Ruth Loch
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RESUMO | A cartografia tátil é um ramo específico da Cartografia, que se ocupa da confecção de mapas e outros produtos cartográficos que possam ser lidos por
pessoas cegas ou com baixa visão. Os mapas e gráficos táteis tanto podem funcionar como recursos educativos, quanto como facilitadores de mobilidade em
edifícios públicos de grande circulação, como terminais rodoviários, metroviários, aeroviários, nos shopping centers, nos campi universitários, e
também em centros urbanos. Desta forma, os produtos da cartografia tátil podem ser enquadrados como recursos da tecnologia assistiva por auxiliarem a promover
a independência de mobilidade e ampliar a capacidade intelectual de pessoas cegas ou com baixa visão. Em decorrência de fatores socioeconômicos e estágio de
desenvolvimento tecnológico, não existem padrões cartográficos táteis aceitos mundialmente como acontece na cartografia analógica - aquela produzida para
pessoas com visão normal. Portanto, verifica-se a necessidade de cada país criar seus padrões e estabelecer normas para a cartografia tátil tomando como base a
matéria-prima existente, o grau de desenvolvimento tecnológico, a acessibilidade e o preparo dos deficientes visuais para uso desses produtos. Diante do exposto,
são feitas aqui algumas considerações sobre o atual estágio da cartografia tátil, enfocando alguns pontos-chave geralmente desconhecidos dos cartógrafos, assim
como os resultados de padronização de mapas táteis decorrentes de um projeto de pesquisa e extensão, em desenvolvimento na Universidade Federal de Santa
Catarina, iniciado em 2003.
INTRODUÇÃO
Para estudar a história da Cartografia é preciso acompanhar a evolução da humanidade, pois elas são indissociáveis na medida em que se confundem a
evolução de idéias, da tecnologia e da sociedade.
Encontram-se desenhos que lembram mapas primitivos em muitas inscrições rupestres de cavernas, em couro de búfalos, em tabletes de argila, comprovando a
necessidade do homem representar o ambiente em que vivia ou encontrava alimentos. A conquista de territórios, as demarcações de terras para a
agricultura e o estabelecimento de domínios exigiram a representação em mapas cada vez mais precisos, conforme suportava o conhecimento da época. As
revoluções científicas trouxeram novos aparatos tecnológicos, e as novas idéias e necessidades da sociedade exigiram
maior rigor nas representações, tanto em termos geométricos quanto no conteúdo que os mapas veiculavam. Mas, antes da invenção da imprensa, os mapas, assim
como a literatura, eram restritos a uma pequena camada social dos grupos dominantes privilegiados com a educação formal, chegando a ser, muitas vezes,
segredo de Estado.
Aos poucos, a educação atingiu outras camadas sociais ascendentes; aprender a ler e escrever tornou-se uma necessidade cultural da burguesia, e os livros e
mapas impressos tornaram-se mais presentes e conseqüentemente mais populares. Porém, ao longo de toda a história da humanidade, em nenhum momento os mapas
foram tão acessíveis quanto atualmente na era da informação digital. Os computadores provocaram uma revolução jamais vista na cartografia, tanto no que
concerne a confecção quanto na disposição e uso de mapas, e essa revolução tende a se estender com a disseminação desses na internet. A possibilidade de
informações geográficas em banco de dados espaciais colocou a cartografia a serviço de inúmeras atividades estratégicas da sociedade contemporânea, assim
como na disseminação de informações em veículos de comunicação de massa.
Por mais populares que sejam os mapas nos dias atuais, e que possam ser acessados e vistos pela maioria da sociedade, existe uma camada minoritária
desprovida do sentido da visão, que não pode ver e usar esses mapas. Assim como o sentido da visão é reconhecidamente o mais importante canal para a aquisição
da informação espacial e geográfica, reconhece-se que os mapas são veículos de informação visual dessas informações. Então, como seria possível tornar os mapas
"visíveis" para as pessoas com deficiência visual? Por que precisam de mapas? Ora, as informações cartográficas para essas pessoas, assim como para as que
enxergam, são extremamente importantes para uma compreensão geográfica do mundo; eles possibilitam a ampliação da percepção espacial e facilitam a mobilidade.
Então os mapas convencionais precisam de alguma maneira ser concebidos para a leitura tátil, a exemplo da invenção dos seis pontinhos que permitiram às
pessoas cegas ler e escrever. Já faz mais de 180 anos que o sistema braile (sistema de escrita e impressão para cegos, inventado por Louis Braille em 1825)
promoveu verdadeira revolução na vida dessas pessoas, possibilitando sua qualificação para assumir posições no âmbito profissional, intelectual, afetivo,
etc., até então inconcebíveis. No entanto, na Cartografia, a preocupação com a produção de mapas táteis parece ser muito mais recente. Há pouca informação
sobre esse tipo de cartografia, especialmente no Brasil.
Vasconcellos (1996) apontou alguns autores estrangeiros que contribuíram significativamente para a divulgação das pesquisas em cartografia tátil nos anos
1970, como Wiedel e Groves; James e Armstrong; Franks e Nolan; Kiedwell e Greer. Nos anos 1980, ela destacava Weidel; Schiff e Foulke; Nicolai, Tatham e Dodds;
Ishido, Levi e Amick; Bentzen; e Barth. Na década de 1990, mereceram destaque Keming; Coulson et al.;Tatham; Edman; e Rener.
Vasconcellos faz parte dessa galeria de expoentes em cartografia tátil por ser precursora de pesquisas nessa área do conhecimento no Brasil. No entanto,
esse reconhecimento parece ter sido mais em nível internacional, onde se encontram seus artigos publicados em congressos e em um capítulo de livro, nos
anos 1990. Na última década, a pesquisadora arrefeceu seus trabalhos e publicações nessa área, e quase nada se tem encontrado em anais de eventos
científicos que tratem deste tipo de cartografia.
Diante do exposto, são feitas aqui algumas considerações sobre o atual estágio da cartografia tátil, enfocando alguns pontos-chave geralmente
desconhecidos dos cartógrafos, assim como alguns resultados obtidos no decorrer de um projeto de pesquisa e extensão em desenvolvimento na Universidade Federal
de Santa Catarina – UFSC, iniciado em 2003.
