
Estrutura celular (comestível)
-
RESUMO | Pretende-se mostrar aqui a importância do uso de modelos tridimensionais táteis
na aprendizagem da célula pelos estudantes cegos, tendo como foco a morada
ética. A compreensão de pertencimento ao mundo faz-se necessária para as pessoas
cegas, tendo em vista os desafios impostos pelo mundo circundante. O tato é a
visão para os não videntes, que interpretam o mundo com o corpo e, na linguagem
cotidiana, usam o verbo ver como forma de expressar sua compreensão da vida; ou
seja, o tato são os olhos dos cegos.
INTRODUÇÃO
“É com o coração que se vê corretamente. O essencial é invisível aos olhos.”
(Saint-Exupéry)
O conceito de escola inclusiva disseminado a partir da Conferência Mundial sobre
Necessidades Educacionais Especiais (1994), da Unesco, demonstra uma preocupação
com todos os tipos de pessoas que se encontravam excluídas da escola (MARTINS et
al., 2006, p. 18).
No Brasil, o anseio de equiparar oportunidades educacionais para os deficientes
foi apoiado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, concebida em
meio à luta em favor da educação inclusiva, que no Capítulo V, art. 58,
reservado à Educação Especial, assegura aos alunos deficientes a oferta de
educação na escola, preferencialmente na rede regular de ensino (FERRRONATO,
2002, p. 10).
No que se refere ao estudante cego, não existe a possibilidade de acesso à
comunicação por imagem, e por praticamente inexistir imagem na forma tátil, isso
constituiu mais uma via de exclusão. Essa lacuna precisa ser preenchida no
ensino de biologia, com reconhecimento de imagens táteis pelo uso de materiais
concretos que possibilitem ao aluno a formação da representação mental do que
lhe é oferecido para tatear. Para os alunos cegos, a percepção tátil é fator
imprescindível para que obtenham o máximo de informações e compreensão do seu
entorno, e isso só é possível quando em contato com o concreto.
A prática da inclusão de pessoas cegas exige a sensibilidade de educadores para
perceber que uma forma de leitura do mundo para os cegos é a partir do tato. É
importante ressaltar que o tato difere da visão, pois, enquanto a visão permite
uma observação mais ampla, global, do objeto examinado, o tato o faz parte a
parte, sequencialmente, de forma mais paulatina do que a visão, possibilitando
aos cegos uma interação com a memória das informações que os dedos capturam.
Assim, levantamos a seguinte questão: como ensinar biologia celular para
estudantes cegos a partir da percepção tátil?
Para responder a esse questionamento sobre o ensino e a aprendizagem de
estudantes cegos, partimos da ideia de percepção tátil na compreensão do mundo e
em seguida apresentamos o ensino de célula a partir de modelos tridimensionais,
com o intuito de mostrar que a ética como morada, ao trazer o outro à cena, se
abre para a diversidade.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De acordo com as teorias biológicas (Maturana & Varela, 1995), cognição não é a
representação do mundo independente do sujeito, mas é a própria criação do
mundo, e depende da estrutura do organismo, da sua constituição física, das
percepções sensoriais, da forma como cada um experimenta e delineia os objetos.
A corporeidade está sempre envolvida, indicando a existência de
bidirecionalidade nas relações sujeito/objeto. Para Piaget e Maturana, citado
por Moraes (2004), o conhecimento não parte nem do sujeito e nem do mundo do
objeto, mas, sim, da interação sujeito/objeto.
Maturana (1997) aponta que o conhecer e o aprender acontecem a partir das
relações. O que acontece em qualquer relação tem consequências em nossa
corporeidade, em termos de mudanças estruturais, e, por sua vez, o que acontece
no corpo tem implicações nas relações sujeito/objeto. Assim, o que fazemos
influencia aquilo no qual nos tornamos, em função de consequências da nossa
corporeidade, e, portanto, o que acontece em nosso corpo retroage sobre as
nossas ações, mostrando o entrelaçamento existente entre o ser e o fazer.
