
Série Les Aveugles - Les Poissons
(1986) -
Sophie Calle:
J'ai rencontré des gens qui sont
nés aveugles. Qui n'ont jamais
vu. Je leur ai demandé quelle est pour eux l'image de la beauté.
RESUMO: Embora de modo não consensual, diversos autores têm referido diferenças
na
construção do autoconhecimento entre crianças com deficiência visual e crianças
sem
necessidades educativas especiais (NEE). Neste contexto, e reconhecida a
importância das
experiências escolares na formação do autoconceito, o objetivo deste estudo
centra-se em
explorar a associação entre o rendimento escolar e a construção das várias
dimensões do
autoconceito em crianças com deficiência visual e em crianças sem necessidades
educativas
especiais. Aplicou-se uma versão portuguesa do Perfil de Autoperceção para
Crianças e
Pré-adolescentes de Susan Harter a uma amostra de 18 crianças, das quais 9 com
deficiência visual (cegueira e ambliopia) e 9 sem necessidades educativas
especiais (estas
emparelhadas com as primeiras quanto à idade, sexo e ano de escolaridade), bem
como um
Questionário de Dados Sociodemográficos, incluindo neste as classificações do
final do ano
letivo. Os resultados sugerem que melhor rendimento escolar aparece associado a
melhor
comportamento autopercebido nas crianças cegas e ambliopes, e a uma autoperceção
da
competência social mais favorável nas crianças sem necessidades educativas
especiais. O
rendimento escolar não apareceu associado à autoestima global nem à competência
escolar
autopercebida. Os resultados são discutidos, tendo em consideração a literatura
existente,
bem como o contexto escolar dos participantes.
Introdução
Vários autores têm assinalado a importante influência da escola e das
experiências
escolares na construção e desenvolvimento do autoconceito. Outros têm procurado
esclarecer como essas experiências escolares se relacionam com a construção do
autoconceito em crianças e adolescentes com alguma necessidade educativa
especial
(NEE), como a cegueira ou baixa visão. É entre estes que se insere o presente
contributo.
Entende-se por autoconceito a perceção que a pessoa tem de si mesma. Ao fazer a
sua autodescrição, a pessoa enumera juízos não só descritivos, como também
valorativos, o que significa que o autoconceito está intimamente relacionado com
a
autoestima (Harter, 1999). Apesar do autoconceito espelhar o que cada pessoa
pensa
sobre si própria, a edificação deste constructo reflete, também, o que cada
pessoa
considera que os outros pensam dela. Deste modo, este processo de construção não
envolve apenas a própria pessoa, mas sim todos os agentes que fazem parte
integrante
do seu quotidiano: família, amigos, professores, escola, entre outros. Pode
também
considerar-se ainda, sob o ponto de vista cognitivo-desenvolvimental, que o
autoconceito é produto das habilidades cognitivas das crianças, adolescentes e
adultos.
De acordo com as habilidades cognitivas crescentes e com a interação com os
ambientes
(especialmente os sociais) em que se vive, o autoconceito da criança vai-se
construindo
e diferenciando em função de diversas dimensões importantes na vida da criança.
Harter
(1985), por exemplo, distinguiu cinco dimensões específicas no autoconceito das
crianças em idade escolar e pré-adolescentes, designadamente competência
académica,
aceitação social pelos pares, competência atlética, aparência física, e
comportamento.
Assim, a escola, contexto no qual as crianças passam grande parte do seu
quotidiano, evidencia-se como um local privilegiado para a construção e
consolidação
das auto-representações. A importância deste agente deriva de vários aspectos:
segundo
Osborne (1996), a escola “obriga” a que a criança e/ou o adolescente interaja
com
outros, o que pode originar sentimentos divergentes como rejeição,
discriminação,
aceitação ou popularidade, e são estes sentimentos que contribuem para as
perceções
que estes vão construindo sobre si mesmos.