Na primeira fase do projeto, literalmente se tateou no escuro, buscando o conhecimento para elaborar mapas táteis urbanos (ALMEIDA; LOCH, 2005). Na
segunda fase, motivados pelo trabalho desenvolvido, foram apresentados projetos à FINEP e ao CNPq obtendo-se recursos financeiros e bolsas para a criação de
padrões de mapas táteis no Brasil. O projeto tinha dois objetivos básicos: a) Desenvolver padrões cartográficos táteis para a elaboração de produtos em escala
grande, referente a ambientes públicos internos de grande circulação e centros urbanos; b) Desenvolver padrões de produtos cartográficos táteis em escala
pequena para atender às necessidades do ensino de Geografia no ensino fundamental e médio, como forma de promover o acesso do cidadão com deficiência
visual à informação espacial.
Para atender a cada um desses objetivos, foi utilizada a mesma a tecnologia, como será explicado mais adiante; mas a concepção dos mapas, pela sua natureza e
escala, foi totalmente diferente. Todo o trabalho de pesquisa para desenvolver os mapas táteis foi pautado na premissa de que os padrões desenvolvidos
permitissem produzir esses mapas em qualquer lugar do país (essa era uma exigência da FINEP).
É importante dizer que o projeto em desenvolvimento no Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar – LabTATE tem ocorrido de forma multidisciplinar,
com a participação de professores e estudantes de graduação e pós-graduação em Geografia, Cartografia e Design. Também está sendo muito importante, senão
essencial, a participação de pessoas cegas de diferentes idades, etnias, gênero e grau cultural, que fazem parte da Associação Catarinense para a Integração do
Cego – ACIC, da Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE e das salas de recursos de escolas da rede pública. Tal participação é fundamental para a
avaliação dos padrões desenvolvidos no que se refere ao layout, à textura, ao relevo e à simbologia dos mapas; afinal, serão pessoas como estas os usuários
dos mapas táteis.
O USUÁRIO DA CARTOGRAFIA TÁTIL
A cartografia tátil é um ramo específico da Cartografia, que se ocupa da confecção de mapas e outros produtos cartográficos que possam ser lidos por
pessoas cegas ou com baixa visão. Desta forma, os mapas táteis, principais produtos da cartografia tátil, são representações gráficas em textura e relevo,
que servem para orientação e localização de lugares e objetos às pessoas com deficiência visual. Eles também são utilizados para a disseminação da informação
espacial, ou seja, para o ensino de Geografia e História, permitindo que o deficiente visual amplie sua percepção de mundo; portanto, são valiosos
instrumentos de inclusão social.
Entende-se por deficientes visuais (DVs), as pessoas que apresentam impedimento total ou parcial da visão, decorrente de imperfeição do sistema
visual. A rigor, diferencia-se a deficiência visual, em parcial, também designada visão sub-normal ou, mais corretamente, de baixa visão, e cegueira,
quando a deficiência visual é total, (SASSAKI, 2007). É considerado cego o indivíduo que apresenta acuidade visual menor que 0,05 no seu melhor olho, sem
ajuda de equipamento auxiliar, o que significa que poderá ver a três metros o que um indivíduo sem problemas de visão enxerga a sessenta metros, (SENA; CARMO,
2005). Quanto à baixa visão, existem muitos e distintos tipos que impedem, mesmo com o auxílio de dispositivos tecnológicos, que o indivíduo responda a testes de
acuidade visual com símbolos.
É preciso lembrar que no Brasil existiam no ano de 2000, cerca de 11,77 milhões de pessoas com deficiência visual (IBGE, 2000). Segundo a Organização
Mundial para a Saúde, 90% das pessoas cegas ou com baixa visão vivem em países subdesenvolvidos. Essas cifras mostram a necessidade de socorro tecnológico,
científico, educacional e profissional para essa população. Porém, para fazer a inclusão social, não basta existir leis específicas; a academia, através da pesquisa, o governo,
com o apoio financeiro para promover pesquisas e preparar profissionais aptos para a educação especial, e as organizações sem fins lucrativos precisam
trabalhar em conjunto.
No que diz respeito à educação para a inclusão social, o Artigo 58 da LDB (Leis de Diretrizes Básicas) assegura que a escola regular disponibilizará
serviços de apoio especializado para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. Quando não for possível a integração do aluno nas classes
comuns de ensino regular, esse atendimento educacional deve ser feito em classes especializadas denominadas "Salas de Recursos". O artigo 59 da LDB afirma que os
sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização peculiar, para
atender às suas necessidades.
Os mapas e gráficos táteis tanto podem funcionar como recursos educativos, como facilitadores de mobilidade em edifícios públicos de grande circulação,
como nos terminais rodoviários, metroviários, aeroviários, nos shopping centers, nos campi universitários, e também em centros urbanos. Para se tornarem uma
realidade em nosso país é preciso o engajamento dos segmentos citados. De qualquer forma, em ambos os casos, os produtos da cartografia tátil podem ser
enquadrados como recursos da Tecnologia Assistiva, considerados assim por auxiliarem a promover a independência de mobilidade e ampliar a capacidade
intelectual de pessoas cegas ou com baixa visão.
O termo Tecnologia Assistiva é muito novo no Brasil, sendo conhecido na legislação como "Ajudas Técnicas", "Adaptações" ou "Tecnologia de Apoio"; tanto
que o Ministério da Educação lançou o "Portal de Ajudas Técnicas" onde apresenta vários recursos interessantes para a educação de alunos com deficiência, em
termos de materiais pedagógicos adaptados e comunicação alternativa. Já o Ministério da Ciência e Tecnologia vem empregando esse termo e, no ano de 2005,
lançou pela primeira vez um edital para apoio financeiro de projetos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias assistivas, onde se obteve o financiamento do
projeto "Mapas Táteis: instrumento de inclusão social de pessoas com deficiência visual". Esse ministério caracterizou as tecnologias assistivas como
"tecnologias que reduzem ou eliminam as limitações decorrentes das deficiências física, mental, visual e/ou auditiva, a fim de colaborar para a inclusão social
de pessoas portadoras de deficiência e dos idosos". Resumindo, tecnologia assistiva é o termo utilizado para identificar todo o arsenal de recursos e
serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e, conseqüentemente, promover vida independente e
inclusão.