Nesse sentido, a aprendizagem surge a partir do acoplamento estrutural do
sujeito ao meio no decorrer do desenvolvimento contínuo do organismo em seu
ambiente. Desse modo, é congruente com a história vivida e surge no processo, no
caminhar de cada um, ao mesmo tempo em que influência e determina a escolha da
rota a cada momento, a cada instante.
Tendo em vista que os estudantes cegos vêem com as mãos, eles descortinam o tato
como um sentido capaz de percepção do mundo. O tato “é o sentido por meio do
qual se reconhece ou se percebe, usando o corpo, a forma, consistência, peso,
temperatura, aspereza de outro corpo ou algo” (HOUAISS, 2001, p. 2.678).
Ao aceitar a transformação da pessoa deficiente a partir da educação no
convívio, torna-se cada vez mais congruente o outro no espaço de sua
convivência. O educar é recíproco e ocorre o tempo todo, estabelecendo-se como
um processo em que as pessoas aprendem a viver e a conviver, conforme a
comunidade em que vivem. Assim, as diversidades individuais passam a ser
reconhecidas na biologia, e todos devem ser aceitos. É ver o outro como igual
junto a nós na convivência, fundamento básico biológico do fenômeno social da
inclusão. Sem aceitação do outro junto a nós, não é possível haver socialização,
e sem esta não há humanidade. Portanto, qualquer coisa que destrua ou limite a
aceitação do outro destrói tanto o fenômeno social quanto o ser humano, porque
elimina o processo biológico que o gera. Só temos o mundo que criamos com os
outros, e só com amor e aceitação do outro é possível criar um mundo comum. A
percepção das pessoas cegas a partir da textura demonstra que sua leitura do
mundo pelo tato é um ver com as mãos.

A PERCEPÇÃO TÁTIL
O desenvolvimento do tato é subordinado a uma sequência de fatores: consciência
tátil e qualidade tátil, que inicia pelo cuidado a texturas, temperaturas e
diferentes consistências. Desenvolve-se pelo movimento das mãos das crianças
cegas, levando-as a aprender contornos, tamanhos e pesos, desde que essas
informações sejam repassadas de maneira gradual, de movimentos grossos à
exploração mais detalhada dos objetos. A aprendizagem poderá ser rápida se lhes
forem apresentados objetos familiares e de seu ambiente. Já o reconhecimento da
estrutura e da relação das partes com o todo se refere à capacidade de
distinguir a forma do objeto, sendo esse reconhecimento facilitado por um
detalhe característico do objeto que o ajuda a discriminá-lo.
Segundo Montagu (1988), o tato é o sentido sensorial mais importante do corpo,
sendo a pele o maior órgão sensorial, e a comunicação transmitida por meio do
toque constitui a principal linguagem dos sentidos. A pele pode ajudar o não
vidente na formação dos conceitos e das imagens mentais das coisas que ele não
vê, como também no desenvolvimento da sua criatividade e senso estético. Nas
pessoas cegas, a imagem é substituída pela percepção tátil.
A percepção tátil nos não videntes tem significado completamente diferente, pois
suas mãos são seus olhos, então as imagens, quando formadas por meio de
percepções táteis, podem compensar essa deficiência, pois permitem reconhecer a
presença, a forma, o tamanho e a temperatura dos objetos.
A não educação do tato acarreta algumas consequências, como:
-
olhar, mas não tocar as coisas, já que não sentem curiosidade em
tocar os objetos;
-
aborrecer-se com algumas texturas; tornar-se mais distantes;
-
manifestar pouca importância ao promover sensações negativas a
outros;
-
quebrar coisas sem querer, com certa frequência;
-
descrever fenômenos apenas de maneira visual.
Tais consequências levam à exclusão. Fugir a essa forma de compreender o mundo,
partindo de uma perspectiva ética, traz o outro à cena, com sua percepção de
mundo.
O termo ética vem do grego ethos, que significa casa, morada, lugar, e
remete à ideia de costumes. Para se entender a ética como morada do educador e
do próprio ser humano, é necessário pensá-la como sendo o corpo, o país, a
escola, o mundo. O lugar da liberdade. Assim, ao se esculpir no tempo vivido uma
forma, a percepção do mundo se desvela no corpo, corpo como presença imediata
que expressa mediações. Corpo que é presença no mundo e se torna o fundamento do
cuidado.
