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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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Composições do Não Ver: Contando Histórias

Camila Alves, Carolina Manso, Josselem Oliveira, Julia Neves, Liz Eliodoraz, Luciana Franco, Thadeu Gonçalves, Vandré Vitorino & Marcia Moraes

Blind man sitting in interior - pencil - Van Gogh
Homem cego sentado em interior - Van Gogh (lápis)

 

1) Prefácio – Palavras em movimento

O som do motor ao girar das chaves anuncia uma nova corrida: pé no acelerador, mão na marcha, carro na pista. Nosso motorista é Candeia 1, que passa as horas do dia atrás do volante, levando todo tipo de gente pelas ruas da cidade. Todos na praça o conhecem, famoso por suas piadas e sambas de final de semana. Seu corpo, já de idade, não é mais tão fiel à cadência da música, mas ainda arrisca bordejos pelo salão. Lembra de quando serviu ao exército, época em que marchava, pulava e rastejava. “Bons tempos aqueles” 2, lembrava Candeia. Hoje, sente as dores que insistem em acompanhar o avançar da idade, deixando apenas às boas lembranças a destreza do corpo juvenil.

Quilômetros rodados, sobe rua, desce ladeira, cuidado com a lombada, sinal fechado, hora de parar. Um passageiro faz sinal.

Pelo caminho, Candeia conversa para passar o tempo. Há quem diga que um dia ele acabará se perdendo por causa das longas histórias. Grande engano! O balançar do ônibus faz seu corpo se engajar no movimento das ruas, indicando que a curva mais acentuada é a da padaria do Seu João e que a lombada fica à beira da grande avenida. Já não se sabe se o carro movimenta o corpo ou se o corpo movimenta o carro.

A narrativa que apresentamos neste artigo é fruto do Projeto de Pesquisa e Extensão Perceber sem Ver 3, cujo objetivo é seguir as pistas dos arranjos singulares atravessados pelo ficar cego.

Abordamos a cegueira não como um conceito extraído da medicina ou referenciado à noção de déficit ou incapacidade. Procuramos acompanhá-la na história de cada sujeito, nos diferentes modos de ordenamento 4, muitas vezes fluidos, outras vezes enrijecidos, que aparecem quando seguimos as narrativas de quem passa por essa experiência. Esse formato de apresentação do trabalho procurou também aí sua inspiração: a produção de conhecimento na pesquisa se faz a partir de um processo local, situado, que consiste em seguir as narrativas daqueles que perderam a visão (Law e Mol, 1995, Law, 1999). Neste enfoque, afirmamos que, nas práticas cotidianas singulares, as concepções de cegueira são feitas, refeitas, reordenadas (Martins, 2006a). Isso não significa ignorar o fato da ausência ou diminuição da função visual, mas sim entender que as práticas cotidianas fazem existir diversas concepções de cegueira, o que nos permite seguir as invenções e criações do estar cego, longe de qualquer viés essencialista, fatalista.

Percebemos, ao longo dos anos de pesquisa, que a deficiência visual não é homogênea, nem em seus graus, nem na forma como é vivenciada. Acompanhamos histórias em que a cegueira esteve firmemente atrelada a uma ideia incapacitante, outras em que representou a possibilidade de vida e ainda as que passaram de uma condição para a outra. Começamos então a percorrer as múltiplas falas produzidas sobre a cegueira, e uma delas estará atravessando o presente trabalho. Importante lembrar que a narrativa tem o foco em um personagem, mas que a composição da escrita, das intervenções, das mudanças de lugar e das reverberações dependem e são sempre parte de uma rede que não tem centro nem oferece lugar privilegiado a nenhum de seus atores. Quando usamos a noção de rede, referimo-nos a uma composição formada por séries de elementos animados e inanimados, conectados e agenciados. Ela se define pelas conexões que estabelece. As entidades que a compõem, sejam naturais ou sociais, podem, a qualquer momento, redefinir sua identidade e suas mútuas relações, trazendo novos elementos e organizações (Latour, 1994; Moraes, 2004). Nosso trabalho discorre sobre as muitas conexões que marcam o processo do cegar tal como narrado através de Candeia.

Também importa aqui dedicar uma breve apresentação àquele que inaugura esse artigo.

Candeia tem setenta e cinco anos, dos quais trinta e seis passou percorrendo as ruas da cidade do Rio de Janeiro como motorista de ônibus. Há cerca de três anos perdeu a visão completamente e, há pouco mais de um, participa do trabalho que realizamos no Instituto Benjamin Constant (IBC) 5. Neste período, estivemos acompanhando sua história e as composições que pôde criar a partir dos encontros conosco, com os outros participantes e com as intervenções do trabalho. Faremos um recorte, traduzido nas narrativas, onde iremos percorrer algumas pistas que ele trazia sobre a formulação de novos arranjos em sua vida.

O ato de compor indica formar algo a partir de outros elementos, criar, arranjar. Não podemos deixar de falar sobre a importância do corpo nesse processo. Ele é a via primeira de contato com o mundo, qualquer que seja a qualidade desse vínculo.

Somos também compostos por essa materialidade que talvez tenha ficado esquecida ou considerada menor pela afirmação cartesiana.

