

imagem: Story of the Eye
(Liber de Oculis), England 14-15th c. - British Library
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RESUMO: Tomando como
ponto de partida as teorias que compreendem os processos de
desenvolvimento humano enquanto processos sociais, o
presente artigo discute o desenvolvimento e a aprendizagem
de crianças com deficiência visual, seus modos de apreensão
do mundo e o uso de recursos para auxiliar na participação
escolar.
Trata-se de integrar, na prática pedagógica inclusiva, tanto a compreensão dos
processos gerais de desenvolvimento como os aspectos particulares que a
deficiência visual implica, de modo que seja possível
agenciar os recursos necessários para a participação escolar plena.
Introdução
De que modo a deficiência visual interfere no desenvolvimento e
na aprendizagem? Como ensinar alunos com deficiência visual?
Qual é o lugar dos recursos pedagógicos e dos auxílios na sala de
aula? Como escolher o recurso indicado para cada situação?
Essas perguntas surgem, muitas vezes, quando os professores se
deparam com alunos com deficiência visual na sala de aula e, para
respondê-las, é preciso primeiramente compreender que a deficiência
visual engloba uma variedade de condições orgânicas e sensoriais que
têm conseqüências diferentes no desempenho visual dos sujeitos. A deficiência
visual compreende desde pequenas alterações na acuidade visual até a ausência de
percepção de luz, mas as alterações que têm implicações mais sérias para a vida
das pessoas com necessidades especiais
e para as suas famílias são a baixa visão e a cegueira.
A pessoa com baixa visão ou visão subnormal apresenta uma redução na sua
capacidade visual que interfere ou limita seu desempenho,
mesmo após a correção de erros de refração comuns. A baixa visão pode
ocorrer por traumatismos, doenças ou imperfeições no órgão ou no sistema visual.
Um dos seus traços principais é a diversidade de problemas
visuais que ela pode gerar. As pessoas com baixa visão podem ter baixa
acuidade visual, dificuldade para enxergar de perto e/ou de longe, campo visual
reduzido e problemas na visão de contraste, entre outros (Carvalho et al., 1992;
Veitzman, 2000).
A cegueira ocorre quando a visão varia de zero (ausência de percepção de
luminosidade) a um décimo na escala optométrica de Snellen,
ou quando o campo visual é reduzido a um ângulo menor que 20 graus.
Para além dos termos técnicos e das medidas de acuidade visual é importante
entender que entre as pessoas com baixa visão e cegueira podemos encontrar
situações muito díspares. Algumas dessas pessoas terão
autonomia na locomoção e outras deverão desenvolver estratégias para
atingi-la; algumas poderão realizar com pouca dificuldade as tarefas escolares
sem qualquer auxílio e outras necessitarão de auxílios ópticos (lupas e
telescópios) ou não ópticos (ampliações, iluminação especial e outras adaptações
do ambiente) para melhorar seu desempenho; algumas
conseguirão utilizar materiais visuais e outras preferirão os materiais táteis
(sistema Braille de escrita) ou auditivos. À diversidade natural existente na
natureza humana soma-se, assim, a variabilidade das condições
criadas pelos diferentes tipos de deficiência visual e seus efeitos no
desenvolvimento e na comunicação com os outros.
Desenvolvimento e aprendizagem
Como a criança com baixa visão ou cegueira se desenvolve e aprende? O que é
comum e o que é diferente nos processos de desenvolvimento
e aprendizagem que crianças com e sem deficiência visual atravessam? Essas
questões são cruciais para definir o tipo de intervenção pedagógica
indicada para esses alunos. As concepções de desenvolvimento e de aprendizagem
norteiam, de um modo geral, todo o trabalho educacional e, por
isso, é importante retomar aqui algumas idéias sobre desenvolvimento e
aprendizagem. As teorias de desenvolvimento admitem, hoje, que este é a
conseqüência de um conjunto de fatores genéticos e ambientais que se
configuram de maneira única em cada sujeito. Para algumas teorias como
a de Vigotski (1984), os fatores ambientais e dentro desses os sociais e
culturais, condensados na função da linguagem, são fundamentais nos processos de
desenvolvimento e aprendizagem. Na idéia de que o homem é
um ser social está embutida a de que o homem se desenvolve na sociedade
e na cultura, por meio de uma ferramenta especialmente desenvolvida para
isso, isto é, o homem é um ser capaz de aprender com o outro por meio
da linguagem que organiza e dá sentido à experiência humana compartilhada. Dessa
idéia decorre a de que o desenvolvimento e a aprendizagem
ocorrem no espaço privilegiado constituído pelas relações sociais, no espaço em
que os seres humanos interagem entre si e com os objetos do mundo. Em
contrapartida, é possível descrever o que ocorre no nível dos sentidos, do corpo
e do cérebro e tudo isso é certamente importante para o
desenvolvimento humano, mas, em geral é difícil interferir
na escola
pedagógica porque permite ao professor agenciar as situações de ensino
de forma colaborativa com os alunos. Na mesma perspectiva, o psicólogo americano
J. Bruner (1997, p. 30), ao discutir as relações entre cultura e biologia,
destaca o papel da cultura no desenvolvimento: “(...) a
cultura e a busca por significados são a mão modeladora, a biologia é a
restrição e, conforme vimos, cabe à cultura deter o poder de afrouxar essas
limitações”.
