Perda da Visão e Enfrentamento: Um Estudo sobre os Aspectos Psicológicos da Deficiência Visual AdquiridaJurema Dourado & Luize Costa
1. INTRODUÇÃOA perda da visão é um assunto pouco discutido no meio acadêmico e também são poucas as pessoas que falam sobre ela. Foi construído com a finalidade de contribuir tanto no aspecto científico, através da ampliação de referências bibliográficas acerca do tema; assim como, no aspecto sócio-profissional, possibilitando a melhoria da qualidade de vida do deficiente e aprimorando os conhecimentos dos profissionais, prestando um atendimento psicológico de excelência a essa clientela.Este projeto surgiu a partir de uma inquietação em compreender o processo pelo qual um indivíduo passa ao se deparar com a perda da visão, despertando assim, o interesse em verificar como este ser, antes inserido na sociedade, sofreu esta situação, como ele lidou com ela e se conseguiu se inserir novamente na mesma.A partir de estudos sobre a perda da visão e suas repercussões psicológicas percebemos que uma série de fenômenos e modificações passa a afligir a essência física e psíquica do indivíduo, mudando completamente a sua forma de “ver”, sentir e viver a vida.O indivíduo cego possui uma deficiência sensorial que pode ter nascido com ele, assim como ter sido adquirida através de algum evento de sua vida ou, ainda, a partir de uma doença. A perda da visão adquirida pode ser entendida como a falta efetiva do sentido, fazendo com que o indivíduo afetado se depare com uma nova situação, desenvolvendo mecanismos e recursos para se adaptar a esta realidade. Dentro dessa nova realidade, o individuo acometido pela cegueira, que antes era vidente 1 , passa por processos e modificações atribuindo uma nova configuração à forma de se ver enquanto deficiente, ocasionando em uma reestruturação da identidade. As estratégias de enfrentamento podem reduzir as condições ambientais desfavoráveis e aumentar as possibilidades de recuperação, possibilitando ao sujeito a tolerância ou adaptação a eventos negativos. As estratégias de enfrentamento podem ainda conservar uma auto-imagem positiva diante da adversidade, mantendo o equilíbrio emocional e um relacionamento satisfatório com as pessoas. Em resumo, as estratégias de enfrentamento têm o objetivo de manter o bem-estar, buscando amenizar os efeitos de situações estressantes.A partir do que foi exposto, buscaremos compreender como é o cotidiano da pessoa cega, quais as repercussões psicológicas mais freqüentes produzidas pela perda da visão, quais e como são desenvolvidas as suas estratégias de enfrentamento para se adaptarem as mais diversas circunstâncias, e, além disso, a partir da reorganização da sua identidade, como se deu sua (nova) inserção na sociedade.O objetivo desta pesquisa é, portanto, identificar e analisar as formas de enfrentamento psicológico em indivíduos que perderam a visão e como eles se percebem individualmente e na sociedade. Para isso, realizamos uma pesquisa qualitativa com dois sujeitos que freqüentam a Associação Baiana de Cegos. Acreditamos que embora o número de sujeitos não seja quantitativamente significativo seus relatos expressam as formas de enfrentamento organizadas por eles, neste sentido utilizaremos estes sujeitos como referência de análise. Os dados levantados foram analisados a partir das referências teóricas sobre a deficiência e cegueira a partir dos autores Amiralian (1986) e Amaral (1995). Sobre a construção da identidade utilizamos novamente Amaral (op. cit), Silva (2000). e Hall (2003). Já nos modos de enfrentamento utilizamos Kubler-Ross (1969, apud BECKER, 1997) A identidade é a consciência do que o sujeito é para si e tem uma relação clara com a sociedade em que vive, com a sua cultura e com o que ele apreende nela, é a demarcação de um “limite” entre o “eu” e o “eles”. A identidade enquanto condição pessoal se constrói nas relações sociais que estão impregnadas de normas e conceitos. Acreditamos que, na medida em que o indivíduo desenvolve formas de enfrentamento eficientes, terá melhores condições de adaptação pessoal e social.Seria de extrema importância que houvesse uma organização em todos os setores da sociedade, para auxiliar na transformação desta, tornando a sua estrutura mais igualitária e humana para todos os