Na tradição fundada a partir do pensamento cartesiano, o corpo ocupa o lugar de um puro mecanismo, isento de intenções e desejos (Chauí, 1998). Para qualquer que seja nossa intervenção no mundo, dependemos de aparatos materiais, seja o próprio corpo, seja o outro, sejam instrumentos diversos. A materialidade não é tomada aqui no sentido de um objeto passivo e completamente estranho; ela importa na medida em que é relacional (Law e Mol, 1995). São os atores humanos e não humanos compondo a rede.

A história de Candeia não seria diferente. O ônibus foi um dos aparatos que tanta vivacidade trazia a seu cotidiano. Por tanto tempo esteve acomodado na poltrona do motorista que ambos já compunham uma mesma força na condução do veículo. Como nos disse Serres (2004), o corpo se constrói no e a partir do encontro – o encontro com o carro, com as ruas, com as pessoas. É no espaço do entre que acontece um encontro, não sendo possível definir o que é um e o que é outro. Nesta perspectiva, o corpo é compreendido como efeito, e não como essência ou substância. Assim, o corpo e o meio estabelecem uma relação de co-variação. O corpo 6 se transforma na medida em que é afetado pelo mundo e, reciprocamente, afeta e transforma seu entorno (Latour, 1999).
 

2) Sofá – estagnação do verbo

Após o longo dia de trabalho, a noite cai e traz consigo a hora do samba de roda. Embalado pelo som de pandeiros e tamborins, Candeia ocupa todo o salão rodopiando sua companheira Amélia. Quando tocou a última nota de Ainda é cedo, de Cartola, uma escuridão tomou conta do salão. “Foi no último gole da cerveja.

Tomei o último gole e tudo ficou escuro, depois voltou. Mal sabia que aquele era o início da minha cegueira”. Com o passar do tempo, a luz não voltou, mas o samba continuou. Candeia deixou de dançar.

Seu corpo parou. O que era apenas um repouso do cansaço do dia vira agora um modo de vida, um modo que se confunde com a imobilidade do sofá. Candeia não quer se levantar de lá, tem medo, está triste. Para ele, a surpreendente cegueira começa a se tornar sinônimo de imobilidade: se não pode dirigir, também não pode se mover. A cegueira é recebida na sala de casa, enraizando seu corpo no sofá e imprimindo-lhe suas marcas. A falta de movimento faz com que suas pernas, já envelhecidas e cansadas, fiquem sem força e equilíbrio. Um círculo vicioso se instala: quanto menos Candeia se movimenta, menor é sua capacidade de se mover. Não quer mais levantar, tem dificuldades de achar o caminho do banheiro e da cozinha, tem vontade de esbravejar, de reclamar, de acusar. Mas com quem? Quem seria o culpado de sua cegueira? “Candeia não sai do sofá, fica o dia inteiro lá parado, não levanta para nada, me pede tudo, até um copo de água!”, reclama sua esposa Amélia." Através de nossas investigações, compreendemos que a ligação entre cegueira e deficiência é uma produção histórica engendrada por discursos e práticas (Martins, 2006a, Belarmino, 2004).

Atualmente, a concepção da deficiência como um desvio ou um déficit incapacitante se atualiza em muitos momentos da vida cotidiana e se configura como uma grande barreira na vida daqueles que se tornam cegos e de seus familiares. O território construído em torno da cegueira foi sendo produzido como se o fato de se tornar cego fosse, por si só, incapacitante. Candeia, ao se deparar com a recente cegueira, remonta em seu corpo a ligação entre cegueira e deficiência tão difundida historicamente.

Fundamentado em uma leitura foucaultiana acerca da loucura, Martins (2006a, 2006b, 2006c) afirma que, na modernidade iluminista, as configurações de saber acerca da cegueira estão calcadas na concepção de deficiência visual, isto é, na concepção de que a ausência de uma função sensorial é um desvio, uma patologia em relação a uma norma corporal. Assim, o autor salienta que a marginalização da cegueira na modernidade vai ser investida por uma certa forma de poder que se funda “nos efeitos positivos que engendra, na sua capacidade de emanar saberes e fazer proliferar discursos, produzindo realidade” (Martins, 2006a, p. 79). São os discursos da biomedicina que se apropriam da cegueira fazendo existir uma concepção de cegueira como desvio, tragédia e infortúnio frente a uma normalidade corporal almejada. Tal concepção de cegueira marca o pensamento ocidental moderno e, segundo Martins (2006a, 2006b), torna-se hegemônica. Nesta concepção, a prática e o discurso médicos sobrecodificam a cegueira, obliterando as reflexividades e normatividades das pessoas com deficiência visual.

Desafiando esta concepção hegemônica de cegueira, o século XX vê surgir uma série de movimentos sociais de pessoas com deficiências que lutam para afirmar que a deficiência é um efeito de condições sociais excludentes. Em outras palavras, na perspectiva de tais movimentos sociais, a ausência de uma função sensorial como a visão não é, em si, patológica ou anormal; a deficiência é um sentimento que decorre de condições sociais incapacitantes porque inacessíveis. Em inglês, as palavras impairment e disability 7 demarcam esta distinção. Impairment indica a ausência de parte ou totalidade de um membro, ou a existência de um membro, órgão ou mecanismo corporal defeituoso.

