Carla Costa
-excerto-
Trigonometria e Multiplano
-
-
-
“We talk a lot about
the five Senses: Vision, Hearing, Smell,Taste
and Touch. I would add one more…Imagination… (2)”
Wes Adamson, 2015)
-
RESUMO
-
Os processos de ensino e de aprendizagem de conceitos matemáticos a
estudantes cegos no Ensino Superior, revestem-se de uma complexidade
acrescida, advinda da incapacidade sensorial destes estudantes que lhes
dificulta ou mesmo impossibilita perceção dos conceitos que se apoiam em
representações visuais. Neste âmbito, pretendeu-se identificar alternativas
possíveis para ultrapassar essas barreiras, avaliando a pertinência da
utilização de produto de apoio, nomeadamente o Multiplano, para a
transmissão de conceitos matemáticos transversais aos cursos de Engenharia
do Ensino Superior Politécnico a estudantes cegos. O estudo pretendeu
identificar as dificuldades sentidas pelos docentes e pelos estudantes cegos
na transmissão e assimilação de conceitos matemáticos sobretudo de índole
mais visual e gráfica. Pretendeu ainda identificar as estratégias utilizadas
pelos docentes para a transmissão desses mesmos conceitos. O estudo aqui
reproduzido, de abordagem qualitativa, configura-se num estudo de caso
descritivo-exploratório, obtendo-se dados com recurso a questionários aos
docentes do Departamento de Matemática (DMAT) da Escola Superior de
Tecnologia e Gestão (ESTG) do Instituto Politécnico de Leiria (IPL) e a
entrevistas aos três estudantes cegos da área da Engenharia que se
encontravam a frequentar a Instituição e também a docentes que lhes
lecionaram as Unidades Curriculares de Álgebra Linear, Análise Matemática e
Estatística. Contou ainda com a realização de Observações Diretas, com a
aplicação do Multiplano a conceitos matemáticos de índole mais gráfica
culminado num grupo de discussão com as partes envolvidas. Da análise
identificaram-se as estratégias e dificuldades sentidas tanto pelos docentes
do DMAT da ESTG como pelos estudantes cegos na transmissão e assimilação
de conceitos matemáticos com predominante representação gráfica.
-
Sobressaiu ainda da análise que quando abordados sem recurso ao
Multiplano, em geral os conceitos matemáticos foram transmitidos com
sucesso aos estudantes cegos, apesar de em alguns casos com restrições e
noutros terem sido excluídos devido à sua forte componente gráfica. O
estudo evidencia a falta de ferramentas de apoio nesta área e a pertinência
da aplicação do Multiplano a vários conceitos matemáticos de difícil
abordagem devido à sua componente gráfica.
1. INTRODUÇÃO
Os estudantes com deficiência visual deparam-se ao longo do seu percurso escolar
com
barreiras que condicionam o processo de ensino e aprendizagem nas diferentes
áreas, mas
com especial preponderância no que toca à Matemática. No ensino da Matemática a
estudantes cegos é fundamental assegurar métodos de aprendizagem adequados às
NEE
destes estudantes, de modo a evitar a sua exclusão e discriminação de um sistema
de ensino
formatado para um estudante padrão. Estes estudantes são, por norma, uma
minoria, cuja
diversidade é necessário respeitar, através de uma política de educação
inclusiva que deverá
ser orientada para a aprendizagem de todos num único sistema de ensino.
A revisão teórica analisada no Capítulo 2 permite perceber o impacto que a
ausência de visão
tem na perceção de determinados conceitos matemáticos e da necessidade do
recurso a
ferramentas complementares para a compreensão de conceitos mais visuais. O
enquadramento teórico clarifica ainda, que é sobretudo a existência ou não
destas
ferramentas que pode condicionar o processo de ensino e aprendizagem, induzir
algumas
modificações nos currículos e supressões nos conteúdos. Dá-se destaque ao
recurso didático
Multiplano, como uma ferramenta complementar potenciadora da inclusão, conforme
proposto por Ferronato (2002), e que foi o objeto de análise ao longo da
investigação, num
contexto de Ensino Superior.
Torna-se evidente ao longo da revisão da literatura que a promoção de um Ensino
Superior
inclusivo, não é devidamente legislada e está essencialmente assente na política
institucional e
individual de cada entidade, na maioria das vezes ancorada na vontade própria de
cada
docente, sem formação específica e adequada a uma tarefa tão árdua e rigorosa
que é muitas
vezes negligenciada. Com esta investigação pretende-se problematizar este
cenário,
praticamente inexplorado a nível nacional, e contribuir para um esboço de um
panorama que
o minimize, sobretudo numa área tão peculiar como são os conceitos matemáticos
com forte
componente visual presentes na Matemática que são de difícil acesso a quem é
desprovido da
visão.
É neste panorama que surge o presente estudo de caso sobre metodologias de
ensino e
aprendizagem de conceitos matemáticos a estudantes cegos no Ensino Superior
Politécnico,
nomeadamente na ESTG-IPL. Com este estudo pretende-se perceber, através da
triangulação
de dados, a perspetiva dos docentes do DMAT e dos estudantes cegos acerca da
viabilidade da
utilização de produtos de apoio e recursos manipuláveis, nomeadamente o
Multiplano, como
potenciador da inclusão no Ensino Superior. Concretamente, faz-se uma análise
para se
perceber se esta ferramenta poderá ser uma estratégia no auxílio ao ensino da
Matemática,
tanto para estudantes cegos como para os seus docentes, através do estudo da sua
aplicabilidade prática a exercícios matemáticos concretos das UC´s Álgebra
Linear, Análise
Matemática e Estatística. (3)
O Capítulo 3 é dedicado à explicação da metodologia adotada para dar resposta à
questão
investigativa. Face à especificidade do estudo foi assegurada a escolha
criteriosa dos
participantes e a utilização de técnicas e instrumentos de recolha de dados que
aqui se
procuraram justificar e se creem como as mais adequadas.
No Capítulo 4 remete-se à apresentação e discussão dos resultados obtidos
através dos
diferentes instrumentos: questionários, entrevistas, observações e grupo de
discussão. A
triangulação obtida pela confrontação dos dados recolhidos permitiu aferir e
aprofundar os
elementos investigados de modo a asseverar a validade e confiabilidade que se
pretende para
este tipo de estudo. Este capítulo encontra-se subdividido essencialmente pelas
categorias
definidas para a análise de conteúdo.
As conclusões principais são apresentadas no Capítulo 5 que encerra a
dissertação. Este
capítulo inclui ainda uma breve reflexão sobre as limitações associadas à
investigação aqui
descrita.
Com esta investigação espera-se que a ferramenta estudada seja discutida como
uma das
eventuais estratégias no auxílio, tanto aos estudantes cegos como aos seus
docentes, na
compreensão e ensino da matemática a nível do Ensino Superior. Ensino, que na
área da
acessibilidade e inclusão é demasiadas vezes descurado e deixado ao acaso, onde
o acaso é um
terreno que pode ser porventura minado para as partes envolvidas.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Através deste enquadramento pretende-se aferir o estado da arte, assim como
apresentar e
explanar as linhas orientadoras que conduziram a investigação, sustentadas na
revisão da
literatura de diferentes autores de modo a elucidar o contexto a estudo.
2.1 CEGUEIRA E SUAS LIMITAÇÕES
A deficiência não é uma característica de apenas alguns indivíduos, todos em
qualquer fase da
vida poderão estar sujeitos temporária ou permanentemente a algum tipo de
limitação física,
motora, cognitiva ou sensorial, decorrente do envelhecimento biológico ou de
alguma situação
adquirida de origem patológica ou traumática.
Objetivando o tema a estudo, a deficiência visual pode caraterizar-se por um
dano, parcial ou
total do sistema visual e traduzir-se numa redução ou numa perda de capacidade
das funções
da visão, que de acordo com a OMS (2004, p. 61) são “funções sensoriais
relacionadas com a
perceção da presença de luz e da forma, tamanho, formato e cor do estímulo
visual.” Para
Laplane e Batista (2008) a deficiência visual engloba uma variedade de condições
orgânicas e
sensoriais que afetam o desempenho visual do indivíduo, desde alterações na
acuidade visual
até à ausência total da perceção de luz. De acordo com a OMS, a deficiência
visual abrange
genericamente dois grupos: a Cegueira e a Baixa Visão. Contudo a CID-10 versão
2008
acrescenta igualmente a Perda de Visão Indeterminada. Abaixo sintetiza-se esta
informação no
Quadro 1 onde a Baixa Visão compreende as categorias 1 e 2,
Cegueira as
categorias 3, 4 e 5 e
Perda de Visão Indeterminada a categoria 9 (ACAPO, 2014; OMS, 2008).