Partindo da premissa de que “é a cultura, e não a biologia, que
molda a vida e a mente humanas, que dá significado à ação” (p. 40),
Bruner nos ajuda a pensar as formas em que a cultura e as relações sociais podem
modificar e transcender as limitações impostas pela biologia.
Desse modo, uma parte do desenvolvimento humano pode ser entendida como o
produto do trabalho escolar, e este pode ser pensado no contexto das relações
que se criam entre quem aprende, quem ensina e o
objeto de aprendizagem. Essas concepções de desenvolvimento e de
aprendizagem permitem compreender os processos psicológicos como
processos compartilhados por todos. Elas fundamentam, de um modo
geral, o trabalho escolar, marcando os rumos e ajudando a adequar os
objetivos e os meios de alcançá-los.
Entretanto, a própria ênfase que se dá às relações, à linguagem e à
cultura na compreensão dos processos de desenvolvimento e aprendizagem faz com
que as características próprias de grupos ou mesmo de indivíduos sejam levadas
em consideração para planejar e implementar
ações pedagógicas. Assim, no caso de alunos com deficiência visual será
preciso considerar, dentro dos processos gerais comuns a todos os indivíduos que
aprendem, as particularidades que singularizam esses processos.
O desenvolvimento de crianças com deficiência visual
Ao nascer, a criança estabelece uma relação inicial com o mundo
social por meio do vínculo com a mãe ou com o adulto por quem é
cuidada. Todas as vertentes teóricas coincidem na atribuição de grande
importância a esse vínculo inicial que constitui a matriz sobre a qual
serão construídos sentidos e significados por meio da linguagem e da
ação mediada. As percepções tátil, olfativa, visual e auditiva são as vias de
acesso da informação que provêm desse mundo social que se apresenta ao
recém-nascido como fonte do alimento, segurança e bem-estar. Dentre
os sentidos, o da visão tem papel importante na configuração do vínculo. O
contato visual é uma das formas em que mãe e filho estabelecem
relações. O que fazer quando a criança não devolve o olhar da mãe? Se
ela não enxerga ou enxerga tão pouco que a qualidade da visão torna
desinteressante a atividade de olhar, como ela aprenderá a imitar? Como
ela terá a percepção do que acontece em volta dela? A deficiência visual
será responsável por alterações ou atrasos no desenvolvimento?
As pesquisas que comparam o desenvolvimento de bebês cegos e
bebês que enxergam mostram que vários aspectos do desenvolvimento de
bebês cegos podem sofrer atrasos a partir do segundo mês de vida, devido à
função exercida pela visão na calibração dos sistemas proprioceptivo
e vestibular (Prechtl et al., 2001). A ausência de visão teria como decorrência
um atraso no desenvolvimento do controle da postura e dos movimentos. Ainda no
âmbito do desenvolvimento motor, estudos anteriores, como o de Jan et al.,
(1975) descrevem a ocorrência de hipotonia
durante os primeiros anos de vida em crianças cegas e apontam para a
importância do estímulo ambiental e da experiência para superar essa
condição. Reynell (1978) encontrou diferenças no desenvolvimento
cognitivo de crianças com e sem deficiência visual nos primeiros anos de
vida. Outros estudos destacam que as crianças cegas, principalmente
aquelas cuja cegueira decorre de alterações no sistema nervoso central têm
maior probabilidade de apresentar problemas de desenvolvimento no segundo ou
terceiro ano de vida. Outro fator de risco é representado pelas
condições sociais adversas a que muitas dessas crianças estão sujeitas (Cass
et al., 1994).
Vários dentre os estudos citados notam que os eventuais
atrasos vão sendo compensados graças à plasticidade cerebral e à experiência, de
modo que ao chegar à adolescência, o desenvolvimento se apresenta em geral como
normal, a menos que a criança tenha sido privada
de experiências sensoriais, motoras, cognitivas e sociais significativas. A
maior parte dos estudos que abordam os diferentes aspectos do desenvolvimento
(motricidade, cognição, linguagem, sociabilidade, personalidade, diferenças
individuais) destaca também a importância dos estímulos do ambiente que, no caso
da criança com deficiência visual, devem
ser incrementados e adaptados o mais precocemente possível para promover o
desenvolvimento (Warren, 1984).