Um dos aspetos da experiência escolar mais estudados na sua relação com o
autoconceito, é o rendimento escolar. Peixoto (2003) afirma que, quando se
pretende
analisar a associação entre rendimento escolar e as autoperceções, é necessário
ter em
conta o nível de especificidade destas (ou autoperceções globais, como é o caso
da
autoestima global, ou autoperceções específicas, como por exemplo a competência
escolar/académica). Boa parte destes estudos mostram que a associação entre
autoestima e rendimento é mais fraca do que a encontrada entre o autoconceito
académico e a classificação do desempenho dos alunos (Hoge, Smit & Crist, 1995;
Lyon, 1993; Peixoto, 2003; Skaalvik & Hagtvet, 1990), independentemente da faixa
etária considerada. Porém, parte dos estudos que procuram comparar e analisar as
diferenças ao nível da autoestima entre alunos com sucesso e alunos com
insucesso escolar, acabam por mostrar que não existem diferenças a este nível
entre estes dois
grupos (e.g., Baumeister, Campbell, Krueger & Vohs, 2003). Segundo diversos
autores,
de entre os quais se destacam Robinson (1986, 1991) e Harter (1993, 1999), a
explicação para a inexistência de diferenças na autoestima entre os mesmos
reside na
existência de estratégias protetoras da autoestima que se desencadeiam quando
esta é
ameaçada, ou seja, estes alunos desenvolvem mecanismos capazes que reponham a
sua
estabilidade, de modo a manterem níveis aceitáveis para si mesmos. Segundo
Harter
(1999, inspirada em James, 1890), a autoestima resulta da forma como a pessoa se
perceciona nos domínios da sua vida que considera importantes. Assim, uma
experiência repetida de insucesso escolar poderá dar lugar a uma desvalorização
da
dimensão escolar, de modo a que a autoestima possa ser preservada.
Por outro lado, oferecem-se três posições teóricas distintas procurando explicar
a
associação entre o autoconceito e o rendimento escolar pode encontrar (Calsyn &
Kenny, 1977; Marsh, 1990; Marsh & Craven, 1997): o modelo de autovalorização
(Shavelson & Bolus, 1982; Marsh, 1990), que aponta o autoconceito como
determinante
fulcral do rendimento escolar; o modelo de desenvolvimento de competências
(Fontaine, 1995), que define que é o rendimento escolar que determina o
autoconceito; e
o modelo recíproco (Helmke & Van Aken, 1995), que pressupõe uma influência mútua
entre o autoconceito académico e o rendimento escolar.
Tendo em conta as crianças com deficiência visual, vários desafios adicionais
poderão colocar-se à construção do seu autoconceito. No entanto, a investigação
não é
consensual: alguns estudos encontram diferenças no autoconceito e autoestima de
crianças com deficiência visual relativamente aos de crianças da população dita
normal,
mas outros estudos não referem diferenças (para uma síntese, Pelaio, 2012;
Pelaio &
Carapeto, 2013). Com uma pequena amostra de crianças e pré-adolescentes
portugueses, verificou-se que a autoperceção de adequação comportamental é mais
favorável nas crianças com cegueira ou baixa visão, comparativamente às crianças
sem
NEE, bem como tende a ser mais favorável a sua autoestima. Só ao nível da
competência atlética a autoperceção das crianças cegas ou com baixa visão se
apresenta
menos favorável (Pelaio, 2012; Pelaio & Carapeto, 2013). Portanto, ao nível da
autoperceção académica, da aceitação social pelos pares e da aparência física,
não se
encontraram diferenças. No presente trabalho, interessa pois avançar com um
contributo para compreender como se relaciona o autoconceito destas crianças e
pré-adolescentes
com o seu rendimento escolar, sabendo que o sistema de educação português tem
evoluído no sentido da inclusão escolar (Correia, 2003; Rodrigues, 2003) dos
alunos
com NEE, e de oferecer medidas educativas destinadas aos alunos com cegueira e
baixa
visão, visando promover a sua inclusão e o seu sucesso educativo (Ministério da
Educação, 2008).