Quadro 1- Classificação da Deficiência Visual adaptada da CID-10
(Classificação
Internacional de Doenças), versão
2008
Classificação da
deficiência visual
|
Acuidade visual com a melhor correção possível
|
|
Máximo inferior a:
|
Mínimo igual ou melhor
que:
|
Baixa Visão
|
1
|
3/10 (0,3)
|
1/10 (0,1)
|
2
|
1/10 (0,1)
|
1/20 (0,05)
|
Cegueira
|
3
|
1/20 (0,05)
|
1/50 (0,02)
|
4
|
1/50 (0,02) Capacidade de contar
dedos a 1 metro
|
Percepção de luz
|
5
|
Sem percepção de luz
|
|
|
9
|
Indeterminada, não especificada
|
|
Uma pessoa é considerada cega quando não possui potencial visual mas que pode,
por vezes,
ter uma perceção da luminosidade.
Quanto à sua natureza, a cegueira divide-se em
três tipos:
-
congénita (surge até ao 1 ano de idade);
-
precoce (entre o 1º e 3º ano de idade)
e
-
adquirida
(após os 3 anos de idade).
Quanto às causas podem ser caraterizadas por:
traumatismo,
doença, malformação ou deficiente nutrição (ACAPO, 2014; MEB- SEESP, 2006; OMS,
2004).
Considerando as consequências quanto à conceptualização do mundo nas duas
situações
extremas verifica-se que: na cegueira congénita a pessoa apenas possui uma
representação
intelectualizada do ambiente (isto é, fruto de uma construção mental e
imaginativa); nos casos
de cegueira adquirida, pelo conhecimento visual anterior à cegueira, a pessoa
consegue
identificar uma representação de um objeto ou de um ambiente por analogia
(ACAPO, 2014).
De uma forma resumida pode dizer-se que a capacidade de ver e de interpretar
imagens
visuais está indubitavelmente correlacionada à função cerebral passível de
rececionar,
descodificar, apurar, recolher e associar imagens a outras experiências passadas
(MEB- SEESP,
2006).
Em Portugal, e dado que os Censos de 2011 não são claros quanto ao nível de
deficiência, os
números continuam a recolher-se a partir dos Censos de 2001. Estes, mais
específicos nesta
temática, assinalam a existência de 636 059 pessoas com deficiência, que
correspondiam na
altura a 6,1% da população portuguesa residente (INE, 2014). Dos Censos de 2011
resulta que
cerca de 23% dos inquiridos assumem possuir algum tipo de dificuldade de visão.
(4)
A nível
mundial, e apesar da dificuldade de precisão dos números, de acordo com dados de
dezembro
de 2014 da ONU, existiam 40 a 45 milhões de cegos no mundo.
2.2 MODELO BIOPSICOSSOCIAL – ENTENDIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
É importante assegurar critérios, direitos e oportunidades que garantam às
pessoas com
deficiência a sua inclusão em todas as dimensões da vida em sociedade. Situação
que exige
rutura com preconceitos estabelecidos e mudança de mentalidades com o propósito
de
transformar e envolver a sociedade num assunto que é de todos. Com o intento de
atingir este
propósito, existem várias organizações que ao longo dos anos têm trabalhado
normas,
princípios e critérios ajustados às pessoas com deficiência, de modo a melhorar
a sua
autonomia e inclusão social.
Neste âmbito, observa-se que desde 1975 que a OMS procurou estabelecer uma
classificação
das deficiências e incapacidades, culminando na Classificação Internacional de
Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF) que vigora desde 2004. Esta classificação segue as
premissas do
modelo biopsicossocial instituído pela OMS que passa a abranger uma visão
holística do
individuo, assente nas suas diferentes dimensões: biológica, psicológica e
social. A CIF
caracteriza o indivíduo não quanto à deficiência mas quanto ao seu nível de
funcionalidade/incapacidade, que passam a ser concebidas como uma interação
dinâmica
entre os estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, etc.) e os fatores
contextuais
(fatores ambientais e pessoais). A incapacidade deixa de ser um atributo da
pessoa mas antes
um conjunto complexo de condições que resulta da interação pessoa-meio (CIF,
OMS, 2004;
INR, 2014).
O conceito de igualdade, para Espadinha (2010), sai assim reforçado pela
utilização deste
modelo biopsicossocial de classificação. Pois, de acordo com esta autora, este
modelo passa a
abranger diversas áreas e tem como propósito oferecer igualdade de oportunidades
a todos os
cidadãos, não apenas em termos de saúde mas também nas restantes áreas sociais,
não
esquecendo a participação na vida ativa como a educação, o trabalho, a cultura e
o
entretenimento.
Também Sampaio e Luz (2009) consideram que o contexto (fator ambiental) reflete
uma
condicionante impactante sobre a forma como se perceciona a deficiência. Para
estes autores
existe assim uma relação direta entre estes: restringir obstáculos ou barreiras
no ambiente
induz diretamente à limitação das incapacidades do indivíduo e que aliás, no
caso de um
deficiente visual, existem incapacidades que podem ser situacionais e até
mediadas
socialmente. Também Espadinha (2010) reforça que a diminuição das disparidades
entre
indivíduos cegos e normovisuais é reforçada quando são promovidas e incentivadas
a criação
de espaços físicos acessíveis a todos, mas também, e sobretudo, através da
adaptação da
informação em formatos acessíveis.
2.3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA - UM BREVE TRAÇADO
O Estado, através do seu papel de previdência, deve garantir os direitos das
pessoas com
deficiência. Ao longo da história muitas têm sido as mudanças ocorridas com o
propósito de
assegurar os direitos de todos os seres humanos, o que nas palavras de Espadinha
(2010) se
transpõe na existência de uma relação direta e condicionante entre a forma como
a sociedade
valoriza as pessoas com deficiência, traduzida em direitos e criação de
oportunidades para a
sua participação em sociedade.
Neste âmbito, para Fontes (2009) a sociedade de igualdade e inclusão está
apoiada num
Estado ativo e promotor, que deverá desempenhar o papel central na garantia dos
direitos de
cidadania. Em Portugal o Estado-Providência surgiu após a Revolução de 1974
(Maia, 1997).
Fontes (2009) afirma o reflexo direto e positivo que este operou nas políticas
de deficiência
desenvolvidas nas últimas décadas e, consecutivamente, nas vidas das pessoas com
deficiência, apesar desta mudança não se ter realizado com a celeridade, enfoque
e
profundidade necessárias.
Contudo, o facto de a legislação existir, por si só, não é sinónimo de que esta
seja cumprida.
Apesar de a Constituição da República Portuguesa considerar no seu artigo 71.º o
princípio
constitucional da igualdade e da não discriminação, muito continua por fazer
nesta área. As
políticas de deficiência em Portugal, na maioria das vezes, têm-se revelado
setoriais e
geralmente desarticuladas, pautadas pela ausência de uma política global e
agregadora.
Muitas das necessidades destas pessoas continuam por satisfazer na medida em
que, vêem a
sua autonomia e direitos muitas vezes limitados por barreiras não só de ordem
física, como
também sociais e psicológicas (Fontes, 2009).
Especificamente, no caso do Direito à Educação, este passou a ser garantido para
todas as
pessoas na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No seu artigo 26.º
a educação
passa a ser um direito de todos os seres humanos. Fortalecido em 1975, pelo nº 6
da
Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência onde se explicitou a
educação como um
dos seus direitos.
A Declaração de Salamanca de 1994, também ratificada pelo Estado Português,
assume-se
como um marco na defesa da Escola Inclusiva. Na mesma linha, a Organização das
Nações
Unidas -ONU, (2013) defende que a educação inclusiva é a melhor modalidade para
cumprir a
universalidade deste direito, e que cada Estado-Membro deverá criar condições e
oportunidades para que as pessoas com deficiência prossigam o trajeto académico
para além
do ensino obrigatório, incluindo o Ensino Superior.
A legislação nacional assegura a educação de pessoas com deficiência através da
adoção de
medidas específicas necessárias para este fim, das quais se destaca o
Decreto-Lei n.º 3/2008
de 7 de janeiro, que redefine os apoios especializados a prestar na educação
pública não
superior, particular e cooperativa. O artigo 24º deste decreto-lei especifica o
ensino dos alunos
cegos ou com baixa visão, ao salvaguardar uma resposta educativa especializada
em Escolas de
Referência (ver Anexo 1 - Rede de Escolas de Referência). Defende também a
formação
especializada que deverá ser dada aos docentes em educação especial no domínio
da visão e
outros profissionais com competências para o ensino de Braille e de orientação e
mobilidade.
Refere ainda o dever de as escolas estarem apetrechadas com equipamentos
informáticos e
didáticos adequados. Contudo esta lei é um reflexo do que se aplica ao Ensino
Pré-escolar,
Básico e Secundário que não tem a continuidade desejada para o Ensino Superior.
