

Aluno cego em
Tbilisi, Georgia
- foto de David
Mdzinarish, 2010
1. Definição
A classificação das crianças e jovens deficientes visuais, de
acordo com o seu tipo de limitação visual é uma tarefa essencial
prévia à elaboração de qualquer programa educacional. Contudo, esta
classificação não deve obedecer meramente a critérios clínicos,
definidos com base na medição da acuidade e campo visuais, mas a
critérios de eficiência funcional da visão. De acordo com Barraga
(1985):
-
Alunos cegos são os que não têm nenhuma
espécie de visão ou têm apenas percepção de luz sem projecção,
precisando para a sua aprendizagem de usar meios tácteis, isto é,
o sistema braille.
-
Alunos com visão residual são os que têm um
grau de visão que lhes permite ter percepção luminosa e percepção
de objectos, sendo capazes de discriminar e reconhecer, dentro dos
seus baixos limiares de visão, materiais visuais adequados.
Necessitam de condições especiais de iluminação, quer ambiente
quer dirigida, e de postura e de ajudas ópticas, que podem ir de
simples lupas a circuitos fechados de televisão. Embora algumas
destas crianças usem o braille, para a leitura e escrita, porque
os seus resíduos visuais são extremamente baixos, podem, de um
modo geral, obter grandes benefícios para a sua eficiência visual
com programas de estimulação e treino visual.
-
Alunos com visão parcial são os que usam a
visão para todas as tarefas visuais, incluindo as escolares,
necessitando, normalmente, de lentes para correcção de erros de
refracção. É frequente apresentarem redução do campo visual ou
alterações da visão central. Podem necessitar de ajudas ópticas
para tarefas pontuais, como seja a consulta de um dicionário, de
uma lista telefónica, de legendas de mapas, etc. Exigem cuidados
na escolha e orientação da iluminação, no local em que se situam
na sala de aula e na clareza e nitidez dos materiais escritos que
lhes são apresentados.
2. Etiologias
Aproximadamente 70% dos alunos deficientes visuais apoiados - na
área pedagógica da DREC - são ou foram seguidos pela Equipa de
Subvisão do Centro Hospitalar de Coimbra (Hospital dos Covões), no
âmbito do Projecto de Subvisão, existente desde 1989, e resultante
de um acordo entre este Hospital e a DREC. Listam-se, abaixo, as
etiologias mais importantes encontradas. Estas apresentam-se
ordenadas por percentagem de incidência e são descritas as
principais características (Chapman & Stone, 1988); (RNIB, 2000).
-
Cataratas congénitas - É uma afecção
normalmente herdada, mas que também pode ser causada pelo vírus da
rubéola, por medicamentos ou por má nutrição durante a gestação.
As lentes do cristalino apresentam-se opacas e impedem a passagem
da luz para a retina. Nalguns casos é aconselhável a cirurgia,
muito precocemente, noutros isso não é possível. A visão
periférica é normalmente afectada, tendo como consequência
problemas a nível da mobilidade. Exigem-se cuidados na iluminação,
bom contraste nos materiais escritos apresentados e o uso de
ajudas ópticas.
-
Nistagmus - É o movimento involuntário e
convulsivo dos globos oculares de um lado para o outro ou de cima
para baixo. Pode aparecer isolado ou associado a outras doenças. A
incapacidade de manter uma fixação estável resulta numa acentuada
ineficiência visual, sobretudo da visão de longe. Causa problemas
de postura, tensão e cansaço porque, normalmente, a visão
apresenta-se mais estável se a criança mantiver a cabeça inclinada
para o lado. Convém que se sente o mais possível perto do quadro e
da professora e deve verificar-se se a apresentação de materiais é
feita a um nível adequado aos seus olhos. A luz deve ser adequada
à sensibilidade individual e a impressão deve ser feita em papel
baço e com bom contraste.
-
Retinopatia - A maior parte dos casos é de
retinopatia pigmentar. É uma doença hereditária, normalmente
progressiva, que afecta a retina. Começa por prejudicar a visão
periférica, mas pode progredir até resultar em visão tubular e
cegueira nocturna. Quando afecta a mácula, passa a haver grandes
dificuldades nas tarefas que exigem visão de perto (leitura e
escrita). A acuidade visual pode começar por ser boa, apesar do
campo visual ser extremamente reduzido e o jovem, eventualmente,
acabar por perder todos os restos visuais. Isto acontece
normalmente na adolescência, sendo em muitos casos necessário
iniciar nessa altura o ensino do braille. Desviar os olhos do
livro para o quadro, por exemplo, é uma tarefa difícil e a
mobilidade é muito afectada. Surgem, frequentemente, problemas de
desajustamento emocional e comportamental agravados pela idade.
-
Glaucoma congénito - Devido a produção
excessiva ou deficiência na drenagem do humor aquoso, há um
aumento da pressão intra-ocular e o globo ocular apresenta-se
anormalmente dilatado. Pode resultar de uma situação congénita,
crónica ou súbita. Os tratamentos possíveis são a medicação tópica
ou oral, o laser ou mesmo a cirurgia para limpar ou alargar os
canais de drenagem e manter aquela pressão a um nível seguro. Se
não for tratada, esta situação pode causar danos irreversíveis no
nervo óptico, afectando a visão periférica e podendo ocorrer, mais
tarde, afecção da visão central. Provoca diminuição da acuidade
visual. Ajudas ópticas e controlo da iluminação, devido a
fotofobia, são recomendados.
-
Atrofia óptica - Consiste na degenerescência
das fibras do nervo óptico. O nervo óptico transmite informações
eléctricas da retina ao cérebro e o cérebro traduz estas
informações em visão. Sempre que o nervo óptico é afectado há
atrofia óptica. A perda de visão consequente pode ir de um leve
enevoamento da imagem até grave perda de visão afectando um olho
ou os dois. Se as fibras ópticas da mácula são atingidas, a
capacidade de definir imagens localizadas no centro do campo
visual será afectada, uma vez que a mácula é a parte da retina
responsável pela visão central. A visão periférica não será
afectada, podendo ser desenvolvidas técnicas de treino visual
conducentes a um melhor uso desta visão e portanto a melhorar a
visão funcional. É aconselhável uma boa iluminação e bom
contraste.
-
Miopia - A miopia é um defeito de refracção
que causa má visão de longe. Há miopia quando o poder refractivo
combinado da córnea e do cristalino é demasiado grande em relação
ao comprimento do globo ocular. A miopia pode ser ligeira (até 3
dioptrias), moderada (de 3 a 6 dioptrias) e alta (de 6 em diante).
Normalmente a miopia estabiliza quando completado o processo de
crescimento, e obtém-se uma visão normal após correcção com
óculos. A miopia de alto grau é uma condição crónica e
degenerativa que pode causar problemas devido à sua associação com
alterações do fundo do olho. A alta miopia pode levar a perda de
visão quando a deformação do olho provoca estragos na retina ou o
seu descolamento. A miopia pode aparecer associada a cataratas e
ao glaucoma.
-
Estrabismo - Normalmente, quando olhamos para
alguma coisa, a imagem desse objecto cai simultaneamente nas
fóveas (a fóvea é o centro da mácula). Quando os dois olhos não
estão alinhados, só um está realmente a olhar para o objecto e o
outro está a olhar para outra direcção. Dá-se o nome de estrabismo
a qualquer desvio de um perfeito alinhamento ocular. Este desvio
pode ser para dentro, para fora, para cima , para baixo ou uma
combinação destes. O estrabismo leva a que cada fóvea receba uma
imagem diferente. Assim, diferentes coisas serão vistas no mesmo
lugar, o que provoca "confusão visual" ou vistas a dobrar em
diferentes localizações, o que é chamado "diplopia". As crianças
pequenas que usam sempre o mesmo olho para verem, enquanto o outro
está constantemente numa posição de desvio, sofrem diminuição de
capacidade visual ou ambliopia no olho não usado,
que fica "preguiçoso". Para prevenir o desenvolvimento de
ambliopia nestas crianças, é-lhes vendado o olho melhor. O
objectivo deste tratamento é permitir o desenvolvimento da visão
normal no olho afectado através do estabelecimento das ligações
funcionais entre o olho e o cérebro.
-
Aniridia - É um defeito congénito que provoca
uma incompleta formação da íris. Causa perda de visão, usualmente
nos dois olhos, embora os efeitos variem de indivíduo para
indivíduo. Pode encontrar-se associada a nistagmus, glaucoma,
cataratas, etc. Alguns bebés com aniridia podem ser sensíveis à
luz enquanto outros sofrem de opacidade.