Assim, se o contato visual com a criança não for possível, a mãe
e os adultos em volta estabelecerão contato preferencialmente por meio
do toque e da voz. O modo de embalar a criança, o tom de voz e os
sons do ambiente ajudarão a construir as primeiras relações da criança
com o mundo. Na medida em que a linguagem seja adquirida essas
experiências serão investidas de sentido. O toque é um estímulo sensorial
indispensável para o desenvolvimento. Assim, é importante lembrar que bebês com
deficiência visual muitas vezes passam por internações hospitalares prolongadas
no início da vida. Ambientes como a UTI
neonatal seguem normas rígidas em relação à manipulação dos bebês e
aos estímulos sensoriais permitidos. Mais recentemente, esse aspecto tem
sido considerado nas rotinas hospitalares e alguns serviços de saúde já
adotam a prática de estimular os bebês internados por meio da voz e do
toque. Em contrapartida, é necessário considerar que as famílias de crianças com
deficiência visual severa atravessam um processo difícil de aceitação e
adaptação às condições que os bebês apresentam. Alguns estudos
revelam que a freqüência de contato corporal entre mães de crianças com
deficiência visual severa e seus bebês é menor que a freqüência de contato entre
mães e bebês videntes (Freedman, 1971, 1975). Esses dados
reforçam a idéia de que bebês com deficiência visual devem ser estimulados,
tanto na função visual (por pequena que seja) como nas outras esferas do
desenvolvimento.
A visão é uma função altamente motivadora para o desenvolvimento em todos os
seus aspectos: os objetos, as pessoas, as formas, as cores e
o movimento despertam curiosidade e interesse e incitam a criança a se
aproximar e a explorar o mundo exterior. Crianças com baixa visão ou
cegueira podem ter esse interesse diminuído pela falta de estímulos e podem,
assim, tornar-se apáticas e quietas. Por isso, é preciso que o ambiente seja
organizado para promover ativamente o desenvolvimento por
meio dos canais sensoriais que a criança possui, de modo tal que ela seja
capaz de participar nas atividades cotidianas e de aprender como qualquer
criança. Se a visão é uma função importante, é preciso destacar,
como o faz Vigotski (2000), que a sua ausência ou deficiência não impede o
desenvolvimento, embora possa limitar, principalmente, a sua dimensão social.
Para combater esse efeito (secundário) da deficiência visual é preciso investir
de forma consciente e planejada na organização de um
ambiente que promova a interação social e a participação dessas crianças.
A linguagem é um dos meios privilegiados de promover a interação e a
constituição de sentido e, à medida que a criança cresce e participa de vários
ambientes sociais, a sua importância será crescente.
O universo da criança se amplia consideravelmente quando ela ingressa na escola.
Às relações estabelecidas no ambiente familiar somamse novas relações com
adultos e com outras crianças. As características do
funcionamento do sistema educacional fazem com que muitas vezes a dinâmica
escolar interponha barreiras entre a criança com deficiência visual e o
conhecimento. A estrutura que agrupa muitos alunos na mesma
classe e privilegia aqueles com bom desempenho acadêmico dificulta a
personalização do ensino e o atendimento dos que apresentam necessidades
especiais. Contudo, quais são as necessidades dos alunos com deficiência visual?
O uso de recursos ópticos, adaptações do ambiente e tecnologia
Os tipos de deficiência visual e as suas conseqüências para o desempenho visual
da criança são muitos, assim como a etiologia das doenças que as causam e os
recursos necessários para paliar seus efeitos.
Enquanto um aluno pode precisar de iluminação especial, outro terá
seu desempenho melhorado apenas mudando de lugar na sala de aula.
Enquanto um aluno utilizará o sistema Braille de escrita outro poderá
se valer de materiais em tipo ampliado ou de gravações das aulas. É
importante ressaltar que o uso de recursos específicos não será decidido apenas
em virtude do tipo e grau de visão do aluno. Uma dimensão
essencial dessa tomada de decisão é representada pela consideração de
fatores relacionados à personalidade, modo de elaboração e estilo pessoal de
cada criança ao lidar com a deficiência.
Sacks (1997) relata o
caso de três irmãos, na Noruega, que sendo portadores de uma rara
doença genética (acromatopsia) apresentavam daltonismo (cegueira
para as cores) associado a uma baixa acuidade visual. Inicialmente, a
família foi aconselhada a inscrever o filho mais velho, Knut (e depois
os outros), numa escola para cegos. Mas a criança não quis aprender
Braille pelo toque. Ela usava a visão para ler os pontos em relevo e por
isso foi castigada e forçada a usar uma venda nos olhos durante as aulas para
impedir a visão. Depois, Knut fugiu da escola e aprendeu a ler
sozinho em casa. Finalmente, foi permitido que ele freqüentasse uma
escola comum. Apesar da doença, seguiu a carreira de cientista e se tornou
fisiologista e psicofísico, pesquisador da visão na Universidade de
Oslo. Knut, segundo o relato de Sacks, utiliza todo tipo de auxílio para
desenvolver suas atividades. Durante a viagem que fizeram juntos às
ilhas do Pacífico, Knut utilizara lupas, vários tipos de óculos e telescópio,
além de aproximar os objetos quando necessário.
