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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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Qualidade de Vida e Deficiência Visual

Sandra Rodrigues

Estremoz-O AmorECego-irmas Flores_Inacia&Perpetua Fonseca
O Amor é Cego - boneco de Estremoz da autoria das artesãs Irmãs Flores

 

A qualidade de vida tem sido objecto de estudo no âmbito da compreensão de muitas doenças crónicas (Ribeiro, 1994; 1997) e algumas incapacidades (Verdugo et al., 2000). Quando aplicada à deficiência visual, parece-nos uma área pouco estudada, embora já possamos encontrar alguns esforços de investigação nesta matéria. Antes de lhes fazer referência, vejamos três questões que são discutidas sobre a sua investigação.

A primeira que aqui apontamos é relativa à construção de instrumentos e diz respeito à adequação das questões em termos de patologias oculares, na medida em que estas são muito diferentes e, portanto, afectam as pessoas de forma diferenciada. Ao levantar esta questão, Ellwein (2001), considera que este argumento tem mérito, em princípio, mas que, através do trabalho com grupos de pacientes com diversas etiologias, foi possível verificar que estes falam de forma semelhante sobre os seus problemas. A partir daqui, o autor observa que o impacto das deficiências visuais na vida diária difere em padrão e magnitude com a severidade da doença e deficiência, mas as variáveis são as mesmas em todos os pacientes.

Uma segunda questão, ainda relativa à construção de instrumentos, é a de quem devem ser os consultados no processo do levantamento de domínios a incluir: os peritos ou os próprios indivíduos a investigar. Ellwein (2001) refere que a experiência com o 'Visual Function Questionnaire' (VFQ) mostrou que é de maior interesse a abordagem dos próprios pacientes do que a dos prestadores de cuidados de saúde, na medida em que a primeira opção possibilita precisamente o encontro de variáveis comuns em pessoas com patologias oculares diversas. Também no estudo de Frost, Sparrow, Durant, Donovan, Peters, e Brookes (1998) se decidiu que os domínios ou categorias de perguntas do questionário, cuja construção é apresentada mais à frente neste ponto, se deveriam basear no paciente e que deveriam ser evitadas as categorias científicas, que poderiam não ter significado para os próprios.

A terceira destas questões diz respeito aos componentes a incluir na qualidade de vida em relação à incapacidade e, neste caso, à deficiência visual. Apesar de ser sugerido que estes componentes são os mesmos para pessoas com e sem deficiência (Brown et al., 1996), deve aqui ser salientado que, durante muito tempo, a oportunidade de tomar decisões e de fazer opções, que é um aspecto fundamental da qualidade de vida, esteve vedada a estas pessoas (Verdugo et al., 2000). Assim, e pelo que já foi dito em capítulos anteriores, esta constatação pode ser aplicada às pessoas com deficiências visuais, devendo portanto ser tida em conta na investigação que vier a ser desenvolvida.

No tocante aos instrumentos disponíveis, Ellwein (2001) refere alguns instrumentos de qualidade de vida relacionada com a saúde que se relacionam especificamente com a visão: o VF-14 (Steinberg et al., 1994), o Activities of Daily Vision Scale (ADVS) (Mangione et al., 1992), e o Vision Activities Questionnaire (VAQ) (Sloane, Ball, Owsley, Bruni, & Roenker, 1992).

Para Ellwein (2001), o problema que se coloca quando se trata de comparar resultados reside precisamente no facto de serem muito diversos os instrumentos de medida, as amostras utilizadas, e as variáveis consideradas. Foi neste sentido que, segundo o mesmo autor, numa tentativa de unificação das medidas de qualidade de vida relacionadas com a visão, o National Eye Institute (NEI), com o apoio e colaboração de outras instituições, procurou desenvolver o VFQ (Mangione, Berry, Spritzer et al., 1998; Mangione, Lee, Pitts, et al., 1998). Como explica Ellwein (2001):

“O resultado deste esforço é um questionário de 25-itens, o NEI-VFQ-25, que leva aproximadamente 10 minutos para administrar. As sub escalas do VFQ incluem visão (visão geral, actividades de perto, actividades de longe, visão periférica, e visão de cor) e qualidade de vida específica da visão (funcionamento social, saúde mental, dependência, dificuldades de papel, condução, dor ocular, e saúde geral)” (p. 147).

Apresentamos, de seguida, três estudos que procuraram investigar a qualidade de vida em relação à deficiência visual. O primeiro deles refere-se à construção de um instrumento de avaliação, o segundo à comparação entre qualidade de vida e saúde percebida entre pessoas com e sem deficiência visual, e o terceiro procura estabelecer também esta avaliação e comparação e, em simultâneo, realizar um trabalho de adaptação e validação de instrumentos. Dada a riqueza e complexidade destes trabalhos, a sua apresentação aqui torna-se necessariamente sumária e redutora.