Considerando a deficiência visual uma patologia de caráter sensorial e
permanente, torna-se importante uma constante adaptação do currículo de acordo
com a
evolução do aluno (Correia, 1999). Procurando soluções para as necessidades
educativas dos alunos com deficiência visual, o Ministério da Educação criou, em
2008,
as Escolas de Referência para a Educação de Alunos Cegos e com Baixa Visão
(EREACBV). De acordo com o Artigo 24º do Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro
(Ministério da Educação, 2008), estas escolas surgem como uma resposta educativa
especializada em agrupamentos de escolas ou em escolas secundárias pertencentes
ao
sistema público de ensino, estando a cargo do Ministério da Educação. Visam
garantir
as adequações relativas ao processo de ensino e de aprendizagem, de carácter
organizativo e de funcionamento, para os alunos com deficiência visual. De entre
um
conjunto de objetivos traçados para estas escolas, salienta-se a preocupação em:
a) Assegurar a observação e avaliação visual e funcional dos alunos;
b) Assegurar o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita Braille, bem como
das suas diversas grafias e domínios de aplicação;
c) Assegurar a utilização de meios informáticos específicos (leitores de ecrã,
software de ampliação de carateres, linhas Braille, impressoras Braille);
d) Assegurar o treino visual específico dos alunos;
e) Orientar os alunos nas disciplinas em que as limitações visuais ocasionem
dificuldades particulares (educação visual, educação física, técnicas
laboratoriais, matemática, química, línguas estrangeiras e tecnologias de
comunicação e informação);
f) Assegurar o acompanhamento psicológico e a orientação vocacional dos
alunos;
g) Assegurar o treino de actividades de vida diária e a promoção de competências
sociais;
h) Assegurar a formação e aconselhamento aos professores, pais, encarregados
de
educação e outros membros da comunidade educativa.” (Ministério da
Educação, 2008, p. 161)
Segundo o Artigo 18º, do mesmo documento, podem ser feitas adequações
curriculares de acordo com as necessidades específicas de cada aluno com NEE.
Assim,
no caso da deficiência visual, podem ser introduzidas áreas curriculares
específicas que
não façam parte da estrutura curricular comum, como a leitura e a escrita em
Braille, a
orientação e a mobilidade, o treino da visão e a actividade motora adaptada,
entre
outras. No caso das EREACBV, visto concentrarem na mesma escola ou agrupamento
um número considerável de alunos cegos e amblíopes, se considerado pertinente
para os
mesmos, podem ser criadas turmas com percursos curriculares alternativos.
Estas
turmas
-
“destinam-se a grupos específicos de alunos até aos 15 anos de idade, inclusive,
que se
apresentem em qualquer das seguintes situações: a) Ocorrência de insucesso
escolar
repetido; b) Existência de problemas de integração na comunidade escolar; c)
Ameaça de
risco de marginalização, de exclusão social ou abandono escolar; d) Registo de
dificuldades
condicionantes da aprendizagem, nomeadamente: forte desmotivação, elevado índice
de
abstenção, baixa autoestima e falta de expectativas relativamente à aprendizagem
e ao
futuro, bem como o desencontro entre a cultura escolar e a sua cultura de
origem.”
(Ministério da Educação, 2006, p. 157).
É pois neste contexto que surge este trabalho, como um contributo para
compreender como se relaciona o autoconceito de crianças e pré-adolescentes com
cegueira e baixa visão com o seu rendimento escolar, em comparação com crianças
e
adolescentes sem NEE.
Método
Objetivos
A partir do objetivo geral de explorar a associação entre o rendimento escolar e
a
construção das várias dimensões do autoconceito em crianças com deficiência
visual e
em crianças sem NEE, formulam-se as seguintes hipóteses de investigação:
Hipótese 1 (H1): As crianças com deficiência visual (cegueira e ambliopia)
revelam um rendimento escolar mais baixo do que o das crianças sem necessidades
educativas especiais.
Hipótese 2 (H2): O rendimento escolar está associado ao autoconceito das
crianças da amostra.
Hipótese 3 (H3): A associação entre a autoestima global e o rendimento escolar é
mais fraca do que a associação entre o autoconceito académico e o rendimento
escolar.
Amostra
A amostra do presente estudo é constituída por um total de 18 crianças, das
quais
9 com deficiência visual (2 casos de cegueira e 7 casos de ambliopia)
(subamostra DV)
e 9 da população dita normal (subamostra S/NEE), recrutadas em três instituições
do
distrito de Braga.