Britt, a irmã de Knut, teve um percurso totalmente diferente. Na
escola para cegos, que Knut detestava, ela se desempenhou muito bem e
se tornou proficiente em Braille. Britt trabalha na supervisão da transcrição e
edição de livros em Braille na Biblioteca dos Cegos norueguesa.
Ela também utiliza a visão, por exemplo, para realizar trabalhos de agulha com o
auxílio de uma lupa acoplada aos óculos. O caso desses irmãos ilustra a
influência das diferenças individuais na trajetória de vida,
no modo de lidar com a deficiência e seus efeitos no desempenho escolar
e profissional e na construção da identidade. A doença e a condição visual
remetem a uma variedade de recursos que podem amenizar os problemas práticos,
mas o que determina o tipo de recurso a ser adotado é a
necessidade, interesse, disposição e objetivos do próprio sujeito, assim
como as condições de inserção sociocultural e familiar que tornarão um
recurso mais adequado ou viável que outro. Não há, portanto, uma conduta única
que possa ser seguida em todos os casos, mas sim, estratégias
de caráter geral que podem facilitar o trabalho escolar e derrubar barreiras de
comunicação e acesso ao conhecimento.
Para começar é necessário prestar atenção ao uso que o aluno faz
dos canais sensoriais que possui, sejam eles visuais, táteis ou auditivos, às
suas características pessoais e à sua história de desenvolvimento e
aprendizagem.
Vítor
Vítor, por exemplo, aos 10 anos de idade, nunca tinha freqüentado a escola.
Morador de uma cidade do interior de um estado do Nordeste, era portador de uma
doença ocular grave e apresentava baixa visão. A sua matrícula não foi aceita
pela escola do bairro em que morava.
Uma tia trouxe Vítor para morar com ela no estado de São Paulo e procurou
atendimento oftalmológico e escolar. Vítor era uma criança inteligente e capaz
de interagir com crianças e adultos, mas não dominava os
conceitos que normalmente uma criança dessa idade adquire no decorrer do
processo de escolarização nem havia desenvolvido a coordenação
motora fina, por não ter realizado atividades que requeressem essa habilidade. À
primeira vista, Vítor mostrava-se como uma criança muito
tímida, com poucos recursos de sociabilidade, movimentos descoordenados,
desconhecimento de letras, números e outros conceitos. Uma avaliação apressada
que não levasse em consideração a sua história de vida
poderia levar a interpretar o baixo desempenho de Vítor como um sinal
de outros comprometimentos (mentais, por exemplo) associados à deficiência
visual. Depois de alguns meses de inserção num programa para
crianças com deficiência visual (Programa Deficiência Visual Infantil –
CEPRE/FCM/UNICAMP), onde pôde experimentar diversas atividades e entrar
em contato com a leitura, a escrita e a matemática, Vítor passou a mostrar sua
inteligência, capacidade de aprender e possibilidades de adquirir os conceitos e
habilidades exigidos pela escola.
Eduardo
Como escolher um recurso para melhorar a participação do aluno na sala de aula
se este não se reconhece como alguém que necessita
de um recurso especial? Eduardo é um jovem que perdeu a visão aos 8
anos de idade. A transição para a cegueira foi gradual e acompanhada
de grande angústia tanto para Eduardo como para a sua família. Na
época da perda definitiva, Eduardo trombava com os móveis em casa e
na escola e caía bastante, mas não aceitava ajuda e, quando interpelado, dizia
que enxergava. Utilizou a visão até o último momento, quando apenas conseguia
ver a cor de um objeto, sem distinguir a forma ou
os detalhes.
Quando ainda utilizava materiais adaptados para baixa visão,
Eduardo recusou-se a usar um caderno de pauta ampliada, no formato
convencional (caderno grande, especialmente encadernado para esse
objetivo). Pediu que as linhas mais largas fossem traçadas em caderno
brochura, semelhante ao de seus colegas, foi atendido e isso lhe trouxe
satisfação por reduzir diferenças em relação a seus colegas.
Gradualmente, Eduardo começou a utilizar o tato e o ouvido de
forma crescente para se orientar no espaço e para conhecer o ambiente.
Em seguida, aprendeu o sistema de escrita Braille. Como sabia ler e
escrever, no seu caso, o Braille representou apenas o uso de um sistema
de notação e leitura diferente, a transcrição do sistema de escrita alfabético
para o Braille. Mais tarde, Eduardo começou a utilizar um computador com
programas de voz.