A palavra cuidado em sua forma mais antiga significa cura (em
latim se escrevia
coera) e era usada num contexto de relações de amor e de amizade.
Expressava atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pela
pessoa amada ou por um objeto de estimação. Ou no sentido de cogitare-cogitatus
e sua corruptela coyedar, coidar, cuidar. O sentido de cogitare-cogitatus
é o mesmo de cura: cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar
uma atitude de desvelo e de preocupação. O cuidado somente surge quando a
existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele;
disponho-me a participar de seu destino, de sua busca, de seu sofrimento e de
seu sucesso, enfim de sua vida. (BOFF, 1999, p. 91)
Da atitude de cuidar de nós mesmos e do outro infere-se uma ética do cuidado. O
corpo é uma totalidade que pertence ao mundo e exige que o educador cultive a
relação com o outro no sentido de preservar o respeito à condição humana. Por
isso se curva em uma atitude de humildade e disposição, tentando despertar no
outro a possibilidade do exercício reflexivo da razão. É na ética do cuidado que
os corpos aprendem a relação de respeito e de solidariedade. Aprender no sentido
de ser convocado a mudar a situação e tentar, na medida do possível, escolher a
melhor direção. Incluir no sentido de proporcionar aos estudantes cegos uma
representação do mundo a partir do tato, em que a representação gráfica, o
relevo, as linhas retas e as curvas devem ser apresentados aos poucos, para que
não se crie confusão, ou seja, “ruído tátil”, e, por último, a utilização de
simbologia que corresponde ao passo final do desenvolvimento do tato. Reconhecer
que a percepção tátil é fundamental para o estudante cego na leitura do mundo
coloca-o teoricamente na morada do ser.
Incluir o estudante cego a partir de práticas pedagógicas que facilitem o
aprendizado é fundamental para a construção de um ethos ético e cidadão.
Optamos, no ensino de biologia, em incluí-lo mediante o estudo da biologia
celular, tendo em vista que ela representa a unidade morfofuncional do organismo
vivo, e o seu estudo amplia os conhecimentos em diversas áreas das ciências.
Sabemos que um dos desafios atuais da biologia é fazer com que os alunos
entendam conceitos básicos sem uma memorização descontextualizada. O que se tem
hoje no ensino de biologia e nos livros didáticos é uma fragmentação de
conteúdo, ocasionando uma valorização na memorização de conceitos, e não o seu
entendimento. Isso implica desinteresse de parte dos alunos e, especialmente,
dos alunos cegos, uma vez que há uma carência de materiais pedagógicos adaptados
para esse público.
Tendo em vista que o estudo da célula requer visualização microscópica de suas
estruturas, a apresentação de material pedagógico concreto tátil e
tridimensional pode possibilitar ao aluno cego uma aproximação do que é
observado pelo vidente, que tem ao seu alcance inúmeros recursos disponíveis,
tais como visualização de lâminas nas aulas práticas de laboratório, imagens via
Internet, livros ilustrados, esquemas de células para colorir, aulas teóricas
com imagens em monitores ou projetadas em tela, o que se torna um problema para
aqueles que não enxergam e precisam de recursos pedagógicos alternativos.
ENSINO E
APRENDIZAGEM DA CÉLULA PARA ESTUDANTES CEGOS
A percepção tátil aliada à textura coloca o
estudante cego apto a ver o mundo com as mãos. A textura tem significado
diferente para quem enxerga e para quem é cego, cujas informações de mundo são
absorvidas através de outros sentidos, tornando-os mais sensoriais e
qualitativamente diferentes das pessoas videntes.
A textura é um elemento visual que frequentemente substitui as qualidades do
tato, sendo possível que uma textura não apresente qualidades táteis, mas apenas
ópticas. Onde há uma textura real, as qualidades táteis e ópticas coexistem de
forma única e específica, o que permite à mão e ao olho uma sensação individual.