O grupo DV corresponde a uma subamostra não probabilística, de conveniência
(Coutinho, 2011), que inclui alunos com deficiência visual de uma Escola de
Referência
para a Educação de Alunos Cegos e com Baixa Visão no distrito de Braga a que se
juntou uma criança com deficiência visual que frequenta uma escola da rede
privada de
ensino. O grupo S/NEE constitui, também, uma subamostra não probabilística,
criterial
(Coutinho, 2011), tendo os participantes sido selecionados num Agrupamento de
escolas do distrito de Braga, de modo a emparelhar com cada um dos participantes
da
subamostra DV no que respeita a idade, ano de escolaridade e sexo. A Tabela I
apresenta uma caraterização sociodemográfica da amostra.
Tabela I

Instrumentos
Utilizou-se a escala Como é que eu sou, adaptada para a população portuguesa a
partir do instrumento Self-Perception Profile for Children (SPPC) (Harter, 1985;
Martins, Peixoto, Mata & Monteiro, 1995) concebido originalmente para crianças
dos 8
aos 12 anos. O mesmo proporciona uma avaliação multidimensional do autoconceito
e
uma avaliação da autoestima global, incluindo seis domínios diferentes da vida
de
crianças e pré-adolescentes: competência escolar/académica (CE) aceitação social
(AC),
competência atlética (CA) aparência física (AF), comportamento (C), e autoestima
global (AEG). A escala é composta por um total de 36 itens, correspondendo 6
itens a
cada um dos seis domínios. Cada item é cotado com valores de 1 a 4, em que 4
significa
que a criança se percebe como possuidora de alta competência por referência aos
outros
da sua idade, e 1 como possuidora de uma baixa competência. O perfil fornece
pois seis
pontuações (média das pontuações dos itens de cada uma das seis dimensões), uma
para
cada dimensão do autoconceito, sendo que a pontuações mais elevadas correspondem
a
níveis mais elevados de autoconceito ou autoestima. As instruções foram
adaptadas de
modo a que a sua aplicação fosse oral e individual, em ambas as subamostras. O
estudo
da adaptação da escala (Martins et al, 1995) sugere adequadas qualidades
psicométricas
da versão portuguesa.
Utilizou-se, igualmente, um Questionário de Dados Sociodemográficos (QDS)
para registar um conjunto de dados relativos a cada uma das crianças, incluindo:
o tipo
de patologia visual, se existente (cegueira, ambliopia ou sem patologia); o
sexo; a idade;
o ano de escolaridade; a identificação da escola; e as classificações no final
do ano
letivo, tomadas como medida do rendimento escolar na presente investigação. O
questionário destinava-se a ser preenchido com informação fornecida pelos
professores
de Educação Especial e/ou Encarregado de Educação. Esta caraterização
sociodemográfica foi especialmente importante, inicialmente, por esclarecer o
sexo, a
idade e o ano de escolaridade de cada criança da subamostra DV permitindo,
assim,
constituir uma amostra emparelhada de crianças S/NEE. Findo o ano letivo,
permitiu,
ainda, organizar a recolha de dados sobre as classificações dos alunos das duas
subamostras.
Procedimentos
Enquanto se obtinha o consentimento informado das direções das escolas e dos
encarregados de educação dos alunos, procedeu-se à adaptação das instruções da
Escala
Como é que eu sou de modo a que a sua aplicação, individual, decorresse
oralmente,
com a investigadora a registar por escrito as respostas orais dos participantes.
Constituída a amostra DV, partiu-se para a construção da amostra S/NEE
emparelhada
com a primeira quanto ao sexo, idade e ano de escolaridade. A escala foi
administrada
durante o 3º período letivo do ano 2012.
Finalmente, no final do 3º período letivo do ano 2012, novos contatos foram
efetuados (com os professores de Educação Especial ou com os Encarregados de
Educação, de acordo com as subamostras) para obtenção e registo das
classificações
escolares finais dos participantes no QDS. Procedeu-se ao cálculo de uma
classificação
média para cada criança, baseada nas disciplinas curriculares fundamentais e nas
disciplinas comuns entre ciclos, dado que a amostra é constituída por crianças
que
frequentam diferentes anos de escolaridade (e, consequentemente, com diferentes
disciplinas) e com diferentes percursos escolares (Ministério da Educação,
2006).
Assim, todas as classificações qualitativas foram convertidas numa escala
ordinal de 1 a
5 (semelhante à utilizada nos 2º e 3º Ciclos), em que Não satisfaz – 1; Satisfaz
pouco –
2; Satisfaz – 3; Satisfaz Bastante – 4; Excelente – 5.