Gláucia
O uso de certos recursos como alguns tipos de óculos e telescópios requer
cuidado e precisão. Uma criança pequena, ou muito inquieta, que não se concentra
por um tempo razoável em qualquer atividade, terá dificuldades em se adaptar ao
uso desses instrumentos. O
recurso indicado para o problema de visão de Gláucia era um telescópio. Com ele,
a menina poderia enxergar a lousa. O telescópio deveria
ficar em cima da carteira e Gláucia deveria pegá-lo cuidadosamente,
enfocar a lousa, ler o conteúdo e depositar novamente o telescópio na
carteira para escrever. Porém, Gláucia era inquieta, agitada e se levantava toda
hora do lugar. Além disso, não se concentrava nas atividades
e vivia brincando com os colegas. Para que isso não ocorresse, a professora
sentava-se ao lado da menina durante a realização das atividades
escolares. Por isso, o uso do recurso foi adiado até que Gláucia adquirisse as
competências necessárias para que o telescópio fosse útil a ela.
Enquanto isso, ela se aproximava da lousa para copiar.
Tiago
O computador pode ser usado por crianças com baixa visão, com
a ampliação das fontes e a mudança da configuração de cores da tela e
também por crianças cegas, com a instalação de programas de voz que
lêem o que está sendo escrito. Quando uma criança aprende a dominar os comandos
básicos do computador, ela se encanta com o recurso
e, muitas vezes, pede que a família adquira uma máquina para ela.
Nesses casos, é preciso avaliar se as condições em casa e o grau de domínio do
instrumento justificam a aquisição. Na escola, o uso do computador é geralmente
monitorado por um professor e as condições técnicas de funcionamento são
mantidas por pessoal especializado. Em
geral, as crianças são usuários pouco qualificados que dominam apenas
parcialmente os procedimentos e não podem solucionar problemas técnicos, caso
estes surjam no decorrer do uso. Se não há na família ou no
entorno social um adulto experiente que possa garantir condições adequadas de
funcionamento, a aquisição do equipamento não será útil.
Quando Tiago, um menino cego que aprendeu a utilizar o computador para escrever
e jogar pediu o equipamento, sua mãe fez um curso
de informática para poder assistir o filho. Somente depois que ela teve a
um domínio maior que o de Tiago dos modos de uso é que o computador foi
adquirido.
Os exemplos de trajetórias de crianças mostram a necessária diversidade de
fatores que devem ser levados em consideração para prover, em cada caso, os
recursos e estratégias que auxiliarão a participação
na escola. Essa avaliação deve ser realizada no contexto da própria escola, do
atendimento especializado ou de outros equipamentos de
apoio à inclusão.
Práticas que favorecem a participação de crianças com deficiência
visual
Como favorecer a participação da criança com deficiência visual
nas atividades escolares? Os exemplos acima citados, envolvendo crianças com
diferentes níveis de dificuldade visual e, mais que isso, com
diferentes histórias de vida, explicitam a necessidade de levar em conta, de
forma abrangente e dinâmica, os múltiplos aspectos envolvidos
no processo de escolarização.
No que se refere ao desenvolvimento e à aprendizagem, a idéia de
que eles ocorrem por meio das interações entre a criança e pessoas
significativas para ela, sejam adultos ou outras crianças, dá destaque à
dimensão social envolvida no ato de ensinar, visto, de acordo com Coll e Solé
(1996), como um processo contínuo de negociação de significados, que
ocorrem ao longo das interações em grupo. Destaca-se, assim, a importância da
atuação em grupo, da mesma forma que Coll e Colomina
(1996), autores que valorizam o contato entre as crianças e seus parceiros, em
situações cooperativas, para favorecer a aprendizagem.
Dessa forma, atividades grupais de ensino e recreativas, envolvendo diferentes
recursos pedagógicos, vêm sendo propostas em situações de ensino formal e
informal, iniciando-se na pré-escola. É de se
destacar que, nas fases iniciais do processo, é bastante comum o uso
freqüente de recursos visuais (objetos, figuras, imagens) que, muitas vezes,
dificultam a inclusão de crianças com deficiência visual.