Já disability indica desvantagem ou restrição da atividade causada por uma organização social excludente, não acessível. Disability é um efeito da opressão social (Martins, 2006a).

Os anos pós-guerra são marcados por esta outra concepção de deficiência. A questão que se faz pertinente é a de reabilitar, inserir socialmente as pessoas com deficiência. O que está em jogo neste cenário é que a noção de deficiência passa a estar articulada não a uma falta corporal, biológica, mas a um processo de exclusão social que deve ser revertido. Tal movimento coloca em cena outros atores e a deficiência passa a ser tematizada como uma questão de direitos humanos, de acesso à informação, ao trabalho, à educação plena.

Merece destaque que, quando apresentamos tais concepções de deficiência, não pretendemos sublinhar uma evolução de uma concepção a outra, mas sim indicar que a noção de deficiência é construída em certos arranjos político-sociais. E mais, importa salientar que estas concepções de deficiência e de cegueira, convivem, se entrelaçam, se articulam, sem que uma supere a outra.

O que se pode notar neste cenário é que as concepções de cegueira articulam-se entre aquelas biologizantes, e que portanto naturalizam e despolitizam a questão da deficiência, e aquelas que investem na concepção de cegueira e de deficiência como efeito de um contexto social opressor e marginalizante.
 

3) Sumário – cada coisa em seu lugar

Em sua casa, a rotina se modifica. Amélia já não tem tempo para trabalhar ou se cuidar – agora, é os olhos do marido.

"Eu me sinto uma pessoa inútil, porque praticamente em casa não tem como fazer nada. O que um cego vai fazer? Nada!", Candeia diz. A casa e a esposa ficam a serviço das ordens e necessidades de Candeia. Com o passar do tempo, Candeia vai descobrindo a necessidade de manter tudo em seu lugar. Amélia sempre gostou da casa a seu modo e, a cada arrumação, uma nova discussão se arma. Candeia explica que os objetos deveriam ficar sempre no mesmo lugar: se havia deixado o chinelo embaixo da cama, era ali que ele deveria estar.

Amélia assim o fez. A casa não poderia ser mexida, refletindo o corpo imóvel de Candeia, que não ia mais as manhãs à padaria comprar o pão e o jornal, nem tinha mais contato com os seus amigos da praça. O sofá tornou-se o assento de seu ônibus e a televisão, o seu veículo de acesso ao mundo. Seus movimentos se restringiam apenas ao alcançar das mãos. "Meu cotidiano em casa é: ver televisão, almoçar, jantar, às vezes aparece um amigo para conversar." Seus pés, antes ágeis nos pedais, hoje andam em falso, tateando o chão com cuidado e medo por não saber onde dará o próximo passo. "Quando eu ando pela minha casa vou arrastando o pé para ver se não tem nada no caminho, se não fizer isso posso me machucar ou machucar o meu gato, que volta e meia leva um pisão no rabo."

Como dito anteriormente, uma vez que a cegueira foi apropriada pelo idioma da biomedicina, ela passou a ser articulada como déficit, falta, desvio por relação a uma norma corporal almejada.

Este tipo de entendimento acerca da deficiência visual marca muitas das experiências das pessoas com deficiência visual. No entanto, Martins (2006a) salienta que as experiências vividas pelas pessoas acometidas pela cegueira apontam para múltiplos modos de existir sem ver, longe da concepção de deficiência como déficit. Tal registro diz respeito às invenções e possibilidades criadas e vividas por essas pessoas.

Assim, como dissemos no item anterior, as concepções de cegueira oscilam entre aquelas que são biologizantes e que fazem da falta da visão um desvio, uma falha; e aquelas que definem a deficiência como fruto de um contexto social opressor e excludente.

Nosso trabalho de pesquisa situa-se entre tais concepções. Isso porque, ainda que considerando a relevância dos movimentos sociais no campo da deficiência, parece-nos que estes movimentos buscam definir a deficiência por uma identidade não mais natural, mas, antes, social. Assim, seguindo Law (1999) afirmamos que, tanto numa quanto noutra perspectiva, o que está em jogo é a construção de uma concepção identitária da deficiência, seja ela social ou natural. Martins (2006a) elabora a mesma análise quando afirma que tanto em um cenário quanto no outro as reflexividades, as narrativas das pessoas com deficiência estão ausentes, esquecidas, relegadas ao segundo plano. É por este motivo que tal autor convoca as ciências humanas e sociais a retomarem este tema investindo nas narrativas das pessoas com deficiência visual, porque é através destas narrativas que são desafiadas as concepções hegemônicas de cegueira. Isto é, para o autor, importa seguir os processos de transformação que uma pessoa passa quando acometida pela cegueira. Estes processos indicam uma construção que se faz no corpo, encarnada, vivida, encenada no cotidiano, palco onde são reinventadas as concepções de cegueira longe daquelas de déficit, falta; mas também longe da homogenização que demarca a deficiência como um efeito do contexto social.
 