Com base na citação de Mary Pat Radabaugh que diz que, se a tecnologia para as pessoas torna as coisas mais fáceis, para os deficientes ela torna as coisas
possíveis, raciocinamos da seguinte maneira em relação à Cartografia: para as pessoas, os mapas reduzem o mundo, auxiliando-as na sua compreensão; para as
pessoas com deficiência visual, os mapas ampliam sua concepção de mundo, auxiliando-as na sua autonomia.
A CARTOGRAFIA TÁTIL EM ALGUNS PAÍSES
Na Espanha, a Organización Nacional de Ciegos Españoles – ONCE, entre os tantos materiais táteis e dispositivos de ajuda tecnológica que produz, estão
alguns mapas táteis em escala grande reproduzidos em braillon (material semelhante ao acetato). Atualmente, uma parte no processo de geração de mapas
táteis e livros infantis para a educação é automatizada, sendo os desenhos básicos gerados em meio digital com programa de desenho gráfico, as matrizes em
máquina específica que raspa uma placa de acrílico. Contudo, a ONCE ainda permanece utilizando algumas matrizes de mapas táteis desenvolvidas de forma
artesanal. A reprodução dos mapas a partir das matrizes é feita de forma manual em máquinas (tipo a Termoform) que aquecem plástico para moldá-lo no relevo das
matrizes.
Não se observou nenhuma preocupação com a padronização de mapas na ONCE, quando de nossa estada naquele organismo em março de 2006; no entanto,
percebeu-se no mapa do centro de Barcelona, a tentativa de atender àqueles que têm baixa visão, pois são apresentados em cores contrastantes. Mas os mapas
táteis para a educação não são concebidos para os DVs com baixa visão, pois são todos em acetato branco. Os mapas são vendidos ao público interessado a preços
simbólicos, que vão de 3 a 6 euros cada.
Em Portugal os mapas táteis são confeccionados, na sua maior parte, em papel microcapsulado; entretanto, assim como na ONCE, ainda existem reproduções em
acetato, executadas a partir de matrizes feitas de forma artesanal. A responsabilidade de confecção de mapas táteis nesse país é do governo, através
do Ministério da Educação, na Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, especificamente no sub-setor Direcção de Serviços de Educação
Especial e do Apoio Sócio-Educativo. Em Portugal, não são confeccionados mapas táteis em escala grande; somente os mapas para a educação, os quais, assim como
outros produtos táteis e textos de livros didáticos em braile, são fornecidos às escolas pelo Ministério da Educação, sem ônus.
Em ambos os países, existem setores de educação especial (da ONCE na Espanha, e das escolas públicas em Portugal) que se encarregam de
ensinar os DVs a "ler"
mapas táteis quando do ensino de Geografia e História. Há um consenso entre os professores e pesquisadores do assunto de que os DVs precisam aprender a ler
mapas na escola, assim como as crianças que enxergam. Se não aprenderem a ler mapas, não saberão utilizá-los.
Na Itália, verifica-se a existência de mapas para a mobilidade de pessoas cegas em alguns aeroportos, no centro histórico e nas imediações da Praça São
Pedro, no Vaticano. No caso dos aeroportos, as plantas táteis são confeccionadas em um material emborrachado, e dispostas ao lado das portas de acesso dos
edifícios. Na cidade de Roma, as plantas são confeccionadas em placas de bronze, localizadas em algumas esquinas junto aos prédios.
No Canadá, as pesquisas sobre cartografia tátil estão bem avançadas. O governo desse país disponibilizou na internet, em um endereço eletrônico de
acesso gratuito:
mapas
para download, em dois formatos comerciais. Tais mapas estão agrupados segundo três categorias:
-
mapas
para a educação,
-
mapas
para a
mobilidade
-
mapas
para turismo e deslocamento.
Os primeiros podem ser impressos em papel microcapsulado, os outros apresentam essa saída e mais outra denominada mapas
áudio-táteis, elaborados em Scalable Vector Graphics – linguagem de design e animação vetorial para a internet. Segundo as instruções do site, essa saída de
mapas é usada concomitantemente com os mapas em relevo do papel microcapsulado.
Os mapas para mobilidade são criados com a finalidade de auxiliar DVs a aprender a se deslocar no espaço e em rotas que regularmente transitam, como do
ponto de ônibus até seu trabalho. Esses mapas trazem informações sobre as ruas, edifícios e outras feições importantes para a mobilidade. Os mapas para turismo
são destinados a indivíduos cegos ou com baixa visão, para auxiliá-los a planejar viagens e deslocamentos dentro do Canadá, incluindo nessa categoria o
mapeamento de centros urbanos das principais cidades do país.
A CARTOGRAFIA TÁTIL NO BRASIL
Oka (2000), ao discutir a elaboração de material tátil para a educação junto aos representantes de alguns países, constatou que uma das dificuldades maiores
para a padronização desses é a matéria-prima disponível para a sua produção, a qual varia de um país a outro. Por esta razão, e por fatores socioeconômicos e
estágio de desenvolvimento tecnológico, não existem padrões cartográficos táteis aceitos mundialmente, como acontece na cartografia analógica (aquela produzida
para pessoas com visão normal). Portanto, verifica-se a necessidade de cada país criar seus padrões e estabelecer normas para a cartografia tátil, tomando como
base a matéria-prima existente, o grau de desenvolvimento tecnológico, a acessibilidade e o preparo dos deficientes visuais para uso desses produtos.
Barbosa (2005) considerava que em breve seria iniciada a discussão sobre a elaboração de normas para estabelecer as condições de padronização das
informações para produção dos mapas táteis, considerando para tanto a representação gráfica da configuração dos ambientes internos ou externos através
de textura ou relevo. Contatos através de correspondência eletrônica com Barbosa (que é membro da comissão CB-40 da ABNT) mostraram que as discussões a respeito
dessa questão ainda não haviam sido iniciadas na ABNT em 2005, e até agora não
se tem constatado evolução com relação a isso.