A carência de material
adaptado para essa fase do ensino foi destacada por
Preisler (1997), em um estudo longitudinal em que dez crianças cegas
suecas foram acompanhadas desde o nascimento até os 6 anos de idade, com uma
nova observação aos 10 anos. Em seu estudo, a autora
considerou que as principais dificuldades observadas ao longo do processo de
inclusão escolar se referiram ao desenvolvimento social das crianças. Aos 10
anos, Preisler verificou que as crianças acompanhavam o currículo escolar e se
utilizavam dos recursos da informática para as
atividades escolares. Observou, inclusive, que, devido ao desenvolvimento
tecnológico, elas não tinham mais a necessidade de carregar pesados
livros em Braille, transportando, apenas, disquetes de computador, no
trajeto entre a casa e a escola. Contudo, descreveu o isolamento social
dessas crianças, especialmente no período pré-escolar, comentando sobre
a ausência de material pedagógico e lúdico adaptado, que permitisse a
atividade conjunta. No que se refere ao ensino formal, o atendimento
mais individualizado propiciou um aprendizado de conteúdos equivalente ao das
crianças videntes. Mas as interações entre cada criança cega e
seus parceiros videntes, em termos de brincadeiras e atividades grupais
de ensino, ao longo da pré-escola, ficaram bastante prejudicadas pela falta
de material para uso conjunto, acessível a todas as crianças.
Por isso, entendemos que uma das práticas que devem ser valorizadas nos
contextos de educação formal e não-formal é o oferecimento
de recursos que propiciem a atividade conjunta de crianças com diferentes
dificuldades visuais e, por extensão, de crianças sem alterações visuais. Embora
essa pareça ser uma afirmação trivial, é interessante lembrar
que existem materiais desenvolvidos exclusivamente para cegos (ex: livros
de história escritos em Braille e ilustrados com figuras reconhecíveis por
seu contorno em relevo, em papel monocromático, portanto de difícil
identificação por uma criança com baixa visão, ou mesmo por um professor ou um
adulto vidente), enquanto outros são desenvolvidos especificamente para crianças
com baixa visão (portanto, não acessíveis a crianças cegas).
Pensamos que, sempre que possível, especialmente nas atividades em grupo,
devemos incorporar a idéia do desenho universal, tal
como vem sendo preconizado pelos autores que discutem acessibilidade. Neste
sentido, serão descritas e comentadas, a seguir, algumas experiências de
elaboração e utilização de recursos, em duas modalidades:
a) materiais mais
estruturados e fixos, tais como tabuleiros de jogos
e livros ilustrados;
b) materiais para realização de projetos temáticos,
tais como os necessários para desenho e/ou confecção de componentes
para uma brincadeira em elaboração (ex: talões de cheque, bingos criados pelo
grupo etc.).
a) Materiais mais estruturados e fixos
No que se refere aos materiais mais estruturados, é necessário que
tragam a informação de modo a ser reconhecida de forma tátil e visual.
Essa exigência traz alguns desafios, pela necessidade de dispor, em um
espaço limitado, informações táteis e visuais equivalentes, oferecendo, ao
mesmo tempo, um material “claro” e “não poluído”.
Jogos de bingo
Um dos exemplos de adaptação envolve o jogo de bingo, que
permite o trabalho com diferentes conceitos, com material a ser pareado
por identidade (ex: formas ou números iguais no cartão sorteado e nas
cartelas) ou relação entre atributos (ex: parte-todo, espécie e gênero,
figura e palavra ou ícone correspondente). Em um exemplo de adaptação de um
bingo de formas, essas foram desenhadas em material
tateável e coladas sobre cada cartela e também em pequenos cartões, a
serem sorteados. Vários tipos de materiais podem ser utilizados para
preparar figuras em relevo, como é descrito com detalhe por Reily
(2004). Um outro detalhe: foi delimitado, na cartela, um lugar para
colocar o marcador da figura já sorteada (como os feijões no bingo tradicional),
reduzindo o risco de serem deslocados, no momento da colocação de novos
marcadores, relativos a novas figuras sorteadas. Isso
foi feito com o recorte de orifícios quadrados na cartela, em posição
fixa em relação a cada forma, colando-se o conjunto ao
tirar as peças do lugar. Nesse aspecto, no caso da cartela do bingo, há
maior espaço para manuseio e aproximação da criança e para assistência
individualizada, sem o risco de perda de informações do jogo coletivo,
como ocorre quando o desenho do dominó é parcialmente desfeito por
movimentos bruscos de um participante. Entretanto, dependendo das
características do grupo de crianças, o jogo de dominó constitui uma alternativa
interessante.
Jogos de tabuleiro
Outra modalidade de material que permite adaptações é o jogo
de tabuleiro. Um exemplo que criamos foi o do jogo “Cidade-bosque”,
com 20 casas a serem percorridas. Essas casas eram formadas por quadrados de
EVA 1: as de número par, em vermelho, expondo a parte rugosa
do material, e as ímpares, em amarelo, expondo a parte lisa do material.