A textura relaciona-se com a composição da substância por meio de variações
mínimas da superfície do material e, para o deficiente visual, constitui um
elemento fundamental, pois a sensibilidade do tato corresponde à percepção que
poderia ter pelos seus olhos.
Além da textura, é preciso que se tenha um conhecimento tátil dos objetos à sua
volta, compreendendo sua forma, tamanho e o contorno dos objetos, além de
oferecer-lhes jogos que ajudem a diferenciar, comparar e associar formas de
dificuldades crescentes e de diferentes tamanhos. Com essas dinâmicas,
gradativamente, o estudante cego terá condições de observar formas mais
complexas.
Assim, acreditamos que o contato com material didático concreto no estudo da
célula e de suas estruturas seja o caminho para uma aprendizagem significativa
da biologia celular com alunos cegos.
METODOLOGIA
A pesquisa realizada caracteriza-se como uma investigação qualitativa. Contamos
com a participação de sete alunos cegos, oriundos da rede regular de ensino, na
faixa etária entre 17 e 24 anos, com necessidades educativas especiais e que
frequentam a sala de apoio do Instituto São Rafael, onde recebem monitoramento
de professores especialistas, que dão suporte pedagógico nas disciplinas em que
apresentam dificuldade na escola. O critério para a definição na composição da
amostra baseou-se no nível de escolarização – primeiro ano do ensino médio – e
na deficiência citada. Os alunos de escola pública são de escolas estatuais e
apenas uma particular, todas localizadas na cidade de Belo Horizonte, Estado de
Minas Gerais.
O procedimento metodológico utilizado foram os de história oral, em sua vertente
temática, 1 observação participante e utilização de
pesquisa-ação.
Inicialmente, os alunos participantes foram informados do caráter do estudo, o
conteúdo a ser abordado, assegurando-lhes a independência desse trabalho da sua
escola/professor, a fim de que eles não o confundissem com uma avaliação
escolar. Foi também ressaltada a importância da sua participação para o sucesso
da pesquisa.
SISTEMATIZAÇÃO DO TRABALHO
A pesquisa constitui-se na apresentação dos modelos tridimensionais, com um
modelo de célula (em corte) e modelos com estruturas celulares completas e/ou em
cortes: mitocôndria; retículo endoplasmático rugoso; retículo endoplasmático
liso; complexo de Golgi; ribossomos; lisossomos; centríolos; e o núcleo (em
corte), com o objetivo de complementar o que já havia sido estudado na teoria
nas aulas de biologia da escola regular de origem de cada participante.
Todos os modelos tridimensionais apresentados fazem parte do acervo do
Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da Universidade Federal de Minas
Gerais, espaço de educação não formal, em que o estudo do organismo humano pode
ser feito macro e microscopicamente por alunos videntes ou não. Nesse ambiente
não formal, os alunos cegos, a partir da percepção tátil, podem reconhecer,
tocar, identificar e comparar estruturas, construindo uma aprendizagem
significativa. Isso pode ser observado nas falas dos entrevistados pela análise
de conteúdos, que busca conhecer o que está por trás dos significados das
palavras dos alunos participantes da pesquisa ao tatear os modelos
tridimensionais da célula e suas estruturas.
A descrição da célula (isolada) e de suas estruturas pelos alunos nos modelos
tridimensionais foi:
-
Aluno T: No complexo de Golgi as vesículas de secreção são
bem nítidas neste modelo. No retículo endoplasmático rugoso dá
para ver como os ribossomos ficam na sua parede, desta forma
podem sintetizar as proteínas, além de sua função no transporte
no interior da célula.
-
Aluno U: Compreendi como são os cromossomos dentro do
núcleo. Nesta célula eles estão finos porque a célula não está
dividindo, aparecem então como finos filamentos de cromatina
dentro do núcleo. Os centríolos são fáceis de ver e eu pude
compreender como os microtúbulos estão dispostos.
-
Aluno V: No retículo liso vi que não têm ribossomos e são
como uma rede de túbulos bem diferente do retículo
endoplasmático rugoso, que tem os ribossomos e parece uma rede
de canais que fazem o transporte no interior da célula. A
mitocôndria tem uma membrana interna e outra externa e entre
elas compreendo agora que tem um espaço. Na membrana interna dá
para ver as dobras, que são as cristas mitocondriais. Nesta
estrutura é que ocorre a respiração celular.