Estudo de Frost e colaboradores (1998)

Este estudo teve como objectivos definir a qualidade de vida relacionada com a visão e desenvolver um questionário “essencial” para a sua valorização.

O método utilizado desenvolveu-se nas seguintes fases:

  1. Geração de aspectos importantes de qualidade de vida (através de entrevistas individuais a 38 adultos com deficiências visuais, consultas com 37 profissionais e trabalhadores de apoio, e revisão da literatura).

  2. Processamento (conversão da lista de aspectos em perguntas, com 58 pacientes oftalmológicos).

  3. Provas prévias para questões de validade (com 184 sujeitos que apresentavam diversos graus de visão e patologias oculares).

  4. Selecção dos aspectos essenciais, através da adopção de uma estratégia modular.

  5. Estudo piloto para estabelecer a fiabilidade e validade do constructo, com 92 sujeitos.

Como resultado deste trabalho foram investigados mais de 200 itens, dos quais 139 foram considerados adequados para um grupo final de perguntas, que constituiu o questionário “pai” (o VQOL). A partir deste questionário, foram seleccionadas secções individuais ou grupos de secções (módulos), que deram origem às dez secções do questionário “essencial” (designado de VCM1): perturbação, cólera, depressão, solidão, medo da deterioração visual, segurança no lar, segurança no exterior, confrontação da vida diária, incapacidade para realizar as actividades preferidas, e interferência com a vida.

Os autores concluíram que:

1. Todo o problema relacionado com a visão, comunicado pela própria pessoa, pode ser considerado um aspecto de qualidade de vida.

2. A perspectiva modular adoptada oferece flexibilidade no estudo da qualidade de vida relacionada com a visão, permitindo a valorização de aspectos concretos e comparações entre grupos cruzados.

Como limitações deste trabalho, os autores apontam problemas de representatividade, a necessidade de um estudo intercultural que mostre a possibilidade da sua generalização entre culturas, o facto de não investigar aspectos concretos com detalhe, e o facto de estimar um grau de preocupação global relacionado com a deficiência visual, não determinando a causa dessa preocupação.

O trabalho destes investigadores espelha bem as dificuldades na construção de um questionário de qualidade de vida para pessoas com deficiências visuais e a necessidade de lhe dar continuidade.


Estudo de Alonso, Prieto, Ruigómez, e Antó (1993)

Esta investigação foi pensada para estudar a qualidade de vida e a saúde percebida numa amostra de cegos associados à Organización Nacional de Ciegos Españoles da cidade de Barcelona e para comparar o seu estado de saúde e a sua capacidade funcional com um grupo de controlo da população geral da mesma cidade. Foi questionado um total de 307 sujeitos (dos 360 que inicialmente compunham a amostra), utilizando-se três instrumentos de medida:

  •  O Perfil de Saúde de Nottingham (PSN)

Este é um instrumento de medida da qualidade de vida relacionada com a saúde, estruturado em 38 itens pertencentes a seis grandes dimensões da saúde: energia, sono, dor, reacções emocionais, isolamento social, e mobilidade física.

Tendo em conta a elevada validade e a fiabilidade do instrumento, a facilidade da sua administração, e o facto de ser um instrumento construído na Europa, a equipa decidiu realizar a sua adaptação ao castelhano (e ao catalão), bem como realizar diversos estudos para confirmar a sua validade.

  •  Questionário das Actividades da Vida Diária (AVD):

É um instrumento de avaliação da capacidade funcional, que consiste numa série de diversas actividades básicas e instrumentais que se realizam na vida quotidiana, e para as quais o sujeito deve indicar o grau de dificuldade na sua realização.

  •  Perguntas Gerais Sobre a Saúde e Sobre os Serviços de saúde

Estão incluídas perguntas das seguintes secções: saúde percebida, utilização de serviços de saúde, dados relacionados com a cegueira, e dados sociodemográficos.

São apontadas de seguida as conclusões formuladas pelos autores deste trabalho:

  1. A cegueira está associada a um nível de saúde percebida moderadamente baixo (fundamentalmente nas áreas da energia, sono, mobilidade física, e reacções emocionais) e a uma notável limitação na capacidade funcional para realizar as actividades da vida diária.

  2. A capacidade funcional e a saúde percebida estão mais afectadas nos mais velhos, nas mulheres, e naqueles sujeitos que têm percepções de luz e vultos. Os autores do estudo sugerem que nestes últimos, os resultados têm mais a ver com a duração da cegueira, o que supõe problemas de adaptação.