Cada casa era numerada de duas formas: com os números convencionais,
escritos com tinta preta em tamanho grande, e com números em Braille,
feitos com rebites de metal inseridos no EVA. Os “carros” eram pequenos
retângulos, com cores e texturas variadas, e o dado, em modelo convencional,
tinha as bolinhas salientes, reconhecíveis, portanto, tanto pela visão como pelo
tato. Observou-se que grupos de crianças, com diferentes
níveis de dificuldade visual, participaram de jogos em condições semelhantes
para a identificação das informações relevantes. As dificuldades
observadas foram de outra ordem, caracterizando o contato inicial com
uma nova modalidade de tarefa (envolvendo noção de correspondência e
de contagem, noção de regras do jogo, entre outras), mas não de identificação
das informações do tabuleiro.
Outra experiência com jogos de tabuleiro referiu-se ao jogo de
damas produzido pela American Foundation for the Blind. O tabuleiro
é confeccionado em material plástico, em tom azul-claro, com
reentrâncias para cada casela. As peças são vermelhas e pretas e se distinguem
também pelo formato (quadradas e redondas). Encaixam-se
bem, permitindo compor e fixar a “dama”. Ao utilizar o jogo com duas
crianças, Marina (cega) e Pedro (baixa visão), considerou-se que seria
melhor sinalizar o tabuleiro, pintando de preto as caselas pretas do tabuleiro
original e deixando as “brancas” na cor do plástico. Essa medida facilitou a
compreensão das regras para movimentação das peças por
Pedro, que era mais velho que Marina e apresentava dificuldades de
aprendizagem em várias tarefas escolares. Marina aprendeu mais rapidamente que
Pedro as regras do jogo, não sugerindo a necessidade de
marcação, por meios táteis, dos quadrados pretos e brancos do tabuleiro.
Possivelmente, isso seria necessário para outra criança. Essa observação ilustra
a idéia de que não existe uma única solução para adaptação de materiais:
trata-se de uma questão dinâmica, a ser definida no
contexto da utilização desses materiais.
Livros ilustrados Uma experiência interessante envolveu a confecção de livros infantis, para um
projeto de contação de histórias, realizado por
Solovijovas e Batista (2003). Foram escolhidas quatro histórias infantis,
usualmente utilizadas em projetos educacionais, e confeccionados
os livros adaptados, com o texto em tipo ampliado, em letra de forma,
de modo a favorecer a leitura por crianças com baixa visão, 2
com o texto em Braille correspondendo ao texto em tinta. Para as ilustrações,
decidiu-se que não se buscaria uma representação de cada uma das figuras dos
livros originais. Foram selecionadas imagens representativas das
principais cenas das histórias, em geral modificadas de forma a não representar
a cena toda, mas sim poucos personagens ou elementos significativos. Estes foram
caracterizados por figuras montadas com diferentes
recursos: EVA, tecido, lã (ex: as ovelhas eram feitas em lã costurada), contas
(costuradas) para indicar olhos e outros detalhes, objetos miniatura.
Observou-se a exploração das figuras e o tateio do texto, pelas crianças,
com diferentes níveis de participação e semelhantes aos observados por
crianças videntes, nos diferentes momentos de contato com o livro infantil.
No que se refere à representação de figuras e cenas, é importante
lembrar que não se trata de “traduzir” uma representação visual em seu
correspondente tátil. Gravuras são o resultado de séculos de história
da arte, de soluções estéticas e representativas que envolvem perspectiva,
gradação de tons e diferentes modos de indicar formas e volumes.
É possível e desafiador criar uma representação tátil, a partir da mesma
temática que sugeriu uma representação visual (por exemplo, o texto de uma
história infantil). Abre-se, assim, uma perspectiva pouco explorada até o
presente, que transcende, em muito, a mera adaptação
de material gráfico.
Os exemplos citados mostram a viabilidade de criação de materiais que permitam a
participação conjunta em atividades educacionais
e lúdicas de crianças com e sem deficiência visual, em situações que,
usualmente, são centradas em materiais que exigem a visão. É importante,
entretanto, não reduzir a questão à elaboração de um acervo de
materiais adaptados. É sempre importante estar atento à dinâmica de
utilização dos mesmos, relacionada aos interesses e competências dos
membros dos grupos, propondo renovação e readaptação dos recursos.
b) Materiais para realização de projetos temáticos
Quanto aos materiais para utilização em projetos temáticos, a
questão central se refere à sustentação da participação das crianças com
deficiência visual, em projetos para os quais o professor só está preparado para
lidar com base em recursos visuais.
Como exemplo de soluções que temos explorado, relatamos uma
brincadeira de faz-de-conta com o tema “escritório”. Uma das atividades
propostas envolvia a utilização de talões de cheque. As crianças, então,
confeccionaram seus próprios talões, por meio de diferentes recursos: texto em
Braille, texto em tinta com caneta hidrocor de alto contraste ou
com caneta comum, reproduzindo a configuração de um cheque com
diferentes graus de detalhe, desde a escrita convencional até traços imitando a
escrita.