4) Encontrando novos personagens – outros diálogos

A notícia de sua cegueira percorreu a cidade. Rapidamente chegou aos lugares que costumava frequentar – no ponto final do ônibus, na roda de samba, faziam falta suas piadas e seus passos no salão. Passou a receber telefonemas e visitas que duravam horas. Numa dessas, um amigo, também motorista, contou que outro dia levou um passageiro cego a uma instituição que atendia quem tinha perdido a visão. Curioso, fez várias perguntas ao passageiro, que lhe deixou seu contato caso quisesse saber algo mais.

Candeia não deu ouvidos. O que faria neste lugar, já que não voltaria a enxergar? Amélia e seu amigo insistiram tanto que ele aceitou ir. Passados os exames, Candeia se matriculou na reabilitação 8 do IBC. Lá, passou a participar de diversas aulas – artesanato, sensibilização do tato, Braille, Orientação e mobilidade. Um novo mundo de possibilidades começa a se desvelar para Candeia. Seu corpo, antes articulado com o sofá de sua casa e sua esposa, agora passa a ensaiar novas conexões.

Já apresentamos algumas palavras sobre o modo como abordamos o corpo neste trabalho e agora iremos aprofundar um pouco mais a questão. Entendemos o corpo como resultante de uma produção, como fruto da conexão de diversas redes múltiplas e heterogêneas. Isso quer dizer que o tomamos como um efeito, e não como algo pré-estabelecido. Segundo Latour (1999), o corpo não é um objeto isolado; por isso, ter um corpo é aprender a ser afetado, efetuado, deslocado. Para este autor, ter um corpo é ser constantemente posto em movimento por meio de conexões com elementos os mais díspares e heterogêneos. Desta forma, o corpo não está dado e, portanto, não possuímos um corpo, no sentido de um objeto isolado que se confunde com o corpo anatômico; o que está em jogo é que, na medida em que somos afetados pelo mundo, nós adquirimos um corpo. Para Latour (1999), adquirir um corpo é um empreendimento progressivo que produz, ao mesmo tempo, o mundo sensorial e o mundo sensível. Em outras palavras, o autor compreende o corpo como uma superfície cognitiva, que se produz a partir dos encontros com o mundo: quanto mais conexões este corpo fizer, mais real ele será e mais realidade produzirá. Portanto, entendemos, neste trabalho, que é a partir do corpo que habitamos um mundo e que criamos este mesmo mundo, ou seja, que produzimos modos de vida.

O corpo assume variações enquanto modos de existência, ele produz a diferença. O corpo é, então, definido a partir da capacidade de afetar e ser afetado pelo mundo e de transformar-se neste processo. Conforme Latour (1999) dizemos que o corpo é: "...uma interface que se torna mais e mais descritível quando aprende a ser afetada por mais elementos. O corpo é então não uma residência provisória de algo superior – uma alma imortal, o universal ou o pensamento – mas o que deixa uma trajetória dinâmica pela qual nós aprendemos a registrar e a nos tornar sensíveis para aquilo de que o mundo é feito. Tal é a grande virtude desta definição: não há sentido em definir o corpo diretamente, mas apenas tornando o corpo sensível ao que estes outros elementos são. Ao focar o corpo, estamos imediatamente – ou melhor, mediatamente – dirigidos para aquilo que sensibilizou o corpo." (Latour, 1999, p. 1)

Seguindo as pistas de Latour, Serres diz que o sentido “primeiro”, que nos permite nos reconhecer como um corpo, é o tato, tomando-o no sentido de interface, de contato, ou seja, aquilo que nos liga ao mundo. Antes que possamos ver ou ouvir, sentimos o contato, o qual nos ajuda a perceber nosso contorno corporal ao mesmo tempo em que nos lança ao mundo, que nos serve de meio para nos relacionarmos com as coisas. Em consonância com Latour, Serres indica que todos os nossos sentidos são posteriores ao tato. Ele nos diz: “O tato parece predominar, reunir o sentido comum, soma dos cinco sentidos” (Serres, 2001, p. 11).

Em sua obra, Serres (2001) utiliza a metáfora da tapeçaria tanto para refletir sobre os sentidos e o corpo quanto para falar do modo como apresentamos nossas reflexões sobre o assunto. A tapeçaria se apresenta como textura, como forma de apresentação dos sentidos ao tato. Ao tocarmos a tapeçaria, nossa pele é conectada a ela de uma maneira própria. O corpo que consegue sentir a suavidade da textura já é um corpo produzido pela tapeçaria. Dito de outro modo, o toque da tapeçaria modifica o corpo que a toca, produz nele a suavidade. Este, por sua vez, modifica o modo como a tapeçaria é percebida. Os sentidos não se distinguem do que sentem. No mar de sensações, apresentado nas tapeçarias, encontramos sempre a textura dos tapetes, o entrelaçamento de seus fios e os nós de suas conexões.

"Generalizando esta hipótese, diríamos que o tecido, o têxtil, o estofo dão excelentes modelos de conhecimento, excelentes objetos quase abstratos, primeiras variedades: o mundo é um amontoado de panos." (Serres, 2001, p. 79).