indivíduos, deficientes ou não. Essa organização influenciaria de forma primordial pré-conceitos sociais que estivessem também atingindo a identidade do sujeito enquanto indivíduo, de certa maneira, excluído da sociedade.2. A DEFICIÊNCIA VISUALO indivíduo cego possui uma deficiência sensorial que pode ter nascido com ele ou ter sido adquirida. Esta deficiência pode ser provocada devido a alguma enfermidade que afeta a retina, ou ainda, quando ocorre algum fato inesperado em sua vida, como acidentes domésticos, automobilísticos e outras situações. Existem outras ocasiões onde possa haver alterações da retina e estas se referem ao desgaste natural da retina óptica.Segundo Santos (2004) a Organização Mundial de Saúde - OMS em 2001 caracterizou a cegueira como uma redução ou perda total da capacidade visual após a melhor correção óptica possível acarretando em um prejuízo na coleta de informações. Segundo José e Oliveira (1997, apud SANTOS, 2004) os olhos são os sentidos que mais captam as informações do mundo, estas informações se totalizam em 80% o que representa a ampla utilização dos olhos para entender, compreender e interpretar o mundo. Os olhos quando estão dentro de sua condição saudável funcionam enviando para o córtex visual uma “interpretação” do objeto observado que é devolvida a retina óptica como imagem, porém, para que isso ocorra, é necessário que haja uma condição física básica de funcionamento.Segundo Rocha (2000, apud SANTOS, 2004), a deficiência visual pode ser congênita ou adquirida. A deficiência congênita nasce com o sujeito e pode se agravar com o passar dos anos resultando em uma baixa visão ou perda. As principais causas são: atrofia ótica, catarata congênita, coreoretinite macular, fibroplasia retrolental, glaucoma e retinose pigmentar. Já a cegueira adquirida ocorre através de um acidente ou através de doenças.Santos (op. cit) afirma que ao decorrer de nossas vidas, os olhos sofrem modificações, mas é a partir dos 40 anos de idade que estas modificações afetam diretamente o funcionamento dos olhos, danificando a sua estrutura. Segundo Berezinski (2004), apesar de os recursos médicos existentes para evitar ou desacelerar a cegueira, muitas pessoas ficam cegas por doença, acidente ou velhice. E para uma pessoa vidente, a perda desse sentido é muito dolorosa.É sobre a deficiência adquirida que iremos tratar. É aquela que surge através de situações adversas, através de acidentes, doenças ou decorrente do avanço da idade e que provoca um desequilíbrio no sujeito antes completo em seu corpo físico, como afirma Korács:“as deficiências adquiridas estão ligadas à perda ou deterioração de uma parte do organismo e daí podem ser associadas com uma vivência de morte em vida” (KORÁCS, 1997, pg 96).2.1 A DEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E A REORGANIZAÇÃO DA IDENTIDADEA identidade é um conceito que se altera em cada época da história. O momento do renascimento promoveu um modelo de identidade que colocou o homem como protagonista de sua história, um sujeito racional, dono de si mesmo. Nesta concepção o sujeito era um ser estático que tinha uma única identidade durante toda a sua existência.A noção de sujeito se transformou porque se constatou que o indivíduo é formado nas relações sociais, um ser que apesar de ser protagonista de sua história não é auto-suficiente e que dependia da interação com o ambiente para se tornar um indivíduo. O indivíduo aprende com o meio e se modifica nesta relação durante toda a sua vida. Está compreensão provoca uma alteração significativa na compreensão da formação da identidade, da diferença, que passam a serem entendidas como conceitos em relação, fazendo parte de uma totalidade histórica e social.As mudanças sócias, políticas, econômicas e sociais vão se utilizar dos conhecimentos já adquiridos sobre a formação da identidade do sujeito a fim de criar um novo modelo de identidade possibilitando a emergência de novas concepções. Neste sentido, há uma ampliação da forma de se pensar o homem. Atualmente, autores como Silva (2000) e Hall (2003) defendem a idéia pós-moderna na qual o sujeito não tem uma identidade e sim várias, algumas vezes contraditórias que mudam de acordo com o ambiente em que ele se encontra.De acordo com Hall:“O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas”. (HALL, 