-
Aluno X: A mitocôndria tem uma matriz mitocondrial que dá
para ver na cavidade depois da membrana interna. O núcleo é bem
grande e seus poros são bem nítidos, por eles passam material
para o citoplasma, e vejo que a cromatina é fina e o nucléolo
está bem definido. A textura da membrana celular é diferente da
textura da membrana nuclear. Compreendi como os ribossomos ficam
aderidos à parede do retículo endoplasmático rugoso, e o liso
não tem estes grãos de ribossomos na sua parede.
-
Aluno Z: A membrana celular reveste toda a célula e sua
textura é muito lisa e diferente do citoplasma, que parece uma
gelatina, e dentro estou vendo muitas estruturas, das quais a
maior é o núcleo, que fica envolvido por uma membrana com
diferente textura da membrana celular. O complexo de Golgi é
cheio de grãos achatados e tem vesículas próximas para armazenar
secreções.
-
Aluno W: O nucléolo fica dentro do núcleo e está muito
nítido. Dentro do núcleo aparece a cromatina, que está bem
destacada e é representada por fios finos, que contêm o material
genético, está fácil de ver. O núcleo fica na parte mediana da
célula. É central.
-
Aluno Y: O centríolo é bem diferente e bem grande também, dá
para ver os microtúbulos formando um conjunto de nove pares. O
centríolo está ligado à formação do fuso mitótico na hora que a
célula está se dividindo e arrasta os cromossomos para cada polo
da célula-mãe, na mitose.
Os diferentes relatos dos modelos tridimensionais revelaram que houve maior
compreensão da célula e de suas estruturas no acesso ao material concreto
adaptado, possibilitando uma ressignificação na aprendizagem e ampliando o
conhecimento da biologia celular.
Pela análise das falas dos alunos entrevistados, foram registrados:
-
a compreensão da célula;
-
ver;
-
texturas;
-
imaginação.
De acordo com essas categorias, registramos o nível de entendimento dos modelos
tridimensionais táteis da célula (em corte), com suas:
-
estruturas/organelas;
-
organelas simples celulares isoladas;
-
retículo endoplasmático rugoso (em corte);
-
complexo de Golgi (em corte);
-
mitocôndria;
-
mitocôndria (em corte);
-
retículo liso (em corte);
-
lisossomos (em corte) centríolo;
-
núcleo celular.
No Quadro 1, encontram-se os alunos entrevistados com os modelos tridimensionais
e as categorias identificadas por suas falas.
Quadro 1 – Modelo tridimensional pela categoria das falas
dos alunos entrevistados
|
MODELO TRIDIMENSIONAL
|
aluno T
|
ver; percepção táctil; imaginação.
|
aluno U
|
ver; percepção táctil; textura.
|
aluno V
|
ver; percepção táctil; compreensão da
estrutura celular.
|
aluno X
|
ver; percepção táctil; textura.
|
aluno Z
|
ver; percepção táctil..
|
aluno W
|
ver compreensão da estrutura celular.
|
aluno Y
|
ver compreensão da estrutura celular.
|
Pela análise do quadro, na identificação das estruturas celulares, os alunos
associaram a categoria “ver” em todas as falas dos modelos tridimensionais. Isso
demonstra a importância da percepção tátil assumindo o papel dos olhos dos
videntes. Portanto, não é difícil conceber que a “imagem tátil” a partir de
modelo tridimensional favoreceu a compreensão/entendimento da célula e de suas
estruturas, uma vez que constituiu um elemento de aproximação do que é visto
pelos videntes, possibilitando, assim, aos que não enxergam uma aproximação dos
inúmeros recursos visuais disponibilizados aos que enxergam. Com isso, favoreceu
o processo ensino-aprendizagem da célula para os que enxergam não pelos olhos,
mas pela percepção tátil de suas mãos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aprendizado complexo da célula se abre a um recurso didático concreto e
palpável, demonstrando que para incluir basta se responsabilizar pelo outro, em
uma inclusão que, por ser um dever, demanda direitos que se traduzem em desafios
éticos. Ao apresentarmos a lógica da inclusão de cegos a partir da percepção
tátil, trazemos o educador como aquele que é capaz de estabelecer um caminho
para perceber o outro como aquele que pertence ao mundo da diferença.