3. Consequências e Implicações educacionais
As consequências a nível de limitação visual destas doenças
podem, como se viu, ser variadas: erros de refracção, perda de
nitidez da visão, diminuição de campo visual, perda de visão central
ou perda de visão periférica. Podem ainda encontrar-se, por vezes em
associação, outras anomalias muito perturbadoras para a eficiência
visual, como nistagmus, fotofobia, etc. Acresce a isto que para além
de uma enorme diversidade de problemas visuais é também muito
variável o grau de adaptação de cada indivíduo à perda de visão.
Como consequência deste facto, o grau da perda de visão não permite,
por si só, entender como esta perda afecta a aprendizagem. Alunos
com graus de perda de visão similares podem funcionar muito
diferentemente. Um deficit visual considerável pode
constituir um enorme obstáculo para uma criança e não ser tão grande
para outra. Contudo, independentemente do grau de perda de visão e
da capacidade individual de cada um de adaptação a essa perda, é
aceite por todos a conclusão de tanto as crianças cegas como as
crianças com visão reduzida terem de adquirir as competências
necessárias para funcionarem em ambientes em que a maioria das
pessoas têm visão suficiente para ler e escrever caracteres normais
e para se deslocarem sem problemas.
Toda a gente sabe que as
crianças começam, desde muito cedo, a imitar aquilo que vêem os
outros fazer. A aprendizagem baseia-se neste princípio. O grande
desafio dos educadores e professores de deficientes visuais é o de
como ensinarem aos seus alunos competências que as crianças que vêem
adquirem através da visão. Os deficientes visuais usam uma enorme
variedade de métodos para a leitura e a escrita. Alguns usam
exclusivamente o braille; outros usam escrita normal com ou sem o
auxílio de ajudas ópticas; alguns usam uma combinação de métodos,
incluindo o braille e auxiliares ópticos e outros ainda têm
suficiente visão funcional para usarem a escrita normal embora com
muita dificuldade.
A menos que determinado aluno tenha outros tipos
de deficiência que afectem a sua capacidade de aprender a ler e a
escrever, o meio para aprendizagem que deve ser proporcionado à
criança cega ou com problemas de visão é aquele que melhor se
adequar às suas necessidades e capacidades.
Assim, uma criança cega
necessita de uma aprendizagem sistemática dada por professor
especialista para se tornar leitor de braille e uma criança com
baixa visão precisa de ser ensinada a usar os seus restos visuais e
requer uma aprendizagem regular e intensiva para poder usar
eficientemente as suas ajudas ópticas.
A deficiência visual tem, ainda, implicações emocionais,
sociais, físicas e mentais no desenvolvimento da criança (Kirk &
Gallager, 1979). Qualquer programa de apoio a esta deficiência deve,
portanto, ter em conta todas estas áreas de desenvolvimento, na
medida em que todas elas são parte integrante do processo
educacional.
3. a) A importância da visão
A informação recebida através de cada sentido é processada pelo
cérebro, comparada e combinada com outras informações sensoriais;
depois é codificada e armazenada, como banco de memória das
experiências da pessoa. A partir destas experiências, cada pessoa
constrói os seus conceitos próprios do mundo. O modo como nós
armazenamos esta memória varia consoante o sentido que mais usamos e
é claro que, para as pessoas que têm todos os sentidos intactos,
isto é feito através de imagens visuais (Gayton, 1987). Mais
exactamente, de 80 a 85% de toda a informação que recebemos é-nos
fornecida através da visão. Quando falta um sentido, falta uma
dimensão à imagem do mundo resultante, portanto, quando falta o
sentido da visão, obtêm-se conceitos diferentes do mundo físico.
Segundo Lowenfeld (in Kirk & Gallager, 1979) a falta do
sentido da visão limita a percepção e a cognição de 3 modos:
-
quanto à extensão e variedade das experiências,
-
quanto à capacidade de se locomover, e
-
quanto à interacção com o ambiente.
Estas limitações, por sua vez, afectam a autopercepção da criança
deficiente visual. Logo nos primeiros meses de vida falta à criança
cega o contacto visual com os pais. Não sendo reforçadas outras
formas de interacção, pode desde então ficar ameaçado o seu
desenvolvimento emocional. Sem visão ou sem percepção de distância,
uma criança não consegue apreender a distância a que voam os
pássaros ou os aviões. A falta deste tipo de experiência afecta o
seu desenvolvimento cognitivo. Se não vê os objectos que estão à sua
volta, não há estímulo para se movimentar e tentar alcançá-los. Isto
compromete o seu desenvolvimento psicomotor.
3. b) A audição
Os sons são provavelmente a mais importante forma de input
sensorial para uma criança cega, mas sem visão os sons nem sempre
são fáceis de interpretar. Os sons podem dar indicações sobre a
distância e a direcção mas não dão indicações sobre a forma. A
criança precisa de ser ajudada a usar inteiramente o seu sentido
auditivo e a saber seleccionar e interpretar os sons que são
importantes para ela.
3. c) O tacto
O tacto, sem visão, tem limitações porque a visão é necessária
para a compreensão da totalidade do objecto. O tacto dá informações
sobre a forma, qualidade, textura, resistência, temperatura, peso,
etc., mas só fornece informação sobre partes, em sequência, enquanto
que a visão permite a apreensão da totalidade ao mesmo tempo que as
partes estão a ser examinadas, quer pelos olhos quer pelo tacto ou
pela combinação de ambos os sentidos. Também diferentemente da
visão, o tacto não permite outro relance. A criança cega só "vê" um
objecto quando o está a tocar.
3. d) O olfacto
O olfacto é um sentido importante em muitas situações, sobretudo
na mobilidade, nas actividades de vida diária e na área da higiene e
cuidados pessoais, mas é necessário que a criança entenda que nem
todas as alturas são socialmente aceitáveis para usar este sentido
na exploração dos objectos e que o deve fazer com discrição.
3. e) A importância das experiências
Embora as crianças cegas e com baixa visão obtenham melhores
resultados do que as crianças com visão em testes de memória a curto
prazo e em testes de atenção, elas têm um desempenho
significativamente pior na compreensão de associações, uma vez que a
falta de experiências limita a capacidade de ligar ideias a
objectos, verificando-se uma compreensão fragmentada e distorcida de
conceitos, mesmo quando estes são simples (Kirk & Gallager, 1979).
Em 1978, Reynell estudou 109 crianças cegas (Kirk & Gallager,
1979), que não tinham outras deficiências e comparou os seus
desempenhos numa série de diversos domínios: adaptação social,
compreensão sensoriomotora, orientação, compreensão verbal e
expressão de linguagem. Verificou que estas crianças estavam
significativamente atrasadas em todos estes domínios. Eram mais
imaturas em termos sociais, não compreendiam o essencial e tinham
problemas especiais de orientação espacial. Reynell sugeriu que,
como a visão domina praticamente todos os estádios iniciais da
aprendizagem, que constituem a base para muitos dos processos
intelectuais superiores, torna-se necessário fornecer-lhes uma
programação sistemática de experiências, dando ênfase à
aprendizagem concreta e à auto-aprendizagem.
3. f) A importância do treino dos sentidos
Embora tenha sido posta completamente de parte a "Teoria da
Compensação" segundo a qual, quando um sentido é deficiente os
outros sentidos automaticamente se reforçam, as pessoas deficientes
visuais podem e devem aprender a usar o mais eficientemente que
puderem os seus outros sentidos disponíveis, sobretudo a audição e o
tacto, conseguindo, pelo treino e pela atenção, obter melhores
resultados do que as pessoas com visão. Não se pode, contudo,
esquecer que a visão é um sentido unificador, que integra as
informações parciais ou fragmentadas transmitidas através dos outros
sentidos. Pode-se tentar compensar a sua falta mas não se consegue
substituí-la. A criança deficiente visual tem, desde tenra idade, de
tocar e manipular os objectos para os conhecer e melhor compreender
os conceitos envolvidos. Assim, quando as disciplinas na escola se
orientarem no sentido verbal, a criança já terá a compreensão
conceptual necessária para ligar os objectos aos seus nomes. Se
deixadas entregues a si próprias, as crianças cegas vivem uma vida
muito restrita. É necessário providenciar-lhes uma estimulação
sistemática que as leve a sentir interesse pelo que as rodeia, lhes
expanda os horizontes, lhes permita conhecer relações de
causa-efeito e lhes forneça conhecimentos e experiências em primeira
mão. A falta ou restrição visual afecta necessariamente a sua
formação de conceitos, havendo uma necessidade constante de lhes
proporcionar ajuda, informações e descrições verbais.
3. g) Capacidades motoras
Quanto ao seu desenvolvimento motor, é normal que seja
deficitário (Jones, 1987). Poucas são as crianças deficientes
visuais que tiveram oportunidade de subir às árvores, correr, jogar
ao berlinde, etc. É, assim, essencial a elaboração de um programa
para estimulação das suas habilidades motoras "finas" e
"grosseiras", que encoraje a criança e mais tarde o jovem a ser
fisicamente apto, independente e vigoroso e a desenvolver a sua
capacidade de orientação espacial.