  3. A cegueira está associada a uma alta prevalência de doenças ou condições crónicas, tais como a artrose ou reumatismo, a diabetes, e a surdez.

  4. Comparativamente à população geral, verifica-se, no grupo dos cegos, indicadores de pior estado de saúde, sobretudo na capacidade funcional, sendo a mobilidade física, o nível de energia, e a integração social piores nas pessoas cegas. Estas apresentam mais problemas de isolamento social, e os problemas na limitação da sua autonomia surgem como os mais relevantes.

  5. As pessoas cegas utilizam mais os serviços de saúde, em virtude de um pior estado de saúde e de outras doenças associadas.

De acordo com Alonso e os seus colaboradores (1993), o impacto da cegueira na saúde e na capacidade funcional parece estar associada a uma maior co-morbilidade, bem como à duração da cegueira, e não tanto ao seu grau.

Para os seus autores, este estudo permitiu pela primeira vez descrever sistematicamente a saúde das pessoas cegas adultas, identificar subgrupos que requerem maior atenção de saúde e social, e utilizar os resultados na planificação e avaliação destes serviços para pessoas cegas.
 

Estudo de Verdugo e colaboradores (2000)

Esta investigação foi patrocinada pela Organización Nacional de Ciegos Españoles, e de acordo com os seus autores:

“Os objectivos da investigação desenvolvida foram conhecer o nível da qualidade de vida percebida pelas pessoas cegas e com deficiência visual, identificando variáveis demográficas, de condições de vida, pessoais, variáveis relacionadas com a incapacidade visual e de utilização de serviços e de ajudas técnicas, que influenciam esta percepção, assim como comparar esta qualidade de vida com a qualidade de vida de pessoas sem incapacidade” (Verdugo et al., 2000, p. 45).

O trabalho de investigação incidiu sobre a comunidade de Castela e Leão e foi composto por seis partes:
 

Estudo I – Adaptação do questionário de qualidade de vida de Schalock e Keith (1993);

Estudo II – Avaliação da qualidade de vida em pessoas com deficiência visual;

Estudo III – Análise de diferenças na qualidade de vida entre pessoas com deficiência visual e pessoas adultas sem incapacidade;

Estudo IV – Adaptação do questionário de qualidade de vida do estudante de Keith e Schalock (1995);

Estudo V – Avaliação da qualidade de vida de estudantes com deficiência visual;

Estudo VI – Análise de diferenças na qualidade de vida entre estudantes com deficiência visual e estudantes sem incapacidade.


No estudo III e VI foram analisadas: (a) diferenças entre sujeitos com deficiência visual e sujeitos sem incapacidade nas escalas de qualidade de vida, tendo-se em conta diferenças entre os grupos considerados globalmente e entre os grupos considerando a possível interacção de outras variáveis; (b) diferenças item a item, do questionário original em causa, entre sujeitos com deficiência visual e sujeitos sem incapacidade.

Os instrumentos a seguir indicados foram aplicados a uma amostra de 448 pessoas adultas e 531 estudantes sem incapacidade e a 364 pessoas adultas e 80 estudantes com deficiência visual:

  • O “Quality of Life Questionnaire” (QOL.Q) (Schalock & Keith, 1993) é um questionário com 40 itens que avaliam aspectos relacionados com a percepção subjectiva de qualidade de vida em quatro domínios: satisfação, competência/ produtividade, autodeterminação/ independência, e pertença social/ integração na comunidade.

  • O “Quality of Student Life Questionnaire” (QSL.Q) (Keith & Schalock, 1995) tem também 40 itens que avaliam a percepção subjectiva dos estudantes sobre as suas experiências de vida, em aspectos relacionados com a escola, o lar, a família, as amizades, e a satisfação pessoal. Possui quatro sub escalas: satisfação, bem-estar, pertença social, e autodeterminação/ controlo.

  • O “WHOQOL – Brief Questionnaire”, Versão de Barcelona (WHOQOL Group, 1995a, 1995b, 1996) avalia a percepção subjectiva das pessoas face a diferentes aspectos das suas vidas. Foi pensado para medir a qualidade de vida relacionada com a saúde e com os cuidados de saúde. Foi aplicado para servir de critério de validação aos questionários indicados anteriormente. Os domínios de qualidade de vida avaliados através deste instrumento são:

 

  1. Bem-estar físico (dor e desconforto, energia e fadiga, actividade sexual, sono e descanso, e funções sensoriais).

  2. Bem-estar psicológico (sentimentos positivos; pensamento, aprendizagem, memória e concentração; auto-estima; imagem corporal e aparência; e sentimentos negativos).

