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 Sobre a Deficiência Visual

Como Devo Educar Meu Filho Cego?

Um guia para a educação de crianças cegas e de visão prejudicada

Wilhelm Heimers

Daredevil, o super-herói cego - Marvel Comics, 1964
Daredevil, o super-herói cego - Marvel Comics, 1964

 
  1. QUERIDA MÃE
  2. CONSELHOS BÁSICOS PARA A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA CEGA
  3. A CRIANÇA CEGA NO LAR
  4. A criança no seu 1.º ano de vida
        Educação corporal da criança
       A criança e suas necessidades fisiológicas
  5. A Fala e os órgãos Sensoriais
        A Fala
        O Ouvido
        O Ouvido Musical
        O Tato
        O Paladar e o Olfato
        "Vejo o Mundo"
        A Orientação
        Faço compras para mamãe
  6. Adaptação da Criança ao Ambiente
        A linguagem dos gestos
        O brinquedo
        Jogos de Movimento
        A criança e seus coleguinhas
        Hábitos próprios à cegueira e como evitá-los
        As boas maneiras
  1. Visão Global da Educação da Criança Cega
        Aspecto Geral
        O raciocínio
        Os números
        A memória
        A fantasia
        Educação estética-moral
        Educação religiosa
        O Comportamento Social
  2. O CEGO NO MEIO DOS VIDENTES
        A escola para cegos
        Lar e Escola
        Teu filho e sua futura profissão
        A Legislação
        O relacionamento entre pessoas cegas e videntes
        O matrimônio da pessoa cega
  3. O CEGO E SUA ORGANIZAÇÃO
        O conceito da cegueira
        As causas mais freqüentes da cegueira e como evitá-las
        Pessoas com vista reduzida
        O cego e seu cão
        As Organizações
  4. FINAL
 

QUERIDA MÃE

Logo após o nascimento do teu filho ou talvez depois de muitos meses de angustiosa espera o oculista que cuida da vista do teu filho descobre que o mesmo é cego ou que sua visão é altamente prejudicada. A alegria que inundou tua alma com o nascimento do filho se transforma numa angústia sem fim. Estás triste, desanimada sem defesa diante da cegueira do teu filho.
A vida de uma pessoa cega é árdua e espinhosa. As belezas deste mundo, o firmamento estrelado, a abundância de cores com que a natureza se enfeita, e que deslumbram nossa vista não existem para ele. Seu futuro econômico parece seriamente prejudicado.
De nada adianta perguntar "porque" querendo desvendar o mistério de um destino cruel. Não te deixe perturbar tampouco por uma ou outra observação indelicada feita por terceiros, e que servem apenas para perturbar a quietude e a paz do teu lar. Aceita teu filho assim como ele é, não te envergonhes da cegueira do teu filho.
Transforma tua angústia, teu desespero em algo de positivo, aceite o desafio que o destino te lançou. Teu filho cego precisa do teu amor, do teu carinho, em grau muito maior do que qualquer criança normal. Assiste-lhe o mesmo direito de proteção e de convívio no teu lar. Mas, se insistes ainda em perguntar "porque" encontrarás a resposta na Escrita Sagrada: "Este homem não é cego por ter pecado ou porque seus pais pecaram, mas para revelar as obras de Deus".
Desde o primeiro dia da sua vida, tu poderás aliviar a existência do teu filho privado da visão. Cabe a ti não transformar um defeito orgânico numa tragédia. Lembre-te sempre que: «NÃO É A CEGUEIRA EM SI MAS A EDUCAÇÃO INADEQUADA, O DESLEIXO FÍSICO E PSÍQUICO QUE ESTABELECEM AS BARREIRAS INTRANSPONÍVEIS PARA A EDUCAÇÃO DOS CEGOS E SEU PROGRESSO NA ESCOLA».
A educação inadequada no seio da família é a fonte de muitos sofrimentos futuros. Cabe-lhe, pois, como mãe, o dever de arcar com tão pesada responsabilidade. Quero ser teu guia e orientador nessa tarefa penosa. Atente às minhas palavras, sem reticências. Aqui fala um homem que por mais de quarenta anos se dedica à educação e ensino dos cegos e que se sente intimamente ligado aos seus problemas. Tenha confiança em mim, pois quero teu bem e o do teu filho. Muitas alegrias íntimas te serão reservadas ao educar adequadamente teu filho cego. Somente o coração sabe enxergar direito. Não desanimes frente à uma tarefa tão pesada, não desista. Tenha paciência e cada vez mais paciência, mormente se teu filho tem ainda, outro defeito físico.
Contribue para que teu filho aceite a vida, que se torne um homem responsável e independente no convívio dos demais. Não te iludas com a idéia de que ele talvez mais tarde recuperará a vista e que todos os esforços dispendidos são inúteis. Peça a Deus que ele te dê a força para desincumbir-te do dever que ele te confiou. A experiência nos ensina que raras vezes, uma pessoa cega ou com visão parcial recupera a vista em sua totalidade. Mas, mesmo que assim fosse, a criança estaria seriamente prejudicada por uma educação errônea recebida nos seus primeiros anos de vida.
Ânimo e persistência é o que te deseja para a educação do teu filho.

o AUTOR

Hannover, Janeiro, de 1965.

 

CONSELHOS BÁSICOS PARA A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA CEGA

Com exceção da vista a criança cega recém-nascida não se distingue em nada das outras crianças. Tudo que diz respeito aos cuidados a serem dispensados ao bebê se aplicam também ao nenê cego, desde o primeiro dia da sua existência. Não se torna por isto necessário entrar em detalhes a respeito. A educação não difere em nada da educação das crianças normais.

Nos primeiros dias e semanas quando a criança que enxerga absorve inconscientemente os efeitos da luz, a visão propriamente dita não entra em ação ainda. Não há pois diferença entre um bebê que vê e o que não vê. Mas quando a criança começa a tomar consciência do mundo que a rodeia através do ouvido e da visão, a educação especial da criança deficiente visual se inicia. Inicia-se o desafio que se prolongará por muito tempo, exigindo coragem e paciência. A falta da vista, através da qual o ser humano absorve a maioria das impressões sensoriais, cria obstáculos e inibições. A privação desse sentido e suas conseqüências fazem com que outros caminhos sejam trilhados para integrar a criança cega na comunidade e na adaptação à vivência ambiental.

A falta da vista deverá ser equilibrada por medidas planejadas, que se baseiam no uso adequado dos outros sentidos: ouvido, tato, paladar e olfato.

A criança cega demorará mais tempo para sentar-se, andar e correr. A maioria dos bebês cegos não engatinham. A aprendizagem da fala é um processo mais lento.

De início essas diferenças na evolução se distinguem dificilmente. A primeira manifestação se nota quando o bebê começa a virar a cabeça. Na idade de três a quatro semanas notamos que um bebê sente-se atraído pela luz de uma vela. Quando deitado de bruços o bebê levanta a cabeça para poder ver. O bebê estica os braços para pegar o chocalho pendurado no seu berço, e percebe que, batendo nele, produz um som. Começa a distinguir os rostos e a sorrir quando olha para sua mãe, etc.

O bebê cego não distingue nada disto, ou o distingue de um modo diferente. Não enxerga objetos que provocam movimentos, não vê o chocalho pendurado no berço, a cortina - impelida pela brisa - que gostaria de segurar. Os sons que ele ouve não são palpáveis, uma voz que se cala se perde num vácuo. O bebê cego brinca menos que os outros. Cansa-se depressa e não os integra no seu mundo restrito. O atraso que se manifesta cresce à medida em que o espaço vital aumenta.

A criança que vê movimenta-se involuntariamente, sua curiosidade é despertada. Quando vê um objeto bonito e desconhecido ele quer tê-lo e examiná-lo. Tenta apanhar o objeto, engatinha ou corre para apanhá-lo. Aprende o que são os objetos e como pegá-los. Aprende a distinguir os objetos perigosos e que lhe podem causar danos.

A criança cega carece de motivação para mover-se. Sem ajuda ela não descobrirá aquilo que a criança que vê aprende brincando. Não tendo os estímulos necessários, seu desenvolvimento se processará mais lentamente. Às vezes sentirá medo do ambiente em que vive. A falta de movimento na primeira infância resulta numa certa rigidez de comportamento e movimento nos anos futuros. A criança torna-se apática, desajeitada e dependente. Será difícil recuperar o atraso dos primeiros anos de vida. Junto com os demais membros da família a mãe não deve poupar esforços para provocar a reação e a atividade da sua criança cega, sempre que a oportunidade se oferece.

Na seqüência deste livro aprenderemos os meios adequados para estimular essas atividades.

O fato de ser cego reduz as dimensões do mundo. De início isto significa nada. A criança cega tampouco saberá tirar pleno proveito dos seus brinquedos. Uma criança que vê, maltrata seu urso de pelúcia, bate nele, joga-o no chão, apanha-o de novo. A criança cega não sabe nada disto, embora devesse procurar um objeto que atira para longe, falta-lhe o estímulo para fazê-lo, pois resultaria em nada. Ela desanima e desiste, e correndo o risco de perder seu brinquedo a criança desiste de usá-lo.

A criança que vê é mais móvel. Faz toda sorte de movimentos, bate com as pernas, agacha-se para olhar o mundo através das suas pernas. A criança cega fica imóvel, parece perturbada e a mãe se pergunta se ela é normal ou não. Será que todas as crianças cegas procedem assim? A criança movimenta a cabeça, faz caretas, enfia os dedos na vista, balança com a parte superior do corpo, etc. Como seu mundo é mais reduzido do que o da criança que vê, ela possui menos recursos, e se distrai menos.

Ela vive num mundo mais isolado e os contatos com pessoas e objetos são reduzidos. É fácil de se compreender que uma criança assim conserva seu método de brincar primário, brincando com seus membros sem nenhuma motivação proveniente do mundo exterior. Isto lhe dá um sentimento de segurança. A criança não se machuca, nem perde seu brinquedo, e os movimentos rítmicos que executa lhe proporcionam uma sensação agradável. Se a mãe não se empenha em tirar a criança dessa atitude apática, esta permanecerá através dos anos.

Todas as impressões sensoriais transmitidas à criança devem corresponder à sua escala de desenvolvimento. A criança deve compreendê-los, deve assimilá-los, senão elas perdem seu valor. Essas impressões sensoriais são provocadas pelas tarefas apropriadas à idade da criança.

Essas tarefas nem sempre são fáceis de resolver, custam muito esforço, muitas tentativas e às vezes a solução parece impossível. Não perca a paciência, não grite ou repreenda a criança. Não fique furiosa, seja paciente e calma. Fale com ternura e amor ao seu filho, que é parte do seu corpo. Como a planta requer luz e calor, a criança exige amor e ternura.

O menor sucesso ou progresso deve ser louvado. Assim a criança não corre o risco de ter sentimentos de inferioridade. Você fortalecerá sua auto-confiança. Você lhe dá coragem para tentar solucionar outras tarefas ou problemas mais difíceis. Sob os seus cuidados constantes a criança crescerá fisicamente, mentalmente e psiquicamente.

No seu aspecto exterior, nos seus movimentos e atitudes ela se assemelhará cada vez mais à criança que vê, perdendo gestos ou atitudes acanhados e inibidos. O espírito e a alma formarão a imagem do seu mundo em suas várias manifestações. Assim seu filho se desenvolverá harmônicamente como ser humano, nessa trindade: corpo - espírito - alma.

Quando os sentidos assim despertados levam à vivência interior, a criança cega atinge a plenitude da sua capacidade de assimilar alegria e de dominar sua vida.


A CRIANÇA CEGA NO LAR


A criança no seu primeiro ano de vida

Como já o dissemos de início, a educação da criança cega começa nos primeiros dias da sua existência. O intelecto de cada criança abriga dons e capacidades, que precisam apenas de um impulso para desabrochar. Como todos os estímulos visuais são inexistentes, o ouvido, o tato e olfato devem ser desenvolvidos ao máximo.

Assim as forças incipientes da inteligência se desenvolverão num solo fértil. A sensação nos lábios é geralmente bem desenvolvida nos recém-nascidos. Apalpa todos os objetos que entram em contato com os lábios. Por isto os brinquedos devem ser rigorosamente limpos.

Estímulos sensoriais exteriores, quando desagradáveis, são registrados com berros. Se a criança não pode perceber visualmente o rosto amoroso da mãe, nem por isto ela deverá carecer do amor materno. Faça com que ela ouça teu amor já que não pode ver suas manifestações.

O tom de sua voz acende uma luz interior que é mais forte do que aquela que ela percebe com a vista.

Nem só a mãe, mas também o pai e os irmãos devem aprender a conviver com a criança cega. Ela se acostumará a diferenciá-los pelo som da voz. Por meio desses estímulos os membros da família lhe oferecem a oportunidade de desenvolver-se pelo esforço próprio e a combater o tédio.

Desde o berço as pequenas mãos que procuram tudo devem ter ao seu alcance um vasto campo de ação.

O bebê satisfaz-se de início com seus próprios dedos. Dê-lhe em seguida o seu lenço para segurar. Quando se trata de brinquedo dê-lhe algo que aguce o ouvido e fortalece as mãos. Não receie que a criança se machuque.

Como brinquedo podemos recomendar:

um pedaço de pano claro pendurado sobre o berço.
um chocalho em cores vivas.
uma boneca de borracha que emite sons.
uma campainha de metal com um anel de plástico.
cubos de borracha com uma campainha no seu bojo anéis de plástico que pode morder.
animais que nadam e pequenas campainhas.

Não dê sempre o mesmo brinquedo, tenha uma variedade deles a mão. Quando a criança cega atinge a idade de nove meses dê-lhe alguns brinquedos simultaneamente. Assim, você a obriga a fazer sua escolha. Ela deve aprender a tomar uma decisão. Na vida de uma pessoa cega este exercício de tomar uma decisão é muito importante. A criança, mesmo cega, terá seu brinquedo predileto, e não o largará ao adormecer. Deixe-a a vontade. É melhor ter seu brinquedo do que chupar e deformar o dedo ou prejudicar a dentição. Embora você não se anime a sair com seu filho cego, leve-o freqüentemente a passeios ao ar livre e puro. As impressões auditivas que a criança receberá são múltiplas e embora não as diferencie de início esses ruídos constituem um estímulo. Já nessa idade é essencial tirar a criança do marasmo e da preguiça.

Nos últimos meses do primeiro ano a criança cega, assim como as demais crianças, deve ser posta no chão para engatinhar. Deixe que ela faça suas descobertas por iniciativa própria. Anime-a. A criança começará a assimilar muitas impressões. Assim como a criança que vê se delicia em abrir caixas e gavetas explorando seu conteúdo, também a criança cega deve experimentar a alegria de descobrir alguma coisa. Dê-lhe alguns objetos ou brinquedos reunidos numa caixa para que ela se divirta.