A percepção tátil para aqueles que não enxergam assume o papel dos olhos nos
videntes. Desse modo, não é difícil conceber que a imagem tátil formada a partir
do contato com modelo tridimensional da célula favoreceu a sua compreensão, uma
vez que constituiu elemento de aproximação dos inúmeros recursos visuais
disponibilizados aos alunos videntes no processo ensino-aprendizagem desse
conteúdo.
Podemos verificar pela pesquisa que o processo de aprendizagem da célula, pelo
aluno cego, demanda adaptações, uma vez que, privado do sentido da visão, ele
precisa de material concreto e palpável para formar a imagem tátil e assim poder
construir sua representação mental. Dessa maneira, o aprendizado torna-se
significativo, passando a fazer sentido para o aluno, pois, sem essa
significação, ele apenas memoriza, sem contextualizar o seu aprendizado.
Nos modelos tridimensionais, algumas estruturas são mais facilmente
compreendidas pelo tato; isso se verifica na fala de um dos alunos, ao fazer a
descrição da mitocôndria em corte, quando diz: “percebo a forma da mitocôndria e
vejo que ela apresenta dupla membrana e a membrana interna limita a matriz
mitocondrial. Isto só foi possível ver neste modelo tridimensional”.
Foi possível constatar que houve uma ressignificação da aprendizagem, quando os
alunos fizeram associações entre a morfologia e a função da célula e de suas
organelas e compararam o antes e o depois do contato com os modelos concretos,
demonstrando satisfação, bem-estar e uma aprendizagem contextualizada.
Assim, os resultados apresentados demonstram a importância da percepção tátil,
indicando a existência de bidirecionalidade nas interações entre sujeito/objeto
e possibilitando aos alunos cegos uma melhor compreensão e entendimento da
funcionalidade celular, uma vez que a identificação da função de cada estrutura
celular ampliou os conhecimentos do conteúdo no espaço não formal de
aprendizagem.
Isso nos faz perceber o aprender no sentido de ser convocado a mudar a situação
e tentar, na medida do possível, escolher a melhor direção. Incluir no sentido
de proporcionar aos estudantes cegos uma representação do mundo a partir do
tato. Reconhecer que a percepção tátil é fundamental para o estudante cego na
leitura do mundo coloca-o teoricamente na morada do ser.
FIM
-
NOTAS DE RODAPÉ
1 Segundo Meihy
(1996, p. 28-51), "a história oral temática é a que
mais se aproxima das soluções comuns e tradicionais
de apresentação dos trabalhos analíticos em
diferentes áreas do conhecimento acadêmico [...]
detalhes da história pessoal do narrador interessam
apenas na medida em que revelam aspectos úteis à
informação temática central".
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ϟ
Sandra Mara Mourão
Cardinali é doutoranda em Ensino de Ciências e
Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul – São Paulo. Mestre em Ensino de
Ciências e Matemática pela PUC–Minas. Graduada e licenciada em Ciências
Biológicas pela UFMG. Especialista em Microbiologia pela PUC–Minas. Professora
de Biologia do Ensino Técnico e Tecnológico de Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais – Cefet/MG. Monitora do Curso de Especialização em
Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva – MEC/Setec – Programa Tecnep.
Amauri Carlos Ferreira
é graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e
pós-doutor em Educação pela UFMG. Professor Adjunto III da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais de Filosofia e Ética (graduação,
especialização e mestrado). Pesquisador na área de Educação e Ciências da
Religião.
ϟ
"A Aprendizagem
da célula pelos estudantes cegos utilizando
modelos tridimensionais: um desafio ético"
Sandra Mara Mourão Cardinali & Amauri Carlos
Ferreira
in Revista Benjamin Constant, Agosto 2010
9.Mai.2015
publicado
por
MJA
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