  3. Grau de independência (mobilidade, actividades da vida diária, dependência de medicamentos e atenção médica, dependência de substâncias não médicas, capacidade de comunicação, e capacidade de trabalho).

  4. Relações sociais (relações pessoais, apoio social, e actividades como ajuda/ apoio).

  5. Ambiente (liberdade, segurança física; ambiente familiar; satisfação com o trabalho; recursos financeiros; saúde e segurança social: acessibilidade e qualidade; oportunidades para adquirir nova informação e habilidades; participação e oportunidades de recreação/ actividades de lazer; ambiente físico; e transporte).

  6. Espiritualidade/ religião/ crenças pessoais.
     

  • Escala de Nottingham (de Allan G. Dodds, versão castelhana de Andrew Clark e Rafael Pallero), Sub escala de Aceitação pertencente à Escala de Ajustamento à Incapacidade.

A versão castelhana do instrumento está a ser adaptada à população espanhola. Esta sub escala foi utilizada para averiguar uma possível relação entre o grau de ajustamento e a percepção de qualidade de vida.

  • Um questionário, elaborado pela equipa de investigação, que recolhia informação sobre variáveis sociodemográficas que se supunham influenciar a qualidade de vida.


Vejamos, de forma sucinta, as conclusões deste estudo:

1. O processo de adaptação dos questionários originais terminou com a construção de dois novos questionários, que apresentam diferentes sub escalas e itens. O questionário de qualidade de vida fica composto por três escalas: satisfação, competência, e autodeterminação. O questionário de qualidade de vida para estudantes fica também composto por três escalas: satisfação, autodeterminação, e pertença social. Ambos apresentam propriedades psicométricas adequadas para a população espanhola com e sem deficiência visual, pelo que poderão ser de interesse e utilidade nos campos da saúde, serviços sociais, educativos, e laborais.

2. Comparando pessoas com e sem deficiência visual, existem diferenças significativas na percepção de qualidade de vida. Nos adultos, esta percepção varia em função do sexo, idade, residência, estado civil, situação laboral, formação, saber ler e escrever, rendimentos económicos, estado de saúde, e utilização de medicação continuada.

3. Foram encontradas diferenças significativas, a favor das pessoas sem incapacidade, nas escalas de satisfação e autodeterminação, ainda que na variável competência as pessoas com deficiência visual com emprego sejam as que obtêm melhores pontuações.

4. Nos estudantes com deficiência visual existem diferenças significativas em função da idade, domicílio, nível educativo, e situação económica.

5. Comparativamente aos estudantes sem incapacidade, os estudantes com deficiência visual encontram-se mais satisfeitos, mas com níveis de autodeterminação mais baixos, não existindo diferenças quanto à pertença social.

6. Finalmente, os autores salientam que as pessoas que apresentam outras deficiências associadas à deficiência visual, as mulheres, e as pessoas com mais de 50 anos são subgrupos das pessoas com deficiência visual que requerem uma atenção específica para melhorar as suas percepções mais negativas de qualidade de vida – através do estudo das suas necessidades e problemas, com recurso a estudos qualitativos, e através do desenvolvimento de políticas e de programas que equiparem as suas oportunidades.

À semelhança do que se verificou no estudo anterior, algumas das pessoas com outras deficiências associadas à visual ficaram impedidas de participar no estudo. Além da sua participação poder provocar variação em ambos os resultados obtidos, as suas dificuldades alertam para a necessidade de serem tidas em consideração aquando da planificação de serviços.

Em nosso entender, estes trabalhos trazem contributos importantes ao estudo da qualidade de vida em relação à deficiência visual, por deixarem algumas informações que poderão ser úteis nos serviços disponibilizados a estas populações, mas mostram bem a necessidade de se dar continuidade à investigação nesta área.


Qualidade de Vida e Reabilitação

A qualidade de vida tem sido vista como uma importante meta da reabilitação, e tem sido salientado o interesse de a ter em conta na avaliação dos resultados da reabilitação em geral (Renwick & Friefeld, 1996; Tam, 1998; eWood-Dauphinee & Kuchler, 1992) e da reabilitação das pessoas com deficiências visuais em particular (Lund & Dietrichson, 2001; Verdugo et al., 2000). No entanto, são ainda escassos os estudos que avaliam a qualidade de vida como resultado desse processo (Wood-Dauphinee & Kuchler, 1992).