Independentemente da educação para pessoas com deficiência estar prevista na
legislação
nacional, há todavia um hiato legal que negligencia a ligação/colaboração entre
os
especialistas das escolas abrangidas (Educação Pré-escolar, Ensinos Básico e
Secundário do
setor público) e as instituições de Ensino Superior. Aliás, apesar do ingresso
de pessoas com
deficiência no ensino superior ter aumentado ao longo dos anos (permitido pelo
alargamento
da escolaridade obrigatória, pela utilização das novas tecnologias de informação
e de
comunicação e ainda pelo regime de contingente especial de acesso ao Ensino
Superior) a
legislação portuguesa relativamente a esta temática apenas contempla as
condições de acesso
específico a estes estudantes no momento da candidatura e na atribuição de
bolsas de estudo
(Antunes & Faria, 2013; Espadinha, 2010). No entanto, é fundamental que
paralelemente a
estas medidas sejam asseguradas a estes estudantes formas de sucesso educativo
em função
das suas especificidades (Rodrigues, Fernandes, Mourão, Almeida, Soares &
Veloso, 2007).
Perante esta problemática a Resolução do Conselho de Ministros nº97/2010, de 14
de
dezembro criou a Estratégia Nacional para a Deficiência (ENDEF), para o período
2011-2013,
em que o Estado Português se comprometeu a promover, proteger e garantir
condições de
vida dignas às pessoas com deficiência e incapacidade, com referências
explícitas aos
estudantes com NEE do Ensino Superior. Dos eixos de apoio fazem parte medidas
destinadas
ao Ensino Superior, que devem englobar, entre outras: ações de formação para
estudantes,
técnicos, docentes e não docentes e recomendações para a inclusão das questões
do design
universal aplicado também a estas instituições de ensino.
Neste âmbito, Antunes e Faria (2013) salientam que cabe então a cada instituição
definir os
seus regulamentos internos. Com o intuito de facilitar este processo de inclusão
e definição de
linhas de atuação foi criado o Grupo de Trabalho para o Apoio a Estudantes com
Deficiência no
Ensino Superior (GTAEDES). O GTAEDES tem como propósito facilitar a troca de
experiências, o
desenvolvimento de iniciativas conjuntas e a racionalização de recursos, de modo
a
proporcionar um serviço de melhor qualidade a estudantes com deficiência
(GTAEDES, 2015).
Deste grupo fazem parte nove Universidades e dois Institutos Politécnicos, um
dos quais o
Instituto Politécnico de Leiria.
2.4 ESCOLA INCLUSIVA - UMA NECESSIDADE
A escola é um dos pilares fundamentais num caminho que garanta os direitos das
pessoas com
incapacidade, promovendo a equidade e a igualdade de oportunidades com os seus
pares. Não
apenas pelo ensino e aprendizagem de pessoas com deficiência, dotando-as de
competências
sociais, escolares, ocupacionais e profissionais, mas também pela interação
destas com os seus
pares, na abrangência e repercussão que essa interação terá na famílias e em
sentido mais
lato, na própria sociedade, tornando-a inclusiva.
A escola inclusiva é assim tida como o “lugar privilegiado da interação de
políticas, culturas e
práticas de aprendizagens significativas” para a aprendizagem de todos assente
no respeito
pela diversidade de cada um (Alves, Ribeiro & Simões, 2013, p.123). Para que a
escola inclusiva
funcione, a política de ensino deverá ser orientada para a aprendizagem de todos
os alunos
num sistema comum de ensino. Apesar da diversidade todos os alunos devem
aprender em
conjunto, devendo neste sentido ser assegurado pelas escolas adaptações de
currículos,
estratégias e a cooperação com a comunidade na educação de crianças, jovens e
adultos
(Costa, Leitão, Morgado & Pinto 2006; Mendes & Malheiro, 2012).
Em Portugal a legislação tem em consideração as diretrizes europeias e
internacionais, mas nas
palavras de Costa et al. (2006) a legislação não tem por si só habilidade para
garantir a
sustentabilidade das mudanças que se impõe no setor educativo, porém representa
um papel
de suma importância para o desempenho das orientações normativas e funcionamento
de um
sistema educativo que se pretende inclusivo. Para isso também contribui o INR
que se ocupa
de questões legislativas, direitos e apoios nacionais que poderão ser úteis a
estes alunos e
docentes. Segundo o INR (2014) tendo por base a legislação nacional, as escolas
incluem nos
seus projetos educativos adequações ao processo de ensino para crianças e jovens
com
deficiência ou necessidades educativas especiais, que se traduzem nas seguintes
medidas:
apoio pedagógico personalizado; adequações curriculares individuais; adequações
no processo
de matrícula; adequações no processo de avaliação; currículo específico
individual e
tecnologias de apoio.
Considerando o caso concreto de um aluno cego, a limitação do seu ensino a uma
escola
especial para cegos irá, de acordo com Dias (1995), privá-lo do convívio com os
seus pares,
avultando ainda mais as diferenças que se pretendem combater, condicionando
assim a sua
própria integração social e inclusiva. Note-se que a enorme diversidade que
carateriza uma
Escola Inclusiva é marcante não só para estes alunos mas também para a
comunidade onde
eles se inserem, ao permitir um desenvolvimento educativo e social de toda a
população
escolar (Mendonça, Miguel, Neves, Micaelo & Reino, 2008).
No caso concreto do Ensino Superior, Melo e Guedes (2012) alertam para o baixo
rendimento
dos estudantes cegos neste nível de ensino inseridos em turmas de estudantes
normovisuais,
sobretudo àqueles cuja deficiência é congénita e que não têm qualquer referência
anterior a
figuras/imagens que lhes sirvam de suporte visual. Segundo estes autores a
problemática da
ausência de input visual obriga a uma reeducação dos seus docentes com o intuito
de tentar
suprir estas limitações com materiais adequados.
A inclusão de alunos cegos em contexto de sala de aula acarreta por si só
dificuldades extras,
não apenas para estes indivíduos mas também para os docentes que devem lidar com
as
limitações visuais destes alunos, tentando tirar o maior partido das ferramentas
e curriculum
que dispõem para lhes comunicarem e transmitirem conhecimento.
Aliás, e apesar da responsabilidade institucional, indubitavelmente, grande
parte do trabalho
de inclusão recai sobre o docente. Assim, este deverá sentir-se envolvido na
preparação e
adequação de tarefas, que por um lado potencializem e por outro minimizem as
incapacidades
e diferenças entre os estudantes cegos e os seus pares e que intensifiquem a sua
autonomia e,
consequentemente, uma maior participação (Mendonça et al., 2008).
2.5 CASO CONCRETO DO INSTITUTO POLITÉCNICO DO LEIRIA
O Instituto Politécnico de Leiria (IPL) conta com mais de 30 anos de existência.
Atualmente,
conta com cinco unidades orgânicas: em Leiria com a Escola Superior de Educação
e Ciências
Sociais, a Escola Superior de Tecnologia e Gestão e a Escola Superior de Saúde;
nas Caldas da
Rainha com a Escola Superior de Artes e Design; e em Peniche com a Escola
Superior de
Turismo e Tecnologia do Mar. O IPL tem por missão difundir o conhecimento;
criar, transmitir
e disseminar a cultura, a ciência, a tecnologia e as artes; a investigação
orientada e o
desenvolvimento experimental, empenhado nas dinâmicas de desenvolvimento da
região de
Leiria e Oeste, com as quais procura estabelecer parcerias. A ESTG faz parte
integrante do IPL e
está vocacionada para os cursos de licenciatura, mestrado, pós-graduação e de
especialização
tecnológica nas áreas de engenharia, tecnologia, gestão, administração pública e
ciências (IPL,
2016).
À semelhança do panorama nacional também o IPL tem registado o ingresso de
estudantes
com NEE. No IPL o órgão que faz a transição entre o GTAEDES e o Instituto é o
SAPE, Serviço de
Apoio ao Estudante do IPL. O SAPE disponibiliza entre outros, serviços que
promovem a
inclusão e a igualdade de oportunidades para estudantes com NEE, dos quais fazem
parte
linhas gerais de orientação tanto para estudantes com NEE como para os docentes.
No caso
concreto dos estudantes cegos, das diretrizes fazem parte estratégias de
organização e gestão
da sala de aula e informações sobre como criar documentos acessíveis. Remete
ainda para a
consulta dos recursos disponíveis no Centro de Recursos para a Inclusão Digital
(CRID) (5) onde é
possível imprimir documentos em Braille e imagens/gráficos com relevo (SAPE,
2016).
