
Imagem extraída da curta metragem «Eu
não quero voltar sozinho» (2010) realizada
por Daniel Ribeiro
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Este estudo é de natureza exploratório-descritiva e teve por objetivo conhecer as percepções dos
adolescentes portadores de deficiência visual acerca de sua sexualidade. Os dados foram coletados nos meses
de maio e junho de 2004, por meio de entrevistas semi-estruturadas com oito adolescentes deficientes visuais
freqüentadores de uma instituição em Porto Alegre, RS, Brasil. As informações foram submetidas à técnica de
análise de conteúdo de Bardin, das quais emergiram duas categorias principais: Sexualidade e Modificações
sociocomportamentais. Observou-se que os sujeitos carecem de informações a respeito de diversas questões
que envolvem a sexualidade como conhecimentos morfofisiológicos, psicoafetivos, cuidados preventivos. Os
profissionais da saúde, principalmente enfermeiros, necessitam de preparo para abordar essas questões e
contribuir para o desenvolvimento da sexualidade saudável desses indivíduos.
INTRODUÇÃO
Deficiência visual é um termo empregado
para referir-se à perda visual que não pode ser
corrigida com lentes por prescrição regular (1).
Compreende tanto a cegueira total, ou seja, a perda
total da visão nos dois olhos, quanto a visão
subnormal, que é uma irreversível e acentuada
diminuição da acuidade visual que não se consegue
corrigir pelos recursos ópticos comuns (2).
Sendo a adolescência um período que
compreende grandes modificações no processo vital,
entre elas a sexualidade, surgiu o interesse em
conhecer como ocorre essa percepção nos jovens
com deficiência visual.
A sexualidade talvez se constitua em um dos
tópicos mais importantes e mais difíceis, tanto para o
próprio adolescente e para seus pais, como para a
sociedade como um todo (3). A opinião popular estende
a deficiência para a sexualidade do indivíduo, tratando o portador de deficiência como um ser de sexualidade
incompleta, vendo-o como eterna criança, o que gera
a estigmatização da sexualidade desses indivíduos (4)
Se encarar a sexualidade já é um processo
difícil para os adolescentes dotados de todos os
sentidos, que teoricamente se enquadram no modelo
de “normalidade”, preconizado pela mídia e pela
sociedade, como será essa experiência para os
jovens portadores de deficiência visual que, além de
adolescer, precisam enfrentar preconceitos e
estigmas? Como será que esses jovens, portadores
de deficiência visual, percebem sua sexualidade?
Essas e outras questões levaram as autoras a
investigar a temática, tendo em vista que, ao
realizarem atividades junto a adolescentes,
perceberam muitas inquietações e dúvidas.
Perceberam que várias das orientações fornecidas a
essa população é de boa qualidade visual,
proporcionando e instigando debates e discussões.
Questionaram, então, como seria esse processo em
adolescentes com necessidades especiais e
selecionaram a deficiência visual como foco de seu
estudo.
O indivíduo portador de deficiência visual tem
cerceado seu acesso a informações sobre a educação
para a saúde, visto que essas, em sua maioria, utilizam
a visão como estratégia de comunicação(5). Assim,
sendo a enfermagem uma ciência que atua no
processo de cuidar, cabe aos enfermeiros
desenvolverem recursos que facilitem a comunicação com o deficiente visual para que os mesmos se tornem
mais independentes no seu autocuidado.
Dado esse contexto, deve-se assumir a
responsabilidade junto à sociedade enquanto cuidadores, pesquisadores e educadores para a
saúde, contribuindo para o desenvolvimento e
integração social dos adolescentes portadores de
deficiência visual. Refletindo sobre o papel do
enfermeiro, enquanto um educador em saúde,
visualiza-se, nesse contexto do deficiente visual, a
possibilidade de se diminuir os conflitos e inquietações
que acompanham esses indivíduos e, dessa forma,
auxiliá-los no exercício de uma sexualidade livre de
preconceitos e mal-entendidos.
Assim, esse estudo teve como objetivo
conhecer quais as percepções dos adolescentes com
deficiência visual acerca de sua sexualidade.
METODOLOGIA Esta é uma pesquisa do tipo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa.
O estudo desenvolveu-se no Centro Louis
Braille em Porto Alegre, RS, Brasil. O Centro é uma
instituição pública, que visa a promoção da inclusão
social de pessoas portadoras de deficiência visual
(cegos e de visão subnormal), através da reabilitação.
A população do estudo foi composta por oito
adolescentes portadores de deficiência visual que
freqüentavam o Centro Louis Braille, sendo quatro
sujeitos do sexo masculino e quatro do sexo feminino.