3. h) Desenvolvimento social e emocional
A integração do deficiente visual na família em primeiro lugar,
depois na escola e na comunidade, de modo geral, é um processo
importante em termos de interacção social. Embora não haja problemas
pessoais e sociais inevitáveis, deve ser dada muita atenção ao
desenvolvimento social e emocional destes alunos. O deficiente
visual tem menos motivação e oportunidade de estabelecer contactos
sociais, uma vez que não pode, como os que vêem, apreender os
comportamentos e normas sociais dos que o rodeiam para os imitar.
Está também bem documentado o facto de o deficiente visual ter por
norma uma baixa auto-estima, apresentando frequentemente altos
níveis de ansiedade e insegurança e falta de capacidade de decisão (Chapman
& Stone, 1988). Isto torna imperativa a necessidade de
acompanhamento e aconselhamento destes alunos, sobretudo na
adolescência, por profissionais habilitados.
Como se vê, são muitos os programas de aquisições específicas que
devem ser proporcionados ao deficiente visual para que, ao terminar
a escolaridade, a sua integração social e profissional seja
possível. A escola, para além de lhe dar os meios de se tornar
economicamente activo, deve proporcionar-lhe as competências
necessárias à vida diária, assim como uma formação necessária para
as exigências sociais e de comunicação da vida adulta. A integração
de alunos deficientes num sistema escolar inclusivo tem
necessariamente de prever um programa individual de intervenção
adaptado à criança e ao seu meio. Deve iniciar-se o mais cedo
possível após o nascimento e deve incidir essencialmente na família.
O aluno integrado deve fazer a aquisição de todo um conjunto de
competências específicas que lhe permitam ultrapassar as
desvantagens decorrentes da falta ou limitação da sua visão.
4. Áreas Específicas de Intervenção na
Deficiência Visual
4. 1. Intervenção Precoce
e Actividades da Vida Diária
O processo de integração de uma criança com deficiência visual
destina-se a conseguir que ela atinja um nível funcional visual,
psicológico e social óptimos, fornecendo-lhe os instrumentos
necessários que lhe permitam melhorar a sua qualidade de vida. Pode
envolver medidas destinadas a compensar uma perda de função
(cegueira) ou uma limitação funcional (visão reduzida), assim como
envolver medidas destinadas a facilitar a sua integração e
ajustamento sociais. O objectivo último deste processo é ajudar o
deficiente visual a assumir-se como um indivíduo independente e
capaz de viver, com dignidade, na comunidade de que faz parte.
E se a família é a primeira comunidade a que uma criança
pertence, então é aí que tem de começar o processo de integração,
fazendo a criança cega ou deficiente visual participar, como membro
de pleno direito, de todas as actividades familiares. É
universalmente aceite que o centro de toda a aprendizagem
pré-escolar da criança é a casa e que os pais são os seus primeiros
professores. Em todas as culturas é aos pais que cabe ensinar as
crianças a andar, a falar, a comer, a cuidar da sua higiene, a fazer
amigos, etc. Os pais devem ser os primeiros professores destas
actividades básicas, actividades necessárias para preparar a criança
para todas as sucessivas integrações que a esperam: na comunidade
social, na escola, no mundo do trabalho (Jones, 1977). Mas, para
desempenharem estas tarefas, estes pais precisam de ajuda e de
conhecimentos que lhes permitam entender e ir ao encontro das
necessidades educativas especiais do seu filho deficiente visual. A
pessoa indicada para realizar esta tarefa deverá ser uma Educadora
de Infância, especialista em Deficiência Visual e com experiência de
trabalho directo com este tipo de crianças. O papel da educadora
especialista na deficiência visual não é só ensinar a criança, mas
também informar, aconselhar, guiar e treinar os pais, supervisionar
e avaliar (Hewitt, 1982).
Quais são as principais diferenças entre criar / educar uma
criança normovisual e uma criança deficiente visual?
A criança deficiente visual é, antes de mais, uma criança. As
suas potencialidades intelectuais, afectivas e motoras estão
intactas, mas devido ao facto da sua percepção visual ser nula ou
reduzida, ela necessita de uma educação apropriada e específica ao
seu desenvolvimento. Esta criança não sorri nem estende os braços
quando a mãe entra no quarto. Fica quieta e em silêncio porque está
a tentar perceber, pelos sons, o que se passa à sua volta. Uma das
primeiras coisas que os pais precisam de aprender é a encontrar
substitutos sonoros e tácteis que ajudem a criança a identificá-los.
E isto acontecerá por volta dos 10 meses de idade, quando o bebé já
for capaz de os reconhecer e de demonstrar prazer com a sua
presença. É nesta altura que ela se torna capaz de começar a
associar sons a objectos, e vozes a pessoas específicas. Este tipo
de informações tão simples pode ajudar a impedir a rejeição da
criança, tão vulgar nos primeiros meses de vida e que tem
transformado tantas crianças apenas cegas em crianças cegas com
graves perturbações emocionais e de desenvolvimento.
A falta ou o uso limitado da visão não motiva a criança a
aprender a sentar-se, para ver melhor o que se passa à sua volta, a
gatinhar para alcançar os objectos que pretende, a andar porque
pretende imitar o que os outros fazem. Assim, esta criança
desenvolverá estas habilidades motoras mais tardiamente que a
criança que vê. Quando já sabe associar sons a objectos, é
necessário utilizar estímulos sonoros e tácteis que a incentivem a
desenvolver as suas capacidades motoras. Os brinquedos ou quaisquer
outros objectos devem fazer barulhos que a criança aprende a
conhecer e a reconhecer. Ela precisa de saber que os objectos podem
ser interessantes e que vale a pena conhecê-los. Deve-se-lhe
explicar a origem dos sons, dos cheiros, o seu significado e
permitir o contacto com a origem desses estímulos sempre que
possível.
O uso das mãos, como meio de adquirir informações, deve ser
constantemente incentivado. Devem empregar-se jogos que encorajem a
criança a agarrar objectos e a explorá-los. Conceitos básicos
poderão ser aprendidos através de tarefas-jogos. A simples
brincadeira de ir passando à mãe as cebolas ou as cenouras que vão
ser descascadas, para além de lhe fornecerem experiências tácteis e
olfactivas, de contribuírem para o conhecimento de novos objectos e
novas palavras, de lhe darem oportunidade de se mexer e orientar na
cozinha, abrindo e fechando armários, baixando-se e levantando-se,
de lhe darem uma sensação de que é útil, ajudando numa tarefa
familiar, podem ajudá-la a adquirir outro tipo de conhecimentos,
como aprender a contar e a formar conjuntos com os diversos tipos de
alimentos. Estas e outras experiências, jogos e tarefas ajudam a
desenvolver a mão como instrumento de manipulação, exploração e
sensação. A estimulação e o treino do tacto devem ser uma
preocupação sistemática na idade pré-escolar.
Também a capacidade de ouvir e destrinçar sons deve ser treinada
sistematicamente. Deve aprender a diferenciar instrumentos musicais,
notas musicais, sons de diferente intensidade. Deve ser incentivada
a reproduzir sons e a transpor impulsos musicais para movimentos.
Ajudar a criança a conhecer o seu corpo e o dos outros, o espaço
em que se integra e a movimentar-se nele, em segurança, é
fundamental. Os pais devem ser alertados para o cuidado que devem
ter com a disposição dos móveis e objectos, que devem ter sítios
próprios. As portas devem estar fechadas ou completamente abertas e
é preciso que a criança saiba sempre exactamente onde está, quer em
casa, quer no exterior, devendo ser-lhe dadas pistas sonoras,
olfactivas e tácteis que a ajudem a orientar-se.
Uma área, normalmente desconhecida para os pais, é a do combate
aos "maneirismos". Muitas crianças deficientes visuais têm tendência
para adoptar determinados comportamentos automáticos e compulsivos,
como abanar a cabeça, embalar o corpo, esfregar os olhos, etc. Este
tipo de comportamento, desagradável e perturbador para quem vê, deve
ser contrariado, sendo a melhor estratégia o uso de técnicas
distractivas sistemáticas. A segurança afectiva e a diminuição da
ansiedade parecem reduzir a necessidade que a criança tem de
realizar estes movimentos (Barraga, 1985). É interessante saber-se
que, em África, onde as mães carregam consigo, às costas, os filhos,
durante a maior parte do dia, as crianças cegas não apresentam este
tipo de comportamento (Walther, 1987).
As mais importantes actividades da vida diária são o saber comer,
vestir-se e tratar da sua higiene pessoal. Quanto mais cedo a
criança começar a ser ensinada a desempenhar estas tarefas com
autonomia e acerto, maiores são as suas possibilidades de uma
integração com sucesso. É pela competência que adquire nestas
actividades, juntamente com a competência que adquirir em
mobilidade, que é maioritariamente avaliada a sua competência
social.
