Luís Botelho Ribeiro

Crianças cegas durante uma visita aos
Brooklyn Botanical Gardens of Fragrance
1. Escolha dos destinos
Uma visita de estudo para uma turma que inclua um aluno ou vários com
deficiência visual pode, com vantagem, levar em linha de conta essa circunstância
no sentido de maximizar o proveito para todos. Um dos aspectos básicos prende-se
com a segurança de circulação do grupo nos percursos a pé. Um dos colegas
de mais confiança do aluno cego ou o próprio professor devem assegurar a sua
orientação ao longo de toda a visita, uma vez que esta supostamente decorrerá em
território desconhecido.
A visita deve procurar não se restringir a explorar pontos de interesse exclusivamente
visual, sendo certo que no caso de visitas a áreas de natureza, estão
geralmente associados à paisagem visual outras sensações: vento, odores de
flores e árvores, sons, texturas de troncos, pedras, pêlo de animais, ou até o piso
do próprio terreno enquanto se caminha.
Assim, propõe-se a visita frequente a locais como:
— praias e cabos: ruído das ondas, sensação do vento e do sol na pele, cheiro a
maresia, jogos na areia macia (permitindo a queda sem risco de ferida), pesca,
apanha de algum marisco;— serras: respirar ar puro, piqueniques à sombra das árvores, beber água das
fontes, visita a aldeias de pastores, visita a castros, dolmens, menires e cromeleques;
— parques naturais: especialmente em parques ornitológicos, tal como a reserva
do Mindelo (Vila do Conde), o parque ornitológico de Gaia, a reserva das Dunas
de S. Jacinto, é possível escutar e aprender a distinguir os cantos das diferentes
espécies aladas;— quintas pedagógicas: contacto com diversas actividades agrícolas, com plantas
e animais de criação;— centros de interpretação ambiental (e de natureza): sensibilização para diversos
aspectos da vida selvagem e participação em sessões de observação, escuta
e inalação;— jardins botânicos, estufas: despertar para as diferentes texturas de troncos,
folhas, flores e plantas; compreensão dos frágeis equilíbrios ecológicos e da interdependência
entre as espécies vivas, com ênfase para as espécies vegetais;
— museus: muitos museus começam a oferecer a possibilidade de manusear
réplicas das principais peças expostas, os originais. Criam-se assim secções com
alguma acessibilidade, tornando a visita ao museu uma actividade mais inclusiva;
— castelos – podem ser interessantes pontos de visita mas requerem redobrados
cuidados de segurança, em virtude da dificuldade de circulação nas muralhas
e o elevado risco de queda;— parques de diversões temáticos;
— bibliotecas multimédia.
2. Mobilidade na cidade
Há diversos aspectos que, se tomados em consideração, podem melhorar
muito a acessibilidade urbana, com óbvio benefício para os estudantes com deficiência
visual ou motora, e igualmente para qualquer pessoa com deficiência, deslocando-se sozinha ou em grupo. Assinale-se aqui o exemplo da cidade de Dublin
onde se pode verificar a adopção generalizada de sinalização sonora nos semáforos
para peões; a marcação de faixas próprias nos passeios com sinalização nos
pavimentos (com pinos salientes nos pontos de paragem junto a semáforos ou em
entroncamentos; e listas na zona de circulação normal); a reprodução dos principais
monumentos, bares e locais históricos ou outros pontos de interesse em
placas a baixo-relevo, colocadas nos passeios.
Nas imediações de áreas de treino da orientação e mobilidade para pessoas
cegas, devem ser colocados de forma bem visível sinais de perigo que levem os
condutores a adoptar uma condução especialmente prudente e defensiva. A mesma
recomendação se aplica a outros pontos mais frequentados por pessoas com
deficiência visual, nomeadamente associações, centros de reabilitação, escolas de
referência, centros oftalmológicos e laboratórios de teste da “usabilidade” e ergonomia
de ajudas técnicas para a deficiência visual, etc.
Nos centros comerciais é importante que as escadas rolantes sejam correctamente
desenhadas, com identificação no solo e limitação do espaço vencido em
cada lanço. Os elevadores devem possuir botoneiras com indicações em Braille e uma
voz de informação do piso, cada vez que a porta se abre. Nas lojas, é bom que os
vendedores não coloquem objecções ao manuseamento dos objectos expostos pelos
clientes cegos antes de comprar. As instalações sanitárias devem igualmente possuir
condições de acessibilidade. Um aspecto por vezes pouco atendido, prende-se com a
acessibilidade e a segurança dos peões, especialmente com deficiência visual, quando
estes circulam pelos parques de estacionamento interiores. Naturalmente, em todos
estes espaços devem ser admitidos os cães guia, quando em serviço.
Nos pontos de informação turística é aconselhável que a informação não se
encontre disponível apenas na forma escrita mas também em terminais audio,
permitindo à pessoa cega participar mais activamente na escolha dos locais a
visitar pelo grupo.