Recolhidos todos os dados, procedeu-se à sua análise mediante testes
estatísticos
não paramétricos (dada a pequena dimensão das subamostras), com o apoio do
programa PASW Statistics 18.
Resultados
A Tabela II mostra as estatísticas descritivas da classificação escolar média
das
subamostras DV e S/NEE.
Para testar a significância estatística da diferença das classificações
escolares médias
entre as duas subamostras, realizou-se um teste não paramétrico de Mann-Whitney
para
amostras independentes, o qual sugere não ser significativa tal diferença, U =
32.500, p
= 0.475.
Tabela II

Considerando as correlações entre o rendimento escolar e o autoconceito,
separadamente para cada subamostra (Tabela III), estas não se verificaram
significativas
para nenhuma dimensão deste (incluindo a autoestima global) no caso da
subamostra
DV. Verifica-se, apenas, que a correlação entre as classificações escolares e a
autoperceção do comportamento é marginalmente significativa, rs = ,633, p =
0,068. Já
no caso da subamostra S/NEE verifica-se uma associação positiva e significativa
entre o
rendimento escolar e a aceitação social, rs = ,739, p = 0,023.
Tabela III

Comparando a associação do rendimento escolar com a competência escolar e
com a autoestima global, constata-se que, para as duas subamostras, estas
associações
não são significativas. Acrescente-se, ainda, que, considerando as duas
subamostras em
conjunto (N=18), o rendimento escolar não se correlaciona significativamente com
a
autoestima global, rs = ,218, p = 0,327, com a competência académica,
rs = ,140,
p =
0,579, nem com qualquer outra dimensão do autoconceito. A exceção vai para a
correlação marginalmente significativa com a aceitação social, rs = ,459, p =
0,055.
Discussão e Conclusões
A investigação partiu com o objetivo geral de explorar a associação entre o
rendimento escolar e a construção das várias dimensões do autoconceito em
crianças
com deficiência visual e em crianças sem NEE. Após a apresentação dos
resultados,
procede-se de seguida à sua análise e discussão tendo em conta este objetivo e
as
hipóteses formuladas.
-
Hipótese 1 (H1): As crianças com deficiência visual (cegueira e ambliopia)
revelam um rendimento escolar mais baixo do que o das crianças sem
necessidades educativas especiais.
-
Apesar de não se ter partido de qualquer fundamentação teórica, o enunciado
desta hipótese surgiu de uma mera suposição empírica, devido às dificuldades
acrescidas que as crianças com deficiência visual eventualmente poderão
enfrentar em
contexto escolar como consequência das suas limitações. A média das
classificações
escolares refuta H1, uma vez que as duas subamostras apresentam um rendimento
escolar semelhante (embora as crianças sem NEE manifestem um rendimento escolar
ligeiramente mais elevado, essa diferença não se evidenciou como significativa).
É
possível que os contextos de aprendizagem com todas as suas adaptações,
proporcionadas graças aos Serviços de Educação Especial nas Escolas de
Referência
para a Educação de Alunos Cegos e com Baixa Visão, funcionem no sentido previsto
de
fornecer a estas crianças experiências de ensino-aprendizagem e de sucesso
escolar
adequadas e comparáveis às das crianças sem NEE.
-
Hipótese 2 (H2): O rendimento escolar está associado ao autoconceito das
crianças da amostra.
-
Os resultados apoiam H2, de algum modo, sugerindo no entanto que o rendimento
escolar aparece associado a diferentes dimensões do autoconceito nas duas
subamostras.
-
Melhor rendimento escolar aparece, então, associado a melhor comportamento
autopercebido, nas crianças DV (marginalmente); e a autoperceção de melhor
aceitação
pelos pares, nas crianças S/NEE. Considerando globalmente as duas subamostras
(N=18), as correlações entre o rendimento escolar e as várias dimensões do
autoconceito não são significativas, excetuando a correlação marginalmente
significativa com a aceitação social (que é mais clara portanto na amostra
S/NEE).
-
Em primeiro lugar, tal sugere que, para estas crianças autoestima global e
rendimento escolar não estão tão associados quanto alguma literatura tem
sugerido,
estando, por isso, mais no sentido da revisão de literatura de Baumeister et al
(2003).