2003, pg.13).A identidade é a consciência do que o sujeito é para si e tem uma relação clara com a sociedade em que vive, com a sua cultura e com o que ele apreende nela, é a demarcação de um “limite” entre o “eu” e o “eles”. A identidade enquanto condição pessoal se constrói nas relações sociais que estão impregnadas de normas e conceitos.A identidade só se constitui na diferença, na oposição, na diferença do que não se é para o que outros são, e tanto a semelhança quanto a diferença são construtos sociais que fazem parte de uma identidade coletiva, como afirma Silva:Quando digo “sou brasileiro” parece que estou fazendo referência a uma identidade que se esgota em si mesma. “Sou brasileira”- ponto. Entretanto, eu só preciso fazer essa afirmação porque existem outros seres humanos que não são brasileiros (SILVA, 2005, pg. 75).Assim, tanto a identidade quanto a diferença depende uma da outra para a sua existência e, portanto são inseparáveis.Segundo Hall (op. cit.) a identidade não é fixa, estagnada, permanente, homogênea, acabada, é sim uma construção de referências negociadas entre o privado e o público, entre o que penso e o que “eles” pensam, entre o que quero e o que “eles” querem de mim.A identidade coletiva se refere ao que a maioria assume como o “correto”, como o que pertence à esfera social. Essa relação entre o que deve pertencer ao modelo social ou não está ligada às organizações sociais e ao poder destas, de forma tal que aquilo que é ditado como o que é normal está diretamente ligado à visibilidade de quem o define, ao seu poder social.Logo, ser deficiente em uma sociedade hierarquizada significa estar incluso em um sistema que não o engloba plenamente, que procura manter em seu discurso traços do que foi, de suas crenças e tradições que nem sempre pertencem mais aos anseios sociais. Nesse sentido, afirma Hall:Anthony Giddens argumenta que: nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contem e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais por sua vez, são estruturados por praticas sociais recorrentes (HALL, 2003, pg.15).A identidade só se torna uma questão quando está em crise com o modelo real, e é apenas nesta configuração que são possíveis as transformações, pois, só se muda algo se este algo perturba alguém. Logo, é possível para os deficientes que não se estagnam neste lugar de inválidos uma transformação, mesmo que pequena, neste modelo social, conscientizando as pessoas de sua capacidade e eficiência para o sistema.A diferença se configura na sociedade atingindo a todos e ao passar de um extremo para o outro, de um “normal” para um sujeito “fora da normalidade”, este sujeito deverá resignificar os seus pré-conceitos internos sobre as suas crenças pessoas para melhor aceitar está nova condição. Assim, a estratégia social mais adequada seria já de cedo, nas escolas, difundir idéias de que os indivíduos com deficiência são partes integrantes da sociedade e que as tradições que atuam segregando ainda mais estas pessoas devem ser inutilizadas e substituídas por outras onde o indivíduo com deficiência e os “normais” possam se aceitar com as suas limitações que são próprias de nossa condição humana.2.2 A PERDA DA VISÃO ENQUANTO FENÔMENO SOCIALAlém de todo o processo de luto, de enfrentamento e reabilitação sofridos pelo indivíduo cego, existem outras barreiras a serem quebradas: o preconceito e a exclusão social.De acordo com Silva: “os preconceitos e conceitos equivocados são os grandes responsáveis pela marginalização de muitos e por um processo tendencioso de inclusão, enquanto não levando em devida consideração às circunstâncias e necessidades objetivas dos indivíduos em apreço.” (SILVA, 2004, p. 01) Para Amiralian (1986), o indivíduo considerado desviante tem sido encarado como uma pessoa que possui uma série de características intrínsecas, não saudáveis, diagnosticadas a partir de uma perspectiva médica ou psicológica, preocupada em distinguir o “sadio” do “não sadio”. Assim, o mal estaria localizado no indivíduo, e geralmente considerado como um fenômeno endógeno ou hereditário. E que a maior dificuldade para o estudo do comportamento humano é, sem dúvida, uma visão estanque e fracionada, que transforma a realização individual em algo independente da sociedade e da cultura e