, tristonha, apática.
Com esse exemplo, pode-se perceber o quanto a postura “fala” por meio do corpo.
Ao analisar esse comportamento, percebe-se que a enfermeira não conseguiu
captar a mensagem não-verbal emitida pelo paciente ou esquivou-se de comentá-la com ele.
As expressões do rosto podem ocorrer em todas as pessoas, mas o seu significado pode variar de uma cultura para outra (DAVIS, 1979). São sinais de grande importância porque é pelo
rosto que as emoções são detectadas.
Na opinião de Peto (2000), as expressões do corpo acompanhadas de seus ritmos
podem induzir os enfermeiros a compreender o mundo desconhecido da comunicação não-verbal do paciente. Conforme Silva (1993), os movimentos e expressões corporais assim
como as disposições do indivíduo no espaço retratam mensagens e representam formas de
comunicação. Durante o atendimento observou-se, ainda, o barulho, constituindo uma barreira de
comunicação, como abordado anteriormente. É preciso garantir ao paciente todos os seus
direitos. Ele exige respeito e esta é uma forma de se obter a cooperação necessária para um
bom andamento da interação (BENJAMIN, 1994).
Outro fato percebido diz respeito ao eixo da enfermeira. Ela adotou outro ângulo/sociofugo (44,72%) na maior parte do atendimento. O eixo é avaliado pela relação dos
ombros entre as pessoas do diálogo. Segundo revela o eixo sociofugo, houve
desencorajamento na interação (HALL, 1986). Essa conduta pode estar relacionada à
dificuldade encontrada pela enfermeira em face da limitação visual do cliente ou até pela
própria filmagem constituir-se um fator de constrangimento e inibição.
Com relação aos gestos ilustradores, não houve complementação da linguagem
verbal (69,4%) pela enfermeira. Portanto, torna-se imprescindível o estudo da comunicação
não-verbal por parte das enfermeiras como uma maneira de se conseguir detectar as
necessidades do paciente, especialmente quando este possui algum tipo de limitação sensória
(SILVA, 1989). Durante a comunicação com o paciente, o olhar da enfermeira manteve-se
desviado do interlocutor (64,2%). O olhar atua, também, como controle do nível de atenção
de uma pessoa, ainda que esta não seja capaz de perceber. Na interação, o enfermeiro deve-se
mostrar interessado. O olhar sobre o paciente facilitará a concretização dessa intenção na
consulta de enfermagem. O motivo para a enfermeira desviar o olhar talvez tenha sido a não percepção deste pelo cego, gerando, assim, falta de interesse em manter sua atenção voltada
para ele. Em todo o atendimento houve, ainda, situações de silêncio (54,4%). O silêncio é
considerado uma das formas de comunicação terapêutica a ser utilizada de modo adequado
como já justificado, e também abordado por Leite, Silva e Scochi (2004). O silêncio pode
significar que o profissional decidiu não dizer nada, considerando isso como a atitude mais
útil a ser adotada naquele momento.
• FILMAGEM 4
Nessa filmagem observou-se, durante vários momentos no atendimento, que a
conversa continuava enquanto a enfermeira organizava papéis, materiais de procedimento e
outros detalhes ao redor da sua mesa. Conforme Stefanelli (1993), o principal foco de atenção
do enfermeiro deve ser o paciente e para isso é necessário saber ouvir. Saber ouvir é condição
essencial para que a comunicação seja, de fato, efetiva.
Ouvir exige, antes de qualquer coisa, se estar despreocupado para se poder dar
atenção plena. Ouvir também implica escutar o modo como as coisas são ditas, o tom usado,
as expressões, os gestos empregados (BENJAMIN, 1994). Para ouvir, a enfermeira precisa
perceber o que não está sendo dito verbalmente, o que está oculto. Como relata Benjamin
(1994, p.68), “ouvimos com os ouvidos, mas escutamos também com os nossos olhos,
coração, mente e vísceras”. Durante o atendimento, percebeu-se o barulho provocado pelo toque do telefone
na sala ao lado, causando interrupções à conversação com o paciente. Alguns fatores
ambientais interferem na relação humana. Entre estes mencionam-se: mobiliário, estilo
arquitetônico, decoração de interiores, condições de iluminação, cores, temperatura e ruídos
adicionais ou música (PAEGLE; SILVA, 2005). Antes de iniciar o atendimento, o
profissional precisa organizar devidamente o ambiente a fim de minimizar essas interrupções, e promover uma comunicação terapêutica. Nesse caso, por exemplo, o telefone tocou na sala
vizinha, mas não deveria ser audível no local da consulta, pois atrapalhou o andamento e a
continuidade desta. Diante disto, após o encerramento do atendimento, a enfermeira deveria
se dirigir à sala e sugerir a diminuição do volume do aparelho para evitar esse
constrangimento em outro momento.