-
Noutro estudo com a mesma amostra (Pelaio, 2012; Pelaio & Carapeto, 2013),
mostrouse
que, entre todas as dimensões do autoconceito, a autoestima das crianças DV se
associa à autoperceção da aparência física, e a das crianças S/NEE à
autoperceção de
adequação comportamental. A aparência física (dimensão que Harter, 1999, refere
como
a mais associada à autoestima ao longo de todo o ciclo de vida) parece ser uma
dimensão da vida a que a autoestima das crianças DV é mais vulnerável, sendo que
não
se distinguem das outras crianças quanto ao valor médio da mesma. Já as crianças
S/NEE apresentam uma autoestima mais associada à autoperceção da adequação
comportamental. Estes resultados sugerem ainda que a experiência escolar das
crianças
vai muito para além dos resultados académicos, e que outras experiências a nível
escolar
poderão, possivelmente, influenciar a construção de outras dimensões do
autoconceito.
-
Em nenhuma das subamostras se constatou uma associação significativa entre o
rendimento escolar e a autoestima global, à semelhança do ocorrido com alguma
investigação já referida. Uma explicação, segundo Harter (1999), reside na
criação de
estratégias protetoras da autoestima que se desencadeiam quando esta é ameaçada.
-
Harter (1993, 1999) propõe um modelo que passa pela reorganização do
autoconceito,
no qual a criança, por um lado, desconta na importância para si mesma das áreas
que
constituem uma ameaça à sua autoestima, passando a dar-lhes uma menor
importância
ou, por outro, aumenta os níveis de competência nessas mesmas áreas. Por outro
lado, também não se encontrou uma associação significativa entre o rendimento
escolar e o
autoconceito escolar, em nenhuma das subamostras, em sentido diverso do relatado
noutros estudos. Esta dissociação entre o rendimento escolar e o autoconceito
académico mereceria uma investigação mais detalhada em estudos futuros e com
amostras mais amplas, que explorasse, por exemplo, entre outras variáveis, a
atribuição
que os alunos fazem dos seus resultados escolares.
-
-
Hipótese 3 (H3): A associação entre a autoestima global e o rendimento escolar é
mais fraca do que a associação entre o autoconceito académico e o rendimento
escolar.
-
No seguimento do discutido para H2, os resultados refutam H3, já que se
verificou que o rendimento escolar não está significativamente associado nem à
autoestima global, nem à competência escolar autopercebida, em nenhuma das duas
subamostras (nem nas amostra total, N=18).
-
Assim, e contrariamente ao que investigaram Skaalvik e Hagtvet (1990), Lyon
(1993), ou Hoge, et al (1995), os resultados da presente investigação sugerem
que o
rendimento escolar está tão associado à autoestima global quanto ao autoconceito
académico quer nas crianças DV, quer nas crianças S/NEE, não se tendo revelado
como
significativas em nenhuma delas tais correlações.
-
Em síntese, o rendimento escolar apareceu positivamente associado a diferentes
dimensões do autoconhecimento nas duas subamostras, designadamente à
autoperceção
de aceitação social dos pares (nos alunos S/NEE) e à autoperceção de adequação
comportamental (nos alunos DV), mas não se encontraram associações
significativas
com a autoestima global nem com a autoperceção de competência escolar. Estes
resultados, em parte surpreendentes, justificam estudos mais aprofundados e com
amostras mais amplas que possibilitem uma melhor compreensão da construção do
autoconhecimento, do papel que nela desempenham as experiências escolares dos
alunos em geral e daqueles que apresentam NEE em particular, e inversamente do
papel
que o autoconhecimento possivelmente desempenha na autorregulação
comportamental,
emocional e das aprendizagens, em contexto escolar.
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CONSTRUÇÃO DO AUTOCONCEITO E RENDIMENTO ESCOLAR: COMPARANDO CRIANÇAS CEGAS E AMBLIOPES E CRIANÇAS SEM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS
Maria Inês Pelaio Macedo Costa e
Maria João Carapeto
Atas do XII Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia.
Universidade Católica Portuguesa
Braga: Universidade do Minho, 2013
29.Set.2015
publicado
por
MJA
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