Um problema que pode surgir entre a criança deficiente visual e
os pais é um problema de comunicação. Algumas destas crianças
raramente falam e preferem ouvir, outras falam incessantemente, sem
prestarem atenção às respostas dos seus interlocutores. A
comunicação é um processo bi-direccional, que não se faz só através
de palavras. Uma das dificuldades da criança cega ou com baixa
visão, é que não vê a expressão da pessoa com quem fala: não sabe se
ela está distraída, interessada no assunto, com vontade de se ir
embora, receptiva ao que ouve, etc. É preciso, portanto, que o
interlocutor saiba transmitir os seus sentimentos de outro modo que
não por expressões faciais. Deve dar inflexões expressivas ao tom de
voz, tocar ou acariciar a criança e verbalizar o mais possível as
suas emoções.
O principal instrumento da comunicação é a linguagem. Se uma
criança tem uma boa relação afectiva com um adulto, isso estimula o
seu desejo de comunicar. É importante que a criança tenha
oportunidade de conversar, mas deve ter-se o cuidado em incluir nas
conversas o maior número possível de experiências concretas que dêem
significado às palavras (Comas, 1987). É frequente a criança cega
apresentar "verbalismo". Isto deve-se, na maior parte dos casos, a
que o aumento no seu vocabulário não corresponde a um aumento nas
suas experiências. Trata-se apenas de um maior número de palavras
que a criança sabe dizer, frequentemente sem real compreensão
destas. O "verbalismo", aliás, encontra-se em pessoas cegas de todas
as idades e é devido ao facto de a origem da maior parte da
informação ser a linguagem e não a experiência directa.
Se a criança tiver baixa visão é preciso testá-la junto dos pais,
para que eles se apercebam do que ela realmente consegue ver ao
perto e ao longe. Deve-se-lhes explicar qual o grau de visão
necessário para que ela possa ler, desfazer ideias feitas de que a
visão deve ser poupada e de que a criança não deve aproximar os
olhos aos objectos. Sugerir livros com boas gravuras e fotografias
que mostrem objectos num fundo de uma só cor e com bons contrastes e
informar sobre quais são as boas condições de luz, os cuidados a ter
com a postura, etc. Como já se disse antes e é preciso fazer
entender aos pais, a eficiência visual depende mais de factores como
o nível de inteligência, motivação, concentração, experiências e
ambiente educativo, do que da acuidade visual. A eficiência visual é
mais o resultado do desempenho de toda a personalidade do que da
função do órgão sensorial.
O Jardim de Infância é a transição necessária entre a família e a
escola e constitui uma fase-chave do seu processo de socialização. A
criança aprende a viver em grupo e, face aos seus pares, toma
consciência das suas diferenças, das suas potencialidades e das suas
limitações. As brincadeiras e os jogos em que aprende a participar
desempenham um papel importante no seu desenvolvimento, na sua
mobilidade e sentido de orientação. A integração no Jardim de
Infância é, portanto, desejável e vantajosa de todos os pontos de
vista, mas necessita de ser cuidadosamente preparada e apoiada,
junto dos pais, do pessoal do Jardim de Infância e por vezes junto
dos pais das outras crianças que o frequentam. Não se pense,
contudo, que a integração social de um deficiente visual decorre
necessariamente de uma educação inclusiva. Muitas vezes é mais fácil
à criança interagir com a sua Educadora do que com os seus colegas
normo-visuais (Boldt, 1982). Em consequência disto, os conflitos
entre crianças, parte tão importante da aprendizagem social, são
muito reduzidos, surgindo atitudes quer de menosprezo, quer de
superprotecção das crianças com visão, face ao seu colega
deficiente. A integração social e a competência social não são o
resultado automático de se viver com normo-visuais e são um processo
demorado e complexo, envolvendo muitas aprendizagens.
4. 2. Aprendizagem Visual e Eficiência Visual
O conceito de eficiência visual apareceu, pela primeira vez, no
trabalho levado a cabo por Nathalie Barraga com crianças com baixa
visão, em 1964. Barraga demonstrou que pela aprendizagem se podia
aumentar significativamente a eficiência visual de crianças
classificadas como cegas, mas que tinham alguma visão residual.
As crianças devem ser encorajadas a usar a sua visão e não a
poupá-la. Oftalmologistas, optometristas e educadores estão de
acordo em que a visão residual deve ser explorada, de modo a atingir
a sua máxima potencialidade. Quanto mais a criança olhar e usar a
visão, mais eficientemente será capaz de funcionar visualmente.
Sendo encorajada a olhar, ela vai percebendo que consegue ver. Se a
luz consegue entrar no olho e estimular algumas das células da
retina, a mensagem visual pode ser enviada ao cérebro. A
aprendizagem visual acontece quando o cérebro realiza a sua tarefa e
a mensagem é compreendida. Este processo deve ser aprendido, porque
não é automático. A aprendizagem leva a que a criança veja mais
distintamente as manchas e as formas difusas e aprenda a conhecê-las
e a dar-lhes nomes. Este é um processo gradual, que se desenvolve
por etapas: usar a visão, ver e compreender o que se é capaz de ver.
Se se disser aos pais de uma criança que ela é "legalmente cega",
eles nunca lhe darão qualquer estímulo visual nem esperarão que ela
olhe para as coisas. Por outras palavras, eles vão educá-la a "ser"
cega. Se, pelo contrário, se lhes disser que a criança tem uma
deficiência visual e que portanto precisa de ser estimulada a olhar
para as coisas e a aproximá-las dos olhos, de modo a que desenvolva
e melhore a visão que tem, então estes pais vão, com certeza,
educá-la de maneira diferente, e vão ter expectativas e exigências
diferentes (Barraga, 1987).
Sabendo-se que um grande número dos nossos deficientes visuais
tem uma baixa visão, é necessário que o conceito de ensinar as
crianças e jovens a "como ver" e a "como usar" os seus resíduos
visuais, faça parte do seu processo educativo. A primeira coisa a
fazer é uma avaliação funcional da sua visão, quer usando uma série
de tarefas visuais informais, quer usando meios de diagnóstico mais
sofisticados como por exemplo o "Programa para Avaliação Diagnóstica
da Visão Subnormal" de Natalie Barraga. A partir desta avaliação
devem ser tomadas decisões sobre modificações a levar a cabo no
espaço utilizado pela criança, tanto na escola como em casa:
ajustamento de luz e de postura, que pode consistir na escolha da
localização mais adequada em relação às fontes naturais de luz ou na
utilização de um candeeiro de luz fria e/ou estirador próprio e
fornecimento de equipamentos de aumento para os materiais de perto
e/ou à distância.
Planificar o tipo de estimulação visual ou aprendizagem visual
adequadas, testar o desenvolvimento da eficiência visual no
desempenho de tarefas visuais diversificadas e programar estratégias
para o aumento do uso da visão em tarefas funcionais e académicas é
a fase seguinte. Quando uma criança é muito pequena, o programa de
estimulação visual e de aprendizagem visual deve ser apresentado de
forma sequencial. Deve incluir actividades em ambientes variados,
interiores e exteriores. Aprender a olhar e a interpretar imagens
enevoadas e distorcidas é parte vital do desenvolvimento da
percepção visual, assim como o é o processo de armazenar as memórias
visuais do que se viu (Rex, 1977). Como já se disse, é importante,
durante os primeiros anos, que os pais acreditem que o aprender a
ver é possível e que trabalhem com a criança, para que ela olhe,
olhe, olhe.
A mesma preocupação devem ter as Educadoras de Infância e depois
os Professores dos graus seguintes de ensino, sendo importante a
existência de tempo individual de apoio nesta tarefa. Ouvir e falar
com a criança sobre aquilo que ela está a ver e dar pistas para
clarificação, ajuda-a a interpretar as imagens visuais, apesar de
não as ver claramente. As experiências visuais e as memórias visuais
armazenadas são o elemento-chave do desenvolvimento da
percepção/cognição do mundo circundante. Para além disto, é preciso
ensinar a combinar a informação visual deficiente com as informações
auditivas, tácteis e olfactivas para um funcionamento geral mais
eficiente. Como todos sabemos, por experiência própria, a percepção
é, a maior parte das vezes, uma questão de escolher o objecto mais
provável.
Resumindo:
-
A definição da limitação visual deve basear-se no
comportamento funcional da visão de perto e de longe e não na
acuidade e campo visuais. Embora a acuidade visual de perto seja a
mais importante para a aprendizagem do "ver", a eficiência visual
é de carácter individual e não pode ser medida clinicamente. A
acuidade visual não pode ser nunca um dado absoluto que sirva de
fundamento a decisões pedagógicas e educativas.
-
O uso sistemático da visão leva a progressos consideráveis no
acto de ver, sem que por isso haja a menor alteração da acuidade
visual medida.