conduz a uma visão deformada da atividade humana.Segundo Amaral (1995), há muito tempo atrás à cegueira era considerada como uma punição divina, por exemplo, na cultura grega, a cegueira era considerada como uma punição dos pecados, pois cometeu um crime evocando a ira divina, só podendo ser revertida caso Deus perdoasse. Já nos tempos bíblicos os cegos eram forçados a serem mendigos ou algo pior vivendo uma existência de dificuldades e pobreza.Não podemos deixar de ressaltar, que embora alguns estigmas da cegueira mencionados acima façam parte do passado, sabemos que também na sociedade contemporânea, as pessoas cegas são evitadas, ignoradas ou super protegidas.É importante ressaltar que, no que diz respeito à segregação ou discriminação, esta é caracterizada por atitudes que podem ter várias explicações; uma delas é que o indivíduo deficiente, pela sua própria condição, constitui uma ameaça às normas e valores estabelecidos, e por este motivo os indivíduos comuns não sabem como se relacionar com o sujeito cego, paraplégico, surdo. E dentro desse contexto, as relações sociais com esses indivíduos são freqüentemente carregadas de ansiedade, embaraço e desconforto.Estes sentimentos causam, no indivíduo cego, dificuldades no estabelecimento de relações interpessoais, além de proporcionarem mecanismos para procurar minimizar estas dificuldades. Por esta razão, com freqüência encontram-se nestas pessoas, atitudes de negação da própria incapacidade, com intuito de impedir estas discriminações, esta rejeição social. Ao longo desse trabalho abordaremos as reações mais freqüentes enfrentadas por esses indivíduos. No que se diz respeito em um grau mais acentuado, esta discriminação se transforma numa real segregação ou isolamento, seja no grupo primário, a família, seja na escola, classe, em atividades sociais e profissionais. Esta atitude é apoiada pelo pressuposto de que os indivíduos divergentes não se beneficiam das pessoas e por esta razão necessitam de local específico e protegido.Amiralian (op.cit.) afirma ainda em seu trabalho que para muitas pessoas, o contato com uma pessoa com deficiência constitui uma situação ambígua, e como dissemos, até uma experiência ameaçadora. Esta preocupação das pessoas comuns, sobre como tratá-los, se deve ou não ajudá-lo, enfim, sobre como agir com o indivíduo percebido como diferente é sentida pelo sujeito como uma atitude altamente discriminadora e rejeitadora.Um dos fatores que mais afeta o sujeito acometido por algum tipo de deficiência é a rotulagem verbal, que se constitui em um hábito generalizado e utilizado freqüentemente em situações sociais, e serve como proteção para o observador contra erros eventuais na interrelação pessoal. Sendo assim, o grande problema da rotulagem é a generalização excessiva.Nela, os indivíduos perdem a sua identidade pessoal, e só são reconhecidos pelo rótulo verbal que lhes foi colocado. Amiralian (op. cit.) exemplifica em seu trabalho uma situação em que João, um jovem que cursa 3ª série do 2º grau, é alto, alegre, dinâmico e tem uma deficiência visual grave, passa a ser simplesmente “o ceguinho”, e todas as suas outras características pessoais passam a serem secundária.Wrigeth (1960, apud AMIRALIAN, op. cit.) denominou esta generalização de “efeito de difusão” isto é, o rótulo “cego” compõe toda personalidade do sujeito, partindo-se do princípio de que ele é diferente das pessoas normais em todos os aspectos, independentemente da incapacidade específica diagnosticada. Sendo assim, esses aspectos estarão influenciando diretamente na construção da identidade desses indivíduos. Também é relevante destacarmos o que se diz respeito à inferioridade, pois se relaciona a uma determinada situação, e uma incapacidade torna-se uma inferioridade quando o individuo dela portador é percebido pelo grupo cultural e por si mesma como menos capaz e menos adequado.Scott (1969, apud AMIRALIAN, op. cit.) faz uma interessante análise do papel das instituições e dos “profissionais da cegueira” na socialização dos comportamentos e atitudes dos sujeitos cegos. Segundo ele, muitas atividades, denominadas reabilitadoras, são realmente, procedimentos de socialização. Pode-se argumentar que nada há intensamente na cegueira que leve a um comportamento de docilidade e dependência. A cegueira