Assim, parece-nos possível afirmar que, para Serres (2001, 1993) e para Latour (1994, 1999), a cognição não é o atributo de um sujeito dado, mas sim o efeito das afetações entre corpo e mundo. Conhecemos a partir de nossos engajamentos práticos, de nossos contatos com o mundo. Para Serres (2001, 2004), ainda, fazer um corpo é deixar-se tatuar pelo mundo, é constituir-se a partir de suas mediações e afecções. O corpo se constitui como relação, como conexão. Assim, nossos contatos com o mundo são estabelecidos a partir de uma superfície tênue: nossa pele. São estes contatos que fabricam o corpo e, ao mesmo tempo, a cognição.

"Atônito, o público não sabe mais se deve calar-se ou rir. De fato a roupa do rei anuncia o inverso do que ele pretende. Composição descombinada, feita de pedaços, de trapos de todos os tamanhos, mil formas e cores variadas, de idades diversas, de proveniências diferentes, mal alinhavados, justapostos sem harmonia, sem nenhuma atenção a combinações, remendados segundo as circunstâncias, à medida das necessidades, dos acidentes e das contingências, será que mostra uma espécie de mapa-mundi, o mapa das viagens do artista, como uma mala constelada de marcas? O lá fora, então, nunca é como aqui. Nenhuma peça se parece com qualquer outra, nenhuma província poderia jamais ser comparada com qualquer outra, e todas as culturas diferem." (Serres, 1993 p. 2) Desse modo, através da narrativa que colhemos com Candeia, vamos seguindo os modos pelos quais seu corpo afeta e é afetado pelo mundo a sua volta: corpo-samba, corpo-sofá, corpo-Braille, corpo-experimentações... Múltiplos ordenamentos da cegueira, múltiplas formas de afetar e ser afetado, Candeia reinventa a cegueira em seu cotidiano: da imobilidade do sofá às novas articulações com elementos díspares e heterogêneos.
 

5) Primeiro capítulo – inaugurando linhas no diário da oficina

Candeia encontrou dificuldades em certas atividades. Não se interessou pelas aulas de Braille, se sentia velho para aprender algo que acreditava não lhe ter grande serventia. As aulas de orientação e mobilidade se configuravam como um grande desafio, pois esbarravam em uma das suas maiores dificuldades em relação à sua recente cegueira, já que, para ele, a falta de visão se articulava com a impossibilidade de se mover. Um colega insistia, dizia que, se ele não se exercitasse, aquela aula de nada adiantaria “Candeia precisa de um trabalho prévio, deste jeito não é possível aprender a se locomover com a bengala, ele mal tem equilíbrio para andar sem a bengala, imagina com? Não tem força nas pernas e o pior, não se levanta do sofá de sua casa para nada, se ele continuar assim não dá, já falei para ele... ele precisa se mexer, senão, quando ele quiser se mexer, não vai dar mais!!!”

Do samba de roda, Candeia agora estava em uma roda de gente na Oficina de Experimentação Corporal. Entramos em contato com Candeia logo no início das Oficinas de Experimentação Corporal no setor de reabilitação, em março de 2008. Neste momento, mais atores começam a participar da rede que compõe a sua vida e sua cegueira, pois se incluíam agora, o IBC, o sair de casa, o ônibus que teria que tomar, as pessoas que passou a conhecer, as oficinas que começou a frequentar, entre outros. A ligação entre seu corpo e o sofá de sua casa, neste momento, começa a se enfraquecer.

Como neste período Candeia estava com muita dificuldade de andar, grande falta de equilíbrio e dores por todo corpo, foi indicado para participar da Oficina de Experimentação Corporal. Na primeira Oficina, percebemos sua enorme dificuldade de se locomover; além disso, precisava de ajuda para se sentar e levantar do chão e não conseguia sentar em roda sem que tivesse a parede para lhe apoiar as costas. Em nossa primeira conversa, Candeia nos fala: “O que eu procuro no IBC é andar melhor, minhas pernas estão fracas e desequilibro muito, mal consigo andar dentro de casa.” Com esta fala, percebemos que, de alguma forma, algo diferente da conexão entre cegueira e imobilidade se processava em sua vida: Candeia queria andar.

Em nossa pesquisa, criamos algumas estratégias para a colheita 9 das narrativas pessoais das pessoas cegas. Além de entrevistas semiestruturadas com os reabilitandos e seus acompanhantes, inauguramos, há três anos, as Oficinas de Experimentação Corporal, espaço criado para acompanhar os modos pelos quais as pessoas vivenciam a falta de visão e reordenam suas experiências corporais. Oferecidas duas vezes por semana a dois grupos de pessoas cegas e com baixa visão, participantes do programa de reabilitação oferecido pelo IBC, estas oficinas têm a finalidade de promover, de modo lúdico, experimentações corporais e sensoriais com pessoas que perderam a visão recentemente ou estão em vias de perdê-la. Tais experimentações têm o objetivo de promover, de algum modo, experiências que coloquem em questão os padrões corporais estabelecidos ou que, de alguma forma, possibilitem a criação de novos territórios corporais que incluam a falta de visão.