O CRID dispõe de uma biblioteca adaptada, com vários materiais
lúdico-pedagógicos como
livros e jogos adaptados. Os materiais são construídos utilizando símbolos
pictográficos para a
comunicação (SPC) e/ou Braille (CRID, 2016). As Bibliotecas do IPL também
dispõem de
computadores equipados com leitor de ecrã (WindowsEyes) (6) sendo ainda possível
aceder à
Biblioteca Aberta do Ensino Superior (BAES) que disponibiliza cerca de 3000
títulos em Braille,
áudio e texto integral. A Unidade de Ensino à Distância (UED) promove também a
criação de
conteúdos acessíveis, através da criação de Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(AVAs) em
estruturas acessíveis e de multiformato. Similarmente, a Direção de Serviços
Informáticos (DSI)
aplica, sempre que possível, as normas de acessibilidade web W3C (7) e disponibiliza-se para a
instalação de leitores de ecrã e disponibilização de equipamento quando
necessário (SAPE,
2016).
Das diretrizes de apoio aos docentes que lecionam aulas a estudantes cegos fazem
parte
(SAPE, 2016) (ver Anexo 2):
-
ler em voz alta quando escrevem no quadro;
-
facultar informações verbais que permitam ao estudante aperceber-se de
acontecimentos
na sala de aula;
-
informar o estudante sempre que ocorram alterações na disposição da sala de
aula;
-
fornecer formatos alternativos do material impresso para a aula e dar ao
estudante tempo
necessário para os poder “ler”;
-
permitir a utilização de portáteis com auscultadores e tentar perceber junto
do aluno quais
as estratégias mais funcionais para a adaptação de materiais de estudo.
2.6 A IMPORTÂNCIA DOS OUTROS SENTIDOS NA SUBSTITUIÇÃO DA VISÃO
A visão permite-nos apreender uma variedade de informação de uma forma bastante
rica. Na
opinião de Mendonça et al. (2008, p.16) esse é o “canal privilegiado de acesso
ao mundo”
reforçado por Dias (1995, p.61) que afirma que 80% da informação que assimilamos
é
permitida pela visão e é esta que “integra, unifica, é veículo para a
compreensão da relação
causa-efeito.”
Na ausência da visão funcionam o tato e a audição. Quando ocorre a privação da
visão há uma
transferência natural para os outros sentidos em especial o auditivo e o tátil,
tornando-se
estes os principais recetores de informação e orientação e consequentemente os
canais
privilegiados de aprendizagem. Ainda assim, e apesar da interação fundamental do
tato e
audição, Dias (1995) defende que na ausência da visão a primazia atribui-se ao
tato, não
devendo, porém, ser menosprezada a importância da mediação verbal. O que é
corroborado
também por Mendonça et al. (2008, p.71) que, apesar de atestarem o papel
essencial da
audição para a transmissão de informações, sobretudo de índole descritiva,
destacam que é o
tato e a “percepção háptica (tacto activo)” que funcionam como um recetor
imediato, dado
que “só é tangível o que se toca”.
Apesar das limitações e dificuldades associadas à receção de informação apenas
através dos
outros sentidos sem o apoio da visão, vários são os exemplos de que estes
funcionam de
forma similar e de que as pessoas cegas conseguem perceber a informação do mesmo
modo
que os seus pares. Oliveira (2010) mostrou no seu estudo que, com recurso a
materiais
devidamente adaptados, as dificuldades apresentadas pelos deficientes visuais
são similares às
dos seus pares. Neste sentido, Moura e Lins (2012b) referem três aspetos
importantes a
considerar: a limitação de materiais de apoio, especificamente para o ensino de
conceitos
matemáticos adequados a cegos; o apurado desenvolvimento do sentido tátil destes
indivíduos e ainda que a falta de visão não inibe o sucesso da aprendizagem.
Para que o tato, pelas suas restrições preceptivas e menor riqueza na
assimilação de
informação, se transcreva em conhecimento para as pessoas cegas é fundamental,
de acordo
com Dias (1995) um contacto direto com o objeto que permita uma exploração ativa
como
mexer, tocar, apalpar. Para isso esta autora refere que lhes é exigido um
esforço mental
elaborado, muitas vezes longo e difícil, para o qual é necessário educação e
treino também dos
outros sentidos: audição, paladar e olfato. Assevera também, que mesmo apesar
das
limitações associadas a imagens que não podem ser observadas através do tato (ou
por serem
frágeis, perigosas, demasiado pequenas, ou demasiado grandes), cabe ainda assim
ao docente
estimular estes alunos de modo a proporcionar-lhe, sempre que possível,
experiências,
representações e oportunidades que promovam a sua curiosidade e incentivo, assim
como
permitir o evocar de uma representação mental de dados já conhecidos, por forma
a dar
significado à informação. O que para Mendonça et al. (2008, p.17) funciona como
o enriquecer
do “input sensorial”, de modo a criar significados e conceitos que facilitem ao
cérebro
informações não isoladas, mas que permitam a criação de uma ideia “do todo”.
São essas experiências e oportunidades, o mais diversificadas possível, que
tendem a eliminar
as barreiras pela falta de visão e que permitem não só a aprendizagem por parte
destes alunos
como também a própria inclusão em sala de aula. Neste sentido, e reforçando a
opinião de
Dias (1995) de uma aprendizagem conjunta e cooperativa destes indivíduos com os
seus pares,
Mendonça et al. (2008) referem a importância da adaptação do currículo, criando
melhores
oportunidades, permitidas por materiais pedagógicos adaptados de acesso à sua
participação,
através da criação de estratégias de substituição da informação visual por uma
informação
tátil e/ou auditiva.
2.7 BRAILLE - MEIO NATURAL DE LEITURA E ESCRITA PARA CEGOS
Assente no princípio de que é sobretudo através da observação pelo tato que o
aluno cego
adquire o conhecimento real dos objetos, a forma de leitura destes indivíduos
deverá ser
adaptada às suas limitações visuais e possibilitada pelo Sistema Braille, o qual
é perfeitamente
adequado à perceção táctil (Mendonça et al., 2008).
Na opinião de Dias (1995, p.8), o Sistema Braille é considerado o “mais
eficiente e útil meio de
leitura e escrita, até hoje inventado, para a pessoa privada de visão” o que é
atestado por
Mendonça et al. (2008, p.31) ao defenderem que este sistema permite que se
eliminem as
caraterísticas de um “alfabeto concebido para os olhos e inteiramente acomodado
aos
padrões da visão” o que o torna atual, bem-sucedido e eficaz junto dos cegos.
Estes autores
defendem no entanto que o sucesso da aprendizagem do Braille está
indubitavelmente ligado
à idade com que se inicia a sua aprendizagem, e que de acordo com estudos na
área a
aprendizagem após os 12/13 anos, poderá condicionar o seu ensino.
2.8 COMUNICAR MATEMÁTICA A ESTUDANTES CEGOS
A Matemática é uma das áreas que acompanha os estudantes não só durante grande
parte do
seu currículo académico, em áreas das ciências e tecnologias, mas também ao
longo da vida.
Assim, a aprendizagem dos conceitos matemáticos abordados a nível escolar é
fundamental,
não devendo nunca ser descurada. Esta ciência lida com objetos e relações
abstratas e
portanto faculta uma compreensão e representação do mundo ao funcionar como uma
ferramenta para solucionar problemas e controlar resultados limitando o acaso e
as incertezas
(Ponte et al., 2007).
O ingresso de um estudante cego num curso de Engenharia assume particular
importância pela
forte componente Matemática que lhe é caraterística, associada à insuficiente
preparação das
instituições no que respeita à inclusão destes alunos e subjacentemente dos seus
docentes.
Segundo Braz, Hermeto, e Libardi (2012, p.1) “o formalismo matemático nestas
áreas é muito
grande” onde a “compreensão dos conteúdos significa a compreensão da linguagem
simbólica
e matemática” e que para Mendonça et al. (2008) requer o apoio em representações
intrinsecamente ligadas à visualização.
Pela componente simbólica e gráfica presente na Matemática é normal que para os
docentes
destas áreas, ao lecionarem aulas a estudantes cegos, surjam dúvidas e
dificuldades e os seus
receios sejam tendencialmente empolados. Laplane e Batista (2008) questionam no
ensino de
estudantes com deficiência visual, qual o lugar dos recursos pedagógicos e dos
auxílios na sala
de aula e, ainda, como escolher o recurso indicado para cada situação. Dessa
forma Linares
(2013) advoga que um docente de matemática deverá possuir habilidades
suficientes para
perceber o pensamento matemático dos estudantes, de modo a que este se reverta
num fator
pertinente sobre o ensino da matemática. No caso de estudantes cegos a situação
agrava-se,
no entanto, é consensual a vários autores, dos quais destacamos Braz et al.
(2012), Dias
(1995), Dias (2012), Ferronato (2002), Mendonça et al. (2008) e Oliveira (2010)
que atestam
que a cegueira por si só não determina o nível de desenvolvimento das
aprendizagens.
Não especificando concretamente o caso de estudantes cegos, Ponte et al. (2007,
p.9)
defendem que na matemática “antes das representações simbólicas, muitas vezes é
apropriado usar representações icónicas.” O que para estes autores advém da
necessidade
que os alunos possam sentir para a interiorização de representações matemáticas,
as quais
deverão ser apoiadas pelos docentes numa posterior partilha e progressiva
reconversão em
linguagem matemática convencional.