Ao engatinhar a criança aguça seus sentidos. Ouve o som de um balde vazio ou cheio; ao bater nos móveis ela aprenderá a distinguir a cadeira da mesa, do armário ou da poltrona.

A criança se deixará guiar pelo olfato, o cheiro da cozinha é diferente do cheiro do armário, cada quarto tem seu próprio cheiro e a proximidade dos objetos faz com que a criança sinta-se muito mais ligada a eles, do que podemos imaginar.

Não permita que seu filho cego fique mofando no seu carrinho de bebê ou na sua cama.

Ali ele ficará apático, sem vontade de fazer nada. Não aprende a usar seus sentidos. Se esse estado continua anos a fio o prejuízo causado poderá ser enorme. Seria um crime proceder deste modo. Na idade de engatinhar a criança deve aprender a usar seus sentidos.

No amor que você dedica ao seu filho, seu coração se tornará inventivo e encontrará o caminho para o coração dele. O primeiro sorriso que aflora aos lábios do bebê lhe dirá que a semente de amor lhe caiu na alma e que um raio de luz penetrou na escuridão. Aperte-o contra teu coração e faça com que ele sinta o calor do teu hálito, repousando no teu regaço. Pegue suas mãozinhas e acaricie com elas o seu rosto até que ele imite o gesto, manifestando seu amor.


A EDUCAÇÃO CORPORAL DA CRIANÇA

Sob o termo "educação corporal" queremos entender antes de tudo a ginástica para fortalecer o corpo. A criança cega não pode prescindir desse recurso para fortalecer o corpo, como não pode deixar de cultivar a mente. Prevenir sempre é melhor do que sanar um mal. Exercitar o corpo e os movimentos dos membros é por isto imprescindível. A criança, embora inconscientemente constitui o melhor e mais grato objeto para esse tipo de exercícios e deixa-se guiar facilmente. Como um bebê não pode participar ativamente neste processo, impõe-se que:

1. Os movimentos espontâneos sejam transformados em movimentos que favorecem o fortalecimento do corpo e a digestão;

2. aos movimentos espontâneos se opõem movimentos dirigidos em sentido contrário, estimulando a resistência.

Assim, provoca-se o movimento muscular que fortalece o organismo todo. A criança com seu instinto inato perceberá logo o bem que isto lhe faz.

De acordo com a posição no ventre materno os músculos do dorso do bebê são esticados enquanto os músculos do abdômen são retraídos. Os exercícios permitirão que os músculos do dorso se encurtem enquanto os músculos do abdômen se estendem automaticamente. Os exercícios indicados até a idade em que a criança possa sentar ereta se limitam à ação sobre a espinha dorsal e o enrijecimento dos músculos dorsais.

Nos primeiros meses os bebês costumam assumir uma posição de recolhimento corporal. Por isto os exercícios devem proporcionar um esticamento dos membros. É completamente errônea a crença que os bebês se movimentam o suficiente para prescindir de qualquer ginástica e isto se aplica especialmente às crianças cegas.

Antes de iniciar a ginástica verificar o seguinte:

- se a criança é sã e forte os exercícios podem ser iniciados na idade de quatro meses.
- se a criança é fraca de constituição consulte antes um médico; a ginástica nesse caso se recomenda especialmente.
- suspender os exercícios em caso de doença.

O fator mais importante na vida de um bebê é a regularidade, assim os exercícios devem ser feitos diariamente na mesma hora e antes do banho e das refeições.

A criança fará os exercícios despida, num quarto bem arejado e deverá ser protegida por um cobertor durante os intervalos. Aumente o período dos exercícios paulatinamente de cinco minutos até quinze minutos ao máximo e não se descuide nunca do bebê. No fim dos exercícios envolva a criança num cobertor evitando o perigo de um resfriado.

Quando a temperatura é amena, recomenda-se fazer os exercícios ao ar livre.

Lave bem as mãos antes de tocar no bebê e use um avental branco. Todos os exercícios são feitos ritmicamente evitando-se movimentos bruscos.

Precisa ter-se especial cuidado com as articulações para evitar qualquer luxação e os movimentos não devem ser mecânicos. Nunca assuste a criança com movimentos bruscos.

Acompanhe todos os movimentos com sons ritmados ou cantando uma canção infantil para despertar o interesse da criança. O contato estabelecido entre mãe e filho é de grande importância e ajuda.

A ginástica diária bem executada constitui momentos de satisfação para mãe e filho. Os exercícios se compõem de movimentos dos braços, pernas e pés e exercício do torso com a criança deitada de bruços. Como exercício preliminar segura-se a criança pelo dedo indicador e em seguida pelo polegar. Existem muitos livros especializados sobre este tema cuja leitura se recomenda. Para uma criança cega recomendamos antes de tudo os seguintes exercícios:

  1. Para fortalecer a articulação dos braços e das mãos, dos músculos do abdômen e do peito deite a criança de costas e levante-a devagar até ficar em posição sentada. A criança segura suas mãos e você a levanta devagar.

  2. Fortalecimento dos músculos dorsais e das coxas. A criança fica deitada de bruços com a cabeça encostada de 21 lado em situação alternante. Ombros e peito devem ficar bem encostados.

  3. As pernas exigem exercícios cuidadosos num ritmo cada vez mais acelerado, dobrando e esticando-as.

  4. Veja que a criança se movimenta na mesa quando deitada de costas ou de bruços, num movimento imitando a natação a seco.

  5. Para fortalecer os pés deixe a criança levantar-se na ponta dos pés, como as crianças cegas raramente assumem essa posição naturalmente, procure um estímulo como por exemplo uma maçã em cima de um móvel que a criança possa alcançar nessa posição.

  6. Uma criança cega raras vezes fica de cócoras o que entretanto deve ser estimulado.

  7. Carregue sua criança no colo, de modo que sua cabeça fique na altura da sua, e que as pernas da criança enlacem a cintura da mãe. Assim estabelece-se um contato muito íntimo, face a face.

  8. Favoreça exercícios de engatinhar o que é muito importante para o desenvolvimento corporal. É mais importante engatinhar do que sentar.

  9. Movimentos naturais, raros em crianças cegas, devem ser estimulados: engatinhar, deslisar, trepar, saltar, correr, etc. A criança repetirá os exercícios enquanto estiver com vontade. Cada criança tem seu exercício favorito que lhe provoca o riso, e expressões de satisfação. É preferível executar esses exercícios no começo ou no fim para que a criança os grave bem na memória e se sinta animada a executá-los. A criança se acostuma rapidamente à ginástica e adquirirá com o tempo um corpo bem treinado. Tudo vai bem devagar - tenha paciência e não se deixe desanimar. Exija sempre um desempenho máximo, de acordo com a idade e constituição da criança. Não peque por omissões que poderão resultar em crescimento ou desenvolvimento retardados.

Todos esses exercícios visam preparar a criança cega para o futuro jogo de movimentos.


A CRIANÇA E SUAS NECESSIDADES FISIOLÓGICAS

No primeiro ano da sua existência todas as atenções convergem sobre o crescimento e fortalecimento do corpo, iniciando-se em seguida a fase de andar, que, de acordo com a constituição física da criança dar-se-á na mesma idade, tanto para criança que vê como para a criança cega.

Uma vez que a criança é bastante forte para poder andar e executar outros exercícios trate a criança cega de modo igual às demais. A criança cega sofre evidentemente desvantagens seja por causa de uma superproteção, de uma preocupação exagerada e muitas vezes por ignorância por parte dos pais que a mantém numa dependência infantil. Mas desde a tenra idade, seus membros devem ser treinados de forma a se conseguir a independência da criança.


1. Educação para a higiene

A educação para os hábitos de higiene faz parte intrínseca dos cuidados corporais. O bebê não exige higiene, sente-se até bem nas suas fronhas úmidas. Quando a criança começa a falar e entender o que se lhe diz, a educação higiênica se torna eficiente. É preciso explicar à criança o que se exige dela e a criança deve ser capaz de manifestar seus desejos fisiológicos, primeiro ao responder uma pergunta pertinente, depois por iniciativa própria. A criança não possui ainda o controle total sobre seus músculos e suas reações nem sempre são adequadas.

É completamente errado deixar a criança sentada a vontade no urinol. Este por sua vez deve ser cômodo, e não deve machucar. Para evitar qualquer acidente, o urinol deve ser firmado, adequadamente, numa cadeira com encosto e a criança será segura por um cinto para não cair quando se movimenta.

Nunca castigue seu filho quando este não for "bem sucedido" o que poderá trazer conseqüências nocivas. Se uma criança sofre uma recaída em hábitos infantis já superados não a censure, anime-a a retomar seus bons hábitos.

Não faça promessas de recompensas porque a evacuação deve ser considerada pela criança como um ato normal e corriqueiro. Na idade de três anos manifesta-se na criança uma repugnância contra mau cheiros, ou sujeira em geral, mormente do próprio corpo e ela esforçar-se-á em manter-se limpa. Há crianças que já na idade de um ano manifestam seus desejos fisiológicos. Mas se uma criança encontra dificuldades em manter-se asseada, não se deve admoestá-la ou ridicularizá-la, pois o que precisa é desvelo e encorajamento.

2. Aprender a andar

Não carregue a criança nos braços além do tempo necessário. Desde que a criança fica em pé pelo esforço próprio acostume-a a prescindir da tua mão protetora. A criança cega, como qualquer outra, deve aprender a usar as pernas e movimentar-se com cuidado. Ela se agarrará mais do que as outras crianças em móveis, objetos, ou ao longo das paredes. Faça com que ela siga o tom da tua voz, num quarto ou num lugar onde não possa cair ou ir de encontro a algum obstáculo. Assim, ela aprenderá a andar sozinha e numa direção certa. Ensine a criança a levantar as pernas, a firmar os pés, e mostre-lhe como subir e descer uma escada, segurando o corrimão.

Tome cuidado especial com a postura do corpo. Já que a criança não pode ver como os outros se comportam, é importante ensinar-lhe a postura correta, fazendo-a apalpar o corpo de outra pessoa. Curvar-se constitui um movimento natural que a criança aprende quando brinca no chão. Ao sentar-se numa cadeira faça-a apalpar o assento antes de usá-lo para que não caia.

3. Vestir e despir

Torne a criança o quanto antes independente e comece a ensiná-la bem cedo na prática de vestir-se e despir-se. Com isto a criança aprende a controlar seus movimentos e tornar-se independente. Não perca a paciência ao ensiná-la a executar todos os movimentos necessários, faça com que ela conheça as peças do seu vestuário e repita os movimentos tantas vezes quanto for necessário. A criança precisa ser treinada, ensinada para que consiga compreender o que está fazendo e para familiarizar-se com sua roupa. Comece pelo mais simples apalpar as meias e os sapatos, fazer com que eles se ajustem ao corpo, denomine cada peça em separado. A maior dificuldade consiste no abotoar e desabotoar, na formação de um laço, porque lhe falta o auxílio do espelho.

O lema aqui é: repetir, repetir até que a criança domine todos os movimentos, até que conheça peça por peça seu vestuário e saiba como usá-lo. Isto será um grande passo vencido no caminho da independência e auto-confiança.

4. Comer e Beber

Também isto precisa ser aprendido, pois a criança cega não pode imitar nenhum exemplo, desconhece a forma dos talheres e não enxerga a comida no seu prato. Não ajude a criança a levar a comida à boca, se ela já sabe fazê-lo sozinha. Explique-lhe antes o uso dos talheres, a posição da cabeça, os movimentos dos dedos e das mãos. De início a criança usará apenas uma colher, mais tarde aprenderá a manejar o garfo e a faca.

Para evitar que a comida transborde do prato, sujando a toalha, dê-lhe de início um prato fundo de sopa ou uma tigela com a borda virada para dentro.

Ensine-lhe o seguinte:

1. Apalpar com o garfo a disposição dos alimentos no prato;
2. Juntar as diversas partes com a colher ou inclinar o prato para juntar a comida;
3. Levar a colher à boca em posição horizontal;
4. Não vir de encontro à colher com a boca;
5. Sentir com os lábios ou a língua se a comida não é quente demais;
6. Não encher a boca em demasia;
7. Fechar os lábios ao mastigar;
8. Seguir as normas de bom comportamento nas refeições.

O manejo de copos, taças, pratos, talheres, deve ser leve. Ensine-a a não seguir com a boca, a posição do copo. Com o devido cuidado a criança aprenderá a encher um copo sem derramar o líquido. Ela poderá orientar-se pelo calor, pela temperatura em geral, pelo peso ou ruído que se ouve ao encher um copo, sabendo assim se o mesmo está cheio ou não.

Acostume a criança desde o começo ao uso comedido da comida e da bebida.

Muitos enganos se cometem neste terreno permitindo que a "pobre criancinha cega" sirva-se de guloseimas até dizer chega. Em conseqüência disto a criança não saberá mais apreciar a comida boa e normal.

5. A ordem

Cultivar o sentimento de ordem é um mandamento principal para qualquer criança e muito mais ainda para crianças cegas. Ordem e regularidade são os mandamentos supremos.

Uma vez que a criança se acostumou a um certo ritmo e uma certa ordem, não a perturbe com contra-ordens. Ao despir-se à noite a criança colocará as peças do vestuário sempre no mesmo lugar e na mesma seqüência para encontrá-las no seu devido lugar de manhã ao vestir-se. Antes de vestir-se a criança deverá apalpar as peças para ver se não falta nenhuma delas. Se faltar um botão ou a roupa não estiver em ordem, os defeitos devem ser remediados imediatamente para não dar a impressão que o desleixo no vestir seja uma questão de somenos.

A aparência da criança não deve ser descuidada porque os cegos facilmente se acostumam à desordem e desleixo causando repugnância a terceiros. Uma expressão de louvor e reconhecimento pela boa aparência é sempre recebida de bom grado e constitui um estímulo. Assim sendo, a criança esforçar-se-á por se apresentar bem arrumada e limpa.

Se os pais não insistem na execução dessas tarefas, a própria criança sofrerá as conseqüências mais tarde. A criança, quando não ensinada a proceder sozinha, insistirá na ajuda de outros tornando-se um pequeno tirano. Os excessos neste sentido são inúmeros.

Com calma, firmeza e flexibilidade os pais saberão evitar graves falhas de caráter. Se uma criança se excede, leve-a, a um outro quarto e deixe-a entregue aos seus ressentimentos ou acessos de raiva. Em breve ela se acalmará. Mas, a mãe inteligente não permitirá que as coisas cheguem a tal ponto, pois ela sabe muito bem que um certo grau de severidade é necessário para educar bem os filhos. O esforço dispendido valerá a pena. O melhor serviço que se pode prestar a uma criança cega é educá-la para a independência.

Como a criança ignora o que a falta da vista representa, ela se sente feliz nessa ignorância. A falta que ela desconhece é inexistente para ela. Por isto a satisfação íntima e a boa disposição não são perturbados.