-
A detecção da baixa visão deve ser feita o mais cedo possível,
para que se possa dar início à estimulação visual, também o mais
cedo possível.
-
Deve ser proporcionado à criança um programa estruturado de
aprendizagem visual, que funcione ao longo de toda a sua
escolaridade, conduzido por um professor especialista.
-
Devem ser dadas à criança as ajudas ópticas e não ópticas
necessárias, assim como condições ambientais adequadas a cada
caso.
-
Informações, técnicas de diagnóstico e técnicas de estimulação
e desenvolvimento da visão funcional devem ser fornecidas a todos
os implicados na educação destas crianças.
4. 3. A entrada para a Escola - um trabalho de equipa
Quando, aos seis anos, chega à escola, a criança cega ou com
baixa visão deve já ter uma base sólida de conhecimentos:
compreensão do seu corpo, aquisição de lateralização,
desenvolvimento do sentido do tacto, da exploração táctil e
desenvolvimento da audição. Estas aquisições permitir-lhe-ão não ser
sentido como um peso morto no grupo e não vir a ser excluído dele. O
seu modo de comunicar, de se movimentar, de executar actividades
individuais ou participar em actividades de grupo, devem ser o mais
"normais" possível, de modo a que lhe seja possível obter sucesso na
sua primeira experiência de integração num grupo organizado,
homogéneo e por vezes hostil. Para que este, por vezes, primeiro
contacto com a "vida real" tenha hipóteses de êxito, é necessário
que, antes da entrada na escola, o nível funcional da criança seja,
uma vez mais, avaliado pela Educadora especialista que a apoiou em
casa e no Jardim de Infância.
As crianças com limitações graves da visão deverão igualmente,
nesta altura, ser avaliadas pela Equipa de Subvisão e serem-lhes
prescritos os auxiliares aconselháveis ao início da escolaridade. A
criança deve ser treinada, no uso destes auxiliares, com suficiente
antecedência em relação ao início das aulas, pela especialista de
Subvisão. O equipamento deverá ser-lhe fornecido a tempo de se
habituar a ele em casa ou no Jardim de Infância.
Também imediatamente antes do início das aulas, o Professor de
Mobilidade deve fazer, com a criança, a exploração de todos os
espaços exteriores à escola, o caminho que a criança vai percorrer
diariamente nas suas deslocações entre a casa e a escola, consoante
venha a pé ou de autocarro. Todo o espaço interior da escola deve
também ser estudado, desde as salas de aula às casas de banho, à
cantina, ao recreio, para que, desde o primeiro dia, ela se sinta à
vontade para se movimentar em segurança e prover às suas
necessidades básicas. A entrada neste ciclo escolar deve, portanto,
ser preparada cuidadosamente. É necessário preparar a Professora da
escola e os colegas da criança para as principais dificuldades que
ela vai encontrar, assim como para as suas necessidades:
equipamentos especiais, espaço de trabalho de que necessita, tipo de
iluminação apropriada, cuidados a ter na arrumação do mobiliário e
do material escolar. Devem, além disso, ser facultadas à Professora
todas as informações médicas e pedagógicas sobre o tipo de
deficiência visual em questão, suas causas, implicações e
limitações.
4. 4. A Aprendizagem do Braille
O Sistema Braille, criado por Louis Braille em 1825, é o método
universal e natural de leitura e escrita para as pessoas cegas. A célula braille básica é composta por 6 pontos
agrupados em duas colunas verticais de três pontos cada. Os pontos
da 1.ª coluna são os pontos 1, 2 e 3 e os da 2.ª coluna são os pontos
4, 5 e 6. Com esta célula básica cujo tamanho é perfeitamente abrangível pela área da polpa de um dedo, e reconhecível pelos
milhares de receptores ali localizados, podem-se construir 63
diferentes combinações. Com estas combinações, facilmente
identificáveis pelo tacto, podem-se representar letras, números,
sinais de pontuação, sinais matemáticos, etc. Uma página braille
típica contém 26 a 28 linhas e 30 a 32 caracteres por linha.
O Alfabeto
Braille

A aprendizagem do braille, tal como outras disciplinas que fazem
parte do currículo específico dos alunos com
deficiências de baixa incidência mas alta complexidade, não pode ser
feita através de um Professor de Apoio generalista
responsável por todos os alunos com necessidades educativas
especiais que frequentam determinada escola. É uma tarefa difícil e
complexa que exige um Professor altamente especializado na matéria,
o uso de técnicas específicas, materiais pedagógicos adequados e
condições privilegiadas para a realização de um trabalho
sistemático, individual e directo com o aluno, fora e dentro da sala
de aula.
De acordo com Vítor Reino (Ensino/Aprendizagem do Braille,
2000), a leitura táctil assenta em mecanismos perceptivos totalmente
diversos daqueles em que repousa a leitura visual. Enquanto que na
leitura visual os olhos procedem por pequenos "saltos", captando uma
certa porção de texto que constitui a unidade de percepção, a
leitura táctil pressupõe um movimento regular e sequencial. Há uma
especificidade do sentido do tacto que tem como consequência lógica
que o carácter constitua a unidade de percepção na leitura do
braille. A percepção táctil é, portanto, fragmentada, analítica e
sequencial e completamente inadequada aos métodos de tipo global na
iniciação à leitura.
Uma das primeiras tarefas a empreender é a verificação da
existência de alguns pré-requisitos básicos:
-
Aptidão física a nível de coordenação dos grandes e pequenos
músculos, uma vez que a leitura do braille exige um grande esforço
dos braços, mãos e dedos e requer um grau de desenvolvimento
físico adequado.
-
Aptidão emocional e motivação, de forma a ser capaz de
funcionar em grupo, de estar bem consigo e com os outros e de ter
vontade de progredir.
-
Nível satisfatório de desenvolvimento da linguagem e aptidão
verbal: saber ouvir, compreender, antecipar e responder.
-
Lateralização definida e bom nível de percepção e
discriminação tácteis.
-
Um certo grau de maturidade, que é, aliás, necessário a todas
as crianças, para começarem a ler.
«A
fase da leitura surge após as fases de organização oral, expressiva
e compreensiva terem sido atingidas. A leitura é uma nova forma de
compreensão verbal, que tende a libertar-se das formas primitivas
verbo-orais. A leitura é a percepção de símbolos gráficos de valor
significativo...» (Ajuriaguerra, "Manual de Psiquiatria Infantil"
citado por Grilo, 1988).
Se todos estes pré-requisitos estiverem satisfeitos, isto é, se
os pais, a Educadora de Infância e a Educadora especialista tiverem
feito um bom trabalho desde os primeiros anos de vida, então o seu
desenvolvimento físico, mental e emocional terá atingido um nível
que lhe permitirá estabelecer o programa de iniciação à leitura de
símbolos tácteis. Se isto não aconteceu, então compete ao Professor
de Apoio, depois de feito o diagnóstico da situação, elaborar um
programa intensivo de intervenção com vista à aquisição daqueles
pré-requisitos.
Vejamos algumas das dificuldades com que se deparou um Professor
de Apoio do 1.º ciclo do Ensino Básico e o programa que teve de
desenvolver quando, ao avaliar a criança, verificou a
impossibilidade de iniciar o ensino da leitura, por aquisições
básicas, necessárias a esta aprendizagem - percepção e discriminação
tácteis - não terem sido feitas a tempo.
«1.º momento - Outubro: Depois de
verificar as insuficiências a nível de acuidade táctil, iniciei um
trabalho de treino do tacto utilizando materiais de uso comum [ ...]
Em 2 de Novembro iniciámos alguns exercícios de destreza dos dedos e
toque suave com materiais simples [ ...] Nos fins de Novembro incrementei o uso de cartões com linhas de
barras em relevo e células braille ou suas combinações [ ...] Em 15 de Janeiro a aluna perguntou-me o que queriam dizer todas
aquelas linhas com tantos pontinhos e em especial alguns que já
diferenciava. Em 22 de Abril já fazia a divisão silábica, compreendia o que lia e
a sua leitura era fluente e bem ritmada. A posição dos dedos era
correcta [ ...] . Os jogos de desenvolvimento sensorial
mantiveram-se [ ...] Em 30 de Maio a aluna lia globalmente mais de 300 palavras e
reconhecia todas as letras do alfabeto.» (Grilo, 1988)
Mas o ensino do braille não começa e acaba no 1.º Ciclo do Ensino
Básico. Nos ciclos seguintes é novamente preciso intervir,
verificando, corrigindo e desenvolvendo a técnica de leitura do
aluno. A leitura do braille é um processo lento. Estima-se que o
leitor adulto cego médio lê cerca de 100 palavras por minuto,
enquanto o leitor normo-visual médio lê 250 (Spungin, 1977). Há,
contudo, taxas muito mais baixas.