Participaram do estudo adolescentes com idades que
variaram entre 14 e 20 anos. Os critérios de inclusão
utilizados foram os seguintes: serem adolescentes
portadores de deficiência visual - independente de
ser essa congênita ou adquirida - alfabetizados, e
cujos pais e/ou responsáveis autorizassem a
participação. Excluíram-se do estudo os adolescentes
portadores de deficiência neurológica grave.
Para a coleta dos dados, o instrumento
utilizado foi a entrevista semi-estruturada. As
entrevistas ocorreram em datas programadas,
conforme a disponibilidade dos sujeitos, em espaço
reservado na Instituição, de forma individual,
respeitando a privacidade daqueles.
As mesmas foram gravadas em fita cassete.
A transcrição das fitas realizou-se pela pesquisadora,
respeitando com fidedignidade o vocabulário utilizado
pelos entrevistados. Após o término das entrevistas, a
pesquisadora procedeu ao esclarecimento das dúvidas
apresentadas pelos adolescentes. Prestaram-se,
também, informações adicionais que vieram a
complementar as respostas emitidas pelos
adolescentes, demonstrando o papel educativo do
estudo.
As informações obtidas por meio das
entrevistas foram submetidas à técnica de análise de
conteúdo(6. A transcrição dos depoimentos
constituíram as categorias e subcategorias
identificadas após a realização das etapas
preconizadas pelo método. A etapa de análise prévia
constituiu-se de várias leituras do material coletado;
a exploração do material constituiu-se na codificação
com o objetivo de identificar no texto os núcleos de
sentido e, posteriormente, a etapa de agrupamento
dos dados e classificação com seleção das categorias,
as quais se denominaram Sexualidade e Modificações
sociocomportamentais.
Para atender as considerações bioéticas do
estudo, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul-UFRGS, sendo elaborado um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido entregue aos pais
e/ou responsáveis pelos adolescentes. Além da
autorização dos pais/responsáveis, leu-se o termo
de consentimento, em voz alta, na presença dos
entrevistados para que os mesmos concordassem e
assinassem. Para a manutenção do anonimato dos
sujeitos os mesmos foram denominados como S1,
S2, S3 sucessivamente.
NÚCLEOS TEMÁTICOS
Sexualidade
Nessa categoria os adolescentes enfocaram
várias temáticas:
Alterações morfofisiológicas
Em relação às alterações morfofisiológicas
decorrentes da adolescência, os jovens deficientes
visuais apontaram diversas modificações que se
processavam em seus corpos, segundo demonstram
os seguintes depoimentos.
Eu comecei a criar seio, porque eu não tinha, comecei a
ficar menstruada (S2).
Olha, eu tô começando a criar barba, a voz engrossou
mais (S3).
Na passagem da infância para a idade adulta,
um dos aspectos peculiares é a maturação fisiológica.
Nesse momento do ciclo vital, o hipotálamo passa a
estimular a hipófise para a produção de hormônios
do crescimento e amadurecimento, fazendo com que
ocorra o desenvolvimento das características sexuais
secundárias(7).
Apesar de não poderem enxergar as
mudanças em seus corpos, os adolescentes
portadores de deficiência visual percebem que estão
crescendo e que seu corpo se modifica. Notam
estruturas que antes não possuíam, como os seios
para as meninas ou a barba para os meninos. Esse
fato é compreensível, pois as modificações biológicas
que caracterizam esse processo propiciam a
experiência de uma série de eventos psicológicos que
culminam naquilo que se denomina aquisição de
identidade sexual(8). Além disso, ouvem comentários
de outras pessoas e dão-se conta de mudanças no
comportamento dos outros em relação a eles, como
demonstra a seguinte fala.
[...] eu vi que o meu corpo começou a desenvolver mais,
quando eu vi que os guris se importavam mais com isso, com
bunda, peito, coxa ... assim [...] (S1).
Em relação à menstruação os sujeitos
relataram: [...] não sei, é um sangue nojento (S1 feminino).
[...] ninguém nunca me disse, eu sei que com mulher
pode acontecer (S4 masculino).
Os adolescentes demonstraram pouco
conhecimento acerca da fisiologia da menstruação e
seu papel no ciclo reprodutivo. Os meninos sabem
que é algo que faz parte do desenvolvimento feminino
e, portanto, só acontece com as mulheres, algumas
meninas associam com sangue/sangramento e
referem ser algo nojento, demonstrando desagrado
quando mencionam esse sangramento. Ambos os
sexos, porém, têm vaga idéia sobre a finalidade da
menstruação.