Evite a todo custo lamentar em voz alta o destino cruel, em sua presença, e nem permita que outros o façam. Seria uma falta grave comentar seu defeito, chorar ou suspirar, demonstrando assim quão infeliz a pobre da criança é, e que pesada carga a família toda deve suportar.


A FALA E ÓRGÃOS SENSORIAIS

A Fala

A linguagem é um meio importante de expressão criado pelo gênio humano. Isto se aplica também à criança. Você é seu primeiro mestre ao ensinar-lhe a língua materna. Através da língua o mundo se desvenda e o diálogo espiritual se estabelece entre os homens.

O desejo e a ânsia de falar existe também em sua criança. A alegria de falar e o instinto de imitação ajudam a aprendizagem da língua. A criança cega vive pelo ouvido, sua imitação se restringe ao uso da fala.

Não podendo ver os órgãos da fala, convém sempre falar com clareza e corretamente com uma pessoa cega. A criança cega instintivamente imitará o modo de falar daquelas pessoas que mais ouve. Ao contrário existirá o perigo de um defeito de linguagem, não inerente à criança cega, mas causado pelo descuido das pessoas que com ela convivem. Ao iniciar-se a época da freqüência escolar não deverá haver grande diferença entre uma criança vidente e uma cega no uso da língua ou no seu vocabulário. A criança cega "vê" com o ouvido, por isto torna-se necessário conversar e falar com ela. A criança torna-se atenta ao som da voz, à entonação que lhe transmite mensagens de amor e de carinho. É através da voz que atingimos a alma da criança.

Enquanto a criança que vê chega a conhecer objetos novos e aprende simultaneamente seu nome, a criança cega ouve os nomes de muitos objetos sem poder identificá-los ou fazer uma idéia da sua consistência. Por isto, é preciso conjugar a fala e o conceito do objeto. A criança cega deve antes de tudo apalpar o objeto com as mãos. Quando se trata de objeto maior do que a mão, ela deve tomá-lo nos braços, apalpá-lo e dizer: "Isto é a cadeira do papai, a cesta da mãe, minha mesa" etc., enquanto que sons e ruídos perceptíveis ao ouvido, cheiros que a criança percebe pelo olfato permitem despertar seu interesse quando acompanhado por uma explicação. Diremos então "o sino toca, a água ferve, a porta bate" levando a criança a repetir essas palavras. Precisamos enriquecer o vocabulário da criança e levá-la a identificar os objetos que a rodeiam pela sua forma, fenômenos exteriores, pelo som e outros ainda pelo olfato, integrando-os na sua vida diária.

O ouvido

O ouvido pode, em muitos casos substituir a vista que falta. Por isto, devemos explorar as fontes acústicas o mais possível. Precisamos que a criança fique atenta a essas fontes acústicas, procurando-as, movimentando-se, levantando-se e esticando-se para captar-lhes o sentido. O ouvido torna-se assim o colaborador precioso para integrar a criança cega no meio em que vive. O tic-tac de um relógio, o som de uma campainha, os ruídos na cozinha despertam seu interesse e a levam a identificar objetos e coisas pelo som. Fora de casa, na rua, ao ar livre inúmeros sons e ruídos assaltam a criança e cabe-nos então explicar-lhe o que se passa em seu redor: é um automóvel que passa, um cão que ladra, pássaros que cantam. Sempre acompanhado pela explicação verbal, freqüentemente repetida, a criança aumentará seus conhecimentos e sua imaginação será mantida viva.

Observamos freqüentemente que o cego bate de leve nos objetos tirando-lhes um som, inclina a cabeça e fica de boca levemente aberta, concentrado no som que o objeto tocado emite.

A recepção instintiva para todos os sons e ruídos faz com que se possa explorar essa curiosidade ao máximo, ensinando a criança a memorizar esses sons, ligando-os aos objetos ou fenômenos que os causam.

Precisamos ensinar a criança a medir a distância através do som. Um corredor será o local escolhido. Afastamo-nos de três passos da criança e falamos com ela. Deixamo-la dar mais três passos em nossa direção fazendo com que ela calcule a distância pelo som da nossa voz, enquanto que a criança conta os passos em voz alta na medida que ela caminha em nossa direção.

Os cegos adquirem grande habilidade em medir distâncias, sabem até indicar a idade da pessoa que fala pelo som da voz, conhecem as dimensões de um quarto, a localização de móveis e distinguem os vários tecidos de cortinas nas janelas. É um fato notório que uma pessoa cega sabe reconhecer pela voz uma pessoa que viu faz muito tempo. O som que um objeto metálico emite, o ruído que um objeto que cai produz, faz com que a criança identifique e diferencie os materiais. A criança deverá apalpá-los e repetir seu nome em voz alta. Dê-lhe uma moeda, uma bola, um prato de madeira fazendo que ela procure pelo som o lugar onde o objeto se encontra. A criança deverá aprender a distinguir os ruídos produzidos por materiais diversos, vidro, madeira, lã, papel, pedra, metais, sentindo-os pelo tato, reconhecendo-os pelo som. A criança aprenderá, assim, a distinguir as moedas ajuizando seu valor pelo som que emitem.

Para preparar a criança para a vida futura devemos insistir sempre na sua atenção em tudo que produz ruídos, o latir de um cão, os ruídos diários, em casa, na oficina, na rua. Para este fim devemos dirigir-lhe muitas perguntas: "O que é que eu faço agora, o que ouves lá fora, que barulho é este, de quem era essa voz, qual foi o animal que emitiu um som?" Devemos explicar-lhe a origem dos diversos ruídos, quem os provoca, de onde vêm. Devemos ensiná-la a calcular pelo ruído a distância de um veículo, sua velocidade, a direção em que ele vai. Tudo isto requer muita paciência, exige um contato constante com a criança cega, mas com o tempo o mundo da criança cega se amplia, os ruídos aguçam seu ouvido e a capacidade de observação. Os pais e educadores devem sempre ter em mente que o mundo da criança cega é um universo diferente e que tudo que ela possa aprender deve ser aproveitado para tornar sua vida normal e segura.


O OUVIDO MUSICAL

Os cegos devem ouvir música tanto quanto possível. Desde a primeira infância a criança cega mostra-se sensível à melodia e sente um certo bem-estar ao ouvi-las. Isto dará um certo calor à sua vida e despertará nela, quem sabe um talento musical cuja evolução poderá desempenhar um fator importante na sua vida futura. Não confundir, entretanto, um ouvido aguçado com um ouvido musical, erro este que se comete muitas vezes.

Possuir bom ouvido, não é o mesmo que ouvido musical. Se a criança cega mostra interesse e talento pela música, ou deseja aprender tocar um instrumento, devemos cultivar essa tendência. De início a criança aprenderá a cantar melodias simples, assimilará as notas e desenvolverá uma memória musical, adquirirá ritmo e harmonia.

Cabe à mãe um papel preponderante neste terreno. Ela ensinará ao filho as canções infantis, melodias simples por meio das quais ele conseguirá decorar até trinta músicas até a idade de seis anos. Os programas musicais infantis pelo rádio representam subsídio precioso neste sentido.

Não é recomendável ensinar a tocar um instrumento antes da idade de dez anos. Os instrumentos mais indicados são: o órgão, o violino, acordeão, flauta e guitarra. Nos institutos para cegos cultiva-se muito o canto coral.

O TATO

"A mão é o olho do cego" e por isto o tato deve ser desenvolvido o mais possível. A habilidade em tatear e apalpar os objetos deve ser desenvolvida desde a mais tenra idade. De início trata-se dos brinquedos que o bebê reúne no seu berço, que ele apalpa, põe na boca e com os quais se diverte. Devemos incentivar o desejo de se movimentar que se manifesta desde cedo, sem receio que a criança possa machucar-se.

O uso do gradeado recomenda-se para as crianças cegas. Ela deverá familiarizar-se com o espaço limitado. Ponha um tapete, uma cadeirinha, almofadas e brinquedos para que a criança possa manter-se entretida, aprendendo ao mesmo tempo a tatear os objetos ficando atenta aos ruídos que eles produzem. Quando o gradeado se tornar estreito demais, arrume para a criança um canto onde ela possa brincar e explorar o mundo, passo a passo. Mais tarde a criança começará por espontânea vontade a alargar seu círculo de exploração até que ele abranja a casa toda. O ambiente caseiro não terá mais segredo nenhum para a criança. A criança que enxerga movimenta-se num ambiente já conhecido, a cega porém deve tomar uma iniciativa. Por isto, devemos mostrar-lhe a casa em que vive, acompanhando seus passos. Deixe-a apalpar os móveis e as paredes e não esqueça que uma explicação verbal não é suficiente. As coisas mais primitivas exigem uma explicação que será completada por meio do tato. Como é que alguém que nunca viu uma casa, uma cama, uma janela poderá fazer uma idéia do que ela seja na realidade?

Precisamos então despertar o interesse e a curiosidade da criança. Cada objeto tem sua função e vive em função da mesma. A criança grava tudo na memória e aprende a usar os objetos, conhecer seus contornos, sua forma e sua utilidade. Não sabemos qual a imagem que o cego associa com um dado objeto, digamos por exemplo "cadeira"; há cadeiras grandes, estofadas, de madeira, com estofamento e sem ele, a criança cega saberá antes de tudo que ela serve para sentar-se, mas não sabe se é alta ou baixa.

O conceito de em cima, em baixo, em frente, atrás, à direita ou à esquerda, é extremamente difícil de entender para uma criança cega. Finalmente ela criará sua própria imagem e saberá diferenciar uma cadeira baixa de outra alta. É por isto que precisamos deixar a criança explorar seu ambiente, sem receio que ela se machuque, devemos acompanhá-la às vezes, dando explicações, chamando sua atenção sobre pequenos pormenores e a criança, ajudada pelo tato irá aos poucos criar seu mundo que nos parece restrito, mas que para ela é enorme.


O PALADAR E O OLFATO

Esses dois sentidos enriquecem as impressões que a criança obtém do seu ambiente. São sentidos reveladores e anunciadores também de possíveis perigos. Também estes sentidos devem ser cultivados e explicados. Os alimentos e as bebidas cultivam o paladar desde cedo. Mas é preciso que a criança conheça os diversos paladares. Diga-lhe por exemplo: o mel é doce, o limão é azedo, explique-lhe o sentido de amargo, ameno, forte, salgado, etc. Há inúmeras espécies de comidas, sobremesas, frutas e doces de cujo paladar a criança aprenderá também o sentido da sua substância.

Ao mesmo tempo que a criança aprende a distinguir a comida, frutas e ingredientes pelo olfato, você deve explicar-lhe sua origem, seu uso e preparo, enriquecendo sua imaginação e seus conhecimentos.

Bem mais fraco do que o paladar é o olfato. Nele aplicamos os termos de "agradável" ou "desagradável'. Mas a criança deve cultivar seu olfato. O melhor terreno a ser explorado é a natureza, o jardim, deixe a criança cheirar as flores, o próprio ar, as plantas e ensine-a a diferenciar pelo olfato os ingredientes usados na cozinha. O cheiro de gás, por exemplo, é extremamente desagradável e pode sinalizar um perigo, explique à criança de que se trata; o lixo cheira mal, explique o uso da lata de lixo e a criança saberá onde procurá-la e como usá-la. Com o tempo a criança cega adquire através do paladar e do olfato inúmeros novos conhecimentos e saberá diferenciar muitas coisas graças a esses dois sentidos.


"VEJO O MUNDO"

A posição estática e rígida de muitos cegos, sua insensibilidade, derivam da atrofia dos seus sentidos. Exercitando entretanto com muita insistência todos os sentidos, tirando todas as conclusões possíveis, transformando-os em meios de reconhecimento você ampliará gradativamente os conhecimentos e a compreensão do cego, fazendo com que o mundo fique interessante, excitante e misterioso também. Todos nós conhecemos a figura e a vida de Helen Keller, que era surda e cega, mas que transformou sua vida em um milagre vivo. Ouçamos o que ela disse:

"Durante o dia, o trabalho intenso no escritório e a solução dos problemas diários me ocupam plenamente. Adoro passear no jardim ao cair da noite respirando o cheiro úmido da terra, deliciando-me com o orvalho que cobre as flores e que sinto com a ponta dos dedos. Adoro os passeios e sou daquelas pessoas que encontram na natureza os melhores pensamentos. Problemas que entre as quatro paredes pareciam insolúveis, resolvem-se com facilidade.

Meu cérebro e meus três sentidos assimilam todos os detalhes durante o passeio. Percebo se o caminho é íngreme, se é pedregoso ou coberto de areia. As sombras que me caem no rosto indicam se eu me aproximo de uma floresta ou de um grupo de árvores. O ar suave me revela se atravesso uma clareira.

Enquanto isto, eu observo o tempo, pelo meu jeito. Minha epiderme está suficientemente acostumada às intempéries e apesar da minha idade avançada ainda agüento bem a vida ao ar livre. Luto contra o vento que varre as ruas e ameaça me levar consigo.

Diferencio facilmente a chuva de pedra e o vento cortante da neve que cai suavemente e que traz consigo um sopro de pureza, uma dádiva do céu. Quando surge uma tempestade, os cheiros do jardim, do campo e da floresta me envolvem e se dispersam nas primeiras gotas de chuva. O ar das montanhas é diferente da brisa que vem do mar, e ambos se distinguem nitidamente do cheiro que emana da terra coberta de girassóis e prenhe de colheitas vindouras. É um lindo passatempo para mim diferenciar os múltiplos odores que me envolvem.

Períodos inteiros da minha vida distinguem-se para mim pelos seus cheiros particulares. Sentindo o cheiro de margaridas volto aos tempos da minha infância percorrendo os prados respingados de orvalho. Um sopro de ar que me traz o cheiro do fêno ainda fresco faz-me lembrar a infância quando para mim e minhas amigas um velho alpendre parecia o paraíso.

Nunca esquecerei, entretanto, as memórias de olfato duma pequena aldeia de pescadores no golfo de Gênova. Banhava-me nos raios de sol e no aroma da Riviera. O gosto salgado do mar, o aroma das laranjeiras e limoeiros eram para mim de um puro encanto. Para onde eu ia, nas casas e nas ruas os odores variados e indescritíveis da terra italiana me deixavam tonta. Devo à minha estada nessa terra e às lembranças que nela colhi o apurado olfato que me ajuda sempre.

Devo aos cuidados da minha professora Anne Sullivan, que vigiava os meus pensamentos e orientava minha vontade de observação, a riqueza das minhas experiências que meus três sentidos me deram no correr do tempo."

Devemos pois lembrar pais e educadores que a criança desde pequena deve ser treinada no uso do seu olfato. O ideal da educação consiste em proporcionar através dos sentidos a alegria de vida e o espírito de aventura nos seres humanos. Por isto, aprovo plenamente o desenvolvimento de todas as capacidades sensoriais daqueles que o destino privou de tantos benefícios.