Mendonça & Reino (1992) levaram a cabo uma investigação de campo
sobre a velocidade da leitura braille. Compreendia a administração
de um teste de leitura (um texto de 289 palavras, adaptado de um
conto tradicional português) a dois grupos distintos de leitores de
braille, de 25 sujeitos cada um. O grupo A era constituído por
indivíduos cegos adultos, que tinham feito a sua aprendizagem de
braille em escolas especiais para cegos. O grupo B era constituído
por alunos - desde o 5º ano de escolaridade ao Ensino Superior -
cuja aprendizagem do braille se fizera em escolas regulares,
portanto no âmbito do ensino integrado. Os resultados do teste,
apresentados por aqueles professores na Conferência sobre "O Sistema
Braille aplicado à Língua Portuguesa" (Outubro 1994), são
significativos. Enquanto para o grupo A a média encontrada de
velocidade de leitura foi de 108 palavras/minuto, para o grupo B -
os nossos alunos, a face visível do sistema de ensino integrado - a
média encontrada foi de 76 palavras/minuto, situando-se 25% destes
abaixo das 60 palavras/minuto. Apesar da insuficiente dimensão da
amostra, os resultados são preocupantes e explicam a progressiva
deterioração do rendimento escolar dos alunos cegos, sobretudo ao
nível da Língua Materna, Línguas Estrangeiras e Matemática. É
evidente que estes resultados são, em grande parte, directamente
atribuíveis à deficiente formação dos Professores de Apoio e à falta
de condições que estes encontram para a realização do seu trabalho,
quer a nível de horas de apoio directo suficientes, quer a nível de
falta de material.
Os leitores mais rápidos de braille distinguem-se principalmente
por duas características: 1.ª - a sua compreensão do que lêem é
melhor e 2.ª - usam as duas mãos para ler, começando uma mão a ler a
linha seguinte antes da outra mão ter acabado a linha precedente.
Chegou-se à conclusão de que,o simples facto de se lerem
antecipadamente as primeiras 5 células na linha seguinte, leva a um
ganho de 15 páginas por hora. Os dedos (indicadores de ambas as
mãos) devem correr horizontalmente sobre o braille, da esquerda para
a direita, a pressão deve ser ligeira, os movimentos rápidos e
firmes, sem se movimentarem acima e abaixo da linha. Uma técnica que
pode ser usada com o intuito de aumentar a rapidez de leitura e ao
mesmo tempo como treino auditivo é a de ler ao mesmo tempo que se
ouve o texto numa gravação sonora.
Outra, citada por Susan Spungin (1977), é a técnica exposta por
McBride na obra "Explorations in Rapid Reading in Braille" de 1974.
O aluno deve treinar a passagem rápida dos dedos pelas linhas do
braille, sem procurar compreender o seu significado, nem
subvocalizar as palavras. Ao fim de várias horas diárias desta
prática, em que o único objectivo é ensinar as mãos a deslocarem-se
o mais rapidamente possível sobre todas as palavras da folha,
começa-se a tentar reconhecer algumas palavras, embora sem ainda
tentar compreender a história e nunca diminuindo a velocidade das
mãos. Pouco a pouco vai-se tentando compreender as ideias principais
do texto, a sequência dos acontecimentos, as personagens principais,
etc. Esta técnica exige prática diária, para manter e aumentar a
velocidade de leitura, e produz resultados notáveis no leitor
motivado.
Normalmente, na escola, ensina-se a ler devagar. O modo real de
leitura é muito mais rápido e procura acompanhar o modo como o
cérebro opera. Myrna Olsen (1977), conhecida pelo seu trabalho com
crianças do ensino básico, no desenvolvimento da leitura rápida, diz
que os princípios mais importantes a seguir são: ter vontade de ler;
movimentos das mãos rápidos e coordenados; virar da página rápido e
mecânico; flexibilidade dos dedos; aumento da área de percepção
táctil; redução dos movimentos dos lábios e da subvocalização;
eliminação de movimentos dos dedos desnecessários; alto nível de
concentração e compreensão; estabelecer metas a alcançar, de
velocidade e compreensão vulgar.
4. 5. Orientação, Mobilidade e Competências Motoras
Orientação define-se como "a compreensão da posição do nosso
corpo em relação a todos os objectos significativos de um
determinado espaço". Mobilidade é "a capacidade de nos movermos de
um lugar para o outro dentro desse espaço" (Jaekle, 1977).
Obviamente, ambos os conceitos estão inter-relacionados e são
interdependentes.
Quando se pensa em Orientação há duas considerações básicas a ter
em conta:
A 1.ª é a necessidade que o indivíduo cego ou de baixa visão tem
de compreender o espaço em que se encontra: o tipo de objectos que o
rodeiam, quais os seus tamanhos e formas, onde estão, quais é útil
conhecer, qual é o tipo físico do espaço, que padrões geométricos
contém.
A 2.ª consideração é a de saber qual é a posição do seu corpo em
relação àqueles objectos e o que acontece se a sua posição ou
direcção se alterar. Por outras palavras, a orientação tem a ver
tanto com o conhecimento do espaço como com o conhecimento da
posição que nele se ocupa.
O funcionamento correcto dos órgãos dos sentidos é vital para se
adquirir o conhecimento do que nos rodeia. Cada um destes órgãos
está vocacionado para receber só certos estímulos específicos do
meio-ambiente. A retina é estimulada por ondas de luz, o nervo
auditivo por ondas sonoras, etc. Mas o organismo humano deve ser
capaz de compilar e relacionar estes dados sensoriais de modo a
obter uma compreensão significativa do meio. O modo como essa
interpretação dos vários dados é feita determina o grau de
orientação em qualquer espaço.
A competência na área da Mobilidade dá à criança ou jovem cego a
oportunidade de se desenvolver, de explorar o que o rodeia, de
aprender. O domínio desta capacidade permite-lhe não só conhecer o
meio que o cerca, como funcionar activamente nele. Esta não é,
contudo, uma capacidade que se adquira de um momento para o outro. É
um processo gradual que acompanha o crescimento. A criança saudável
é, normalmente, muito activa. Salta, corre, trepa a muros e a
árvores. Tudo isto ajuda a construir uma memória quinestésica e a
fornecer mecanismos automáticos de equilíbrio (Gayton, 1987). As
crianças deficientes visuais devem também, com as restrições
evidentes, praticar todo este tipo de actividades. Na idade escolar,
o nível de aptidão física da criança deficiente visual é inferior ao
das outras crianças. Têm um pior funcionamento cardio-respiratório,
menos flexibilidade, menos força, menor vigor e energia, menor massa
muscular e aparece, frequentemente, uma tendência para a obesidade
(Jones, 1987). A maior parte destas características deve-se à falta
ou deficiência na prática de exercício físico. Saltar, correr,
nadar, jogar à bola, saltar à corda, fazer bicicleta parada ou a
dois, remo em equipa, levantar pesos, etc. durante as aulas de
Educação Física ou fora da escola, são actividades que ajudam a
todos os níveis mas também e sobretudo a controlar os movimentos
gerais do corpo. A sua falta ocasionará uma deficiente postura e
reacções corporais erráticas, sendo a criança sentida, pelos
colegas, como "esquisita".
O treino em Mobilidade tem de ser feito de uma forma estruturada
e faseada. É um processo contínuo e escalonado no tempo que exige um
treino individual e personalizado. A Mobilidade não pode ser dada na
sala de aula, nem a grupos. Requer um professor para um aluno e não
pode ser tratada como qualquer outra disciplina, cujo programa se dá
num ano e portanto não se volta a ele no ano seguinte. Um bom
professor de Mobilidade sabe que as capacidades adquiridas aos 3
anos de idade são os alicerces sobre os quais se constroem as
capacidades necessárias aos 5 anos, e aquilo que a criança aprende
aos 5 prepara-a para actividades para que só estará pronta aos 10 ou
aos 12 anos. É um processo que se inicia na 1.ª infância e que é
necessário continuar ao longo da vida escolar e profissional. O
treino em Mobilidade na idade pré-escolar é tão importante como a
Mobilidade que se ensina ao aluno que vai entrar para a escola
secundária ou ao adulto que começa a trabalhar numa empresa. Um dos
efeitos laterais mais importantes do treino em Mobilidade é o
desfazer do estereótipo do cego que necessita de ser amparado. O
treino em Orientação e Mobilidade permite a interacção do cego com
os outros, nas ruas e por todo o lado. A atitude da pessoa vulgar
face ao indivíduo cego baseia-se quase sempre não num conhecimento
pessoal, mas porque o observa na rua ou na loja ou no banco e vê
como ele se movimenta e se comporta. Um dos objectivos do treino em
Mobilidade e Orientação é dar à pessoa cega uma boa aparência
física, boa postura, bom controle corporal, confiança nos seus
movimentos, contrariando assim a imagem esteriotipada da pessoa
cega.