Com relação ao contato estabelecido nessa interação, a maior quantidade de
registro foi nenhum contato (92,9%). Como afirma Barczinski (2001), o paciente que possui
uma deficiência visual, como a cegueira, necessita ser tocado para perceber e entender o que
está sendo expresso pelas palavras.
O trabalho com o paciente cego exige interações especiais inerentes ao
relacionamento do profissional com ele. Por exemplo, o tocar e ser tocado (BARCZINSKI,
2001). Com base nessas informações, o enfermeiro precisa avaliar constantemente suas
experiências com este tipo de clientela e reavaliar suas condutas.
Ainda conforme percebeu-se, o olhar da enfermeira foi desviado do interlocutor
(61,6%), o que pode revelar desinteresse e falta de atenção para com o paciente. Ao se
analisar esta conduta no ângulo da enfermeira, pode-se justificá-la por sua dificuldade em
lidar com uma pessoa impossibilitada de olhar para ela, ou até por não conseguir perceber que o cego é capaz de emitir outras formas de expressões não visuais.
• FILMAGEM 5
No começo desse atendimento, em virtude da presença de duas alunas da
graduação, a enfermeira iniciou a consulta explicando para ambas, e também para a
acompanhante, o significado de neuropatia. Essa intervenção com relação às alunas acontece
apenas nesse momento e por isso a filmagem não foi invalidada, já que o objeto deste estudo é o enfermeiro e o cego.
Depois, a enfermeira dirigiu-se ao paciente utilizando termos técnicos. Para haver
uma comunicação terapêutica, deve-se evitar formas ambíguas de comunicação como o uso
de uma linguagem inacessível (SILVA, 1993). O enfermeiro deve ser um agente facilitador do
processo de comunicação com o cego.
Conforme observado nas outras filmagens, essa consulta também foi interrompida,
no caso, com a entrada de uma secretária solicitando informação à enfermeira. Uma
interrupção é capaz de criar um grande obstáculo à comunicação, pois pode barrar o fluxo da
conversa. A fim de evitar esses tipos de interrupções e, conseqüentemente, minimizar as
barreiras comunicativas, alguns entrevistadores sugerem colocar avisos na porta como, por
exemplo, “favor não perturbar”. Apesar de ser útil, essa atitude poderá inibir o próximo
paciente ou torná-lo ansioso. Desse modo, é necessário mesmo comunicar e solicitar à equipe
não interferir durante as consultas (BENJAMIN, 1994).
O contato ou toque também se mostrou quase totalmente inexistente (85,6%).
Desde o nascimento do ser humano, o contato é essencial. Os recém-nascidos que não
recebem esse tipo de afeição física geralmente adoecem e morrem. Como afirmam Powell e
Brady (1994), o toque é um dos meios mais poderosos e primordiais da comunicação humana.
Entretanto, algumas pessoas se sentem ameaçadas pelo contato, pois o consideram uma
invasão do espaço e da privacidade pessoal. Na interação com a clientela cega, o enfermeiro
deve valorizar o ato de tocar como um aspecto que revela a qualidade dos cuidados prestados
e transmite simpatia, conforto e aceitação (LEITE; SILVA; SCOCHI, 2004).
Além de proporcionar cuidado físico ao paciente, o toque humano pode expressar
mais do que qualquer discurso. Em sua prática assistencial, o enfermeiro precisa aprender a
usar o toque consciente, respeitando-se o contexto cultural e a situação na qual ele ocorre.
Deverá, também, perceber as reações emocionais que o toque provoca nos cegos.
Dessa maneira, a relação interpessoal com o cego tornar-se-á mais humanizada. A
utilização do toque e a atenção para o enfoque da comunicação não-verbal de si e do paciente
são instrumentos eficazes para sua compreensão nas interações.