A ORIENTAÇÃO

A possibilidade da criança cega poder orientar-se em lugares restritos baseia-se no uso adequado da audição e do tato. Algumas vezes também o olfato pode auxiliar na orientação. As ondas sonoras, porém, tem maior importância, elas penetram no ouvido e outras partes do corpo onde a pele esteja exposta; é na parte superior do rosto que o cego percebe em primeiro lugar a proximidade dos obstáculos. Bem cedo, já, a criança cega percebe os limites da sua liberdade de movimentação. Embora ela nunca possa libertar-se totalmente dessa restrição, ela nunca desiste de querer libertar-se do auxílio de terceiros, tornando-se cada vez mais independente.

Devemos orientar a criança nessa tentativa libertadora que sem dúvida traz consigo certos perigos, que entretanto devemos aceitar. No seu canto de brinquedos a criança reconhece os objetos em seu redor, brinca com eles, apalpa-os e se distrai. Devemos ensinar a criança a voltar seguramente ao seu lugar, quando dele se afastou. É a primeira tentativa de orientação. Deixe à criança o uso livre dos pés e das mãos, coloque-a no meio do quarto e faça com que ela encontre pelo esforço próprio a porta, a janela, ou algum móvel. Assim ela começa a orientar-se seguramente e a conhecer pelos próprios recursos seu ambiente vital.

Quando a criança já conhece seu quarto, leve-a à outro recinto. Comece de novo e com paciência a orientá-la a mostrar-lhe onde os objetos se encontram e ensine-a a descobrir a relação entre um quarto e outro. Aproveite essas andanças pela casa para chamar sua atenção sobre novos obstáculos e sobre certos objetos pelos quais ela poderá orientar-se em suas idas e voltas. Esses marcos ficam gravados na memória da criança. Mostre-lhe a escada, o corrimão e ensine-a a subir e descer as escadas. Ela o fará de um modo hesitante, no início, mas mais tarde ela aprenderá a dominar os movimentos das pernas e descerá as escadas normalmente. Faça com que a criança conte o número de degraus ao subir e descer. Mais tarde ela contará mentalmente e saberá orientar-se automaticamente. Isto lhe incutirá a confiança em si mesma. A criança cega não percebe os obstáculos planos no terreno, buracos, poços, aberturas devem ser tapados ou protegidos por uma grade.

Uma vez familiarizada com a casa a criança será levada ao quintal ou ao jardim onde um novo mundo se abre para ela. Indique-lhe e explique todos os detalhes topográficos, mostre-lhes os caminhos cobertos de areia, pedregulho ou de cimento e faça-a sentir as diferenças. Chame sua atenção sobre a grama, as árvores e ensine-lhe os nomes. Volte sempre aos mesmos caminhos e somente quando estes se gravaram firmemente em sua memória, ensine-lhe caminhos novos.

Desde que a criança mostra-se suficientemente hábil ela poderá penetrar no mundo externo. Mostre-lhe as ruas e a direção em que deve caminhar, indicando todas as referências no trajeto, calçada, postes de luz, cruzamentos, pelos quais ela se orientará. Indique certos marcos que lhe sirvam de orientação no caminho de volta.

Com boa orientação técnica a criança poderá usar uma bengala para sentir os obstáculos e poderá evitá-los em tempo ou poderá deixar-se guiar pelo canto da calçada.

Nunca segure a criança com força inibindo, assim, seus movimentos, guie-a de leve, deixe-a andar sozinha acompanhando de perto seus passos. Faça com que ela siga atrás de si seu caminho.

Quando a criança caminha sozinha num terreno que lhe é conhecido não permita que a compaixão falsa de terceiros ou o sentimento de ser observado a atrapalhe. Ao atravessar uma ponte estreita vá a frente como um guia segurando a mão da criança, esta, por sua vez verificará com sua bengala a largura da passagem e a consistência do chão não levantando demasiadamente os pés do chão para não perder o contato com o solo. Assim ela atravessará com segurança lugares muito estreitos. Meninas cegas são mais tímidas do que meninos. A criança cega nunca deve ostentar sua cegueira ou deixar-se impressionar pela sensação de ser observada. Deve-se fazer exercícios para aprender como manejar a bengala e andar com ela. Tudo isto parece muito natural e simples, mas na realidade, isto exige paciência, muito exercício, muita repetição até que a criança sinta firmeza, segurança e aprenda a seguir seu caminho e a descobrir caminhos novos por iniciativa própria.

Para demonstrar como as crianças podem orientar-se vamos deixar que um menino de quatorze anos nos descreva suas experiências, quando desde cedo treinou seus sentidos restantes e soube aproveitá-los.


FAÇO COMPRAS PARA A MAMÃE

Jean Paul:

"Moramos na periferia de uma grande cidade. O nosso casebre modesto fica bem afastado do tráfego e uma caminhada de meia-hora nos separa da venda mais próxima, onde costumo fazer as compras para minha mãe. Durante alguns anos acompanhei minha mãe nessas compras e hoje posso sozinho fazer as compras para ela, o que me dá muita alegria.

Antes de sair cuido da minha roupa. Levo uma sacola a tiracolo onde guardo os objetos comprados. Um cego que caminha sozinho deve ter as mãos livres. Uso uma braçadeira própria para cegos, evitando assim explicações embaraçosas. Para melhor orientar-me tenho sempre minha bengala na mão. Minha mãe dá o último retoque na minha roupa e despedimo-nos com um beijo. Desço as escadas que dão para a calçada.

Agora é preciso prestar muita atenção. Dobro a próxima esquina à esquerda. Com a ponta da bengala vou tateando a beira da calçada. Muita gente já me disse que meu andar é tão seguro que não trai o cego. Do lado direito da rua fica a estrada de ferro, do lado esquerdo fica um muro que eu já conheço bem. Noto um automóvel parado perto da calçada. Um trem, cujos ruídos eu percebo muito bem, está passando, e pelo ritmo das rodas eu deduzo que se trata de um trem de carga.

O muro do lado esquerdo acaba e a calçada segue numa pequena descida. Agora preciso cruzar e tateando com minha bengala alcanço sem demora a calçada visinha. Continuo a caminhar. À esquerda surgem algumas casas com jardins na frente. O caminhar se torna mais difícil por falta de qualquer ponto de referência. A calçada é de pedra e meus passos ressoam com firmeza. Meus sapatos têm solas de couro e pregos nos saltos. Não uso sapatos com solas de borracha porque estes não produzem o barulho que nós cegos precisamos para nossa orientação. Sinto que um trem vazio está passando agora. Os vagões fazem um ruído diferente dos de carga. Um arbusto pelo qual eu passo e o barulho crescente do tráfego indicam que me estou aproximando da estrada. Agora preciso cruzar a rua novamente. Tateio a guia da calçada oposta. Do lado direito noto a coluna onde costumam grudar cartazes. Quando atinjo o viaduto ouço o ruído de um trem que passa. Do lado direito, fica agora um campo aberto e à esquerda a estrada com seu tráfego pesado; distingo nitidamente automóveis dos caminhões e dos bondes. É preciso prestar muita atenção agora, no meio da calçada há árvores distanciadas dez metros uma da outra. São tílias. Percebo seu cheiro delicioso e doce e para não ir de encontro a uma árvore, eu continuo meu caminho pelo lado esquerdo indo com mais vagar. Pela entonação da voz noto que uma mulher está se aproximando. Ela pergunta "Aonde vais? Sabes encontrar teu caminho ou queres que te ajude?" Agradeço sua atenção e peço que não continue a conversar comigo. Sua voz me distrai e não consigo assim manter a direção certa. Passo por umas tílias de tronco grosso cuja presença eu noto a três metros de distância, enquanto que percebo os postes de iluminação que são mais finos a uma distância de três quartos de metros apenas.

Numa estação de bondes os carros se chocam uns contra os outros. Agora o caminho melhorou, é bom andar num dia bonito e com o sol brilhando. O vento e a chuva dificultam minha orientação, e quando o vento bater forte eu perco qualquer sentido de direção. Quando não sinto as ondas sonoras não posso caminhar sozinho. Ao entardecer e à noite tudo se torna mais fácil, não há ruídos que me perturbam e as ondas me atingem sem interferências.

Daqui a pouco vou atravessar uma rua lateral. De repente, uma barreira que sinto com a ponta da minha bengala fecha o caminho. O que será isto? Um transeunte me explica que há homens trabalhando aqui. Ele me conduz para o caminho certo. Dois minutos mais tarde atravesso a rua sem nenhuma dificuldade. Do lado direito há casas e o calçamento é diferente. Sinto com a ponta da bengala que o caminho é asfaltado. Quase vou de encontro à uma lona que eu não pude perceber, porque estava esticada na altura do meu peito apenas. Aqui há um poço no qual um homem está trabalhando. Ele pergunta se não me machuquei e me explica que está colocando uns cabos telefônicos no subsolo. Continuo a andar e alcanço a primeira venda. É a padaria. A ressonância oca me diz que estou entrando num vão de porta e com alguns passos alcanço os degraus que levam à porta de entrada. São cinco degraus. Um aroma de pão saído do forno me envolve. O padeiro me cumprimenta amàvelmente e me atende no balcão.

De lá mantenho-me à direita e passo pela oficina de um ferreiro. De longe, ouço o martelo batendo contra a bigorna. Agora piso em cima de terra e quase me choquei com uma pessoa que vinha em sentido contrário. Obstáculos móveis se descobrem sempre com maior dificuldade do que obstáculos fixos. Ouço uma campainha tilintar e sei que cheguei na loja do verdureiro. Isto foi uma sorte. Tento descobrir as várias verduras e hortaliças pelo seu cheiro. Também gosto de ouvir as conversas e saber o que os outros compram.

Terminadas minhas compras aqui, ataco o último e mais difícil trecho da minha caminhada. Preciso ir à farmácia que fica do outro lado da estrada pela qual passam muitos veículos. Um guarda nota minha braçadeira, vem ao meu encontro e me leva para o outro lado. Agradeço o gesto amável que me deu muito alívio. Há muitos cheiros diferentes na farmácia. Feita minha compra dirijo-me à oficina do sapateiro ao qual levo um par de sapatos do meu pai para consertar.

O cheiro do couro me indica o caminho. Uns poucos degraus me indicam onde fica a porta de entrada. Aqui encontro meu amigo e colega de brinquedos, João, que faz compras como eu. Já que seus pais moram perto dos meus, fazemos o caminho de volta juntos. Ele segura levemente meu braço. Como não preciso prestar tanta atenção ao caminho, conversamos. De vez em quando ele chama minha atenção sobre um veículo que passa.

Conto ao João como é a vida no Instituto para Cegos onde seu pai e ele me visitaram no ano passado. Nós dois, gostamos de jogar xadrez e combinamos uma partida para hoje a noite.

O tempo passa voando, quando chego em casa minha mãe me elogia pelas compras feitas e eu me sinto feliz por lhe ter prestado um pequeno serviço".


ADAPTAÇÃO DA CRIANÇA AO AMBIENTE

A Linguagem dos Gestos

Uma característica nas pessoas cegas é a expressão facial sem vida e a ausência absoluta de mímica. São fatos imutáveis. Mas pela educação bem orientada essas falhas eliminam-se um pouco. Por isto, é necessário que a criança aprenda a mímica e os gestos. A criança deve saber que em certos casos os pensamentos se exprimem também por gestos. O corpo todo se movimenta, a cabeça, os braços e os ombros.

As vezes um gesto é mais significativo do que uma palavra. Mas prestem bem atenção, a criança cega não deve nunca fingir que está vendo, mas deve adaptar-se na medida do possível às outras crianças. Por isto, ela deve dominar as formas mais simples de linguagem pelos gestos. Toda criança deve e pode aprender essa habilidade. A pessoa se torna mais simpática e atraente e os outros a acharão mais acessível. Dando vazão aos seus pensamentos ou idéias por meio de gestos o indivíduo relaxa mais. Para isto é que os gestos servem.

Trata-se de fato de um talento inato que precisa ser despertado e praticado. Para conseguir isto, recomendam-se os seguintes exercícios.

1 - Tirar o chapéu para saudar alguém, fazer uma reverência, apertar a mão de modo natural sem constrangimento.

2 - Ensinar a virar o rosto na direção da pessoa com quem se fala.

3 - Inclinar a cabeça em caso de afirmação, e virá-la em caso de negação.

4 - Aprender a indicar direções ou objetos com o dedo.

5 - Aprender a bater numa porta, numa mesa, etc.

6 - Levantar a mão fechada em sinal de ameaça.

7 - Sacudir de ombros acompanhando o gesto com a mão e o braço.

8 - Bater palmas e usar as mãos em forma de concha para gritar.

9 - Abanar com a mão, com o lenço.

10 - Acompanhar estes gestos com movimentos adequados do corpo e por palavras.

11 - Não exagerar nunca, manter a naturalidade, antes esboçar um gesto do que exagerá-lo.

A gesticulação e a linguagem pelos gestos constituirão para o cego um meio de expressão muito importante para suas relações na vida.


O BRINQUEDO

É completamente errôneo pressupor que a criança por ser cega não se alegre com um brinquedo. A alegria e o divertimento não lhe são vedados.

Para manter as forças psíquicas e físicas a criança deve sentir disposição e ânimo para ocupar-se com os objetos. Ao escolher um brinquedo devemos pensar se o mesmo é adequado, se serve para seu desenvolvimento mental ou corporal, se oferece divertimento ou ensinamento. Toda criança começa a brincar com as mãos, os dedos dos pés e as pernas. Esses exercícios são muito importantes porque ajudam no desenvolvimento.

Em seguida, procuraremos brinquedos que agem sobre o ouvido ou que são agradáveis para tocar.

A partir do 2.º ano de vida a escolha se torna mais ampla. Antes de tudo a criança cega tateia tudo que lhe cai nas mãos. O brinquedo deve ser simples, para que a criança o compreenda e possa manipulá-lo bem. Um dado de madeira ou uma bola de pano já servem para a criança aprender a distinguir o material. O material deve ser o mais variado possível, ora liso, ora áspero, duro ou mole, quadrado ou redondo. Isto significa tanto para a criança cega como as cores para a criança que vê. O "brinquedo" toma assim a feição de uma pedrinha, um botão, um pedação de papel, um cubo de madeira, um arame, pregos, couro, pano tudo lhe serve para distração e às vezes ela inventará passatempos próprios.

A experiência nos ensina que as crianças que possuem os brinquedos mais aperfeiçoados não são as mais astutas, mas sim, aquelas que brincam com coisas primitivas. O brinquedo estimula a fantasia e o dom de imaginação. No momento em que a criança pega um brinquedo ela já começa a aprender, sem sabê-lo.