Nas Oficinas, nosso objetivo é criar dispositivos de intervenção que mobilizem e modifiquem o corpo, fazendo-o diferir, derivar, ampliando, dessa forma, as possibilidades de conhecimento de si, do outro e do espaço. Não abordamos, como dissemos em outro item, o corpo como objeto natural e mecânico, mas antes como algo que é construído, feito a partir das conexões e dos encontros com o mundo. Quando falamos em construção, apontamos para o processo através do qual o corpo é feito, processo que envolve um engajamento prático, efetivo com o mundo, e que mobiliza elementos heterogêneos.

Assim, nas Oficinas de Experimentação Corporal, lidamos com corpos que foram acometidos com a perda de um sentido, corpos que se modificaram e que passam por um processo de variação, de transformação, que consiste em aprender, ou antes, reaprender a ser afetado, movido e efetuado pelo mundo. Estas variações do corpo são, para nós, ocasião de invenção de novos caminhos para o perceber. Desse processo resulta uma experiência perceptiva inteiramente original e singular.

Em nosso trabalho de campo, registramos os dados através de notas tomadas em diários de campo. Estes diários são digitalizados, lidos e discutidos por toda a equipe da pesquisa.

Nele encontramos registros de tais processos de variação e de transformação que envolvem o tornar-se cego. São registros diversos que, se de um lado apontam para o sentimento de perda que o ser acometido pela cegueira envolve, de outro, indicam a invenção de novos modos de estar no mundo. Candeia e os outros participantes da Oficina inauguram linhas no diário de campo com as possibilidades de reinventar a cegueira.
 

6) Neologismos – invenções da escrita

Nas Oficinas seguintes decidimos começar por um trabalho com os pés, já que estes são um dos responsáveis pelo equilíbrio e pelo andar. Não só Candeia falava dos desequilíbrios dos passos, mas também outros participantes apontavam para a mesma questão.

Quando lhes pedimos que massageassem os próprios pés, Candeia nos disse: “Faz duas semanas que eu não toco o meu pé”. As Oficinas foram seguindo e Candeia estava diferente, ficava à vontade, conversava com todos, percebia e experimentava seu corpo.

Em um dos encontros, trabalhamos com vários tipos de elásticos. Pedimos para que eles experimentassem em seus corpos a propriedade do esticar do elástico. Candeia nos disse: “Gostei do trabalho com o elástico, ele movimentou muito nossos corpos”.

Parecia que algo diferente estava se processando em sua vida, estava com gosto por se movimentar. Em outra Oficina, chegou contando que no dia anterior havia saído com seu neto para caminhar. Candeia parecia estar fazendo novas redes e reconstruindo um corpo. Certa vez nos disse: “Quando a gente fica cego, a gente vira criança novamente, tem que aprender tudo de novo. Quando a gente vê, a gente sabe uma teoria; quando ficamos cegos, é preciso aprender outra teoria”. Percebíamos que novas “teorias” estavam em pleno processo de fabricação, teorias criadas a partir de um processo intenso de produção, onde Candeia podia experimentar suas possibilidades, fazer novas conexões e rearranjos das redes que teciam a sua vida. Com o passar do tempo, percebíamos Candeia mais seguro e com vontade de descobrir as potencialidades de seu corpo.

Em uma outra ocasião, realizamos um trabalho com os apoios (partes do corpo que lhe sustentam e que tocam o chão). Fizemos vários tipos de experimentações, que incluíam a percepção dos apoios necessários para levantar e descer ao chão, para caminhar; experimentamos vários caminhos possíveis para fazer esse movimento. Neste mesmo dia, Candeia constatou: “Tenho o joelho fraco de tanto jogar futebol. Para eu subir do chão, preciso apoiar minhas mãos – elas sim me dão firmeza para levantar”.

Candeia estava criando novas possibilidades de movimento, novas possibilidades para si, novas possibilidades para seu corpo.

Por meio de atividades que envolvem a experimentação de materiais, consciência corporal, noções de espaço, dança, equilíbrio, atenção, contato, dramatizações e sensibilização, o grupo participante da Oficina é levado a experimentar e se deparar com seus corpos e com a possibilidade de recriá-los, de reinventar a si mesmos, assim como as suas experiências acerca da cegueira, possibilitando, desta forma, a criação de outras conexões a partir destas experimentações. Podemos definir nossa Oficina como um espaço performativo no qual a cegueira é colocada em cena de múltiplos e heterogêneos modos. Neste processo, a própria cegueira também tem a oportunidade de ser recriada, afirmando, deste modo, seu caráter de produção. Além disso, as experimentações também estão voltadas para recolher e captar as invenções e estratégias já criadas pelos participantes para lidar com sua cegueira, e então abrimos um espaço para que estas invenções sejam tematizadas e partilhadas. Neste momento, nossa pesquisa se afina com Spink (2003), quando ele nos fala do conceito de co-construção na pesquisa. Para o autor, o pesquisador e pesquisado passam por um processo de transformação recíproca, de tal modo que as questões da pesquisa são negociadas com o grupo, são ali modificadas, transformadas.

Nosso objetivo é seguir os modos pelos quais a cegueira existe, os modos pelos quais ela vai se constituindo através de arranjos bastante heterogêneos que articulam humanos a não humanos, materialidades a socialidades (Law & Mol, 1995). São estes elementos que fazem existir as cegueiras.