Durante o processo comunicativo, é importante ressaltar, ainda, que os gestos
utilizados pela enfermeira não complementaram a comunicação verbal (54,9%). Evidencia-se
com esses dados a falta de habilidade da enfermeira em emitir, receber e perceber sinais não-verbais. Faz-se necessário, portanto, o profissional destacar a importância da comunicação não-verbal bem como seu interesse em estudar o aspecto da expressividade humana.
O enfermeiro precisa se conscientizar sobre a influência da comunicação não-verbal, percebê-la como fundamental na interação humana e torná-la uma forma eficaz nas
relações interpessoais. Emitir, receber e perceber a comunicação não-verbal são processos
independentes, que ocorrem sem se ter, na maioria destes comportamentos, consciência do
que está acontecendo, ou de sua causa. Esses processos são naturais, mas podem-se tornar
habilidades (MESQUITA, 1997). Conhecimentos teóricos sobre comunicação não-verbal
podem, ainda, estar intimamente relacionados à atuação profissional do enfermeiro na
sociedade.
7 CONCLUSÃO
Conforme se observou no estudo, a comunicação não-verbal demonstrou mais
fidedignamente as intenções, sentimentos, expressões e ações que permeiam as relações
entre as pessoas. Os resultados obtidos com este estudo, cujos objetivos foram analisar a
comunicação não-verbal do enfermeiro com o cego durante a consulta de enfermagem; testar o índice de confiabilidade entre os juízes da análise da comunicação não-verbal; classificar os
sinais não-verbais, segundo o referencial de Hall (1986); verificar a associação entre as
filmagens e os fatores de comunicação não-verbal; e identificar as barreiras desse processo,
permitiram chegar às seguintes conclusões:
Para validar as categorias do CONVENCE, verificou-se o índice de concordância
entre os juízes da análise de dados. De acordo com esta verificação, a categoria que obteve a
confiabilidade entre os juízes foi Comportamento Facial e as subcategorias foram: distância,
postura, eixo, contato, gestos ilustradores e direção do olhar.
Quanto às discordâncias entre os juízes, se relacionaram à categoria Volume da
Voz e às subcategorias gestos emblemáticos, gestos reguladores e abertura ocular. Pode-se
inferir a não concordância dessas variáveis nos gestos emblemáticos, reguladores e abertura
ocular pelo grande número de respostas não observadas durante as cenas. Já o volume da voz
diz respeito a uma resposta mais subjetiva, pois para um juíz a enfermeira poderia estar
falando em tom normal e para outro poderia significar sussurro e vice-versa.
Após a classificação dos sinais não-verbais, chegou-se ao total de 1.131 imagens
analisadas de acordo com o CONVENCE e segundo o referencial proposto por Hall (1986).
Na relação enfermeira-paciente, a distância íntima prevaleceu pelo fato do
ambiente onde aconteciam as consultas favorecer, tanto ao profissional quanto ao paciente,
adotar quase unicamente esta distância. Quanto à postura, a sentada obteve 98,3% do total de
imagens analisadas. No referente ao contato, conforme observou-se em todas as filmagens, em mais de
70% das análises não houve contato entre a enfermeira e o cego. Embora timidamente, as
enfermeiras tentaram explorar o toque para o paciente poder compreender o que estava sendo
abordado durante a consulta ou, ainda, se dirigiram ao acompanhante dele para fazê-lo
compreender o que estava sendo explicitado.
Com este estudo percebeu-se, ainda, o quanto as enfermeiras gesticularam com as
mãos na tentativa de se fazerem entender pelo cego. Porém, como ele não possui a capacidade
visual para decodificar esse tipo de mensagem, esses profissionais precisam estar atentos para
explorar outras formas de comunicação.
O enfermeiro precisa estar ciente da importância do toque na humanização do
cuidado aos pacientes a fim de que a utilização ineficaz deste recurso não se torne um ato
mecânico, motivo de distanciamento entre enfermeiro-paciente e barreira no processo
comunicativo. O contato visual corresponde a outra forma de mostrar interesse e atenção e é
considerado a maior fonte de informação do homem. Embora o cego não seja capaz de
perceber visualmente as expressões do enfermeiro por meio do rosto, este pode avaliar se sua
comunicação com o cego é efetiva pelas expressões faciais por ele manifestadas.