A criança cega não tem o estímulo visual para brincar, não tem nada que a incentive, que desperte seu instinto de imitação. Ela não sabe como agir com aquilo que tem na mão. Ignora o que seja um cavalo, como este puxa uma carroça, não vê o cachorrinho brincar com o gato, não observa o esquilo trepado numa árvore ou como o pássaro alça vôo. O ouvido não substitui, aqui, a vista senão em forma muito incompleta. Um trem, um automóvel, uma casa de bonecas, animais de pelúcia ou outro material são brinquedos com os quais a criança cega aprende muita coisa.

Se você lhe explica o que é um trem, um caminhão, etc., ponha o brinquedo correspondente em sua mão, faça com que ela o apalpe, conte-lhe como as coisas se passam, para que servem, de que são feitas. Preste sempre atenção que os brinquedos sejam cópias fiéis dos originais. Depois temos os jogos de armar, de paciência, de contrução, que convidam para muitos movimentos e aumentam a habilidade manual.

No quintal temos o monte de areia, a pá, as fôrmas para encher, tudo que serve para ser manipulado, amassado, deformado, que transmite uma sensação física serve para as crianças, sejam elas cegas ou não.

A educação visa uma só coisa: despertar a curiosidade, incentivar a criatividade, enriquecer a imaginação e abrir o caminho para novas descobertas. A criança não brinca apenas para tornar as mãos mais ágeis, para fortalecer seus músculos, ela brinca devido ao seu instinto inato de criação, para dar vazão à sua imaginação cada vez renovada.


JOGOS DE MOVIMENTO

Os brinquedos e jogos não se limitam às atividades em quartos fechados onde as crianças não podem mexer-se muito, onde ficam sentadas absortas em suas ocupações. Temos os jogos e exercícios ao ar livre que fortalecem o corpo e permitem uma expansão maior. Também a criança cega não quer ficar fechada num quarto, quer correr, pular e gritar.

Não tranquem seu filho cego num quarto por mais bem arejado que seja. A planta precisa de luz e sol, a criança também. As folhas das árvores, as flores, os raios de sol trazem mensagens que muitos de nós deixam passar despercebidas. Deixe que a criança cega brinque com as outras. A alegria e o barulho são contagiantes. O cansaço agradável que a criança sente depois de ter brincado ao ar livre por certo tempo, permite-lhe concentrar-se mais tarde numa atividade mais contemplativa. A alegria de brincar constitui uma força inesgotável e saudável. Quem puder deve mandar seu filho ao Jardim de Infância que se encontra em todo lugar, na cidade como na aldeia. Sob a orientação competente da educadora o tempo voa, muitos trabalhos alegres e úteis são executados, o convívio com as outras crianças é uma fonte de alegria, e o Jardim de Infância se transforma numa escola para vida. Também a criança cega participa dessas atividades, levada pelo entusiasmo geral. O teatrinho infantil do qual as crianças tanto gostam é um ótimo campo de ação para aprender movimentos rítmicos e naturais, executar gestos, e no calor da ação a criança perde qualquer inibição. Ela compartilha da alegria das outras colegas, não fica confinada a um canto num quarto, esperando que alguém encontre tempo para se dedicar a ela. Existem jardins de infância para cegos também. A criança deve ter sempre um companheiro de jogo e brinquedos, crianças se comunicam entre si, sem dar importância exagerada a um defeito físico e sem manifestar uma falsa compaixão.

Toda criança sente-se fascinada por objetos, coleciona-os e os guarda com ciúmes. Uma simples coleção de pedras encerra muitos ensinamentos para uma criança cega; é sua textura, a forma, o peso, a superfície ora lisa ora áspera. O mesmo se dá com plantas, árvores, folhas. Uma criança cega que trepa numa pequena árvore recebe uma lição prática da vida. Ela saberá o que é a casca da árvore, o fruto, poderá até estabelecer uma relação mental de tamanho e aprende que muitas árvores juntas formam uma floresta. Tudo serve para enriquecer a vida íntima dessas crianças. Além da flora temos a fauna. Faça com que a criança cega brinque com um gatinho, um coelho, um cachorro. Vamos então tratar de ensiná-la como cuidar dos bichos, dar-lhes comida, despertando nela o sentimento de responsabilidade. Via de regra as crianças não têm medo dos animais, assustam-se talvez de início, mas perdem facilmente o medo. As atividades caseiras fazem também parte do brinquedo da criança.

Adoram ficar na cozinha, acompanhando a mãe prestando pequenos serviços. Descem para adega para buscar uma garrafa, ajudam facilmente na limpeza da casa, varrem o chão, etc. As atividades na casa são inúmeras, desde o cultivo das plantas, o arranjo das flores, ao cuidado dos animais domésticos. Quantos objetos uma criança cega não aprende a conhecer e a manipular, conhecendo assim a finalidade de cada um, sua forma, tamanho, o local onde são guardados etc. Isto se aplica tanto a meninos como a meninas. A criança aprende brincando e tem ao mesmo tempo a satisfação de prestar um serviço.


A CRIANÇA E SEUS COLEGUINHAS

Brincar em companhia de outras crianças constitui ao mesmo tempo uma aprendizagem no comportamento social. A criança sente-se em companhia das outras como parte de um todo. Ela aprenderá a subordinar-se e a cooperar. Não convém limitar a convivência aos irmãos e irmãs, ela precisa procurar colegas, fazer amizades e entrar em concorrência franca com outras crianças. Às vezes, evidentemente, a criança cega poderá sentir-se prejudicada, relegada a um segundo lugar e tomará consciência do seu defeito. Esses obstáculos devem ser vencidos, as decepções devem ser superadas. Precisamos, sempre e sempre, incentivar a vida na comunidade; o começo será difícil, mas vencida a primeira barreira, a primeira timidez, a criança cega verá o lado positivo desse convívio e o procurará.


HÁBITOS PRÓPRIOS À CEGUEIRA E COMO EVITÁ-LOS

Acontece que crianças com cegueira congênita adquirem muitas vezes desde a mais tenra infância anormalidades de movimentos que, quando não combatidos, se alastram pela vida toda.

Os movimentos dos cegos são geralmente hesitantes e tímidos, limitando-se ao estritamente necessário. Os músculos e os membros não relaxam, mantém uma certa rigidez, a respiração é como que ofuscada. A parte superior do corpo não acompanha os movimentos ao andar, a cabeça é inclinada para frente ou dobrada na nuca, as pernas levantam-se alto demais e os pés pisam com cuidado exagerado. Chama-se a isto "Passo de cegonha". Os braços caem ao longo do corpo. Não existe mímica. Mas os movimentos em redor da boca são acentuados.

Enquanto o bebê normal se anima com aquilo que se passa ao seu redor, a criança cega recorre somente ao tato, ouvido e olfato. A criança cega se distancia do mundo ao seu redor. Isto cria o medo, medo do vácuo, de ficar num vácuo, de viver num mundo sem rosto.

Esse medo constante exprime-se por movimentos diferentes daqueles de outras crianças, os movimentos se tornam anormais. A criança começa a fazer caretas, mexe com os olhos, afundando-os com o dedo, começa a balançar o dorso incessantemente, começa a pular sem sair do lugar, e a correr em círculo, em redor de uma mesa, por exemplo. Tudo isto não leva a nada. Não existe contato com o mundo ambiente. O desejo de movimentar-se não é satisfeito. Vestígios dessa anormalidade de comportamento existem em todos os cegos, mas perdem-se ao correr do tempo com uma educação adequada. Os pais não devem tolerar estes excessos. Esses hábitos devem ser evitados de início. Não adianta proibir, é necessário erradicar o mal. Neste comportamento reside freqüentemente o riso e mofa de outras crianças, que podem causar um mal irreparável à criança. A criança cega deve diferenciar num mínimo somente da criança normal.

Precisamos ter paciência, precisamos orientar os movimentos e as ocupações, tirá-la do estupor em que vive. Devemos insistir para que pouco a pouco a criança perca esses hábitos, incentivando-a, despertando sua vontade adormecida, dar vida ao vácuo em que vive. Com o tempo a criança torna-se mais equilibrada, supera certos vícios e ganha maior firmeza. Aí então, ela estará apta. Mas se os pais pecam por omissão deixando a criança entregue a si própria, os maus hábitos perdurarão. Todo esforço já feito será feito em vão. Por isto precisamos perseverar, combater com ânimo firme os hábitos viciosos.


Quais são então os hábitos típicos de uma criatura cega?

  1. Exercer pressão sobre o globo ocular com um dedo. Com isto, o cego quer provocar um estímulo nervoso substituindo o estímulo causado pela luz.

  2. Descansar a vista sobre os braços deitados em cima da mesa.

  3. Movimentos rápidos com objetos perante os olhos que ainda preservam um resíduo visual. O cego vê uma sombra em movimento de um modo muito difuso, o que lhe causa alegria, constituindo este fenômeno um substituto para a vista.

  4. Fazer caretas, movimentando a testa, esticando os músculos da face, boca, olhos e do rosto em geral.

  5. Brincar e fazer tremular braços e mãos.

  6. Mexer com a boca e o nariz.

  7. Mexer no rosto.

  8. Jogar os braços.

  9. Balançar as pernas.

  10. Balançar o corpo quando em pé ou sentado, curvando-se para frente.

  11. Girar em torno de si próprio sem deixar o lugar.

  12. Gesticulações exageradas ao falar, com as mãos e as pernas.

  13. Dar pulos de um modo inseguro.

  14. Inclinar o corpo na direção das ondas sonoras.

  15. Esticar a cabeça, inclinando-a de um lado.

  16. Menear a cabeça.

  17. Deixar a cabeça inclinada de um modo frouxo.

  18. Andar aos pulos.

  19. Inclinar a cabeça para trás e estender os braços exageradamente ao andar.

  20. Ficar em pé ou sentado em posição curva e com o peito encolhido.

  21. Assumir uma posição relaxada com os joelhos frouxos.

  22. Esfregar as mãos ou bater nos joelhos movendo a cabeça e o torso simultaneamente em caso de excitação íntima.

São estes em geral os hábitos que não podem ser erradicados, mas amenizados até um certo ponto. Cabe educar o cego de tal forma que ele nem chegue a adquirir tais hábitos, que uma vez adquiridos serão dificilmente eliminados. Tratando-se de um impulso de nada adianta querer proibi-lo ou talvez castigar a criança.


AS BOAS MANEIRAS

A pessoa cega deve viver num mundo de videntes e ocupar o lugar que lhe cabe pelo destino. Cada cego deve empenhar-se para que lhe seja tributado o respeito e a compreensão humana que todos eles merecem. Integrado no meio em que vive, sem fazer alarde do seu defeito, assumindo normalmente os deveres que lhe cabem, a pessoa cega contribui para que o mundo o aceite com a naturalidade que ele espera receber.

Assim sendo, devemos ensinar a criança:

1. Quando deve tirar o chapéu.

2. Como deve cumprimentar uma pessoa.

3. Que deve bater na porta antes de entrar num quarto.

4. Que vire o rosto na direção da pessoa com que fala.

5. Que deve cobrir o rosto com a mão ou com o lenço quando tosse, espirra ou boceja.

6. Como assoar o nariz com o lenço.

Boas maneiras não são apenas hábitos adquiridos. As boas maneiras e o comportamento correto revelam também o caráter das pessoas.

Devemos facilitar o convívio da pessoa cega no ambiente dos videntes, e para conseguir isto devemos ensinar-lhes por assim dizer as regras do jogo fazendo-a cultivar seu autocontrôle, amor à verdade, pontualidade, independência, ser ordeiro, higiene, polidez e respeito. Se lhe ensinamos, em tempo, a seguir essas regras, facilitaremos imensamente sua integração na vida comunitária, poupando-lhe muitos desgostos e removendo obstáculos na sua existência. A cegueira já constitui um encargo muito grande que não devemos aumentar por uma falta de preparo e educação. A pessoa cega deve viver e não vegetar. É absurdo querer supor que a pessoa cega vive numa eterna escuridão. Cultivando seus sentidos restantes, que devem ser mais ativos do que numa criança comum, damos-lhe a possibilidade de levar uma vida feliz, ativa e normal. Não devemos deixá-la sossobrar na sua cegueira, mantendo-a afastada do nosso convívio, ao contrário, devemos fazer com que ela viva e sinta conosco, que se torne parte atuante em nossa sociedade.

A vida íntima de uma pessoa cega pode ser muito rica e intensa, através de uma ocupação útil, da leitura, da música, ouvida ou executada. Todos os seus sentidos estão em alerta quando bem treinados; ela capta tudo recebe mensagens que nos passam despercebidas e no mundo em que se sente parte integrante de um todo, ela se sentirá feliz e estimulada em progredir cada vez mais. A vida e obra de Helen Keller, da qual já falamos, continua sendo o exemplo mais belo, mais confortador e soberbo para aqueles que querem vencer na vida, dominando o infortúnio e tirando o melhor proveito dos dotes da natureza embora estejam privadas de um e até mais sentidos.


VISÃO GERAL DA EDUCAÇÃO DA CRIANÇA CEGA

Aspecto Geral

Orgânicamente uma criança cega congênita não se diferencia em nada das outras crianças. Possui todos os membros e órgãos necessários ao seu desenvolvimento. Pensamentos, raciocínio, consciência e imaginação são igualmente inexistentes ainda. A criança cega não possui entretanto a percepção visual, mas os outros sentidos intactos deverão ser mais aguçados para lhe poder transmitir as sensações do mundo externo.

Para podermos obter uma visão global da educação durante os primeiros anos de vida, devemos subdividir esse período em duas partes:

- até a idade de três anos e
- até a escolaridade.

No primeiro período observamos o fortalecimento orgânico, a atividade inconsciente torna-se consciente. Cada progresso trás em si o germe de outro progresso. Surgem então incentivos novos e novas experiências devem ser assimiladas. Através do ouvido e da mão atingimos a mente infantil, também a voz torna-se instrumento para manifestar desejos, dando nome ao objeto que a mãe quer alcançar. O intelecto desenvolve-se simultaneamente com o corpo. Na medida em que os outros sentidos evoluem, forma-se o intelecto da criança, e sua força de imaginação.

No início do quarto ano de vida a criança chegará ao seu auto-conhecimento. É nessa fase que se inicia aquilo que denominamos "o ato de pensar". Tudo contribui para que a criança comece a aprender. Devemos encontrar meios e caminhos para que aprenda de fato e não fique estagnada. A criança precisa então de incentivos nesse seu pensamento incipiente.

Devemos levar a criança a pensar. Para sermos bem sucedidos nessa tarefa importante devemos cuidar que o corpo e mente cresçam em medidas iguais, que ambos sejam estimulados simultaneamente, desenvolvendo-se numa harmonia perfeita. Delineamos assim o nosso dever e a nossa responsabilidade para com a criança, qualquer criança. As palavras que a criança aprende devem ser traduzidas num sentido prático, de aplicação imediata, para que elas não caiam num vácuo. A criança precisa assimilar a palavra no seu sentido útil, assim por exemplo "lápis" traz a associação de "escrever", "cadeira", a de "sentar", etc. Cada expressão precisa ser captada por meio dos outros sentidos.