A propósito da avaliação da qualidade de vida em programas de reabilitação, Fabián (1991, in Verdugo et al., 2000) encontrou o emprego de três tipos de perspectivas nesta medição: da satisfação dos utentes, do seu funcionamento adaptativo, e dos indicadores sociais.

Na área da deficiência visual, Lund e Dietrichson (2001) observaram que a maior parte das avaliações feitas sobre os programas da reabilitação se centravam em ganhos funcionais, o que nem sempre é sinónimo de satisfação dos sujeitos face a esses ganhos, nem de um aumento da sua qualidade de vida. Os autores usam como exemplo o facto de um melhor desempenho na leitura nem sempre significar que esta actividade tem grande importância para os sujeitos.

Se a independência funcional for considerada apenas como forma de medir os resultados da reabilitação, a importância dos sentimentos subjectivos dos utentes está a ser negligenciada. Além disso, mais do que avaliar o grau de independência conseguido, é importante avaliar se este processo auxilia o indivíduo na concretização dos seus planos de vida (Tam, 1998). A esta ideia está subjacente outra que anteriormente referimos, ou seja, a forma como os sujeitos sentem que controlam as suas circunstâncias de vida e os seus destinos, que interfere na sua percepção pessoal de qualidade de vida (Falvo, 1991).

Tendo em atenção estes aspectos, Lund e Dietrichson (2001) apresentam um modelo de avaliação dos resultados da reabilitação para pessoas com deficiências visuais, que inclui: a) uma avaliação da capacidade da pessoa para atingir determinadas competências; b) uma avaliação da importância dessas competências em áreas concretas; c) a forma como o alcance das competências pode influenciar a experiência de uma qualidade de vida mais elevada. A finalidade deste projecto foi, para os autores, criar um instrumento que contribua para o estabelecimento de planos de reabilitação individualizados e que possa ser utilizado para garantir a qualidade das intervenções. Ao mesmo tempo é enfatizado o contributo dos sujeitos, enquanto membros activos e responsáveis no seu processo de reabilitação.

Para conseguir esta avaliação, os autores criaram o Perfil de Satisfação da Habilidade Visual (Visual Ability Satisfaction Profile, VASP). Além de uma parte geral dedicada à qualidade de vida, o instrumento abrange três áreas: actividades da vida diária, actividades de lazer, e actividades laborais ou escolares. Resta-nos aguardar que alguns estudos nos forneçam feedback sobre a utilidade deste e de outros instrumentos que entretanto estejam a ser concebidos.

Wood-Dauphinee e Kuchler (1992) levantam uma questão que nos parece importante e que diz respeito à forma como é possível avaliar os resultados da reabilitação na qualidade de vida, tendo em conta que muitas são as dimensões e os domínios abrangidos por este processo. É assim que os autores consideram que o modelo multidimensional que apresentam, e que gira em torno de três dimensões (a de referência, a da experiência, e a de tempo), pode servir como uma base de orientação e discussão, mas não como uma medida directa que seria útil na pesquisa de reabilitação. A razão apontada para esta consideração refere-se precisamente ao facto de os seus conteúdos serem extremamente diversos e de ser difícil conceber um único programa de reabilitação que pudesse influenciar todos estes componentes de qualidade de vida. Os autores alertam ainda para o facto de as medidas de avaliação deverem ser sensíveis às intervenções realizadas.

Considerando a amplitude que os programas de reabilitação para pessoas com deficiências visuais pode alcançar, esta questão torna-se pertinente para a reflexão deste assunto.

Finalmente, resta-nos salientar a importância da melhoria da qualidade de vida que, a par da redução dos custos de cuidados de saúde, é uma medida de promoção da reabilitação da visão reduzida (Ellwein, 2001), e, acreditamos nós, da deficiência visual em geral, que interessa aos políticos e aos pagadores de cuidados de saúde. Para tal, não importam apenas os resultados de medidas clínicas, mas também as percepções dos pacientes (Ellwein, 2001). Daqui será fácil concluir que a construção e a utilização de instrumentos de avaliação da qualidade de vida em relação à deficiência visual, que mostrem os resultados dos programas de reabilitação, possam ser importantes meios para se promoverem os serviços de reabilitação e mesmo a disponibilização de ajudas técnicas.

FIM

 


Qualidade de Vida e Deficiência Visual
Cap 6.2 | excerto da obra:
A Experiência da perda da visão, a vivência de um processo de reabilitação, e as percepções sobre a qualidade de vida
autora: Sandra Maria Ferreira Estêvão Rodrigues
Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre no âmbito do Mestrado em Psicologia da Saúde
Instituto de Educação e Psicologia
Universidade do Minho
Maio 2004

 

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3.Jan.2020
Maria José Alegre