Candeia, certa vez, nos chamou a atenção: “Olha como eu estou descendo a escada. Agora desço sozinho”. O descer a escada sozinho se amplifica e contagia outros espaços fora da Oficina de Experimentação Corporal, como quando ele nos conta que levou o neto para passear na pracinha ou quando dançou com a esposa em uma festa. São movimentos simples e singulares que mostram a desestabilização de um discurso único de cegueira. Nosso objetivo está em acompanhar esse processo, ampliando a rede de conexões que interferem nas ações cotidianas de viver sem a visão, de andar com ou sem a bengala, de criar estratégias as mais diversas para atravessar a rua, de articular-se a dispositivos os mais variados, relógios, regletes, sons, odores, softwares, temperaturas e tantos outros.

O que chama atenção nas narrativas das pessoas com deficiência visual, colhidas durante as Oficinas e em entrevistas, é o fato de que elas apontam para múltiplos modos de ser da cegueira, e o que move esta pesquisa é a afirmação da potência inventiva de tal multiplicidade.
 

7) Contação de histórias – descobrindo outro jeito de contar

No final do ano de 2008, quando fazíamos um balanço das atividades daquele ano e nos despedíamos para as férias de janeiro, Candeia fala: “Se paramos de nos movimentar, começamos a enferrujar (...) Hoje em dia estou fazendo mais coisas, me sinto mais leve, tô com vontade até de jogar futebol.” E prosseguiu: “Eu trabalhava com o público. Não tenho visão, mas tenho orientação.

Pelo andar do ônibus, pelas curvas que ele faz, sei onde estou. É um fenômeno. A nossa mente é que nos carrega. Não fiquei rico na minha situação financeira, mas fiquei na minha saúde. Tenho minha mulher, meus filhos, então estou bem. Fiquei muito surpreso com um amigo que me ajudou”. Com estas falas, Candeia nos dizia acerca de como vinha reconstruindo as conexões entre seu corpo, a recente cegueira e a mobilidade. Apontava-nos outras possibilidades de conexão da sua vida com, por exemplo, a saúde, com a sua capacidade de orientação e as novas descobertas acerca de seu corpo e de como poderia se locomover. Sua cegueira, agora, passara a ter outras conexões que não só com a imobilidade e o sofá de sua casa.

É interessante sublinhar que, para Candeia, a orientação espacial, antes totalmente pautada na visão, passa a estar atrelada a outras formas de organização dos sentidos e da experiência corporal. Destacamos ainda que a sua fala aponta para a mente como um fenômeno encarnado, atrelado ao andar do ônibus, às curvas. Dito com outras palavras, para ele, ser guiado pela mente significa ser afetado pelo mundo – as curvas, o andar do ônibus, uma vez conectados às experiências corporais, engendram modos até então inéditos de conhecer o caminho percorrido. Podemos aqui também mencionar as materialidades das quais todos nós dependemos; corpo como suporte primeiro dessa materialidade; corpo como via fundamental de intervenção e afetação do e no mundo.

Quando iniciamos as Oficinas de Experimentação Corporal no setor de reabilitação do IBC, encontramos modos diversos de experimentar os corpos acometidos pela cegueira. Em muitas destas experiências, era possível seguir as marcas de uma concepção de cegueira como falta e incapacidade. As atividades oferecidas na Oficina de Experimentação Corporal envolveram uma experimentação do próprio corpo, dos seus limites, das suas potências. Propusemos atividades lúdicas que articulavam sons diversos, texturas e outros materiais heterogêneos. Levamos a cabo aquilo que Serres propõe quando afirma que “o corpo em movimento federa os sentidos e os unifica nele” (Serres, 2004, p. 16).

As experimentações corporais permitem que estas pessoas experimentem de outro modo os seus corpos e o mundo a sua volta, da mesma forma que faz, nas palavras de Serres, o montanhês: escalando uma rocha, contempla e acaricia com suas fortes mãos todo o universo que se encontra ao seu alcance. É no contato com a montanha, com suas sinuosidades, seus enigmas, que o mundo se faz presente a ele. Trata-se de uma experiência encarnada, articulada ao tato, ao contato, mais do que a uma visão de sobrevoo.

Apostamos na potência deste tipo de experiência quando propomos às pessoas com deficiência visual recém adquirida que experimentem ludicamente os seus sentidos.

Como já dito acima, as narrativas dessas pessoas assumem a potência de desafiar o discurso hegemônico da cegueira porque abrem caminhos para muitas outras formas de existir sem a visão.

Martins (2006a) sublinha que, desde o século XVIII, a cegueira é, de um lado, identificada à ideia de tragédia e, de outro lado, a uma capacidade superior de visão, como se o cego pudesse ver sem os olhos, ver para além das aparências. Nestes dois extremos estão o “ceguinho, coitadinho” ou o cego que enxerga além, que detém um saber maior. De uma forma ou de outra, o que está em questão é um lugar hierarquizado e, por isso, excludente.

O que nos interessa, então, não é falar sobre a deficiência visual, mas produzir conhecimento com aqueles que passam pela experiência de perder a visão, engajando-nos numa prática que se dá com o outro e não sobre o outro (Moraes, 2007, 2006). Quando falamos da deficiência visual, buscamos um referencial singular, que admite tantas outras formas de existir da cegueira.