O Raciocínio

Simultaneamente com a linguagem desenvolve-se o raciocínio. A criança deve aprender de uma forma que ela relacione as palavras com os objetos para que ela adquira uma percepção quase "visual". Toda criança vive perguntando; querendo saber e nenhuma pergunta deve ficar sem resposta. Os estímulos que nos vêm de fora constituem um fator importante na vida dos videntes, e os cegos os desconhecem. Por isto, devemos manter sempre alerta esses estímulos, devemos despertar o interesse da criança cega para que ela não caia no marasmo. Com o tempo, a criança aprenderá que muitos objetos são feitos do mesmo material, a mesa, a cadeira, o armário são feitos de madeira, existem cachorros pequenos e grandes, pela voz ela distinguirá as pessoas. Na medida que ela se familiariza com os objetos ela compreenderá também os conceitos de: à direita e à esquerda; em cima e em baixo, na frente ou atrás, conceitos quase abstratos para uma criança cega. A criança fará grandes progressos quando se lhe ensina a executar ordens como por exemplo: buscar os sapatos dentro do armário, tirar um livro de cima de uma estante, agachar-se para apanhar uma bola ou um brinquedo. Executando essas funções a criança aprende. O movimento ao ar livre, na natureza, traz consigo um mundo de ensinamentos e experiências.

Ao caminhar com ela, explique-lhe tudo, converse com ela. Um passeio se passará então como segue: "Estamos passando pela chácara de flores. Há muitas flores, rosas, cravos, dálias, cada uma tem cor diferente. Aqui ao lado fica a loja do relojoeiro, ele vende relógios e pequenas jóias, anéis e colares. Você ouve as crianças brincando? Elas estão no jardim da infância. Aqui há uma cerca de arame, lá está uma árvore (deixe a criança apalpar a árvore, sentir a superfície áspera da sua casca, explique-lhe do que é feita a cerca e para que serve. Chame sua atenção sobre o caminho de terra, areia, asfalto. Explique-lhe de que a gramínea é feita, como são os canteiros com as flores. Passeando pela rua a criança conhecerá os diversos estabelecimentos, a padaria, o açougue, a quitanda e saberá o que se vende neles. Na padaria ela comprará pão preto ou branco, no açougue ela pedirá carne, salsichas, e reconhecerá pela voz da pessoa que a atende, onde se encontra. Em casa, a mãe brincará de "fazer compras". Um pacote de manteiga por favor; sr. João me dê uma broa; quero vinte centavos de balas. Agora vamos visitar o Joaquim, o que é que ele vende?


Os números

De início aprende-se o conceito de "muito" e "pouco'. No começo, quando receber algumas balas, a criança exclamará "um monte de balas" ou 'ganhei balas em quantidade'.

Ela não conta mais bala por bala, mas estabelece o conceito de "muito". Se nós damos apenas duas ou três balas ela observará que são poucas, o que lhe causa desgosto.

Antes de atingir a idade de escolaridade a criança já adquire a noção de números. Ela diz uma boneca, um brinquedo, mas essa designação ainda não tem nada que ver com números.

A criança começa a contar com dois e três na medida em que brinca por exemplo com duas ou três bolas de gude. De início a criança conta mecanicamente, 3, 4, 5 etc.

Ensinamo-la a contar seus passos, a contar cantando e quase que inconscientemente ela aplicará os números aos objetos com os quais se ocupa.

Ela tem uma bola e mais uma e dirá dois, uma boneca e mais uma e contará dois, assim, ela aprende que um mais um fazem dois. Essa experiência deve ser repetida com os mais variados objetos, repetindo-a sempre. Assim a criança não relacionará o número a um só objeto mas a uma quantidade deles, aprendendo que a contagem se aplica a tudo. Pensa-se erroneamente que, desde que a criança sabe o que seja "2" ela aplique esse conceito a todos os objetos iguais. Isto não acontece, o conceito exato de números forma-se quando a criança dissocia o número do objeto.

Se a criança aprende a contar até dez, quando atinge a escolaridade, devemos nos dar por satisfeitos. Dê-lhe umas moedas para contar, explicando os valores diferentes, associe as moedas ao ato da compra e explique-lhe quanto custa um pão, meio quilo de manteiga e faça-a contar as moedas que correspondem ao preço da mercadoria. Assim a criança começará a raciocinar, a pensar, a refletir.


A Memória

Possuir uma boa memória não é somente uma grande vantagem para o cego, mas também uma necessidade. A memória é boa quando grava com rapidez e retém durante muito tempo. Nunca deixe uma criança decorar uma coisa que não compreendeu ou assimilou. Tudo que foi assimilado deve ser enunciado com clareza; a palavra dita com nitidez se grava na memória. Pequenas canções e poesias são exercícios muito recomendáveis, o mesmo se aplica às estórias.

Essas memorizações não devem ser feitas de um modo mecânico, sem pensar, repetindo-se somente aquilo que se ouve, a criança não deve decorar. Não devemos confundir o lar com a escola, não devemos querer ensinar brincando. A mente da criança deve ficar livre e sem preocupação para não sobrecarregar sua memória sua faculdade de pensar. Do contrário prejudicamos a criança que perderá sua ingenuidade e sua imaginação, ficando sistematizada.


A Fantasia

Também as pessoas cegas precisam de estímulos para ativar sua fantasia. Seu sentido mais importante é o ouvido. Seu melhor treino consiste nas brincadeiras e no trato com coisas reais que formam o seu ambiente. A ciência distingue a fantasia criativa e a abstrata. A fantasia abstrata ocupa imaginações e percepções vagas, que deixam lacunas que a fantasia criativa não saberá preencher. Isto perturba a criança e deforma sua fantasia. Uma criança entregue a si própria criará seu mundo próprio, abstrato e alheio à realidade. Devemos então canalizar a fantasia para a criatividade. Devemos, por conseguinte, ativar sua fantasia por meio de brinquedos. O despertar da alma se faz através dos objetos pelos quais a criança demonstra um interesse real. Nada têm que ver com aprovação e censura, elogio ou castigo. O interesse deve ser despertado ou brotar da alma da criança para se tornar criativo.

Assim a criança saberá também tomar suas decisões. O brinquedo começado hoje, terá sua seqüência amanhã, o que permitirá à criança planejar e levar a bom termo um projeto já iniciado. Não podemos nem devemos bancar o anjo de guarda, querendo proteger a criança cega a cada instante, sem que ela sinta o que seja resistência ou obstáculos a vencer.

As emoções psíquicas agem sobre as capacidades espirituais. Um estado de permanente equilíbrio psíquico e de contentamento é perigoso. Em brinquedos e ocupação contínua, o corpo amolece e as mãos perdem o estímulo de descobrir coisas novas. É evidente que os pais se preocupam com a segurança do seu filho cego, mas essa preocupação não deve transformar-se em super-proteção.


A Educação Estética-Moral

A "estética" é o ensinamento daquilo que é belo. Todas as impressões que agem sobre nossa alma, deixando-nos eufóricos ou comovidos, são consideradas "estéticas". Ao contemplarmos o firmamento estrelado, um pôr de sol, o esplendor da natureza, uma obra de arte, sentimos que uma grande emoção toma posse de nós; essa sensação não é compartilhada por uma pessoa cega.

Mas, mesmo assim, podemos despertar desde cedo o sentimento do belo e do harmonioso numa pessoa privada da vista, enriquecendo sua vida interior. A existência ou a ausência desses fatores moldarão o futuro da criança cega nela deixando vestígios indeléveis.

O que penetra na alma, cria raízes e desabrocha em flor na vida da pessoa cega, é-lhe transmitido pelo ouvido. Temos então como auxiliares preciosos, a poesia e a música. A literatura e a música exercidas, inicialmente com diletantismo e algumas vezes como profissão. A criança pequena gosta de ouvir a leitura em voz alta, pega facilmente uma melodia infantil e a guarda e não demorará em reproduzi-la. Esses exercícios já podem ser iniciados na idade de três anos. A criança não se cansa tão facilmente de ouvir e pede "bis". Ao contar uma história a uma criança notaremos, freqüentemente, que a criança corrige a quem lhe faz a leitura, faz questão que a seqüência seja observada, que as palavras sejam sempre as mesmas. Nos seus livros de contos de fadas e estórias, a criança finge que sabe ler e repete em voz alta aquilo que memorizou.

Quando a criança pede leitura, satisfaça-lhe o desejo e não raras vezes observaremos que o tema da leitura se transforma na vida ativa da criança, em pequenas representações teatrais. A criança vive aquilo que adquiriu e assimilou em suas leituras ouvidas. Esse sentido de fato é o mais gratificador na existência das pessoas cegas. Se seu filho gosta de música, tanto melhor, essa arte como poucas toca a alma da criança, sem necessitar de tradução, ela representa a arte universal que todos entendem sob cuja magia todos sabem viver e se deliciam.

Começamos com as rimas cantadas, as pequenas melodias infantis. À força de ouvir, a criança mais tarde manifestará provavelmente o desejo de executar a música e aprenderá a tocar um instrumento. Abre-se assim o caminho para a criatividade. Chegar até lá é um longo e penoso caminho. Não devemos esquecer que a criança cega vive pelo ouvido e pelo tato em primeiro lugar. No tato ela já revela suas preferências e desprazeres. Prefere um objeto de superfície lisa a outro de superfície áspera, dará maior valor a um objeto redondo do que a um com cantos angulosos. O contacto com o corpo de um animal, sua pele ou penugem lhe poderá ser desagradável de início, mas associando essa impressão com o animal, a ave, o cachorrinho, um gatinho, o desprazer cederá lugar a uma sensação agradável.

Nunca podemos insistir demais na importância de obedecer e praticar os ditames da higiene de cultivar a boa educação ou saber como comportar-se perante os mais velhos. A isto podemos chamar de valores estéticos, que ajudam muito a criança, porque ela conquista simpatia, amizade e amor através desses hábitos. E aos poucos a mente do seu filho vai crescendo, formando-lhe o caráter.


A Educação Religiosa

A sua criança não verá nunca o céu estrelado, não admirará os planetas na sua majestade, as obras grandiosas do Criador não lhe serão nunca reveladas pela visão.

Mas ela não viverá sem Deus, porque pai nenhum deixará de transmitir ao filho cego a mensagem de paz e de amor.

Uma verdadeira educação religiosa, será a dádiva mais preciosa que a criança cega possuirá na vida. Precisamos transmitir-lhe a noção que sua limitação não representa nenhum castigo, mas levá-lo à meditação e a arcar com o encargo que a Divina Providência lhe reservou, segundo a palavra de Cristo: "Esta criatura não é cega porque pecou, mas para revelar a obra de Deus". Faça com que a criança assista o serviço religioso, que ouça os salmos e cantos religiosos, de modo que sua existência fique livre de amargura. O apoio moral e religioso lhe serão um grande alívio.


O Comportamento Social

O destino privou a criança cega da visão do sorriso materno, ela desconhece a diferença entre um rosto alegre, triste ou furioso. Os gestos que acompanham a palavra, que exprimem aceitação ou repulsa lhe são desconhecidos. Tudo isto faz com que ela possa parecer indiferente e leva até à equívocos e interpretações falsas. Numa família onde existem crianças videntes, além de uma cega, não demonstrem nunca alguma preferência; a criança cega que também é dotada de sensibilidade ficará ressentida embora não o manifeste abertamente. A cegueira provoca pena e compaixão. Esses sentimentos são prejudiciais e humilhantes.

Querendo ajudar o cego as pessoas dão-lhe esmola, isto o torna dependente, e este sentimento é muito doloroso. Faltará à pessoa cega, por exemplo, o estímulo para ajudar, ela não percebe quando alguém quer abrir uma porta e não tem as mãos livres, ela não sabe a quem devolver um objeto caído no chão, e assim não se pode tornar útil como desejaria. Por isto precisamos educar a criança cega para que ela aprenda a executar esses pequenos gestos que provocam a reação natural do vidente.

É difícil despertar essas atitudes sociáveis, porque a criança ignora tudo a respeito. Daí a grande importância em arranjar companheiros de jogos para ela, às vezes ela se queixará que um outro colega tenha sido rude com ela. Isto não é motivo para afastar seu filho da convivência de outras crianças. Trate de relacioná-la com colegas mais prestativos e atenciosos e explique-lhe que o menino ou a menina por ser cega, precisa da sua ajuda. Criança nenhuma recusará sua colaboração. Com o correr do tempo a criança se tornará mais sociável, perderá sua inibição, e chegará a comportar-se como qualquer outra. A criança cega deve adaptar-se ao convívio com as videntes, e poderá transpor a barreira invisível que a separa das demais. O mesmo se aplica à vida em família onde a pessoa cega pode se tornar útil e prestar serviços a começar pela sua própria pessoa, pela higiene, ato de vestir ou arrumar seu quarto, buscar objetos em lugares que lhe são familiares, etc. Assim, ela se integrará na comunidade social o que facilitará a vida para todos. Não esqueçam que o fato de ser privada da vista não autoriza atos voluntários e veemências.

Uma criança assim fortalecida moral e psiquicamente saberá enfrentar a vida de forma mil vezes melhor do que outra cujos dotes naturais não foram cultivados e que por conseguinte ficaram atrofiadas.


O CEGO NO MEIO DOS VIDENTES

A Escola para Cegos

Ao completar seis anos de idade a criança cega deve matricular-se numa escola. Isto representa um problema grave por que os Institutos de Ensino para Cegos não se encontram em qualquer cidade. Isto implica numa separação dolorosa dos filhos. Tratem da matrícula em tempo hábil. Um só ano perdido na educação de um cego representa um prejuízo enorme para a formação do mesmo. Os pais, por mais difícil que isto lhes possa parecer, por maior que seja o sacrifício também sob o ponto de vista econômico, não devem hesitar um só instante em escolher a escola conveniente. Convém visitar a escola antes de internar a criança para conhecer o ambiente e o sistema de ensino. A escola em si, pelas matérias que ensina, não se diferencia das demais. Crianças e jovens atendem as aulas, ocupam-se com trabalhos manuais e técnicos. Os alunos são preparados para sua vida futura e o exercício de alguma profissão. Os estudos são interrompidos pelo recreio e o ambiente, por estranho que isto possa parecer a muitos, é alegre. As crianças brincam, gritam, agitam-se e se sentem sempre a vontade. O sacrifício que os pais fazem ao se separar do filho cego, internando-o numa escola apropriada, reverte num enorme benefício, para ambos, pais e filho. A escola constitui um marco na existência dessas crianças. A criança sente-se em casa, igual às outras, seu ensino é enormemente facilitado graças aos recursos e métodos dos quais a escola dispõe.