De tudo o que foi dito se percebe que esta disciplina faça parte
do currículo específico da deficiência visual. É
uma necessidade incontornável, cuja importância é impossível
sobrestimar, atendendo a que a dificuldade na Mobilidade é uma das
maiores restrições causadas pela falta ou limitação grave da visão.
Esta área é especialmente importante na adolescência, quando o jovem
anseia por se desligar da superprotecção dos pais e no fim da
escolaridade, quando necessita de ingressar no mundo do trabalho. A
sua falta pode causar graves problemas sociais e de personalidade,
porque o jovem não consegue exercer a sua independência, nem ganhar
o respeito dos outros, para além de poder pôr diariamente em risco a
sua saúde, integridade física e até a vida. Embora tanto os pais
como os Professores, quer da escola quer de Apoio, possam ajudar a
criança nalgumas situações, só um especialista pode empreender e
levar a cabo um treino formal e adequado. O ensino desta disciplina
é gradual, intensivo e individual, mas não necessita de ser dado
sistematicamente ao longo de todo o ano.
4. 6. A Produção de Braille
Cada vez se torna mais complexa a tarefa de transcrever para
braille um manual escolar. Para os alunos normo-visuais, os livros
são um verdadeiro regalo para os olhos: cheios de cor, que enchem
todo o fundo das páginas ou só determinados sectores e um sem fim de
quadros que emolduram frases ou palavras; contêm fotografias,
desenhos, gráficos, mapas, esquemas, banda desenhada, desenhos
humorísticos e imagens de toda a espécie; são impressos em fontes
diversificadas de caracteres, uns mais espessos, outros em itálico,
outros coloridos, usando uma enorme variedade de processos que os
pretendem sublinhar. Pegue-se em qualquer manual dos primeiros anos
do Ensino Básico, ou mesmo de anos mais avançados, de Línguas,
Geografia, Matemática ou Ciências e é um verdadeiro fogo de
artifício de cores e formas. O livro em braille, pelo contrário, é
de uma austeridade absoluta. Cada folha apresenta um rectângulo de
caracteres braille, rigidamente alinhados. Os parágrafos começam
sempre ao 3º espaço, a paginação braille sempre em cima ao centro e
a paginação da obra a tinta sempre em cima à direita. De vez em
quando lá aparece um quadro simples, ou um gráfico ou um mapa, mas é
tudo. Para os olhos, não constitui nenhum prazer, mas as mãos
movem-se à vontade, com eficácia e sem perdas de tempo. O leitor de
braille sente-se, ali, seguro e confortável.
Quais são, então, os problemas da produção do Braille? Em
primeiro lugar, deve haver o maior cuidado na escolha dos
transcritores. Devem ser professores proficientes nas matérias e com
experiência no seu ensino. Preferencialmente devem ter experiência
de ensino e/ou apoio directo a alunos cegos. Devem possuir sólidos
conhecimentos de braille, boa formação na deficiência visual e ter
alguns conhecimentos de informática. E depois, como em todas as
áreas, practice makes the expert.
A transcrição não se deve circunscrever ao texto. Todas as
ilustrações devem ser estudadas de modo a decidir-se o que fazer com
elas. Se não constituem nenhum acrescento à compreensão do assunto,
devem ser deixadas de fora ou, no máximo, referidas como existindo
no livro a tinta, para que o aluno cego tenha uma ideia daquilo que
o seu colega do lado pode ver no livro. Se as ilustrações
acrescentam novos dados, devem ser transformadas em texto, porque o
aluno cego tem o direito de receber todas as informações que o livro
contém, independentemente do modo ou da estratégia que o autor do
manual escolheu para desenvolver o tema. E isto aplica-se a
fotografias, desenhos, banda desenhada, etc. Desde que se domine o
assunto e se perceba o objectivo do artifício gráfico usado, não há
nada que não possa ser descrito e explicado sob a forma de texto.
Isto serve, também, para a maior parte dos esquemas, quadros em
coluna, gráficos, etc. Na maior parte dos casos, estes dados só
ganham em ser transformados em texto. A preocupação de pôr sob a
forma de relevo todo o tipo de informação gráfica, só porque ela
assim aparece no livro a tinta, é uma tendência que deve ser
constantemente combatida. A leitura táctil de quadros, gráficos e
esquemas é sempre muito mais demorada, confusa e complexa,
constituindo frequentemente um obstáculo à compreensão do assunto.
Enquanto que para as pessoas com visão este tipo de ilustrações
ajuda a visualizar e a rapidamente apreender o assunto, a sua
transposição para relevo funciona exactamente ao contrário. Se se
pretende que o objectivo alcançado pelo aluno cego e pelo
normo-visual seja a compreensão de determinada matéria, não deve
automaticamente extrair-se a ilação de que deve ser usado o mesmo
instrumento pedagógico. Há, contudo, mapas, gráficos e esquemas que
têm, necessariamente, de ser feitos em relevo. Aí há que obedecer a
determinadas normas de simplicidade, tamanho e escolha de texturas,
não se devendo esquecer nunca que qualquer relevo, por mais simples
que ele pareça à pessoa normo-visual, deve ser sempre explorado em
conjunto pelo aluno e pelo Professor de Apoio, ou pelo aluno e o
Professor da disciplina.
Ainda há poucos anos, o trabalho de produção de braille era lento
e fisicamente cansativo. Hoje em dia é praticamente todo feito por
meios informáticos. As páginas impressas são lidas por um scanner
e a imagem electrónica obtida é analisada por um programa de
reconhecimento óptico de caracteres que a transforma em texto
editável. Depois de se introduzirem, por meio de um programa
específico, a maior parte dos símbolos braille, o texto tem de ser
corrigido, trabalhado e adaptado por um professor
experiente na disciplina, em qualquer software para
processamento de texto. Depois de lido por um professor cego, num
terminal braille, é corrigido, impresso numa impressora braille,
encadernado e enviado directamente ao Professor ou aluno
requisitante.
4. 7. Intervenção a Nível Comportamental
Quando se encontra uma criança com um comportamento anómalo,
deve-se pensar que ele tem determinado significado e não
simplesmente reduzi-lo à condição de problema derivado da
deficiência. A criança está a enviar uma mensagem que deve ser
estudada, e isto faz-se estudando não só a criança, mas os pais, o
ambiente escolar e os educadores.
O conceito que uma criança tem de si própria - o seu autoconceito
- assenta na percepção que tem de si mesma, nas impressões que tem
do seu corpo, na imagem que tem da sua aparência física (Hewitt,
1987). Como é que este sentido de identidade, este sentido do eu se
adquire? Ele resulta tanto das acções da própria criança como das
reacções dos que a rodeiam. A criança ouve o que dizem sobre si e o
seu comportamento, sente o que pensam sobre si, vê e/ou sente as
reacções dos pais, colegas e professores a si próprio. Ao receber
toda esta informação, pode aceitá-la e modificar o seu comportamento
e a sua auto-imagem de acordo com ela ou rejeitá-la e não levar a
cabo qualquer modificação. Contudo, é por este processo dinâmico de
acção / reacção que recebe das atitudes dos que a rodeiam, que ela
gradualmente vai construindo o seu autoconceito. Mas esta
auto-imagem não é uma imagem de espelho, não é apenas um reflexo do
que os outros pensam, uma vez que ela a filtra e constrói através
das suas próprias experiências.
É quando começa a andar e a falar que a criança começa a ser
avaliada pelos que a rodeiam. Se os sucessos que atingir se
sobrepuserem aos falhanços, a sua auto-imagem (o modo como ela se
vê) expande-se. Se os que a rodeiam lhe transmitirem mais
feedback positivo do que negativo, a sua auto-estima (aquilo que
ela sente sobre si própria) expande-se. É a interacção com os
outros, ao trazer-lhe reacções positivas, que faz com que o
seu conceito de "quem é" (auto-imagem) e de "como é" (auto-estima)
aumente, começando a emergir o autoconceito, isto é, o conceito que
tem do seu eu (Hewitt, 1987). Diz Hewitt que o autoconceito de cada
um é como um balão que incha e se contrai de acordo com o
feedback positivo ou negativo que recebemos. Quanto mais
positivo ele for, mais confiantes nos sentimos para ultrapassar as
situações. E tal como um balão, quantas mais vezes ele tiver
inchado, mais fácil lhe é fazê-lo. É compreensível que seja mais
difícil para uma criança com deficiência visual construir-se um
autoconceito positivo, na medida em que lhe é muito mais difícil ou
até impossível competir com tudo o que conseguem fazer e fazem os
seus colegas normo-visuais.