Outros exemplos foram observados ao longo de um projeto sobre
meios de transporte (Silva, 2007). Entre as atividades desenvolvidas para
a compreensão dos diferentes meios de transporte em uma cidade, foi
montada uma maquete, composta por casas, carros e ônibus. A confecção desses
itens foi feita pelas crianças, com orientação dos adultos, utilizando moldes em
papel e cartolina, lápis e canetas de diversos tipos. Foram confeccionados
bonecos em massa, para representar as pessoas, e
montados semáforos. Os carros, também em cartolina, tinham rodas em
EVA. A cena foi montada sobre uma grande folha de cartolina, na qual
estavam traçadas ruas, indicadas por traços visíveis e em relevo. Em outro
momento, além da montagem da cidade, foi simulado um lago (uma
caixa plástica com água, com o entorno simulando uma colina), no qual
foram colocados barcos de papel, também confeccionados junto com as
crianças.
Outra atividade realizada foi a da explicação da flutuação. Foi
utilizada uma bacia grande com água e, com a participação de todos
do grupo, diferentes materiais foram colocados para verificar suas
características de flutuação. As conclusões foram aplicadas à compreensão da
flutuação dos barcos.
Quando da explicação dos trilhos do trem, foi montado um modelo de trilho
(cartolina e madeira) e um conjunto de duas rodas de trem
ligadas por um eixo (em cartolina), de forma a explicar como a roda se
encaixa no trilho. As crianças foram encorajadas a manusear essas rodas
sobre o trilho e foram feitos comentários sobre o que significa o
descarrilamento de um trem, com base no desenho animado que tinha
sido exibido e explicado (O Expresso Polar).
Considerações finais
O sucesso escolar de alunos com deficiência visual é um dos desafios da
inclusão. Embora, de acordo com os teóricos do desenvolvimento, a deficiência
visual em si não constitua um obstáculo necessário para
o desenvolvimento e para a aquisição de conhecimento, a trajetória escolar de
muitas crianças com deficiência visual acaba sendo mal-sucedida
devido a um conjunto de fatores que envolvem desde os serviços de
detecção e a intervenção precoce, incluindo-se, aí, a assistência à criança e a
orientação à família, até a instrumentalização dos professores para
utilizar, com cada faixa etária e com cada criança, os recursos que promovam o
interesse e a participação plena nas atividades da escola. O trabalho orientado
nessa direção deve integrar conhecimentos sobre desenvolvimento, aprendizagem e
necessidades específicas desse grupo, assim
como informações sobre o estilo pessoal de cada aluno e sobre o comportamento do
grupo em que está inserido. Os exemplos de confecção e
uso de materiais acessíveis em atividades concretas e projetos de ensino
remetem ao conjunto de informações que constitui a base sobre a qual
as estratégias pedagógicas serão construídas, utilizando-se recursos
específicos, materiais diversos e pequenas adaptações, segundo a necessidade.
O foco na dimensão social da aprendizagem, aliado à remoção de barreiras e às
estratégias que favoreçam o uso coletivo de materiais e a cooperação, permitirá
ao professor utilizar recursos tateáveis/visuais/auditivos e
organizar a sala de aula de modo que ela seja acessível a todos os alunos.
É interessante lembrar aqui que nem sempre as estratégias de ensino
requerem recursos especiais, mas sempre exigem a presença de um professor
atento, informado e dinâmico, capaz de identificar, a cada momento, as
necessidades dos seus alunos.
Notas
-
1. Borracha não-tóxica produzida a partir de uma mistura de alta tecnologia de
etil, vinil e
acetato.
-
2. É sempre importante lembrar que a baixa visão não constitui um quadro único:
há variações na acuidade, campo visual, visão de contraste, adaptação à luz e ao
escuro, podendo
essas dificuldades serem únicas ou estarem combinadas, com diferentes graus de
severidade. Assim, não se pode falar em material adaptado, de forma
generalizada. Entretanto,
convencionou-se que será mais provável o reconhecimento de textos e figuras
ampliados,
com alto grau de contraste (contornos de letras e formas, cores no preenchimento
de figuras), e sem brilho excessivo.
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'Ver, não ver e aprender: a participação de crianças com baixa visão e cegueira
na escola'
autoras:
*ADRIANA LIA FRISZMAN
DE LAPLANE (Doutora em Educação e docente da Faculdade de Ciências Médicas (CEPRE) da
Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: adrifri@fcm.unicamp.br) &
**CECÍLIA GUARNEIRI BATISTA (Doutora em Psicologia e docente da Faculdade de Ciências Médicas (CEPRE) da
UNICAMP. E-mail:
cecigb@fcm.unicamp.br)
título original do artigo: TO SEE, NOT TO SEE AND TO LEARN:
THE PARTICIPATION OF LOW VISION AND BLIND CHILDREN AT SCHOOL
fonte:
Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 75, p. 209-227, maio/ago. 2008
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
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