Ao entrar no Instituto ou na escola a criança cega se integra numa comunidade bem diferente da do lar. Ela aprende a conviver, a adaptar-se, a obedecer e a conhecer os limites que lhe são postos na vida em comum. Enfim, a criança vive aqui num ambiente normal, sem super-proteção sem mimos inúteis e ganha em auto-confiança. Ela se aproxima da vida no seu caminho da integração. O Instituto constitui o segundo lar mau grado certos rigores que nela prevalecem. Ela aprende a saber o que é disciplina.

Um dos meus antigos alunos, um homem simples, e que trabalha numa indústria me veio visitar em companhia da esposa, uns vinte anos após sua saída do Instituto. Ele me contou: "Vou bem, ganho o suficiente. Vim procurá-lo porque sinto saudades da nossa escola onde passei os dias mais felizes da minha vida. Quando estou com insônia, meus pensamentos vagueiam pelo passado, lembro-me da escola, dos colegas, dos mestres e das horas felizes que vivemos juntos. Então eu me sinto feliz." Lágrimas de gratidão lhe enchiam os olhos ao se despedir de mim. Por isto devemos ver que a escola para cegos deve ser a escola para a vida.


LAR E ESCOLA

O currículo escolar é de doze anos, mas nem por isto o internado vive isolado da família ou alheio à mesma. Há férias e feriados de sobra quando os alunos voltam para casa. Nunca se subestima o valor da convivência familiar. A escola e os pais devem esforçar-se em conjunto para tornar feliz a vida do internado. Deve existir uma colaboração firme e íntima. Neste mundo feito para os videntes o cego deve sentir-se em casa, eis a meta do Instituto. Os pais devem continuar a manter um contato íntimo com o filho. Mantenham uma correspondência regular, mostrem-se abertos aos seus desejos e suas aspirações. Não deixem nunca de responder uma carta recebida. Elogiem seus filhos quando fazem progressos e animem-os a prosseguir em seus estudos e educação. Os pais devem ser educadores firmes e amigos leais ao mesmo tempo. A comunicação com o filho cego é enormemente facilitada quando alguém na família sabe ler "Braille" o que para um vidente não oferece dificuldade nenhuma, derivando-se daí as seguintes vantagens:

1. Estabelece-se um contacto por escrito e ninguém precisa fazer a leitura de uma carta.

2. Mantém-se assim o sigilo da correspondência e assuntos discretos podem ser tratados na correspondência.

3. A criança poderá ler a carta recebida quantas vezes ela queira e saberá respondê-la sem se esquecer dos detalhes.

4. A remessa de correspondência de cegos é isenta de selos.

Fixe para o filho cego uma mesada, combine um modo de pagamento para serviços prestados (regar o jardim, varrer o quintal, etc.) para que ele possa dispor de dinheiro próprio e aprenda a manejá-lo.

Não esqueça de remeter às vezes um pacote com doces, frutas ou bolo e ensine seu filho a compartilhar com os outros. Não esqueça as visitas regulares ao Instituto, entrem em contacto com o diretor para conhecer os progressos feitos, os problemas que surgiram e, antes de tudo, para manter um contacto vivo e permanente com ele.

Leia sempre com atenção os boletins que a escola distribui, tome nota de datas festivas, programas recreativos e reuniões e participem delas.

Em caso de surgir algum problema não dê razão ao seu filho de antemão ouça ambas as partes antes de se formar uma opinião. Os pais devem assistir a festividades escolares, como encerramento do ano letivo, onde há competições esportivas, representações teatrais, execução de peças musicais ou canto, certificando-se assim do bem-estar real da criança.


Teu filho e sua futura profissão

Depois de uma freqüência de seis anos na escola para cegos o aluno poderá ser orientado, conforme suas preferências e tendências para a escolha de sua profissão futura. A escolha é grande, as profissões variadas, dependendo tudo do aproveitamento do ensino recebido. Uma vida sem trabalho não tem valor útil. Existem cursos em escolas profissionais que preparam para atividade futura. A indústria oferece um vasto campo para o emprego de pessoas cegas. Se além da cegueira o aluno sofre de mais uma limitação física que lhe impede exercer uma atividade na indústria, existem inúmeros outros trabalhos, especialmente os manuais (tecelagem, fabricação de escovas, empalhamento, etc.) aos quais os cegos podem dedicar-se, havendo ainda nas instiuições as oficinas protegidas de trabalhos para cegos.

Telefonistas, estenógrafos, massagistas, atividades industriais e comerciais e também, o campo de estudo acadêmico está aberto às pessoas cegas que sejam estudantes aplicados.

Um dos fatores principais na orientação profissional do cego é a inclinação que o próprio candidato manifesta para uma ou outra atividade. Uma vez bem encaminhado o profissional ou estudante sentir-se-á à vontade e fará o progresso que sua limitação lhe permite. Em muitas das profissões apontadas, os cegos são mais capacitados, mais eficientes e motivados do que os videntes, muitos dos maiores obstáculos já foram vencidos neste terreno, como o preconceito dos empregadores e a limitação da ocupação dos cegos a tarefas meramente manuais e restritas.


Legislação

A legislação sobre o emprego de cegos entre nós, merece ainda melhores estudos por parte das autoridades competentes. Vejamos por exemplo a legislação alemã referente aos cegos:

§ 67 da Lei de Assistência Social, alíneas 1 a 3:

(1) O cego que completa seis anos de idade faz jús a um auxílio desde que não receba subvenções de outra parte. Isto não se aplica a cegos que usufruem de assistência e apoio por parte de instituições no sentido mais amplo.

(2) Ao completar dezoito anos o cego receberá 200 marcos mensais e os que ainda não atingiram essa idade perceberão 100 marcos.

(3) O cego que se recusa a trabalhar ou freqüentar uma escola que lhe garante o preparo para uma futura profissão ou emprego, não fará jus à contribuição-auxílio acima mencionada.

Além disto o governo orienta as pessoas cegas na procura de um emprego e os encaminha. Pessoas não cegas, mas com grave deficiência visual gozam dos mesmos direitos.

Segundo o § 40 desta lei cabe ainda aos poderes públicos fornecer aos cegos os recursos práticos para a existência dos cegos.


O RELACIONAMENTO ENTRE PESSOAS CEGAS E VIDENTES

Na relação entre pessoas cegas e videntes deverá existir a máxima naturalidade, e a pessoa cega deverá esforçar-se para integrar-se nesse convívio. Somente assim ela deixará de ser "cega", recusando-se a desempenhar o papel de uma pessoa que apela para a misericórdia alheia. Na vida comunitária a pessoa cega se equipara às demais. Muitas vezes a pessoa cega procurará o convívio com outros cegos, porque esse contato a liberta de qualquer inibição. Mas, ela não pode prescindir do contato com os videntes. E nunca deverá abusar das vantagens que o vidente lhe pode oferecer sob pena de perder sua própria independência e tornar-se inoportuna.

Muitas deficiências físicas podem ser aliviadas por meio do uso de próteses que tornam o defeito mais aceitável para outras pessoas. No caso da pessoa cega o olho se apresenta deformado, como morto e provoca repulsa, especialmente quando a pessoa esboça com o olho movimentos próprios dos videntes. Um olho artificial não ajuda a pessoa cega, mas permite-lhe disfarçar o defeito e elimina o aspecto desagradável da órbita ocular. Se por uma coincidência qualquer a aplicação de uma prótese se torna impossível, recomenda-se o uso de óculos escuros. A pessoa cega que se adapta ao ambiente e se comporta de um modo normal sem chamar a atenção sobre sua deficiência, facilita enormemente o relacionamento com os outros e prestigia sua imagem no mundo dos videntes. É obvio que ela depende muitas vezes da ajuda de terceiros, seja na vida familiar ou profissional. Ela precisa de um guia quando não conhece o ambiente, precisa de ajuda para achar ou procurar objetos, para a percepção de fenômenos que somente nos são transmitidos pela vista.

Ouve-se freqüentemente a crítica que as pessoas cegas são ingratas, mas de outro lado poderíamos dizer que os videntes nem sempre são atenciosos. Quando uma pessoa cega não tem sempre seu "obrigado" à flor dos lábios, tendemos a censurá-la, sem pensar que ela depende de nós e que é nossa obrigação ajudá-la sem cobrar sempre um agradecimento. A pessoa cega é por natureza uma pessoa sensível que interpreta as coisas sob o seu prisma. Às vezes o vidente não nota que uma pessoa a quem se dirige é cega, tratando-a como um vidente. Em tais casos cabe a pessoa cega tomar a iniciativa, explicando sua situação. Muitas vezes uma pessoa vidente desconhece o problema da pessoa cega. Esta, por sua vez, deve ser dotada de uma boa dose de humor para enfrentar todas as situações que surgem. Existem pessoas cegas que exigem um tratameno privilegiado, não sem razão, mas não convém exagerar essa atitude. Na vida do dia a dia esses problemas devem ser contornados.

A pessoa cega, para viver bem no seu ambiente, deve comportar-se como "homem" e nunca como cego. Não deve transformar sua deficiência num motivo de desculpa para seu mau comportamento.

A pessoa cega não deve exigir maior atenção do que ela realmente precisa. Seu comportamento normal, sua equiparação aos demais tornarão sua vida bem mais fácil. A chave do segredo reside na naturalidade. Todos nós temos nossos recursos na vida, e a pessoa cega tem os seus.

A pessoa cega não precisa disfarçar sua deficiência, mas deve usar abertamente seus recursos. Assim, como nós abrimos um livro numa sala de espera ou lemos uma revista num ônibus, assim a pessoa cega deve também usar seus meios de leitura ou fazer anotações na sua reglete, sem incomodar-se com os outros, que aliás em geral nem o perceberão. O melhor que pode acontecer a uma pessoa cega é não ser tomada como tal, e poder esquecer durante algumas horas o seu estado. No dia em que a pessoa cega se sente realizada na vida, ela terá ganho a maior e mais brilhante vitória da sua existência.


O MATRIMÔNIO DA PESSOA CEGA

Este é um problema que preocupa tanto a pessoa cega quanto a vidente. Quando a pessoa cega tem que enfrentar este problema ela procurará provavelmente o conselho daqueles que lhe são mais chegados e o discutirá com eles. Nenhum pai, nenhuma mãe ficará alheia ao apelo que lhes é dirigido neste sentido. A base de toda discussão será a confiança mútua.

Esse problema do matrimônio das pessoas cegas foi discutido em muitas dissertações e artigos, em revistas para cegos e sob os seus mais diversos ângulos. Em vez de complicar o assunto, vamos tratar dele aqui da maneira mais simples, e assim o esperamos, objetivamente também. Como para os demais seres humanos o matrimônio é a fundação de um lar, são assuntos de importância transcendental. Uma solução feliz neste caso, é bem mais difícil do que possa parecer.

Os entendidos e aqueles que estudaram o problema a fundo, dada sua convivência com as pessoas cegas opinam que o homem deve preferencialmente casar com uma mulher que enxerga, baseando-se evidentemente numa simpatia, afinidade e respeito mútuos. O mesmo se aplica às mulheres cegas, embora a experiência nos mostre que os casos de casamentos entre homens videntes e mulheres cegas são mais raros.

O convívio constante que uma pessoa cega tem com outras pessoas videntes facilita naturalmente a aproximação e o relacionamento, dando-lhe oportunidade de encontrar o futuro companheiro. Muitas pessoas cegas que exercem uma profissão intelectual confessaram que sem a assistência e o apoio constante da sua espôsa-companheira, seriam incapazes de exercer sua profissão.

Um dos fatores mais importantes ao querer fundar uma família é saber a causa da cegueira. Trata-se de um mal hereditário ou de nascença ou proveniente de algum acidente. Um exame com um oculista é recomendável e se impõe. No caso de um mal hereditário, o casamento deve ser excluído de antemão. Mesmo que a pessoa cega case com uma mulher perfeitamente sã, a cegueira hereditária poderá manifestar-se num dos filhos oriundo de tal casamento. É praticamente impossível prever como a doença pode ser transmitida.

As pessoas cuja visão é parcial encontram-se em situação mais favorecida. Uma mulher, por exemplo, com 1/10 até 1/25 da visão pode ainda exercer suas atividades domésticas com facilidade. Os casamentos devem preferencialmente ser celebrados entre pessoas cegas e videntes ou pessoas com visão reduzida e videntes, o que facilitará enormemente a vida em comum sob os aspectos práticos e sociais. Em caso de cegueira hereditária um casamento poderá ainda ser admitido, desde que o casal concorde em não ter filhos. Aqui também convém consultar, não só o oculista, mas também os outros especialistas.


O CEGO E SUA ORGANIZAÇÃO

O conceito da Cegueira

Quem é cego? Cego é aquele que não distingue nada com a vista, nem claro ou escuro. Neste caso falamos de cegueira total. Estes casos raras vezes se aplicam a crianças. A maior parte das crianças portadoras de cegueira distinguem entre claro e escuro e percebem os contornos dos objetos quando próximos.

Na vida prática uma criança afetada de uma vista seriamente é considerada como cega, embora ela possa se locomover sem auxílio.


Cegueira escolar

Designamos com este termo a criança que possui uma vista tão prejudicada que precisa recorrer ao uso dos demais sentidos para poder seguir um curso escolar, via de regra ela é tratada como se fosse cega.

A definição dada por um diretor de um Instituto para Cegos é a seguinte: "Devemos considerar como "cegueira escolar' o estado de uma criança que não consegue captar conhecimentos visuais baseados em dados ópticos, o que as impede de seguir com o proveito desejado um curso escolar ou mesmo uma classe especial para alunos com defeitos visuais'.

A cegueira é congênita ou adquirida. Uma pessoa vidente poderá ficar cega devido a:

1. Lesões sofridas durante alguma atividade lúdica, na profissão, por acidente de tráfego ou explosões, etc.
2. Por meio de doenças que afetam a vista.

Segundo o grau e características, as pessoas cegas se dividem em portadores de: cegueira congênita e cegueira adquirida que pode ser precoce, tardia e senil.

A cegueira precoce inclui todos aqueles que são atacados de cegueira na idade escolar. Os cegos congênitos e os precoces constituem os casos típicos daqueles que freqüentando em tempo hábil um instituto ou escola para cegos, poderão ser treinados eficientemente para exercer mais tarde uma profissão. Dentro do seu campo restrito de atividades, e usando todos os recursos ao seu alcance eles se tornarão membros úteis da sociedade e vida profissional, e não correm o perigo de sossobrar numa apatia e indiferença absolutas.

Cegueira tardia: Comparados com os portadores de cegueira total, esses têm a vantagem de ter conhecido o mundo como ele é, com todas as implicações de uma pessoa dotada de uma visão normal. Estas pessoas podem ainda ser treinadas e readaptadas para nova vida. Seu tato e olfato não são entretanto, evoluídos num grau de agudez como nos cegos congênitos. O uso desses sentidos exige um esforço maior do sistema nervoso.