Apesar de as adolescentes que participaram
do estudo já terem menstruado, algumas meninas
revelaram que não souberam como proceder da
primeira vez que isso aconteceu com elas.
[...] eu só falei, tá - Fiquei menstruada -, apesar de eu
pensar: bá, e agora? (S5).
Esse depoimento ressalta a falta de
informações das jovens e o despreparo para lidarem
com situações típicas dessa fase, como a menstruação.
Em relação ao termo espermatozóide e seu
significado, os adolescentes apresentaram as
seguintes opiniões.
[...] eu penso que espermatozóide é uma espécie de
hormônio, eu acho que o homem produz, a função seria pra relação
dos dois, se junta no útero, que é o hormônio da mulher e assim
cria a célula que dá a vida (S3, masculino).
Ah, eu não sei muito bem, é do homem [...] serve pra
fecundação, uma coisa assim (S4, masculino).
A maioria dos adolescentes demonstrou saber
que os espermatozóides estão associados ao sexo
masculino, porém houve muita confusão em
responder o que são (células, hormônios) e qual a
sua função, demonstrando seu pouco conhecimento
no que diz respeito à fisiologia da reprodução,
principalmente em se tratando do corpo do outro.
O corpo do outro, para o portador de
deficiência visual, é um mistério que muitas vezes só
é desvendado com a experiência sexual,
principalmente para os que não têm irmãos do sexo
oposto, pois, até tocar em alguém do outro sexo, o
deficiente visual não tem a real idéia de como ele se
configura(4).
Também houve confusão por parte dos
meninos que, mesmo sabendo se tratarem os
espermatozóides de algo que faz parte de seu próprio
corpo, demonstram desinformação acerca de sua
função. Na adolescência, o corpo sofre profundas e
rápidas transformações. A partir desse fato biológico,
afirma-se que as modificações escapam ao controle
do adolescente, não só exigindo reconstrução da sua
auto-imagem, como também influenciando,
sobremaneira, na construção de sua identidade, ou
seja o conhecimento de si mesmo(9). Do ponto de
vista de adolescente portador de deficiência visual,
acredita-se que a nova forma de se perceber sofre
influência externa. A desinformação sobre a função
do seu corpo pode ser visualizada no depoimento de
um menino.
Espermatozóide é aquele que se encontra no óvulo [...]
parece que serve para impedir a gravidez (S6.
O sujeito possui uma vaga noção sobre o que
seja espermatozóide e tenta reunir as informações,
a fim de formar sua opinião sobre o tema.
Relações afetivo-sexuais
Nesta temática os jovens deficientes visuais
manifestaram-se acerca das relações afetivo-sexuais,
posicionando-se frente ao namoro e ao “ficar”.
Os depoimentos demonstram bem suas
percepções.
[...] ficar é só ... tu fica um dia e tu não conhece a
pessoa, não tem compromisso de nada, tu pode ficar só por umas
horas, tu pode só dar beijo e tchau (S5, feminino).
Namorar é quando é uma coisa séria, com compromisso,
que tem intimidade [...] namorado sério assim mesmo, de levar
em casa, de conhecer os meus pais [...] (S5, feminino).
Os adolescentes portadores de deficiência
visual fazem clara distinção entre ficar e namorar.
Ficar está associado a um momento apenas, sem
compromisso ou criação de vínculo. Já namorar
reflete um envolvimento maior, um compromisso,
torna-se algo mais sério, associado à fidelidade e
intimidade. A maioria dos entrevistados revelou já
ter “ficado” com alguém ou ter tido algum
namorado(a).
Uma das entrevistadas demonstrou tendência
à negação quando se abordou o tema namoro/ficar,
como demonstra a sua fala.
Namorado, nunca! Nem quero ter, nem nunca fiquei,
nem vou ficar com ninguém [...] (S2, feminino).
Essa posição do sujeito pode justificar-se pelo
fato de que o adolescente portador de deficiência
visual, impossibilitado de se engajar nos padrões
estéticos preconizados pela sociedade, passa a agir
como o estereótipo que carrega, ou seja, como um
ser assexuado e sem desejo, respaldando com isso
as expectativas dos demais a seu respeito(10).
Conhecimentos sobre anticoncepção e doenças
sexualmente transmissíveis
Nessa temática, em relação aos métodos
anticoncepcionais, os adolescentes entrevistados
manifestaram-se como apresentado a seguir.
Os anticoncepcionais são medicamentos para prevenir
a gravidez, pra mulher ter menos chance de engravidar (S6,
masculino).
São pílulas para evitar que a mulher engravide (S1,
feminino).