Deste modo o docente tem um papel fundamental, pois deverá apoiar a prática dos
alunos na
motivação e realização de atividades e tarefas, representações, simulações de
situações reais,
sempre que possível, de modo a instruir conceitos matemáticos desenvolvendo a
sua
capacidade argumentativa e raciocínio crítico patente na discussão, investigação
e resolução
de problemas. Aliás para Ponte et al. (2007) associado ao raciocínio matemático
devem
também fazer parte outras capacidades cognitivas como a imaginação e a intuição,
o que é
ainda mais premente no caso de um estudante cego.
Para Flores e Moretti (2005, p.2) associada aos conceitos matemáticos está
muitas vezes
presente a “complexidade de leitura e de interpretação” que exige para além do
“empenho
cognitivo uma certa desenvoltura visual.” É essa desenvoltura visual que
Ferronato (2002)
carateriza como instigadora de problemas de compreensão nos deficientes visuais,
os quais se
agudizam, não só quando o conteúdo é teórico/abstrato mas em conteúdos que
exigem a
visualização para a sua perceção. Shute, Graf e Hansen (2006) também assumem a
dificuldade
de interpretação e representação acrescida para estes estudantes, sobretudo em
conteúdos
mais visuais como os gráficos e os mais abstratos como as expressões algébricas.
O National
Center For Blind Youth In Science (NCBYS) (2014) destaca que apesar do peso da
visualização
atribuído aos conceitos mais gráficos, o seu ensino não deve ser menosprezado
para um
estudante cego.
A matemática tem uma forte componente visual e muitas vezes usa representações
bastante
distintas, como tabelas, gráficos, representações geométricas, símbolos, figuras
entre outros.
Limitar essa complexidade, na opinião de Dias (1995), Dias (2012) e Mendonça et
al. (2008) é
possível pelo recurso a ajustes na forma como a informação é transmitida e
deverá ser
permitida pelo recurso a sistemas de apoio e analogias entre situações atuais e
passadas
dando conformidade à informação. Também Fernandes e Healy (2010) consideram
inegável
para a aprendizagem destes estudantes, a legitimação dos diálogos e das
ferramentas, não
apenas para atribuição de significado aos conceitos matemáticos, mas também para
a sua
compreensão, abstração e maturação, e que contribuem desta forma para a promoção
de um
ensino inclusivo.
2.9 PRODUTOS DE APOIO - UM ATENUAR DE BARREIRAS
Assente no paradigma biopsicossocial da OMS, de que a incapacidade pode advir do
próprio
meio ambiente, subentende-se que ao atenuarmos as limitações deste meio, através
por
exemplo da criação de contextos educacionais adaptados, também estamos a atenuar
as
próprias limitações das pessoas com deficiência. Uma das formas de atenuar as
limitações do
ambiente é sem dúvida o uso dos produtos de apoio, que de acordo com o
Decreto-Lei nº
9/2009 de 16 de abril, são qualquer produto, instrumento, equipamento ou sistema
técnico
usado por uma pessoa com deficiência, especialmente produzido ou disponível que
previne,
compensa, atenua ou neutraliza a limitação funcional ou de participação.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de janeiro, os apoios especializados
aos alunos
com NEE implicam mais do que medidas para os alunos, mudanças no contexto
escolar que
envolvem adaptações de estratégias, recursos, conteúdos, processos,
procedimentos e
instrumentos, bem como a utilização de tecnologias de apoio. Para Pretto (2002)
estas
ferramentas de apoio deverão ser impulsionadores que permitam ao docente e
comunidade
académica, a introdução de estimuladores de criatividade e elementos
construtores de
conhecimentos com capacidade para revolucionar o ambiente de aprendizagem e dar
lugar à
chamada Escola Inclusiva.
Com esse propósito Costa et al. (2006) defendem que deverão ser assegurados,
entre outros,
objetivos como: a garantia de uma educação que atinga simultaneamente os
princípios de
equidade e de qualidade; a envolvência, numa ótica dinâmica, dos docentes, dos
alunos, das
famílias e da comunidade social onde a escola se insere; para o que deverão
contribuir a
mobilização de recursos da escola e da comunidade; tal como deverão ser
asseguradas as
oportunidades oferecidas pelos diversos produtos de apoio.
Pelo âmbito alargado que comportam os produtos de apoio, ainda que algumas vezes
se
possam confundir, considera-se pertinente a sua subdivisão, nesta investigação,
em dois
grandes grupos: TIC e outros materiais manipuláveis possíveis para a área da
Matemática.
2.9.1 TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
Para Ribeiro (2014) às TIC estão associadas uma constante inovação e evolução
das soluções
tecnológicas existentes. Tendo por base o menor afastamento possível do
currículo defendido
por Mendonça et al. (2008) também Ribeiro (2014) contrapõe uma flexibilidade e
diferenciação curricular que formalize a integração das TIC no processo de
ensino e de
aprendizagem do aluno com NEE, o que permitirá desse modo a concretização de
estratégias
adjuvantes sem dissipar o currículo regular como referência.
Apesar de todas as vantagens das TIC, estas não são por si só suficientes para a
aprendizagem.
Segundo Mendonça et al. (2008, p. 45) “não se aprende a ler ouvindo, como não se
aprende a
escrever falando”. Da mesma forma estes autores defendem que para a aprendizagem
da
Matemática não basta ouvir é fundamental o contacto direto com os “diferentes
elementos
aritméticos, com os algarismos, com os sinais de operação ou de relação”, o que
só é possível
através do uso da escrita e leitura natural e que para os cegos é o Sistema
Braille.
De entre as adaptações fundamentais de materiais para alunos cegos, dependente
das
próprias escolas, inclui-se a transcrição dos manuais matemáticos para Braille.
O sistema
Braille adequa-se perfeitamente à leitura e à escrita, contudo na área da
matemática apesar
da existência de uma grafia matemática Braille, esta é ineficaz no caso dos
conteúdos
matemáticos visuais, dado que o processo de recolha de uma informação visual
pelo cérebro
sem o apoio da visão é muito complexo. A própria adaptação de manuais
matemáticos para
Braille não é tão simples como a adaptação de um livro de leitura. Está envolta
num processo
de produção bastante complexo e que gera um enorme entrave à produção integral
do
manual para Braille (Dias, 2012). Neste sentido Braz et al., (2012) aludem que a
existência de
livros didáticos em Braille é incipiente na área da matemática.
Mendonça et al. (2008) defendem que as TIC são uma ferramenta primordial para o
acesso
privilegiado à informação e à comunicação de pessoas cegas, destas sobressaem
entre outros
os computadores e os scanners, complementados por leitores de ecrã e linhas
Braille, as quais
permitem o acesso a um leque de conhecimento mais vasto e enriquecido, muitas
vezes
inexequível de outro modo.
Dos vários materiais de apoio Dias (2012) salienta o computador que assessorado
por uma
linha Braille funciona como uma excelente ferramenta de apoio e permite a
utilização de
algum software de apoio matemático já existente. A nível de softwares
matemáticos, a NCBYS
(2014) entre outros, refere como exemplos:
o MatLab (8),
o Maple (9),
o Mathtrax (10) e o
Mathematica (11),
acessíveis com leitura de ecrã e com a opção de adaptação em
Braille e em
relevo. Paralelamente e mais recentemente, Santos e Gonçalves (2015) destacam o
Multiplano
Virtual, a versão software do Multiplano tradicional (12), que permite utilizar as mesmas
ferramentas do multiplano pedagógico mas centralizado na vertente da perceção
auditiva.
Para além destes, Colpes e Laranja (2013) destacam uma variedade de equipamentos
adequados a pessoas cegas, contudo apontam-lhes algumas limitações na área da
Matemática,
nomeadamente:
Impressora Braille - permite a impressão de documentos em Braille mas torna-se
ineficaz
para o desenho perfeito de círculos e retas diagonais.
Displays Braille (ou Linhas Braille) - dispositivo que utiliza impulsos
elétricos ou magnéticos
e permite a projeção de carateres em relevo. Estes teclados transcrevem
informação
numérica e alfabética de aplicativos informáticos para uma linha em Braille, mas
com
limitações evidentes ao nível da informação matemática visual tais como
gráficos, tabelas,
símbolos e figuras.
Leitor de ecrã – permite ouvir o que é projetado no ecrã do computador, mas
com
limitações na leitura de gráficos, figuras, símbolos e tabelas.
Thermoforming - termocopiadora de alta temperatura com alta compressão a vácuo
que
permite a obtenção de relevo das imagens originais, mas que para além do elevado
custo
associado são pouco atraentes ao tato e deformam-se com alguma facilidade. (13)
Impressora de alto-relevo, sendo esta a base do estudo de Colpes e Laranja
(2013),
verificaram que através da criação de um protótipo deste equipamento
especialmente
vocacionado para desenhos gráficos e diagramas quando permitidos por um software
matemático adequado, poderá vir a ser um excelente potenciador da apreensão de
gráficos
matemáticos que possibilitem uma maior autonomia aos docentes e estudantes.