 

Notas:

1 Os nomes utilizados neste trabalho são fictícios a fim de preservar o anonimato das pessoas que foram acompanhadas neste processo de pesquisa.

2 Todas as falas colocadas entre aspas neste artigo são referentes a notas dos diários de campo de 2008, Projeto Perceber sem Ver, a partir das Oficinas de Experimentação Corporal, da qual falaremos mais adiante.

3 Agradecemos à Faperj, ao Cnpq e à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense pelo apoio recebido para a realização desta pesquisa/extensão.

4 Modos de ordenamento é um conceito proposto por Law (1994, p. 95) para indicar o processo social como um verbo, mais do que como um substantivo. Isto é, o social é um processo contínuo, precário, marcado por sua heterogeneidade e multiplicidade. Este conceito implica a aposta de um deslocamento de uma concepção de social como algo dado, estabilizado para a afirmação de um contínuo processo precário de fabricação e construção de ordenamentos.

5 Centro de referência nacional no campo da deficiência visual, situado na cidade do Rio de Janeiro. Para conhecer mais sobre o IBC, consulte o site http://www.ibc.gov.br/

6 Para uma concepção de corpo que segue esta mesma direção, cf. o capítulo de Laura Pozzana, inserido nesta coletânea.

7 Não encontramos, em português, palavras que possam traduzir claramente estes dois termos. Por isso, optamos por mantê-los em inglês.

8 Este setor atende pessoas que adquiriram a cegueira na idade adulta e que buscam (re)aprender modos de viver sem a visão, seja através do uso da bengala, da leitura e da escrita através do sistema Braille, e atividades da vida diária, seja através de uma série de oficinas de artes.

9 Utilizamos a expressão “colheita de narrativas” em lugar do tradicional “coleta de dados” para fazer menção ao modo como lidamos com as informações do campo. O termo colheita parece-nos mais adequado à metodologia que utilizamos porque a conotação do termo envolve um processo de semear, de preparar o solo antes de recolher dele os frutos. É precisamente este o viés que utilizamos em nossa metodologia, isto é, as narrativas que colhemos são frutos de um modo de pesquisar que envolve o outro, um pesquisar que se faz a partir de um engajamento prático com o outro, num processo de transformação recíproca. Neste sentido, como o leitor verá mais adiante, as intervenções que propomos são partilhadas e negociadas com o grupo de pessoas com deficiência visual. Salientamos que este modo de entender as relações com o campo de pesquisa está presente em Spink 2003; Law e Mol, 1995.

 

Referências Bibliográficas:

  • BELARMINO, J. Aspectos comunicativos da percepção tátil: a escrita em relevo como mecanismo semiótico da cultura. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004.
  • CHAUÍ, M. Janela da Alma, Espelho do Mundo. In: NOVAES, A. (org). O olhar. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
  • LATOUR, B. How to talk about the body? 1999. Disponível em: Página 72 http//www.ensmp.fr. Acesso em 2005.
  • __________. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.
  • LAW, J. Political philosophy and disabled specificities. 1999. Disponível em: www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papers/Law-Political-Philosophy-and -Disabilities.pdf. Acesso em 2006.
  • __________. Organizing modernity. Oxford: Blackwell, 2004.
  • LAW, J. & MOL, A. Notes on materiality and sociality. The Sociological Review, p. 274-294, 1995.
  • MARTINS, B. S. E se eu fosse cego? Narrativas silenciadas da deficiência. Portugal: Afrontamento, 2006a.
  • __________. A cegueira como transgressão corporal: dos corpos marcados aos corpos que marcam. 2006b. Disponível em: www.antropologia.net/publicacoes/actascongresso2006/cap7/MartinsBr uno.pdf. Acesso em 2007.
  • __________. Políticas sociais na deficiência: exclusões perpetuadas. 2006c. Disponível em www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/228/228.pdf . Acesso em 2007.
  • MORAES, M. O. A ciência como rede de atores: ressonâncias filosóficas. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 11(2), n. mai/ago, p. 321-333, 2004.
  • MORAES, M. Modos de intervir com jovens deficientes visuais: dois estudos de caso. Psicologia Escolar e Educacional, v. 11, p. 90-110, 2007.
  • __________. Ver e não ver: sobre o corpo como suporte da percepção entre jovens deficientes visuais. Revista Benjamin Constant (Rio de Janeiro), v. 12, n. 33, p. 15-20, 2006
  • SERRES, M. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
  • __________. Os cinco sentidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
  • __________. Filosofia mestiça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
  • SPINK, P. Pesquisa de campo em psicologia social: uma perspectiva pós-construcionista. Revista Psicologia e Sociedade, 15 (2), jul/dez 2003.

 

 

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Composições do não ver: contando histórias
Camila Araújo Alves, Carolina Cardoso Manso, Josselem Conti de Souza Oliveira, Julia Guimarães Neves, Liz Eliodoraz, Luciana de Oliveira Pires Franco, Thadeu Gonçalves, Vandré Vittorino, Marcia Moraes
in Exercícios de Ver e Não Ver
Organizadoras: Marcia Moraes e Virgínia Kastrup
NAU Editora, 2010

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16.Dez.2014
publicado por MJA