Quanto à expressão facial do cego, esta pode ser pobre em termos de comunicação,
pois, em virtude da cegueira, ele não percebe as expressões do outro. Estas expressões,
portanto, podem ser quase inexistentes. Outras vezes, estes pacientes podem exteriorizar
outros tipos de gestos para manifestar sentimentos e emoções. Diante disto, faz-se necessário
resgatar a comunicação não-verbal emitida pelos enfermeiros e pacientes cegos para
desenvolver a competência interpessoal.
Ainda conforme notou-se, as enfermeiras desviaram o olhar do paciente. O motivo
dessa atitude talvez seja explicado pela não correspondência deste olhar pelo cego, gerando,
assim, falta de interesse em manter a comunicação voltada para ele.
De acordo com a análise estatística da Tabela 3, houve dependência, melhor
dizendo, houve associação das respostas pelas filmagens, podendo se inferir também que as
categorias foram influenciadas por cada filmagem.
Em todas as filmagens, observaram-se interferências consideráveis, como toque do
telefone, entrada de pessoas durante a consulta e barulho, no momento da interação
enfermeira-paciente. Esses fatos foram interpretados como barreiras à comunicação, pois
prejudicaram a andamento do atendimento. Ao mesmo tempo, evidenciaram a real condição
em que são realizadas as consultas de enfermagem.
Com base nestes dados, pode-se concluir que o enfermeiro precisa conhecer e
aprofundar os estudos sobre as teorias de comunicação não-verbal e adequar o seu uso ao tipo
de clientela assistida durante as consultas.
Propõe-se que esses profissionais avaliem o seu comportamento, seus gestos e
atitudes, enfim, sua comunicação não-verbal para as intervenções serem eficazes no caso do
paciente com cegueira. Sugere-se, ainda, que o enfermeiro aprofunde seus conhecimentos sobre o
comportamento do cego a fim de decodificar os sinais não-verbais por ele emitidos, pois estes
podem ser expressos de maneira diferente da usada por uma pessoa que enxerga
normalmente. É necessário, portanto, serem elaborados mais estudos nesse sentido para poder o
enfermeiro se tornar um comunicador eficiente na interação com o cego.
Sobre a técnica de filmagem, gostaria de tecer algumas considerações. A técnica
de filmagem utilizada na coleta de dados constituiu-se como importante ferramenta para
analisar a comunicação não-verbal emitida pela enfermeira durante a consulta, registrando
aspectos relevantes e que poderiam ser perdidos caso não se utilizasse essa técnica. Podem-se
enumerar, ainda, algumas vantagens e desvantagens relacionadas ao uso da câmera filmadora.
Estas vantagens são as seguintes:
A filmagem fornece uma retrospectiva real do que foi trabalhado na consulta e
pode ser revista a qualquer momento da pesquisa; pode documentar provas irrefutáveis da
comunicação verbal e não-verbal ocorrida na consulta; ser um registro fidedigno. Além disso,
possibilita ao profissional enriquecer seus conhecimentos ao rever atitudes tomadas de forma
inadequada mediante reflexão sobre tais atitudes.
Com relação às desvantagens, mencionam-se: a interação paciente-enfermeiro,
quando registrada por aparelhos ou observada, poderá sofrer interferências e alterar os
fenômenos; outras vezes pode causar resistência do enfermeiro em face do uso da filmagem
devido à sua exposição perante seus colegas de trabalho e outros enfermeiros.
Por fim, com a análise das características da comunicação não-verbal entre o
enfermeiro e o cego, espera-se poder contribuir, de alguma forma, para tornar esta
comunicação mais eficaz. Se o estudo ora apresentado alcançar esta finalidade, será muito
gratificante e o mestrado terá valido a pena.
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ϟ
Características da comunicação não-verbal entre o enfermeiro e o cego
autora:
Cristiana Brasil de Almeida,
2005
Dissertação de Mestrado do
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
Orientadora: Profa. Dra. Lorita M. F. Pagliuca
Área Temática: Saúde Ocular
Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, FORTALEZA
29.Jul.2011
publicado
por
MJA
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