O suporte informático permite que se eliminem ou pelo menos se menorizem
problemas de
comunicação matemática patentes na escrita em papel, podendo reverter-se, assim,
num
poderoso meio intensificador do sucesso pessoal do deficiente visual, isto desde
que o
ambiente não seja excessivamente gráfico, situação em que os leitores de ecrã ou
linhas Braille
ou “ficam mudos” ou "lêem a informação ali presente de uma forma anárquica,
desordenada”
(Mendonça et al., 2008, p.43). Perante a presença de fórmulas, figuras ou
gráficos, Braz et al.
(2012) destacam a incapacidade dos leitores de ecrã para lerem todos os
gráficos, figuras ou
símbolos matemáticos. Estes autores reforçam, ainda assim, que esta situação
pode ser
minorada pelo uso da audiodescrição quando associada à utilização do Latex (14),
caraterizado
como um sistema fundamental na leitura de fórmulas matemáticas.
Refira-se, contudo, que, nem sempre o Braille ou a audiodescrição funcionam para
todos os
tipos de gráfico matemático, pelas dificuldades inerentes em descrever todos os
pontos de um
eixo ou de uma relação não linear. A leitura de um gráfico nestes casos
tornar-se-ia ainda mais
complexa e com um peso acrescido na sua interpretação, o que acarretaria maiores
dificuldades na coordenação mental e física entre o que se lê e o que se
pretende que se
apreenda. Assim, assume-se como relevante associar a impressão tátil de um
gráfico ao áudio,
de modo a se complementarem e facilitar a compreensão (Shute et al., 2006). No
entanto,
para que estes equipamentos funcionem corretamente nas áreas das ciências
exatas, como é o
caso da Matemática, a American Foundation for the Blind INC (2000) defende como
fundamental o ensino dos conceitos e técnicas assentes no treino de aptidões
necessárias ao
correto uso destas tecnologias.
2.9.2 OUTROS INSTRUMENTOS DE APOIO E MATERIAIS MANIPULÁVEIS
Na opinião de Dias (2012) as limitações dos estudantes cegos, começam logo pelo
facto da
identificação visual ser mais rápida que a tátil, contudo esta poderá ser
diluída pelo manusear
de materiais adaptados, permitindo que os estudantes cegos consigam interpretar
essa
informação mesmo que esta seja expressa em formatos diferentes. Aliás, segundo
Ponte et al.
(2007) o ensino da Matemática com o auxílio a recursos manipuláveis e
instrumentos de apoio
não se deve limitar a estudantes cegos mas antes abranger todos os estudantes
dada a sua
faculdade para um maior enraizamento dos conceitos matemáticos.
Como forma de garantir o enraizamento desses conceitos em estudantes cegos, Dias
(2012)
advoga a inegável importância da relação entre as representações mentais de
imagens e a
identificação de objetos do meio envolvente, vivências e conhecimentos passados
dos próprios
estudantes, destacando que as referências às representações gráficas deverão ser
acompanhadas por referências ao mundo real. Similarmente para Colpes e Laranja
(2013) a
utilização dos recursos digitais da área da Matemática fica algumas vezes
comprometida não
apenas pela falta de acessibilidade mas também pela necessidade de associação a
objetos
desconhecidos exigindo um esforço imaginativo muito elevado. São assim, os
“modelos do
meio envolvente” e o seu reconhecimento que na opinião de Dias (2012, p.59)
permitem a
formação de “modelos mentais de pensamento” que influenciam o raciocínio lógico.
Neste sentido Colpes e Laranja (2013) defendem para os estudantes cegos a
utilização de
materiais de apoio mais concretos, nomeadamente aqueles em que a apreensão da
informação seja permitida pelo tato. Aos materiais manipuláveis é atribuída uma
importância
poderosa para a transmissão de conceitos das áreas das ciências exatas, em
particular da
Matemática. Estes quando disponibilizados atempadamente, revertem-se no motor da
autonomia dos estudantes cegos e são estes que podem ou não limitar a sua
capacidade de
aprendizagem e não as suas capacidades cognitivas (Braz et al., 2012).
Alves e Morais (2006) acreditam que os materiais manipuláveis influenciam a
aprendizagem da
Matemática por parte de todos os estudantes devido à aproximação que permitem na
comunicação docente-estudante. Estes materiais transcrevem-se assim como um
facilitador da
aquisição e construção de conceitos matemáticos e um promotor do raciocínio
matemático
dos estudantes, pela aproximação matemática ao mundo que os rodeia. Além do
mais, estes
autores defendem que o uso de estratégias diversificadas promove o gosto pela
Matemática e
diminui o insucesso escolar nesta área, que é tão característico.
Dos materiais de apoio que permitem a abstração pelo tato estas autoras apontam
o Soroban
e o Geoplano, apesar de limitados a apenas alguns conteúdos matemáticos, e ainda
o
Multiplano. Quanto a este último, as autoras salientam uma maior abrangência de
aplicação,
incluindo conteúdos matemáticos do Ensino Superior. Destacam, contudo, a sua
limitação para
a aplicação a alguns tipos de exercícios, sobretudo na criação de formas
arredondadas
nomeadamente: círculos e parábolas. Referem ainda relatos que mencionam o seu
uso não
intuitivo, apesar de vir acompanhado por um manual de instruções.
O estudo de Colpes e Laranja (2013) foi realizado no universo brasileiro, no
panorama
português Dias (2012) afirma que ao contrário do Multiplano que não está ainda
muito
divulgado, os recursos mais usados na área da Matemática são os Blocos Lógicos,
o Cubarítmo,
o Tangram, o Soroban e o Geoplano.
A Matemática pelas características intrínsecas que possui, gera entraves de
aprendizagem a
quem é desprovido da visão. Pelo atrás exposto fica patente que com os recursos
materiais
devidamente adaptados, uma metodologia diferenciada em sala de aula e os devidos
ajustamentos ao currículo, é possível contribuir de modo significativo para a
eliminação de
barreiras, permitindo interrelacionar diferentes conceitos matemáticos abstratos
com objetos
reais aproximando assim os resultados e competências no raciocínio matemático
destes alunos
aos dos seus pares.
2.9.3 MULTIPLANO E A SUA APLICABILIDADE NO ENSINO SUPERIOR
Sendo os conceitos abstratos parte integrante da matemática, Duval (2011, p.1)
advoga que
“os objetos matemáticos são veiculados por meio de representações semióticas”.
Para Flores e
Moretti (2005, p.2) as representações semióticas, nesta área, têm um papel
fulcral, dada a não
acessibilidade dos objetos matemáticos através da perceção, pelo que “ensinar
Matemática,
sob o ponto de vista de Raymond Duval, é antes de tudo possibilitar o
desenvolvimento geral
das capacidades de raciocínio, de análise e de visualização”.
É nesta intenção de interpretar o que não se vê que a matemática adquire um
nível de
dificuldade acrescido para os estudantes cegos, assente na maioria das vezes
numa ausência
de sistemas de significação e representação de que se possam socorrer.
No ensino de um conteúdo matemático, nem sempre intuitivo e acessível na
perceção, é
frequente não se dar a devida importância às representações semióticas, quando
estas são a
forma de comunicar daquelas tornando-as “visíveis e acessíveis”, obrigando
muitas vezes a
associar aos jogos de lógica uma “construção extralógica” com recursos a “jogos
de linguagem
em contínua reformulação” (Thiel, 2012, p. 3).
Indo ao encontro dessa necessária reformulação, Moura e Lins (2012a) defendem
que o
docente tem um papel fundamental na busca pela inclusão e na adaptação dos
materiais
necessários para que a comunicação se estabeleça e as dificuldades se amenizem.
Para estes
autores, esta atitude implica aquando um enfoque mais centrado na visualização e
num ensino
cada vez mais dinâmico para este público permitido pela exploração tátil, de
modo a
desenvolverem conceitos e abstrações.
Tendo em conta os aspetos referidos acima, e na contextualização de respostas
desponta a
questão: Como adequa e lida um docente do Ensino Superior, com as dificuldades
acrescidas
do ensino da Matemática a um estudante cego?
Uma das soluções propostas para estes alunos na área da Matemática, tanto por
Ceolin,
Machado e Nehring (2009), Colpes e Laranja (2013) como por Melo e Guedes (2012)
é o
Multiplano, que foi desenvolvido pelo Professor Rubens Ferronato em 2000 na
Universidade
Pan-Americana da cidade de Cascavel, Paraná, Brasil. Este surgiu na tentativa de
suprir
necessidades educativas de estudantes com deficiência visual, nomeadamente com
auxílio na
construção e significação de vários conceitos matemáticos, permitindo assim a
integração
destes estudantes na sala de aula.