A aprendizagem de "Braille' e a orientação espacial pelo ouvido lhe causam grandes dificuldades. Esse grupo de cegos sofre muito mais sua deficiência e se adapta com muito maior dificuldade. Tudo, senão muito, depende da disposição, da fortaleza de ânimo, e do esforço dispendido para que o portador de cegueira tardia se adapte à sua nova condição. Quando a cegueira se manifesta na idade avançada, falamos de cegos por velhice. Estes não se prestam mais à uma readaptação ou a um treinamento especial. Suas forças físicas e mentais e sua própria constituição não lhes permitem reagir convenientemente.

As pessoas com a visão reduzida devem ser treinadas de uma forma diferente. Elas poderão usar o resíduo visual, seu campo visual é restrito e prejudicado, mas não ao ponto de torná-los seres incapazes de assumir deveres e tarefas que exijam o uso de pouca visão.


As causas mais freqüentes da cegueira e como evitá-las.

Antigamente a cegueira entre crianças era mais incidente do que hoje em dia. Graças aos grandes progressos feitos na oftalmologia e as atividades do Bem Estar Social em muitos países, sua freqüência é hoje bem menor. Não falamos aqui, evidentemente, da cegueira de guerra que durante a segunda guerra mundial atingiu infelizmente cifras astrológicas.

Como causas da cegueira infantil queremos citar as seguintes:

Inflamação da vista nos recém-nascidos (Blenorragia) Esta doença tem sua base na doença dos órgãos sexuais e se faz notar nos primeiros dias após o nascimento. Forma-se uma inflamação do tecido conjuntivo com forte secreção de pus. O pus é um veículo perigoso de contágio para os outros. Logo depois do primeiro banho aplica-se uma solução por meio de gotas na vista do bebê. Não se exige nenhum outro tratamento adicional.

A Escrofulose leva em muitos casos à afecções mais ou menos graves da córnea. Um regime sadio, o fortalecimento físico em geral, ar puro são os fatores importantes para vencer o mal. A escrofulose da vista raras vezes leva à cegueira, mas a vista ficará prejudicada até certo ponto.

O Tracoma (conjuntivite granulosa) é uma doença contagiosa que assenta de preferência na conjuntiva palpebral superior e no fundo do saco onde forma pequenas granulações. Ela é vulgarmente chamada de doença egípcia, e mais de quatrocentos milhões de pessoas são atacadas pela mesma. Na Europa o tracoma é pouco difundido.

Depois de certas doenças contagiosas (tifo, escarlatina, varíola) surgem às vezes as inflamações da vista que podem levar à cegueira. Em conseqüência da cegueira, o olho se recolhe por completo e a córnea transparente se cobre de cicatrizes que não deixam mais penetrar a luz.

A Sífilis traz em suas seqüelas lesões cerebrais e da medula que se manifestam anos mais tarde e que podem também levar à cegueira. A inflamação da íris e da coróide são conseqüências da sífilis.

Doenças orgânicas do sistema nervoso, ao qual a vista é intimamente ligada, podem levar a defeitos da vista (inflamação do nervo ocular, ou degeneração do pigmento). Não cabe aqui enumerar todas as possíveis eventualidades, que pertencem ao campo da medicina e neurologia.

O Glaucoma (catarata) - caracteriza-se pela dureza do olho, por tensão intra-ocular acarretando perturbações visuais transitórias ou definitivas. O olho sofre uma deformação.

A Catarata - caracteriza-se pela opacidade do cristalino, impedindo a chegada dos raios solares à retina. Ela pode ser nata mas em vias de regra aparece na idade avançada.

A Inflamação Simpática é a causadora de muitos defeitos visuais, e quando um olho é atacado, o mal passa para o outro olho. Nestes casos impõe-se a visita imediata ao oculista para salvar o que pode ainda ser salvo.

O Estrabismo - é um mal muito difundido. O recém-nascido move os olhos sem coordenação e a vista das crianças em distâncias reduzidas é mais aguda do que a dos adultos. Não devemos confundir isto com estrabismo. A posição falsa dos olhos permanece mesmo quando se olha ao longe, ou um dos olhos não se move em sentido nenhum. O estrabismo deve ser tratado de modo diferente desde a sua origem, também nas crianças pequenas. Caso contrário haverá lesões incuráveis da vista. O estrabismo, além de ser um defeito estético, é uma doença que afeta a vista para o resto da vida.

Defeitos da vista como miopia, astigmatismo e outros nada têm que ver com o estrabismo, embora estejam às vezes ligados à mesma. O único tratamento razoável é o uso de óculos. Sem o tratamento devido o desenvolvimento intelectual da criança será retardado, pois, ela enxerga menos do que outras crianças e pode acontecer que o cérebro fique atacado devido à diminuição da capacidade visual.

A Vista inflamada é sempre motivo de suspeita, quando falta a margem branca entre a parte vermelha e colorida do olho. Devemos, porém, notar que na parte branca do globo ocular sempre se notam pequenas veias.

Lesões externas são freqüentemente desprezadas e não são tomadas a sério. Inúmeras crianças sofrem cada ano uma ou outra lesão da vista, ocorrendo a cegueira total em outros casos. Entre nós devemos citar os acidentes que ocorrem durante as festas juninas ao soltar fogos, bombinhas e ao manipular balões. As armas de fogo, arco e flechaa, armas de ar comprimido são outros fatores que ameaçam a vista.

Explosões ocorrem pelos motivos acima expostos, ou quando as crianças recolhem em terrenos baldios objetos cuja periculosidade elas desconhecem como cartuchos, objetos metálicos, tubos, espoletas, etc. Também entre nós a lei proíbe a venda de fogos a menores, mas mesmo assim, eles vêm parar nas mãos das crianças incautas.

Ferimentos agudos são causados por facas, tesouras e garfos que inadvertidamente vêm /parar nas mãos das crianças. Existe um velho refrão infantil que diz: "Faca, tesouras, garfos e fósforos não servem para crianças brincar".

Muitas crianças cegas ou com visão reduzida usam prótese de vidro. Quando estas quebram devem ser substituídas o quanto antes senão, a cavidade ocular se retrai e uma operação demorada e difícil se impõe para poder novamente inserir um olho artificial. A cavidade se transforma também na época de crescimento da criança e por isto a vista defeituosa deve ser examinada periodicamente e no mínimo uma vez cada ano. Devemos também cuidar da limpeza das próteses e dos olhos de vidro, para o que, o uso de água boricada é o mais indicado. Recomenda-se igualmente remover o olho artificial durante a noite.

Operações plásticas, quando recomendadas pelo oculista eliminam o aspecto desagradável que uma vista machucada pode oferecer e facilitam a convivência da criança com os seus colegas. A criança se sentirá mais segura e evitará observações indelicadas por parte de pessoas menos avisadas.

Os óculos devem ser mantidos limpos, sem arranhões e seu uso deve ser regulado por exames periódicos feitos por oculistas.

Um aviso aos pais: Consultem imediatamente um oculista quando surgem motivos de suspeita de alguma lesão ou irregularidade na vista. Não mudem sempre de oculista em busca de um milagre, tenham confiança nele. Não existem nem curas, nem remédios milagrosos e não vos deixai iludir por anúncios espalhafatosos que falam em curas inéditas, etc. Não podemos nunca deixar de insistir num ponto: SIGAM AS PRESCRIÇÕES DO OCULISTA A RISCA.


Pessoas com visão reduzida

Existem crianças com vista seriamente prejudicada, que entretanto tem leve resíduo de percepção visual. No fundo trata-se de crianças com grave prejuízo da visão.

A Lei Social define o grau elevado de prejuízo da vista como segue: "Pessoas que podem orientar-se num ambiente que lhes é familiar, sem auxílio de terceiros, cuja vista entretanto as impede de exercer atividades que lhes garantem a subsistência. Isto ocorre quando a capacidade visual de um olho atinge uma acuidade visual inferior a 1/20 ou quando existem deformações de idêntica gravidade".

Nestes casos devem ser consideradas pessoas portadoras de uma visão altamente prejudicada. De mais a mais, devemos considerar toda e qualquer pessoa portadora de um defeito visual como gravemente prejudicada, desde que ela não possa exercer uma profissão a contento ou não possa executar uma tarefa de um modo satisfatório. Uma grande parte das crianças com visão reduzida podem receber uma orientação segura em classes especiais destinadas a essas deficiências. São poucas as escolas que mantém tais classes. Na Alemanha p. ex. elas existem nas cidades de Berlim, Bremen, Dortmund, Duesseldorf, Duisburg, Essen Frankfort s.M., Hamburgo, Hannover, Colônia e Nuremburgo. Algumas dessas escolas são internatos, e outras não. Umas têm classes ginasiais, de comércio, e para outras matérias.

Às vezes torna-se difícil distinguir que escola é mais indicada para um determinado caso, de cegueira total ou visão residual. Sempre convém fazer a primeira experiência.

Algumas instituições como a de Hannover p. ex. mantém classes seriadas para criança com visão reduzida e são geralmente internatos. Sempre devemos dar preferência à escola comum em casos de deficiência visual.

Nesse tipo de escolas formam-se pequenos grupos congênitos, cuja finalidade consiste em adaptar as crianças ao seu ambiente e aumentar sua capacidade visual pelos meios disponíveis. Treina-se a memória pela impressão que a vista ainda é capaz de captar. Técnicas especiais de ensino são aplicadas. O fato de uma criança poder ler e escrever não são os únicos indícios para a aplicação da capacidade visual que sobrou. A memória óptica é um auxílio precioso na educação dos "quase-cegos", e facilitará enormemente a formação futura da criança, já condenada à futura cegueira.

Numa escola comum a criança com visão reduzida não pode seguir o ensino, o que não devemos confundir com uma falta de receptividade, a vista deficiente simplesmente não permite à criança seguir uma classe normal e insistir neste ponto, seria prejudicar a criança.

Exames minuciosos se impõem para conhecer a capacidade mental da criança e o grau de deficiência visual para encaminhar a criança à instituição ou escola que mais lhe convém.


O Cego e seu Cão

Nos casos de cegueira tardia especialmente nos casos de cegos de guerra, a capacidade de treinar o ouvido e o tato para ajudar na orientação é muitas vezes inexistente. Um cão devidamente treinado para servir de guia, substituirá em parte o órgão visual da pessoa. Ele saberá contornar os obstáculos, mas a própria pessoa cega deve indicar o caminho que deseja seguir.

Pessoas que ficam cegas na juventude e se acostumaram a utilizar o seu cão, perdem a capacidade de orientação, mais cedo ou mais tarde. Por isto, a pessoa cega jovem deve acostumar-se a caminhar sozinha com freqüência, usando sua bengala, para treinar seu sentido de orientação e não depender do seu cão. Esses animais servem para o trabalho e devem ser tratados apropriadamente. Não se deve brincar com eles, se não eles distraem-se facilmente. O cão deve concentrar-se na sua tarefa e sua atenção não deve ser desviada, do contrário ele prejudicará a pessoa cega, em vez de ajudá-la. Um cão para cegos, uma vez educado, não pode ser re-educado mais tarde.


AS ORGANIZAÇÕES

Quanto aos cuidados e assistência que lhes são dispensados as pessoas cegas dividem-se em dois grupos: os civis, e os de guerra.

1. Os civis

Pertencem a este grupo os cegos congênitos, os que ficaram cegos na juventude e todos aqueles que por um ou outro motivo perderam a vista seja por doença, seja por velhice.

Em conseqüência da educação e treinamento dos cegos, que tiveram seu início nas primeiras décadas do século passado, o número de pessoas cegas que participa da vida ativa diária aumentou sensivelmente. Irmanados pelo mesmo destino, unidos pelas mesmas instituições, pelas quais passaram, os cegos se reuniram em grupos, em sociedades para a defesa dos seus interesses e para pleitear com maior possibilidade de êxito, uma legislação adequada e a defesa dos seus legítimos direitos perante o governo e o estado.

A finalidade da organização de cúpula é o seguinte:

  • Colaboração na legislação para as pessoas cegas e sua equiparação social.

  • Revisão das leis trabalhistas em relação aos cegos e abertura de novos campos de atividade.

  • Apoio a campanhas culturais e colaboração com fontes promocionais, e formação da opinião pública face ao problema do cego.

  • Manutenção e criação de campos de férias e instituições para cegos.

Todos os pais de crianças cegas deveriam afiliar-se a um movimento ou entidade que luta em prol das pessoas cegas.


2. Cegos de guerra

Se o problema da pessoa cega civil se baseia nos cuidados e na educação, o problema do cego de guerra tem caráter de amparo e sustento.

Os cegos de guerra tem na Alemanha a "União dos Cegos de Guerra" com sede em Bonn cuja finalidade consiste em primeiro lugar no fomento dos interesses sociais, econômicos e culturais dos cegos e as atividades de amparo social previstos nos estatutos da União dos Cegos de Guerra.

Fazem parte dessa entidade todos os cegos que foram combatentes na 1.ª e 2.ª guerra mundial; todos os civis que ficaram cegos em conseqüência de qualquer ação bélica; todos aqueles que perderam a vista devido a acidentes de trabalho e outros sinistros.


FINAL

O que foi que visamos com a publicação deste livrinho?

Fornecer conselhos e orientação segura para as crianças acometidas de cegueira ou com grave deficiência visual. Não existem regras rígidas, tampouco há "receitas" pois devemos respeitar a individualidade de cada criança.

Antes de qualquer conselho, orientação e ensinamento vem, entretanto, o amor, a paciência, a dedicação sem o que os melhores conselhos de nada valerão.

Precisamos compreender a criança, para conhecer suas motivações, seus atos, seu procedimento. A educação da criança cega exige abnegação e energia. Não podemos deixar passar tudo, fechar os olhos pois uma orientação baseada na frouxidão não leva a nada e a criança em vez de ser ajudada será prejudicada. Não devemos esquecer que a criança precisa ser educada para a vida, para poder enfrentá-la, apesar das suas deficiências.

Não é apenas o círculo restrito da família no qual a criança precisa aprender a viver, é o mundo. Ela deverá conhecer os obstáculos que terá que enfrentar, a incompreensão de terceiros a adversidade que fará parte da sua existência num mundo de videntes. A criança deve aprender que todo mundo tem seus problemas, que a vida exige de nós uma atitude corajosa e uma boa dose de otimismo para se existir nela.

Existem limites, mas existe também a possibilidade de despertar na alma da criança tudo que existe de bom, de cultivar seus talentos e de formar seu caráter.

FIM



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excerto da obra
"COMO DEVO EDUCAR MEU FILHO CEGO?"
Autor: WILHELM HEIMERS
Título do Original em Alemão: Wie erziehe ich mein blindes Kind?
Editora: Verein zur Förderung der Blindenbildung e. V. Hannover - Kirchrode - 1965
Tradutor: Huberto Schoenfeldt
Edição patrocinada pela Campanha Nacional de Educação dos Cegos
Dezembro de 1970 - São Paulo - Brasil
[Livro digitalizado por Suzi Belarmino]

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7.Jan.2010
publicado por MJA