No Brasil, assim como na maioria dos países da América Latina, a produção na
cartografia tátil ainda é precária. Algumas pesquisas sobre mapas táteis,
conforme já mencionado no início desse artigo, foram feitas na USP, por
Vasconcellos (1996) na década de 1990. Os resultados alcançados levaram à
implantação do Laboratório de Ensino e Material Didático – LEMADI, no
Departamento de Geografia da USP, onde são desenvolvidas pesquisas para a
elaboração, aplicação e avaliação de representações gráficas táteis para alunos
deficientes visuais. Em visita ao LEMADI em 2006, verificou-se que a produção de
material didático tátil ainda é feita de forma totalmente artesanal.
Segundo Sena e Carmo (2005), desde 2002, esse laboratório participa de um
projeto de pesquisa, juntamente com a Argentina, coordenado pela Universidade
Tecnológica Metropolitana – UTEM, de Santiago, Chile, visando à elaboração de
material cartográfico tátil e cursos de capacitação para professores, pais e
deficientes visuais.
Nos últimos três anos, Ventorini e Freitas (2004) vêm desenvolvendo pesquisas
com o objetivo de implementar diversos dispositivos robóticos (aliados a
maquetes) que auxiliem cegos, surdos e pessoas com baixa visão, no aprendizado
de Geografia e em outras áreas da ciência.
Alguns Institutos e Fundações de apoio à pessoa com necessidades especiais
ligados ao Ministério da Educação, como o Instituto Benjamim Constant – IBC e a Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE, além de entidades
filantrópicas, como a Fundação Dorina Nowill para Cegos, e a Laramara –
Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, produzem, adaptam e
distribuem diversos materiais para atividades pedagógicas e para a vida diária
das pessoas cegas ou com baixa visão. Entre tais materiais, encontram-se alguns
poucos mapas, plantas baixas genéricas e gráficos. Entretanto, apesar dos
louváveis esforços dessas instituições no que concerne aos mapas táteis, elas
não têm conseguido atingir um padrão cartográfico eficiente ou suficiente para o
ensino de Geografia e História e nem têm conseguido atingir a demanda em nível
de Brasil. Atribui-se como causas a ausência de pessoas especializadas em
Cartografia ou Geografia, envolvidas nessa produção, a forma totalmente
artesanal dessa produção, aliada à falta de uma política eficaz, ou de vontade
política, para dar solução ao problema. Como conseqüência, nas salas de recursos
da grande maioria das escolas brasileiras, quase nada existe de material
cartográfico tátil.
Os mapas táteis no estado de Santa Catarina são produzidos pela FCEE,
organismo do governo estadual que, entre tantas atividades de apoio à educação
de pessoas com necessidades especiais, tem se esforçado para atender às escolas
da rede pública estadual no que concerne aos mapas para o ensino de História e
Geografia. Porém, não existe nenhum especialista em cartografia que oriente a
produção desses materiais, que são feitos de forma artesanal e sem padronização.
Foi justamente a necessidade de preencher essa lacuna que conduziu os técnicos
da Fundação a procurar profissionais da cartografia dentro do curso de Geografia
da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC para apoiar seus trabalhos com
mapas. A FCEE faz a transformação dos mapas de livros didáticos para mapas
táteis dos livros didáticos em braile. Foi essa assessoria que deu origem aos
projetos de mapas táteis e ao Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar da UFSC
– LabTATE, criado em 2006 no Departamento de Geociências.
A CONCEPÇÃO DE MAPAS TÁTEIS
É senso comum que a função primeira de um mapa é representar elementos
selecionados de um determinado espaço geográfico, de forma reduzida, utilizando
uma linguagem gráfica característica. Cosgrove (2003) apresenta um conceito
interessante de mapa. Para ele, "O mapa é um dos instrumentos que servem para
aumentar a capacidade do corpo humano, ele é um objeto híbrido, nem puramente
natural nem puramente cultural. Como um telescópio ou microscópio, ele nos
permite ver em escalas impossíveis para olhos descobertos e sem precisar nos mover fisicamente no
espaço". Como vemos, o mapa é concebido para ser visto dentro de um mundo onde o
sentido da visão é fundamental.
De forma geral, os mapas são concebidos para transmitir a "visão" subjetiva
ou o conhecimento de alguém ou poucos, para muitos; ele é principalmente um
dispositivo de apresentação do meio. Nesse contexto, a comunicação cartográfica,
preocupação intrínseca da cartografia temática, vem sendo objeto de estudos há
mais de quarenta anos e continua aberta à pesquisas.
Os mapas para "ver" foram uma das preocupações de Bertin (1986), que deixou
como maior legado a sistematização das Variáveis Visuais ou Variáveis Gráficas,
as quais foram identificadas como modulações visuais no plano das primitivas
gráficas: ponto, linha e área. Essa abordagem é utilizada na construção de mapas
temáticos ainda hoje, ampliada pela introdução dos computadores toda vez que se
quer construir, principalmente, mapas socioeconômicos. No entanto, para outros
ramos da Cartografia que se ocupam da elaboração dos mapas de referência, dos
mapas topográficos e dos mapas de uso especial, ainda que se utilizem das
primitivas gráficas para a sua elaboração, utilizam outros conceitos para a sua
construção, que não os das variáveis visuais. Esses mapas são para análise, e,
por mais que a visualização dos elementos a serem representados deva ser uma
preocupação do cartógrafo, eles utilizam uma variada gama de simbologia que se
faz cada vez mais presente quanto menor for a escala do mapa. Contudo, num
processo de mapeamento, o mapa é um mero estágio no processo, que é completado
pelo seu uso quando ocorre o entendimento do seu conteúdo.
A abordagem acima nos remete às questões intrínsecas da Cartografia toda vez
que se vai confeccionar um mapa, pois todo mapa é subjetivo na medida que
envolve um lugar, um tema e um cartógrafo. Existem muitas outras questões a
serem consideradas na elaboração de um mapa; mas é certo que todo mapa tem uma
função e um público. Desta forma, no que tange à cartografia tátil, as questões
são as mesmas, resguardadas suas especificidades em razão de seus produtos serem
concebidos para pessoas com deficiência visual.