Ceolin et al. (2009, p.7) definem o Multiplano como uma “placa perfurada, onde
podem ser
encaixados rebites” de modo a trabalhar diferentes conceitos matemáticos com
alunos cegos,
de baixa visão e também normovisuais, revelando o seu caráter verdadeiramente
inclusivo
(Ver Apêndice 1). O Multiplano assume a reciprocidade comunicacional,
professor-aluno e
aluno-professor, sem a necessidade de conhecimento de sistema Braille,
funcionando como
um mediador das partes.
Na progressão da revisão de literatura emerge a questão: Neste mundo dominado
pelas
constantes evoluções de novas tecnologias será que um instrumento aparentemente
rudimentar ainda fará sentido, sobretudo ao nível do Ensino Superior?
Paralelamente e, como já foi anteriormente analisado, com o advento da era da
informação e
da informática, existem atualmente ferramentas que assumem um novo cariz e
potenciam a
criação de alternativas metodológicas de intervenção pedagógica para a inclusão
de pessoas
com deficiência visual, dentre as quais se encontram os leitores de ecrã com
síntese de voz,
assim como os próprios recursos que a internet apresenta (15) (Fontana & Nunes,
2006). Contudo
Colpes e Laranja (2013) alegam que nem sempre as tecnologias mais sofisticadas
são as mais
eficazes e/ou eficientes, e que excelentes resultados podem ser muitas vezes
obtidos por
métodos mais simples, convencionais e até artesanais.
De acordo com Ceolin et al. (2009), Ferronato (2002) e Melo e Guedes (2012) o
Multiplano é
adequado ao ensino universitário. Também, e neste nível de ensino, para Andrade
e Silva
(2013) o Multiplano configura-se como um elemento decisivo para o entendimento
de vários
conteúdos matemáticos, nomeadamente os de índole visual (16), ao possibilitar ao
estudante a
compreensão lógica associada e ao docente um excelente recurso na promoção do
ensino da
Matemática a deficientes visuais. Esta ferramenta surge como uma resposta
satisfatória, que
facilita a aquisição de diversos conceitos matemáticos e que permite que o
estudante “veja” os
modelos e as equações, trazendo para um meio palpável todas as figuras
geométricas, gráficos
e representações trigonométricas que, até então, não passavam de palavras para
estes
estudantes (Ceolin et al., 2009).
Em contexto de escola inclusiva, acontece que estes alunos frequentam as aulas
sem muitas
vezes fazerem parte do seu todo, adjacente à participação limitada a que possam
estar
sujeitos, sobretudo no caso da Matemática pelo paralelo com a visualização
imediata que
alguns conceitos exigem. Baseado nos anos de experiência e de estudos com
estudantes
cegos, Ferronato refere que estes veem mediante o que podem tocar. São as mãos,
conjuntamente com o apoio e dedicação do professor, acompanhado por palavras e
informações com sentido lógico para o estudante, que fomentam a associação do
conceito e
amenizam as dificuldades provenientes da limitação sensorial. É neste processo
do palpável
que se centra o principal apoio para as abstrações e se fomenta a possibilidade
de diferençar
objetos e formar ideia (Ferronato, 2002).
Este instrumento ao centrar a sua utilização no tato deve permitir que se afira
o que
Mendonça et al. (2008, p.31) defendem no uso do Braille: a diluição das
“diferenças
psicofisiológicas radicais” patentes entre a visão e o tato, na medida em que,
este último
através do funcionamento dos “recetores sensoriais tácteis” permite que se
verifique um
“efetivo reconhecimento dos objetos ou símbolos explorados”.
2.10 A ZDP NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA E A FUNÇÃO DO MULTIPLANO
COMO MEDIADOR
Alguns dos estudos analisados sobre a presente temática apoiam a sua
investigação nas
teorias defendidas por Vygotsky, nomeadamente a Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP).
Um desses exemplos é o estudo de Healy e Fernandes (2011) que defende que para a
apropriação das práticas matemáticas é essencial envolver a coordenação de fala,
objetos
materiais e atividades sensoriais de modo a permitir aceder à ZDP. Para Vygotsky
(1991) o
processo de desenvolvimento não coincide com o processo de aprendizagem (que
está na sua
origem) existindo antes uma dessintonia entre os dois que origina a chamada
“zona de
desenvolvimento proximal” (ZDP), que corresponde ao potencial do aprendiz onde
deverá
ocorrer a aprendizagem, permitida pela interação social dos indivíduos e objetos
que permitirá
a transição entre o conhecimento prévio do sujeito (conhecimento real) e o
conhecimento
potencial que o sujeito terá faculdade para aprender.
Os constructos de Vygotsky são ainda mais relevantes para esta investigação, uma
vez que
este autor já no seu tempo era apologista da educação inclusiva e da
acessibilidade para todos,
facultada pela lei da compensação, uma vez mais mediada social e culturalmente
pela
aplicação de instrumentos e signos que possibilitarão adaptação às condições do
meio e a
apropriação de conteúdos. São estas as limitações da aprendizagem de um
estudante cego e
não a sua limitação física (Sierra & Barroco, 2009).
Vygotsky atribuía um papel central aos instrumentos de natureza semiótica, dos
quais destaca
a fala (Healy & Fernandes, 2011). Neste sentido o papel do docente assume um
carater
fundamental para a promoção do diálogo e criação de situações onde o estudante
possa expor
os seus conhecimentos e/ou dúvidas, os quais deverão ser apoiados em registos e
observações
dos objetivos propostos e sua avaliação (Sierra & Barroco, 2009).
Para Cole e Wertsch (1996) a mediação é o fator fundamental na psicologia de
Vygotsky
também ela apoiada em artefactos criados social e culturalmente, os quais mais
do que
facilitadores de processos mentais permitem a sua transformação e reformulação,
é neste
sentido que nesta investigação se pretende analisar o Multiplano e a sua
eventual capacidade
mediadora.
CONCLUSÕES
A inclusão de estudantes com necessidades especiais no Ensino
Superior é um desafio, mormente enfatizado no ensino e aprendizagem da
Matemática a estudantes cegos dado o peso da linguagem simbólica e gráfica
presente em muitos dos seus conteúdos. Assim, através da triangulação de dados,
identificaram-se algumas das dificuldades sentidas, tanto pelos docentes do DMAT
da ESTG como pelos estudantes cegos, no processo ensino e de aprendizagem de
conteúdos matemáticos que requerem suporte visual para a sua perceção e que
assumem por isso uma dificuldade acrescida de representação e interpretação para
as partes envolvidas.
Os produtos de apoio tais como as TIC e outros
instrumentos de apoio e os materiais manipuláveis são de facto facilitadores da
aprendizagem, atenuantes de barreiras e por isso adjuvantes e promotores da
escola inclusiva. O seu devido aproveitamento dependerá em muito da formação e
qualificação que será dada aos docentes que interagem diretamente com estes
estudantes, por forma a dotá-los de competências tecnológicas e pedagógicas para
que possam otimizar a sua atuação. Um dos resultados desta investigação aponta
para a necessidade de maior formação por parte dos docentes, muitas vezes
descurada mas que deverá ser facultada, dado serem os docentes que assumem
indubitavelmente grande parte do trabalho de inclusão.