Em 1971 Meighan, um psicólogo americano, aplicou a 203
adolescentes cegos, matriculados em escolas no Leste dos Estados
Unidos, um teste - The Tennessee Self-Concept Scale. Os
resultados foram significativos. Segundo Meighan, esta amostra de
deficientes visuais "formou um grupo bastante fora da norma e
homogéneo, cuja pontuação das dimensões básicas de autoconceito
foram de uma dimensão extremamente negativa. Além do mais, não
parecia haver nenhuma relação entre bom desempenho escolar e
autoconceito" (in Kirk & Gallager, 1979). A existência de uma
deficiência não altera o processo normal de construção do
autoconceito. Características muitas vezes atribuídas à deficiência
visual não têm nada a ver com a falta ou limitação de visão mas com
as situações de todo o tipo que a limitação visual cria. O
isolamento e muito feedback negativo recebido dos que rodeiam
o deficiente visual criam ou provocam determinados atributos de
personalidade.
Quando se constata a existência de problemas afectivos ou
comportamentais, deve pedir-se a intervenção de um Psicólogo. Ele
tem de analisar o tipo de vivência da criança no seu meio e melhorar
a sua adaptação a ele, pela eliminação dos factores patológicos
provenientes quer da criança quer do meio. Esta acção tem por
finalidade permitir-lhe uma exploração plena das suas aptidões
individuais. O Psicólogo, ao estudar a criança e as atitudes dos que
a rodeiam, deve sobretudo trabalhar no sentido de mudar atitudes. A
sua presença e intervenção são necessárias, ao lado da Educadora
especialista, junto dos pais e dos restantes educadores. Os
programas de estimulação sensoriomotora, de percepção, de cognição,
de coordenação, etc., não podem fazer esquecer a importância da
criança ser capaz de viver consigo, de se sentir confortável com
aquilo que é e o modo como o é. Torna-se imperativo que a criança
com deficiência visual saiba que pertence a uma minoria que
apresenta evidentes diferenças em relação à maioria normo-visual.
Deve, contudo, reconhecer quais são as suas semelhanças com estes,
que ultrapassam em muito as diferenças.
4. 8. Orientação Vocacional
O problema da escolha profissional consiste em identificar, de
entre as várias possibilidades de emprego, aquele que corresponde
melhor ao perfil do indivíduo. A população de deficientes visuais,
que se confronta com o problema da orientação profissional, é uma
população heterogénea e o leque de profissões possíveis é
extremamente reduzido. Compete a um Psicólogo seleccionar a bateria
de testes psicométricos, que permitirá a escolha da formação que
melhor se adequará ao seu perfil. Estes testes deverão considerar
vários níveis: a esfera cognitiva, que está relacionada com os
critérios de entrada na profissão, isto é os níveis de exigências, a
esfera afectiva, que tem a ver com os critérios de adaptação à
profissão e a esfera de avaliação que tem a ver com o nível de
satisfação ulterior, que será proporcionado pela escolha
profissional.
Nos últimos anos, as escolhas profissionais dos nossos alunos
deficientes visuais, têm sido: O Ensino - licenciaturas em História,
Filosofia, Línguas, Economia e Matemática; Psicologia, Advocacia,
Técnicos de Serviço Social, Técnicos informáticos ; Profissões
para-médicas: Massagistas e Fisioterapeutas; Tradutores e
Intérpretes, Secretariado, Telefonistas; Recepcionistas; Comércio,
Afinadores de Piano, Carpintaria; Operários industriais: têxteis,
embalagem, metalomecânica, etc
A ACAPO (Associação
dos Cegos e Amblíopes de Portugal), a APEDV (Associação Promotora do
Emprego para os Deficientes Visuais), a Fundação Albuquerque e
Castro e a Fundação Raquel e Martin Sain têm sido as principais
entidades fornecedoras de cursos de formação profissional para
deficientes visuais. Também a ONCE
(Organização dos Cegos de Espanha), tem aberto alguns dos seus
cursos a deficientes visuais portugueses.
4. 9. Equipamentos
São variados os tipos de equipamentos que podem ser usados pelas
pessoas cegas na leitura e na escrita. A pauta, a máquina braille, o
livro gravado em cassette, o livro em CD-Rom, o
computador com voz sintética, o computador com linha braille, o
NoteTaker braille, o scanner ou a impressora braille
podem todos coexistir. Como diz Vítor B. Coelho (2000), todos os
recursos são bons. As capacidades de cada um e as circunstâncias é
que determinam o meio a escolher. O mesmo se passa, para as pessoas
com baixa visão, com as ajudas ópticas, não ópticas, electrónicas e
as alternativas informáticas. São as capacidades do utente (visuais,
económicas, lugar em que se encontra) que devem determinar qual a
ajuda ideal em cada circunstância.
Alguns equipamentos, ligados às novas tecnologias, que poderão
ser de interesse para as pessoas deficientes visuais:
-
Voz sintética - Transmite oralmente a
informação que está no écran. Obtém-se através de software para
leitura de écran (screen reader) instalado em computador
equipado com placa de som e colunas ou na sua falta com
sintetizador de voz.
-
Linha ou terminal braille - Equipamento
electrónico ligado ao computador por cabo, que possui uma linha
régua de células braille, cujos pins se movem para cima e
para baixo e que representam uma linha de texto do écran do
computador. O número de células da régua pode ir de 20 a 80.
-
NoteTaker braille - Equipamento
portátil que permite escrever com teclas braille, ouvir e/ou ler o
que se escreveu, armazenar informação, descarregar a informação
para o computador e ser ligado a uma impressora a tinta ou braille
para imprimir o que se pretenda. Ligado ao computador, pode ser
usado como sistema de output de voz ou de braille,
consoante seja um NoteTaker equipado com voz ou com linha
braille ou com ambas as possibilidades. Pode ter calculadora,
relógio, etc.
-
Impressoras braille - Imprimem em braille, um
texto escrito no computador em caracteres normais.
-
Scanners - Permitem a digitalização
de texto e imagens, isto é, transforma-os em informação que pode
ser lida e alterada no computador.
-
OCR - Software de reconhecimento de
caracteres que transforma a imagem digitalizada pelo scanner
em texto editável.
-
Circuito fechado de televisão (CCTV)
ou Lupa TV - Permite ler, com um grande leque de escolha de grau
de ampliação, cor e tipo de fundo, texto manuscrito ou impresso,
ver imagens, objectos ou pequenos animais, escrever e realizar
tarefas minuciosas como fazer renda ou coser botões. Pode estar
equipado com uma câmara apenas para visão de perto ou ter uma 2.ª
câmara apontada para longe.
-
Programas de Ampliação - Software
que amplia a informação que aparece no monitor do computador.
5. Bibliografia:
-
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Sociale 2-3/86, pp. 131-139
-
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Participating Citizen, in Proceedings of the 8th Quinquennial Conference of the International Council for Education of the
Visually Handicapped, pp. 185-190. Würzburg: ICEVH
-
AYMON, P. (1986). Entraînement Visuel des
Personnes Malvoyantes dans le Cadre d’une Prise en Charge en
Locomotion. Paris: Association pour les Personnes
Aveugles ou Malvoyantes.
-
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Avaliação de Crianças Com Necessidades Educativas Especiais e suas
Famílias: O Caso da Intervenção Precoce. Inovação, vol. 7, nº
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-
BARRAGA, N. (1985). Disminuidos Visuales y
Aprendizaje (Enfoque Evolutivo). Madrid: ONCE.
-
BARRAGA, N. (1986). Baja Vision: Evaluacion
diagnostica, Procedimiento de Valoracion Diagnostica, Guia del
Maestro para el Desarrollo de la Capacidad de Aprendizaje Visual y
la Utilizacion de la Pobre Vision, dor. Programa para desarrollar la
eficiencia en el funcionamiento visual. Madrid: ONCE
-
BARRAGA, N. (1987). On Low Vision, in
Proceedings of the 8th Quinquennial Conference of the International
Council for Education of the Visually Handicapped, pp. 95-102.
Würzburg: ICEVH
-
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-
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L’enseignement et les Handicapés de la vue. Comment suppléer? Vie
Sociale, nº 2-3/86, pp. 107-123
-
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Handicapped Child in Your Classroom (Special Needs in Ordinary
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-
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Guia para padres de niños ciegos y para quienes trabajan con niños
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UNESCO (1994). Declaração de Salamanca e
Enquadramento da Acção na Área das Necessidades Educativas
Especiais. Instituto de Inovação Educacional, nº1, vol. 7 da
Revista Inovação
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WALTHES, R. (1987). On Early Intervention, in
Proceedings of the 8th Quinquennial Conference of the International
Council for Education of the Visually Handicapped, pp. 112-117.
Würzburg: ICEVH
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excerto
de: "Projecto para um Modelo de Atendimento às Necessidades
Educativas Especiais dos Alunos Deficientes Visuais da Região Centro"
monografia apresentada em
1995 - em prova de
Candidatura ao 8.º escalão da Carreira Docente em Coimbra.
Maria José Alegre Novembro, 1995
publicado
por
MJA
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