Os propósitos de uso de mapas táteis
Os mapas táteis são confeccionados para atender principalmente as duas
necessidades: a educação e a
orientação/mobilidade de pessoas com deficiência
visual severa ou com cegueira. Desta forma, para a primeira necessidade os mapas
serão aqueles de referência geral, concebidos em escala pequena, como os mapas
de atlas e os geográficos de parede, além dos mapas de livros didáticos.
Para
atender à segunda necessidade, os mapas precisam ser confeccionados em escalas
grandes, como é o caso dos mapas de centros urbanos, e em escala maior ainda,
para auxiliar a mobilidade em edifícios públicos de grande circulação. Na
verdade, esses últimos mapas são plantas, pois representam em projeção
ortogonal, os elementos selecionados de pequenas porções da superfície terrestre
ou de edifícios. A concepção dos mapas táteis para a educação e para a
mobilidade, devido sua natureza, é distinta, analogamente aos mapas
convencionais que lhes dão origem.
Os mapas para a educação, na sua grande maioria, são mapas que devem
localizar fenômenos geográficos e lugares, para o ensino das disciplinas de
Geografia e História. No entanto, a educação formal atinge faixa etária entre 6
e 15 anos aproximadamente. É certo que uma criança de 8 ou 9 anos, mesmo que
enxergue, dificilmente se apropriará do conteúdo de um mapa para a construção do
saber, mesmo com a intermediação do professor. Portanto, o primeiro cuidado na
confecção de mapas táteis reside na definição de o quê traduzir e como fazê-lo
(generalização) para diferentes faixas etárias, face ao grau de desenvolvimento
cognitivo e espacial da criança. O cartógrafo deve ainda estar ciente da
tecnologia disponível para tal tarefa (criação e reprodução) e da necessidade de
realizar testes cognitivos com os DVs, pois na maioria das vezes aquilo que ele
considera bom para a tradução gráfica tátil, pode não dar a leitura esperada
quando o mapa é examinado pelo seu usuário em potencial.
Apresentam-se no Quadro 1 as implicações ou fatores mais importantes a serem
considerados na cartografia tátil, nos dois momentos do processo cartográfico:
produção e uso. Este quadro resume experiências na tentativa de padronização de
mapas táteis para o Brasil, apontando também tecnologias não disponíveis ainda
em nosso país.
Quadro 1 - A elaboração e uso de mapas táteis
Fatores conceituais
a) Escolha dos mapas convencionais básicos
Como os mapas táteis são confeccionados a partir de mapas convencionais, é
preciso escolher os mapas-base conforme os propósitos de uso e as necessidades
dos usuários. Assim, é preciso pensar na generalização desses mapas para
adaptá-los para o modo tátil. Isto é necessário porque nem tudo em um mapa
convencional pode ser transcrito para a leitura tátil. Pequenos elementos ou
áreas podem sofrer quatro tipos de generalização: fusão, seleção, realce ou
deslocamento, conforme sua importância; as linhas devem ser generalizadas por
suavização ou realce. Contudo, a generalização para esse tipo de mapa não é
decorrente da redução da escala do mapa (muitas vezes ele é ampliado), mas sim
porque, para ser recriado na forma tátil, o mapa deve ser tão rústico que
permita a implantação de texturas em relevo para que na leitura tátil o DV faça
a diferenciação das linhas, pontos e áreas que o compõem. Portanto, na
cartografia tátil, podem-se fazer ampliações e deformações que jamais seriam
permitidas na cartografia convencional.
b) Escolha da simbologia e das variáveis gráficas
Na gramática cartográfica, ponto, linha e área, ao serem transcritos para os
mapas táteis podem sofrer variações na forma, no tamanho, em orientação, ou
seja, utilizam três das seis variáveis gráficas de Bertin (1996). Mas é preciso
lembrar que essas variáveis visuais devem ser transformadas em variáveis táteis,
isto é, elas aparecerão em um mapa tátil sempre em relevo, o que não chega a ser
exatamente uma terceira dimensão e nem mesmo podem ser interpretadas como
volume, salvo a variável tátil volume (vide Figura 1). Os pontos, linhas e/ou
áreas de um mapa tátil destacam-se do substrato de suporte do mapa como se fosse
um relevo imposto na base plana que contém o mapa, seja ele um papel, um
plástico ou uma placa de metal ou emborrachada. Desta forma, as mãos que fazem a
leitura tátil podem acompanhar cada linha, identificar e localizar pontos,
definir e diferenciar áreas. De modo geral, essa textura tem menos de 0,2
centímetros de altura; a partir daí já pode ser entendida como diferenças no
volume, o qual é de difícil construção para a maioria dos métodos de produção de
mapas táteis, pois as alturas entre as áreas precisam ter degraus facilmente
sensíveis ao tato.
c) Uso das variáveis gráficas táteis em mapas
Para utilizar as variáveis gráficas táteis na construção de mapas é preciso
levar em consideração as ações cognitivas derivadas do tato. Nesse contexto, as
variáveis gráficas hápticas utilizadas nos mapas táteis podem ser
correlacionadas às variáveis visuais, conforme mostrado na Figura 1, com as
considerações específicas que exige a discriminação tátil.
A variável gráfica tátil tamanho nas implantações pontual e linear pode ser
utilizada em até três tamanhos bem distintos ─ mais que isso, os
DVs apresentam dificuldades para fazer associações ou detectar
diferenças. O menor tamanho de ponto é de 0,2 centímetros e o maior é em torno
de 1,2 centímetros de diâmetro; a partir daí ele pode ser confundido como sendo
área. Para um DV distinguir uma feição linear (rio ou estrada), o menor tamanho
é em torno de 1,3 centímetros; menor que isso pode ser interpretada como símbolo
pontual.
Figura 1 – Exemplos de variáveis gráficas táteis
nas implantações pontual,
linear e em área.