Verificou-se que o IPL
está desperto para as necessidades dos estudantes com NEE e tem enveredado
alguns esforços neste sentido. Contudo a congregação da Matemática e os
estudantes cegos encerram no seu conjunto condicionantes bastante peculiares,
que obrigam, mais do que a um investimento institucional, a um investimento
pessoal e uma grande dedicação por parte dos docentes, numa tentativa de suprir
as barreiras identificadas no processo de ensino e de aprendizagem. A formação
na área da Matemática por um lado deveria ser redobrada pela elevada componente
simbólica e gráfica que a carateriza e por outro poderá estar condicionada pela
sua particular especificidade aos próprios docentes. Reformulando, a formação
destes docentes acaba por se circunscrever muitas vezes a eles próprios pela
peculiaridade e especificidade das temáticas e conceitos abordados, que
limitarão a atuação dos técnicos ou serviços especializados na área da NEE e da
Inclusão que possam existir no IPL. 82
A negligência desta área no Ensino
Superior tal como a falta de formação dos seus docentes são uma restrição que
deve ser sanada. É crucial investir em modelos de formação que respondam às
verdadeiras necessidades e não a constatações hipotéticas frequentemente
desfasadas da realidade. A formação na área da Matemática deveria ser comportada
pela contratação de especialistas, mas eventualmente circunscrita por um lado
pela peculiaridade da temática e por outro pelos custos envolvidos. Contudo a
necessidade de encontrar soluções é imperativa, até como forma de rentabilização
das ferramentas e recursos disponíveis no IPL. Uma das soluções potencialmente
interessante para o DMAT e para o próprio IPL a curto prazo poderia passar pela
criação de um Fórum interno de partilhas. Nesse Fórum os docentes que passaram
por este processo e todos os interessados poderiam compartilhar experiências,
expor dúvidas, pedir e debater opiniões, partilhar informação e links de
pesquisas, etc. Da análise dos dados verifica-se que esta é já uma prática
quotidiana e informal entre colegas mas que poderia ser assessorada por uma
proatividade entre os serviços especializados do IPL como o CRID, UED, DSI, SAPE
ou até mesmo o DMAT de outras Unidades Orgânicas, onde a partilha e o
brainstorming poderiam não ser a solução ideal mas pelo menos um aliado
importante para a resolução de alguns constrangimentos. Uma interligação de
sectores e partilha de esforços conjuntos, não substituindo a necessária
formação, serviria sobretudo para reaproveitar e aprimorar empreendimentos
conjuntos rentabilizando os investimentos pessoais, a criatividade e dedicação
de cada um. No fundo poderia vir a servir como uma forma de reeducação como
alegam Silva e Sena (2010) ao permitir aceder a novos cenários onde estariam
espelhadas a subjetividade individual na transmissão de conhecimentos e padrões
de comportamento. Eventualmente, funcionaria como um pilar de apoio e orientação
de práticas para docentes que contactam ou irão contactar com estudantes com
estas NEE, ao permitir diluir o conjunto de medos que surgem com o desconhecido,
assentindo a possibilidade de responder de forma mais conscienciosa e segura às
exigências e solicitações que o ensino da Matemática a estudantes cegos requere.
Julga-se que o estudo aqui descrito atingiu os objetivos definidos pois
permitiu dar resposta à questão de investigação inicial. Foi passível a
verificação de vantagens e também algumas desvantagens na utilização da
ferramenta Multiplano, que ainda assim poderá ser mais uma alternativa para a
transmissão de conceitos matemáticos, a estudantes cegos, transversais aos
cursos de Engenharia do Ensino Superior Politécnico, o que poderá asseverar os
estudos de Andrade e Silva (2013), Colpes e Laranja (2013), Ceolin et al.
(2009), Ferronato (2002) e Melo e Guedes (2012).
A investigação patenteou que o Multiplano funciona para expor
conceitos matemáticos de índole mais gráfica e visual, que sem o auxílio desta
ferramenta não haviam sido concretizados pelas dificuldades inerentes ao
processo de transmissão de conteúdos visuais a quem é desprovido de visão.
Apesar das limitações identificadas, o Multiplano parece ter contribuído para
que os profissionais envolvidos se sentissem mais aptos na concretização prática
de esquemas gráficos até então impalpáveis visualmente. Também foi interessante
percecionar a opinião dos estudantes ao consideram o Multiplano como um
facilitador do trabalho do docente. O que poderá indiciar que, quando
devidamente explorado, poderá evitar ou pelo menos diminuir algumas supressões
de conteúdo dos programas. Contudo, também se diagnosticaram algumas
dificuldades. Verificou-se uma limitação ao nível da realização de exercícios,
pois exige maior manuseamento e um deslocamento constante de pinos e outros
componentes que não se fixam convenientemente na placa, o que condiciona a
aprendizagem a quem, para Mendonça et al. (2008) tem no toque o mais rápido
recetor de informação. Sobressai ainda com este estudo que a utilização do
Multiplano deverá ser acompanhada na maioria das vezes por mais
componentes/acessórios, outras ferramentas e instrumentos de apoio que lhe
diluam as limitações intrínsecas, tal como os instrumentos de natureza semiótica
como a fala e interação com o docente.
A alteração conjuntural interposta pela
presente investigação permitiu que se experimentassem novas metodologias no
ensino e aprendizagem de alguns conceitos matemáticos a estudantes cegos, a qual
se revelou benéfica para as partes envolvidas no estudo. Os resultados da
investigação apontam no sentido de ocorrer um desenvolvimento geral de
competências no âmbito da Matemática, nomeadamente a memorização, vinculação e a
facilitação na assimilação de conceitos. Contudo, a presente investigação
apresenta algumas limitações tais como: a necessidade de maior abrangência de
aplicação do Multiplano (aplicação a mais conceitos), a necessidade de uma
disponibilidade temporal mais alargada e de um maior período de experimentação.
Essas condições assentiriam uma maior precisão ao permitir perceber a
apropriação desta ferramenta para aceder à ZDP onde ocorrerá a aprendizagem, tal
como aconteceu com alguns conceitos da UC de Estatística.
Ciente das limitações
do presente estudo, ainda assim considera-se que este terá concretizado os
objetivos propostos e respondido à questão investigativa. Não olvidando as
dificuldades diagnosticadas considera-se que o estudo concedeu um avanço na área
sobre a qual se debruçou, apesar de desperto para a exiguidade deste avanço num
campo onde ainda muito há a fazer. Não obstante, julga-se que esta investigação
permite considerar o Multiplano como um mediador das partes e um facilitador
na transmissão de conhecimentos matemáticos a estudantes cegos no Ensino
Superior.
Este estudo terá sido um primeiro passo nesta área no Ensino Superior
português, onde apenas se entreabriu uma porta de vários caminhos a percorrer. A
peculiaridade do estudo induziu ao interesse do representante do Multiplano em
Portugal nos seus resultados, dispondo-se a analisá-los e eventualmente ajustar
o guia explicativo e trabalhar em conjunto com o DMAT da ESTG-IPL. Não sendo um
estudo estanque, seria interessante um maior aprofundamento e desenvolvimento,
onde a partir da presente investigação poderiam nascer novos desafios,
investigações e contribuições, com o propósito de intensificar o alcance deste
estudo e dar continuidade ao reforço das conclusões extraídas da análise dos
dados recolhidos. Seria pertinente a realização de novas experiências
abrangentes a mais participantes tais como outros estudantes cegos e também
estudantes com baixa visão, outros docentes e a mais instituições de Ensino
Superior, avalizando a extensão do conhecimento científico sobre esta
ferramenta.
Pelo exposto, seria interessante a análise sob outras perspetivas,
numa área onde tanto há a explorar, não apenas pelos olhos de novos
participantes mas também sob diferentes pontos de vista de outros
investigadores. Tentando novas visões de um mesmo problema numa procura de um
progresso de competências onde diferentes visões se cruzassem, mesmo aquelas a
quem os olhos teimam em estar cerrados.
FIM
NOTAS
-
1
Saint-Exupéry, A. (2006). O Principezinho. Lisboa:
Editorial Presença
-
2
Adamson, W. (2015). Imagination By Moonlight: Living
life boldly and successfully. CreateSpace
Independent Publishing Platform.
-
3 UC´s transversais aos cursos de licenciatura em
Engenharias do Ensino Superior Politécnico.
-
4 Incluindo o
uso de óculos ou lentes de contacto
-
5 Este centro tem
como missão promover a inclusão social da população com necessidades
educativas especiais através do recurso a ajudas técnicas/produtos de apoio
no âmbito da acessibilidade digital.
-
6 Leitor de ecrã usado por pessoas cegas e com baixa
visão profunda, que converte em voz todo o texto apresentado no computador.
(Acedido em março 20, 2016 em http://www.ataraxia.pt/wineye.php)
-
7 World Wide Web Consortium
-
-
9 Sistema de computação algébrica, numérica e gráfica, desenhado para uso
profissional na resolução de problemas
que exigem métodos matemáticos. Desenvolvido por Waterloo University Inc.,
Canadá, e pelo instituto ETH, de
Zurique, Suíça (https://www.ucb.br/sites/100/103/TCC/22005/VanessaMariani.pdf)
-
-
11 Ferramenta importante na ciência da computação e desenvolvimento de softwares,
cuja linguagem é amplamente
utilizada em ambientes de desenvolvimento de pesquisa, protótipos e interface(http://www.wolfram.com/company/mathematica-history.pt-br.html).
-
12 Analisado no ponto 2.9.3 abaixo e objeto central de estudo ao longo da
presente investigação.
-
13 Segundo indicação de profissionais da educação especial (Colpes & Laranja,
2013).
-
14 Composto por um “sistema tipográfico, bastante adequado para produzir
documentos científicos e matemáticos”
que permite reconhecer equações digitadas num texto através da leitura de ecrã
(Braz et al, 2012, p.4).
-
15 Quando às imagens e elementos gráficos estão associadas descrições textuais,
lidas pelo software.
-
16 Dos quais destacam o caso concreto das funções de derivadas, no âmbito de
Ensino Superior
"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam
sós.
Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."
(Antoine de SaintExupéry, 2006 (1))
ϟ
excerto de
Relatório de dissertação
de Carla João da Silva Costa
Mestrado em Comunicação Acessível
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS
INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA
Leiria, março 2016
Δ
5.Fev.2017
publicado
por
MJA
|