Embora possuam o conhecimento de que os
métodos anticoncepcionais existem e saibam citar
nomes, a maioria dos sujeitos revelou nunca ter tido
oportunidade de manusear esses métodos e
desconhecer a maneira adequada de usá-los,
conforme demonstram suas falas.
[...] camisinha eu já peguei uma, uma vez, mas fechada,
não sei bem como é (S4, masculino).
[...] no colégio têm palestras, assim, alguém lá na frente
mostra, no meu caso não adianta muito (S8, masculino).
Uma gravidez indesejada pode ser o resultado
de desconhecimento ou uso inadequado dos métodos
contraceptivos, utilização de métodos de baixa
eficiência, ignorância da fisiologia da reprodução e
das conseqüências das relações sexuais, entre outros
fatores(11).
A cultura sexual de massa é quase restrita a
estímulos visuais. Faltam no Brasil programas de
educação sexual adaptados ao deficiente visual. Já
que esses indivíduos não podem aprender por imitação
visual, o ideal seria que todos os movimentos lhes
fossem demonstrados e com eles juntamente
realizados, explorando-se, dessa forma, os sentidos
remanescentes do deficiente visual, tato e audição,
de modo a contribuir para o melhor entendimento
das informações(4,12).
A criação de espaços para esses jovens deve
se constituir de meios que lhes possibilitem falar o
que sentem para saciar suas necessidades emocionais
e de desenvolvimento através de atividades técnicas
e/ou práticas pela educação alternativa, programas
de treinamento vocacional e elaboração de projetos
de vida(11).
Em relação às doenças sexualmente
transmissíveis, responderam com os depoimentos
seguintes: São doenças que passam através do sexo, sexo sem
camisinha (S1, feminino).
É o vírus da AIDS, né, é o HIV [...] (S2, feminino).
Apesar de demonstrarem certo conhecimento
acerca das DSTs, alguns sujeitos ainda fazem confusão
com relação às formas de contágio, o que pode ser
percebido com o que se lê.
[...] não pode beber no mesmo copo que a outra pessoa
bebeu, não pode usar a mesma seringa da outra pessoa, aí pega
doença (S2, feminino).
[...] essas doenças, nós pegamos quando a pessoa usa o mesmo tipo de escova de dente, usa os mesmos objetos, daí é
assim que acontece (S6, masculino).
Percebe-se que os adolescentes deficientes
visuais apresentam desconhecimento e informações
errôneas com relação às formas de contágio das
doenças sexualmente transmissíveis. Os mesmos
referem que a única forma de informação que
possuem a esse respeito lhes é transmitida por meio
de outras pessoas. Pelas falas dos sujeitos pode-se
perceber que nem sempre essas informações são
corretas. Isso se agrava devido à carência de
materiais informativos relacionados a essa área,
adaptados ao deficiente visual, dificultando o acesso
dos mesmos a informações precisas.
Em se tratando de educação em saúde,
principalmente sexualidade, a literatura em braile é
escassa, os recursos disponíveis destinam-se a
pessoas videntes, sendo as informações transmitidas de forma bastante superficial e não atendendo
adequadamente às necessidades de um deficiente
visual(5).
A educação para a saúde é definida como
“[...] um processo planificado e sistemático de
comunicação e de ensino-aprendizagem orientado a
facilitar a aquisição, escolha e manutenção das
práticas saudáveis e dificultar as práticas de risco”(13).
Os problemas que atingem os adolescentes
como gestação indesejada, aborto, doenças
sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS são alvo de
preocupação entre formuladores de políticas, pais e
educadores de um modo geral. O preparo dos jovens
para o exercício saudável da sexualidade requer
intervenção planejada por parte dos profissionais da
saúde e da educação que estejam fundamentadas
em uma concepção de adolescência, sexualidade,
educação sexual de modo a atender a integralidade
humana, em que a sexualidade seja compreendida
como uma das expressões que envolve afetos,
sentidos, desejos, comunicação e criação(14-16).
Modificações sociocomportamentais
Nessa categoria surgiu a temática
Necessidade de auto-afirmação. Entende-se para os
deficientes visuais como a necessidade de ser
reconhecido na sua condição, com seus direitos e
deveres, limites e possibilidades e se afirmar/
reconhecer enquanto cidadão.
Necessidade de auto-afirmação
Em relação a essa temática, os sujeitos
relataram maior liberdade/autonomia como uma das
principais modificações que estavam experenciando
enquanto adolescentes, conforme demonstram as
falas dos sujeitos.
Antes eu só ficava em casa, eu tava enjoado de depender
dos meus pais [...] agora eu saio um pouco (S6, masculino).
[...] deu vontade de aprender as coisas, se desenvolver,
caminhar na rua, mudou tudo, assim (S7, feminino).