A variável gráfica tátil forma precisa ser concebida das mais variadas
maneiras, quando se referir a um ponto no mapa; deve ir além daquelas
geométricas, como círculo, quadrado e triângulo. Verificou-se que alguns
símbolos do zodíaco e letras do alfabeto grego são alternativas interpretadas
pelos DVs como variações na forma. Ao serem utilizadas em um mesmo mapa junto às
formas geométricas, facilitam a discriminação de pontos diferentes ou mesmo
aludem a diferentes áreas. Exemplos serão mostrados no item que tratará da
padronização de mapas táteis.
Quanto à representação de áreas, verificou-se nos testes efetuados que as
variáveis visuais forma, tamanho e orientação devem ser utilizadas em conjunto
em um mesmo mapa para facilitar a discriminação tátil. Quanto mais diferenciados
forem os padrões formados pelos pontos ou linhas que preenchem as diferentes
áreas, mais facilmente elas serão reconhecidas pelo tato.
Se um mapa tátil apresentar áreas muito pequenas ou estreitas, será muito
difícil para um DV discriminá-las ou reconhecê-las; por isso, deve ser buscado
outro meio de fazer a representação dessas áreas, que não as variáveis táteis.
Uma solução é utilizar uma letra em braile para identificá-la.
Foi verificado nos testes táteis que os DVs entendem mais facilmente um mapa,
ou seja, fazem a discriminação das diferentes classes (ou atributos)
apresentadas em áreas, se em vez de texturas for utilizado o braile (como letras
ou números) para identificar cada uma delas, fazendo uso da legenda para
decodificá-las. Compare na Figura 2 um mapa tátil elaborado com variáveis
táteis, e o mesmo construído somente com limites de áreas e identificador em
braile.
Para quem enxerga, parece ser mais fácil identificar variações no mapa com
texturas táteis, porque elas são mais visíveis; mas, para os DVs, a segunda
opção foi mais cognoscível. Mesmo assim, a quantidade de atributos ou classes
para representaçõs zonais ─ com áeas delimitadas e identificadas
por letra ou núero em braile, decodificado na legenda do mapa táil ─ nã deve ser
maior que sete.
Nos mapas táteis de uso mais geral, como os mapas políticos, e para os mapas
temáticos físicos, como das bacias hidrográficas, dos tipos de clima etc.,
construídos em escala muito pequena, a solução apresentada acima pareceu ser
mais eficiente para a leitura tátil, que utilizando variáveis gráficas para
preencher áreas.
d) A determinação do layout e do texto
A determinação do layout e do texto sobre o mapa é tão importante na
cartografia tátil quanto na cartografia convencional, pois um mapa deve ser
compreendido a partir dos textos que ele traz no seu corpo ou na legenda. A
orientação geográfica (marcação da direção Norte) é muito importante para o
posicionamento de leitura de um mapa tátil em escala pequena, assim como a
escala gráfica, que auxilia o DV a imaginar as dimensões ou extensões na
realidade.
e) Outros fatores importantes
Outro importante fator a ser considerado na concepção de mapas táteis diz respeito à quantidade de atributos ou classes que um mapa pode conter,
quando elaborado com as variáveis táteis. Verificou-se nos testes táteis
efetuados, que, para ser entendido pelo DV, não deve haver mais de dois
atributos em cada mapa temático físico. Uma coleção de mapas seria uma solução
para o problema de muitos atributos, mas constatou-se que os cegos têm
dificuldades em "juntá-los" mentalmente para entender sua distribuição espacial
e compor o todo em análise.
Os mapas e plantas em escala muito grande com a função de auxiliar na
orientação e mobilidade, ao contrário de mapas para a educação, utilizam pouca
simbologia quando se trata dos mapas convencionais. No entanto, para esses tipos
de mapas na versão tátil, é necessário incorporar simbologias principalmente
pontuais para marcar lugares importantes para a locomoção e orientação no espaço
de interesse, sejam eles um edifício público, ou um centro urbano.
Limitações técnicas
A introdução de computadores para a produção cartográfica, desde os anos
1970, em países mais desenvolvidos tecnologicamente, espalhou-se pelo planeta
proporcionando uma revolução nessa área do conhecimento. Para os mapas convencionais, há mais de vinte e cinco anos utilizam-se softwares específicos
para sua produção, mas no que tange à cartografia tátil, isso ainda não é comum
em todos os países. A tecnologia para a confecção e uso de mapas táteis pode ser
sofisticada e cara ou muito simples e ainda artesanal.
Apesar dessa enorme variação na maneira de produzir mapas táteis, salienta-se
que, além dos custos que tornam os mapas acessíveis aos DVs, a tecnologia
sofisticada pode não ser a mais eficaz se os mapas não forem de fácil cognição.
Para tanto, os mapas devem ser produzidos por especialistas, de forma
multidisciplinar sempre que possível, e principalmente testados e aprovados por
pessoas com deficiência visual.
Também é importante dizer que existem vários tipos de baixa visão, o que
torna complicado fazer mapas para atender a esse público; por isso, os mapas com
texturas em alto relevo que têm como público-alvo as pessoas cegas podem ser uma
solução genérica para a maioria dos DVs.
a) Produção artesanal
A elaboração de mapas táteis pode ser totalmente manual, desde o desenho dos
mapas para confeccionar a matriz, até a confecção desta, que é construída
artesanalmente através da colagem de diferentes materiais, como a cortiça,
emborrachados, barbantes e material de bijuteria. Para sua reprodução é
utilizada tecnologia manual, isto é, a matriz produzida é colocada em uma
máquina que aquece uma folha de acetato (brailex ou braillon) e com ajuda de uma
bomba de vácuo molda-o à matriz reproduzindo o mapa em relevo.
b) Elaboração digital/artesanal e reprodução manual
Para a elaboração do mapa-base em meio digital, é utilizado um software de
desenho gráfico para gerar o mapa generalizado, visando à produção do mapa
tátil. A confecção da matriz é feita de forma artesanal, como no caso anterior,
e na sua reprodução também é utilizada a mesma tecnologia. A vantagem em criar
mapas no computador reside na possibilidade de se padronizarem formas, tamanhos,
temas e layouts para todo o país, principalmente se forem disponibilizados pela
internet. Essa é uma proposta do LabTATE no endereço eletrônico:
www.labtate.ufsc.br.