3. Sugestões de visita:
— Portugal dos Pequenitos (Coimbra) – museu ao ar-livre com réplicas à escala
de algunas dos principais monumentos e casas típicas de Portugal ou dos antigos
territórios ultramarinos;— Bracalândia (Braga / Penafiel) – grande parque de diversões; acessibilidade
variável conforme a actividade;— ZooMarine – é possível ouvir os sons emitidos por algumas espécies, ser
rebocado por golfinhos, etc;— Fábrica da ciência em Aveiro: é possível realizar um conjunto de experiências
científicas e assim chegar a compreender melhor vários processos físicos e químicos;
— Museu de Arte Moderna da Fundação de Serralves, Porto;
— Visionarium - Centro de Ciência do Europarque, Santa Maria da Feira;
— Oceanário - Parque das Nações, Lisboa;
— Museu das Comunicações - Rua do Instituto Industrial, 16, Lisboa;
— Museu da Electricidade - Av. de Brasília, Central Tejo, Lisboa;
— Ulster American Immigration Park – Omagh, Irlanda do Norte;
— Museu Tiflológico da ONCE, Madrid – para pessoas cegas ou de baixa visão: exposição de obras de arte com relevo para serem tocadas; também com cores
garridas e de elevado contraste para mais fácil percepção por alunos amblíopes; mais informação em http://museo.once.es/.
— Tate Modern Art Museum, Londres – neste museu, além dos cuidados com a
acessibilidade das exposições, há uma atenção especial ao envolvimento de artistas
e público com deficiência em cursos e actividades do museu. Dá-se particular
atenção a esta dimensão dentro do programa “Educação e Arte”. Para deficientes
visuais, além de um roteiro especial pelas galerias com toque em algumas obras,
recentemente foi promovida uma exposição com desenhos em relevo criados por
artistas contemporâneos. Além de promover um envolvimento dos artistas com a
deficiência visual, esta acção contribuiu igualmente para uma sensibilização da
sociedade em geral através da comunicação social. Há também cursos de linguagem
de sinais para pessoas surdas para formação de cicerones da colecção que
actuarão como mediadores junto ao público surdo que visita o museu. (Cf. “Educação e Arte: a experiência da Tate Modern”, Toby Jackson, apresentação em 28.11.05
no Museu Lasar Segall).
4. Exemplo da Irlanda
Na Irlanda e Irlanda do Norte, existem associações que promovem semanalmente
um “dia de compras”, participado não só por pessoas com deficiência mas
também por pessoas idosas que assim podem abastecer-se dos bens essenciais,
com uma ajuda para a deslocação, para a escolha e até para o pagamento seguro
dos produtos desejados. Para isto, carrinhas com guia-acompanhante habilitado
recolhem as pessoas em locais pré-definidos, conduzindo-as em grupo às zonas
comerciais.
Monumentos como a magnífica calçada basáltica natural composta de elementos
hexagonais mundialmente conhecida como “Giant’s causeway”, formada ao
longo de milhares de anos, no norte da Irlanda, ou o Ulster american immigration
park em Omagh, são excelentes possibilidades de uma visita com acessibilidade
onde, com ou sem o sentido da visão, todos os alunos podem fazer a experiência
vivenciada do local.
Em algumas bibliotecas, como é o caso da Queen’s University Belfast Library,
existem portas especiais de acesso que se accionam pelo simples pulsar de um
botão, e em que o tempo de empréstimo de livros para leitores de baixa visão é mais
alargado. O pessoal do atendimento recebe formação específica para apoiar os
utentes de baixa visão no acesso às prateleiras. Os utentes cegos recebem formação
na utilização das ajudas informáticas. No Sonics Art Research Center foi ainda
possível tomar contacto com uma equipa activa no desenvolvimento de interfaces
de computador para cegos: um rato que permite “ler” desenhos constituídos por
linhas (ainda não as texturas), interfaces accionadas por processamento de comandos
de voz, etc.
5. Conclusão
Grande parte das recomendações acima não dizem apenas respeito a alunos
com deficiência visual inata, mas também a pessoas idosas com perda progressiva
da visão, a pessoas que perderam a visão parcial ou total em teatros de guerra,
atentados, acidentes de trabalho ou outros.
Uma palavra é devida em especial aos
planeadores de cidades, arquitectos, promotores imobiliários e autarcas. Cabe a
todos eles um papel de capital importância na melhoria das condições de inclusão
do espaço público. Sabemos que cerca de 1,6% da população portuguesa apresenta
um grau de incapacidade visual igual ou superior a 70%. A virtual ausência de
toda essa gente dos nossos passeios, praças e ruas constitui um sinal bastante
eloquente que deve interpelar toda a sociedade para o muito que ainda falta fazer.
ϟ
autores: Bryn Holmes, Luís Botelho Ribeiro, Leonardo Cunha da Silva, Isabel Huet Silva, Dulce Ferreira, José Neves
edição: Luís Botelho Ribeiro. Edição patrocinada pelo projecto SAVI - Social Assistance for/with the Visual Impaired - programa europeu Sócrates/Grundtvig
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