Percebe-se por esses depoimentos que os
jovens deficientes visuais estão em busca do seu
espaço na sociedade, anseiam por liberdade e
autonomia e pelo rompimento dos fortes laços de
dependência em relação aos pais. Para eles, isso se
materializa no simples fato de poderem sair sozinhos,
caminhar na rua, sentindo-se, dessa forma,
independentes.
Muitos deficientes visuais são “educados” para
serem indefesos e dependentes, sendo-lhes impressa,
pelas próprias famílias, a idéia de que são inábeis e
incapazes(17). Isso pode ser percebido nas falas dos
sujeitos: Com meus onze pra doze (anos) eu comecei a entrar na
escola, que eu entrei muito tarde, porque eu não podia (S2, feminino).
A conscientização e o apoio por parte da
família e da sociedade em geral são fundamentais
para que os portadores de deficiência visual
desenvolvam suas potencialidades e adquiram
autonomia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os profissionais de saúde, principalmente
enfermeiros, estão mal preparados para tratar as
questões de saúde junto ao portador de deficiência.
Talvez por isso seja tão difícil a abordagem de
questões como a sexualidade do deficiente visual. O
que explica, de certa forma, o fato de se pesquisar e
escrever pouco sobre o assunto.
Conhecer as percepções dos adolescentes
com deficiência visual acerca de sua sexualidade
oportunizou verificar que esses adolescentes carecem
de informações e conhecimentos com relação a
diversas questões que envolvem a sexualidade.
A experiência junto aos adolescentes permitiu
um convívio rico em trocas e momentos de prazer
em conhecimentos que a academia muitas vezes não
pode oferecer e também estimulou mais a assunção
do papel como provedor de saúde e educador.
Acredita-se que o objetivo foi alcançado com
êxito, pois se percebe que a maioria dos entrevistados
têm alguma informação sobre as questões abordadas,
tais como menstruação, espermatozóides, doenças
sexualmente transmissíveis e anticoncepção, mas
nem sempre essas informações estão corretas,
constituindo-se de idéias vagas e confusas. Pode-se
associar esse fato a falhas nos meios de divulgação
das informações.
As informações que são divulgadas através
dos meios de comunicação como televisão, jornais,
revistas, cartazes e folders, distribuídos em diversos
locais, não atingem de maneira eficaz o portador de
deficiência visual. Faltam em nosso meio programas
de educação sexual que sejam adaptados ao
deficiente visual, com informações escritas em braile
e que privilegiem os demais sentidos, posto que a
visão não é o único meio de que se dispõe para
divulgar e apreender informações.
Todas as dúvidas dos adolescentes foram
esclarecidas ao final das entrevistas, assim como lhes
foram fornecidas informações adicionais sobre os
diversos assuntos abordados. Esse momento
constituiu-se, na percepção da pesquisadora, como
uma das ações educativas pertinentes ao profissional
enfermeiro. Nesse caso recorreu-se à orientação
verbal, mas poderiam ter sido usadas várias outras
ações como oficinas, jogos, brincadeiras,
dramatização.
Esta pesquisa não encerra a compreensão
acerca da sexualidade do deficiente visual, ela deixa
algumas reflexões e aponta para a necessidade de
futuras pesquisas sobre o assunto. Um estudo de
caráter longitudinal, acompanhando adolescentes
deficientes visuais que tenham sido orientados/
educados por meio de uma metodologia de educação
em saúde, adequada às suas necessidades, seria um
dos caminhos de se verificar a eficácia das ações
educativas no desenvolvimento de sua sexualidade.
Por exemplo, ao término de um período, poder-se-ia
observar e mensurar quantos contraíram alguma DST,
quantos fizeram uso de contracepção ou tiveram
filhos, entre outras situações.
A educação para a saúde não é uma hipótese
abstrata, é uma realidade que responde às
necessidades de saúde e à possibilidade objetiva de
adquirir comportamentos positivos. Acredita-se que
as pessoas, mesmo as portadoras de necessidades
especiais e, nesse caso, os deficientes visuais, devem
poder ter suas próprias decisões e conhecimentos
sobre sua saúde, exercendo assim seus direitos e
deveres para o pleno exercício de sua cidadania.
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'Adolescentes portadores de deficiência visual: percepções sobre sexualidade'.
autoras: Giovana Raquel de Moura (Enfermeira) & Eva Néri Rubim Pedro
(Enfermeira, Doutora em Educação,
Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS)
Rev Latino-Am Enfermagem 2006 março-abril; 14(2):220-6
artigo original www.eerp.usp.br/rlae
18.Mai.2014
publicado
por
MJA
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