c) Tecnologia automatizada e reprodução manual
Para a elaboração automatizada, utiliza-se um software de desenho gráfico
para gerar o mapa-base generalizado para a confecção da matriz, que é produzida
de forma automática por máquinas que lêem o programa que contém o mapa e o
recriam em uma chapa de acrílico que serve como substrato para a matriz. As texturas
e formas do mapa são reproduzidas por uma ponteira que faz a raspagem do
acrílico. A reprodução dos mapas continua sendo feita com tecnologia manual
idêntica aos casos anteriores. Esse método é utilizado na ONCE, que vê como
principal a vantagem desse tipo de reprodução, a possibilidade de confeccionar
mapas coloridos, por serigrafia sobre o plástico, e dessa forma facilitar sua
leitura por pessoas com baixa visão.
d) Tecnologia automatizada, reprodução em papel microcapsulado
Após a elaboração do mapa em meio digital utilizando um software de desenho
gráfico, ele é impresso em papel microcapsulado (Zy-tex, Flexipaper, Piaf) por
impressora a jato de tinta. Esse papel especial contém em sua superfície
microcápsulas de álcool que, ao serem expostas ao calor, agem sobre a tinta
preta, formando textura. Nesse método de elaboração em papel microcapsulado, o
mapa não necessita de uma matriz; depois de digitalizado, pode ser armazenado em
arquivo digital em qualquer formato. Utiliza-se uma máquina especial (Tactile
Image Enhacer) para aquecer o papel, obtendo-se então as texturas. As linhas
negras impressas absorvem o calor, provocando uma explosão de microcápsulas, que
fazem com que a tinta preta impressa no papel se eleve, constituindo textura em
relevo.
e) Produção e uso em meio digital
Toda a elaboração dos mapas, gráficos ou desenhos é feita com auxílio de
computador, assim como a sua disponibilização para os DVs. Esse é o caso do
gerador de superfície assistido por computador, que consiste em um dispositivo
tipo placa, atrelado a um computador que permite movimentar atuadores de pinos
para gerar uma superfície de contorno. Ainda não se sabe sobre a eficiência
desse dispositivo para a disposição de mapas, mas sabe-se que seu custo é o mais
elevado de todos. Nesse caso, pode ser acrescentado som para auxiliar na leitura
do mapa.
PADRONIZAÇÃO DE MAPAS TÁTEIS
A proposição de padrões para mapas táteis deve, antes de tudo, ser vista a
partir de três perspectivas principais:
-
dos recursos disponíveis para a
produção de mapas e dos recursos financeiros dos DVs para adquirirem os mapas;
-
da portabilidade dos mapas e,
-
da popularização dos mapas, isto é, as
possibilidades de reprodução desses em qualquer lugar do país.
Nesse sentido, os padrões propostos para o Brasil, estudados exaustivamente
no projeto mapas táteis, admitiram duas formas de produção desses mapas,
considerando as limitações técnicas e de custos: elaboração digital (em parte) e
reprodução manual, e, o uso da tecnologia automatizada com reprodução em papel
microcapsulado. Os padrões desenvolvidos são aplicáveis para ambos os casos.
Foram estudados para a tradução dos componentes visuais dos mapas: o Quadro,
o símbolo de Norte, o lugar do Título, da Escala e da Legenda, os quais, junto
ao mapa, são importantes para a sua apresentação (o layout).
Os resultados desse
estudo conduziram ao padrão apresentado na Figura
2.
Figura 2 – Layout padrão dos mapas em
escala pequena
produzidos em papel microcapsulado.
Observe na Figura 2 que o mapa e seus componentes visuais estão contidos em
uma moldura ou quadro que limita até onde o usuário do mapa tátil encontrará
informações para a leitura do mesmo. O Norte, padronizado como um elemento
pontual, composto por um ponto e uma linha, também assume posição padronizada no
canto superior esquerdo, para facilitar o posicionamento do mapa. Ele também
conduz à leitura do título em braile, que vem logo em seguida, sempre na parte
superior da folha. Assim, o usuário do mapa fica sabendo qual assunto, ou tema,
o mapa representa.
A escala, na forma gráfica, ficará sempre posicionada logo abaixo do título
do mapa e deve ter apenas uma parte, que é suficiente para o entendimento da
redução efetuada. A legenda do mapa, quando possível, também deve ser
posicionada na parte superior, ao lado do título. Se não couber toda nesse
espaço delimitado por um quadro, pode ser completada em folha separada, mas os
principais símbolos devem ser apresentados ainda em cima do mapa para auxiliar o
seu usuário a tomar conhecimento do que vai encontrar nele.
Essa disposição dos elementos segue a forma mais ergonômica de leitura – a
leitura de um texto se faz da esquerda para a direita e de cima para baixo,
também na escrita em braile. Além disso, facilita a exploração tátil, pois o DV
primeiramente explora o todo, ou seja, os contornos da área mapeada; depois, com
auxílio da legenda, vai interpretando as partes: os elementos pontuais, os
limites internos que constituem áreas e os elementos lineares, caso existam. Aos
poucos, ele vai criando as imagens mentais daquilo que o mapa pretende mostrar.
A pessoa desprovida de visão precisa de ajuda para entender como deve posicionar
o mapa para leitura e o que significa esse tipo de representação gráfica; mas,
uma vez que aprendeu, ao encontrar outros mapas com a mesma disposição dos
elementos, pode sozinho explorar o mapa, a partir da posição do Norte, que se
torna ponto de partida para sua leitura.
Além da padronização do layout, foram criados outros
elementos-padrões,
conforme mostra a Figura
3. Assim, por exemplo, toda vez que o DV perceber pelo
tato uma linha que corta o mapa na direção Leste – Oeste, identificada no seu
início por um símbolo específico, significará para ele que se trata do trópico
de Capricórnio. O mesmo acontece para cada um dos oceanos, que não precisam ser
marcados em braile no mapa, mas por seu símbolo específico.
Nessa mesma linha de raciocínio está sendo pesquisada a simbologia para as
plantas táteis de edifícios públicos e de centros urbanos. Até o momento ainda
não se chegou a resultados satisfatórios para propor padrões para esses tipos de
mapas, mas até o final desse ano padrões estarão definidos e, junto com aqueles dos
mapas em escala pequena, serão disponibilizados no endereço eletrônico do
LabTATE.
Figura 3
Alguns símbolos padrões para
mapas táteis em escala pequena.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme observado no início deste artigo, para se promover a inclusão
social, não bastam leis específicas; a academia, através da pesquisa, o governo,
com o apoio financeiro para fomentar pesquisas e preparar profissionais aptos
para a educação especial; e as organizações sem fins lucrativos precisam
trabalhar em conjunto.
No que diz respeito à cartografia tátil, na Universidade Federal de Santa
Catarina, ocorrem pesquisas para confecção e uso de produtos cartográficos
táteis e criação de padrões de mapas para a educação e para a mobilidade dos
deficientes visuais. Alguns resultados dessas pesquisas foram mostrados e
discutidos neste artigo, apenas no que tange aos mapas em escala pequena, ou
seja, aqueles para a educação.
Dois métodos de produção desses mapas foram propostos nas pesquisas
desenvolvidas no LabTATE, que são passíveis de reprodução em todo o país. Também
já foi possível criar padrões de layouts e de simbologias específicas, as quais,
junto aos mapas padronizados estão disponíveis na internet em endereço eletrônico
exclusivo para essa finalidade: www.labtate.ufsc.br
Entre os fatores a serem considerados na produção de mapas táteis, estão o
custo e a tecnologia a ser utilizada; nem sempre a cara e sofisticada tecnologia
é a mais eficaz. Se os mapas não forem de fácil cognição, não conseguirão
cumprir sua função. Para tanto, os mapas devem ser produzidos por especialistas,
de forma multidisciplinar sempre que possível e, principalmente, testados e
aprovados por pessoas com deficiência visual. Aos DVs, deve-se ensinar como
utilizar esses mapas.
É importante sublinhar que existem vários tipos de baixa visão, o que torna
complicado fazer mapas para atender a esse público; por isso, os mapas com
texturas em alto relevo que têm como público-alvo as pessoas cegas, podem ser
apresentados como uma solução genérica para a maioria dos DVs.
Os mapas e gráficos táteis tanto podem funcionar como recursos educativos,
como facilitadores de mobilidade em edifícios públicos de grande circulação,
como nos terminais rodoviários, metroviários, aeroviários, nos shopping centers,
nos campi universitários, e também em centros urbanos. De qualquer forma, em
ambos os casos, os produtos da cartografia tátil podem ser enquadrados como
recursos da tecnologia assistiva, considerados assim por auxiliarem a promover a
independência de mobilidade e ampliar a capacidade intelectual de pessoas cegas
ou com baixa visão.
Para o futuro, pretende-se continuar as pesquisas para a confecção de mapas
táteis, usando tecnologias de produção automatizada para a sua confecção e
reprodução, e de dispositivos que permitam criar interfaces sonoras. Pesquisas
de base nesse sentido, já estão sendo concluídas no âmbito da UFSC, em parceria
do labTATE com o setor tecnológico, envolvendo organismos nacionais e
internacionais desenvolvedores de soluções de engenharia. Paralelo a isso,
também devem ser continuadas as pesquisas acadêmicas com os DVs sobre o uso dos
produtos cartográficos, como mapas e maquetes geográficas táteis.
REFERÊNCIAS
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Extensio – revista eletrônica de extensão, n. 3, 2005. Disponível em:
http://www.extensio.ufsc.br/20052/Direitos_Humanos_CFH_147.pdf . Acesso em: 4
mai.2007.
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58 LOCH, Ruth E. N. Cartografia Tátil: mapas para deficientes visuais..
Portal da Cartografia. Londrina, v.1, n.1, maio/ago., p. 35 - 58, 2008.
Disponível in; http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/portalcartografia
-
BERTIN, J. A neográfica e o tratamento gráfico da informação. Tradução de
Cecília Maria Westphalen. Curitiba: Ed.UFPR, 1986. 273p., il.
-
COSGROVE, D. Historical perspectives on representing and transferring spatial
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-
IBGE. Censo demográfico de 2000. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br .
Acesso em: 30 jan. 2006.
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OKA, C. M. Mapas táteis são necessários? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
EDUCADORES DE DEFICIENTES VISUAIS, 9, 1999, Guarapari, ES. Anais... Guarapari:
s.n., 1999. 1 CD-ROM.
-
VASCONCELOS, R. Tactile Mapping Design and Visually Impaired User. In:
Cartographic Design – Theoretical and pratical perspectives. Chichester: John
Wiley & Sons, 1996.
-
VENTORINI, S. E.; FREITAS, M. I. C de. Cartografia Tátil: Pesquisa e
Perspectiva no Desenvolvimento de Material Didático Tátil. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE CARTOGRAFIA, 21, 2005. Macaé, RJ. Anais... Rio de Janeiro: SBC,
2005. 1 CD-ROM.
-
SASSAKI, R. K. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. Disponível
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Acesso em: 3 abr. 2007.
-
SENA, C. C. R. G.; CARMO, W. R. Produção de mapas para portadores de
deficiência visual da América Latina. In: ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA
LATINA, 10, 2005. São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2005. 1 CD-ROM.
Notas
1.
Agradecimentos: Ao FINEP e CNPq pelo financiamento do projeto "Mapas
Táteis
como instrumento de inclusão social de deficientes visuais".
2.
Mapas convencionais - serão considerados nesse texto, aqueles criados para
serem observados em diferentes mídias utilizando o sentido da visão.
3. Papel microcapsulado é um tipo de papel que, ao ser aquecido em certa
temperatura, faz com que a tinta de impressão (de impressoras a jato de tinta)
expanda-se formando textura; assim, o mapa impresso a tinta torna-se um mapa
tátil.
ϟ
Cartografia Tátil: mapas para deficientes
visuais
Ruth Emilia Nogueira Loch (2008)
Professora Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina
email:
renloch@cfh.ufsc.br
Portal da Cartografia. Londrina, v.1, n.1, maio/ago., p. 35 - 58, 2008.
Disponível in
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/portalcartografia
Δ
10.Março.2012
publicado
por
MJA
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