é, portanto, um papel social aprendido, “o cego se faz”. Fatores sociais, que englobam a família, a comunidade, as instituições de reabilitação, o ambiente físico e a sociedade, estarão contribuindo fundamentalmente na construção da identidade do sujeito, assim como as diferenças, que são criações sociais e culturais.A sociedade tem resistência em aceitar aquele cujos atributos não se enquadram aos seus interesses. Dessa forma, o deficiente assume o papel do “super-deficiente” para poder se inserir na sociedade, sendo reconhecido como aquele que ultrapassa as expectativas da organização e que apesar da falta física consegue se superar, conquistando a sua inserção plena na sociedade.A inclusão na sociedade deve existir pautada em um rigor em prol daquele ser humano onde os serviços necessários a este existam e também, haja uma adequação tecnológica para a melhoria da adaptação deste. Segundo Brumer et al (1997), são muitas as barreiras existentes para a inclusão deste deficiente na sociedade, como por exemplo, o preconceito, a falta de disposição e inabilidade por parte dos políticos, deficiência na estrutura física das cidades impossibilitando o seu desempenho de cidadão comum (ir à escola, banco, cinema, teatro, trabalhar), ect. É importante destacar que é o meio que define o efeito de uma deficiência ou de uma incapacidade sobre a vida cotidiana da pessoa. Sendo assim, ela se vê relegada à invalidez principalmente quando lhe são negadas as oportunidades de que dispõe 2.Atualmente, a maior reivindicação no meio da educação especial é sobre a inserção do indivíduo com deficiência na escola regular, como afirma Mitler:O principal objetivo da reforma é garantir o acesso e a participação de todas as crianças em todas as possibilidades de oportunidades oferecidas pela escola e impedir a segregação e o isolamento. Essa política foi planejada para beneficiar todos os alunos, incluindo aqueles pertencentes a minorias lingüísticas e étnicas, aqueles com deficiências ou dificuldades de aprendizagem, aqueles que se ausentam constantemente das aulas e aqueles que estão sob o risco da exclusão (MITTLER, 2003, pág 25).A escola é o primeiro formador do caráter humano e é nela que estas discussões políticas e ideológicas devem estar inseridas. É na escola que deve haver uma formação menos preconceituosa para com as diferenças. Segundo Neto (2005) o discurso pedagógico é de que a educação é um potencializador para o fim das diferenças. As diferenças existem, e é algo inerente ao ser, logo a escola deve ser um local para equalizar a igualdade e não dicotomizar a diferença. Ou seja, através da reforma escolar, o aluno com alguma deficiência terá um convívio com diferentes pessoas, o que lhe proporcionará maiores possibilidades de inserção social e de acesso ao conhecimento. Caso a pessoa com deficiência passe a fazer parte do espaço escolar, a troca será mútua, sendo que ele não se sentirá tão inferior, e os seus colegas passarão a ter uma relação mais sadia com a diferença.Quando se fala em uma escola igualitária, isso não quer dizer que todos os indivíduos dessa escola sejam iguais, mas sim, uma escola com relações igualitárias respeitando as diferenças de cada indivíduo. Como afirma Neto:Esse núcleo é, na verdade, um nó. Um nó complicado. Como manter uma escola plural - em termos de alunado, professores, políticas educacionais, metodologias de trabalho - e ao mesmo tempo, uma escola igualitária? Em outras palavras: diferença não é antônimo de igualdade. Nós queremos a igualdade, mas ao mesmo tempo manter as diferenças. O contrário é a mesmice, o contrario da igualdade é a desigualdade. Isso pode ser fácil de compreender, mas não é uma coisa simples de executar. (NETO, 2005, p. 58) Silva (2004) discute que é uma obrigação das universidades brasileiras se estruturarem para receberem deficientes porque eles contam com soluções que facilitem suas necessidades especiais, incluindo os deficientes visuais, justamente para que todos possam ter acesso ao ensino superior de uma maneira uniforme e sem discriminação. Isso vem sendo uma obrigação de toda e qualquer instituição, seja ela pública ou privada, conforme prevê a Portaria nº 3284 do MEC (Ministério da Educação e Cultura), que desde 2003 assegura aos portadores de deficiência os direitos de acessibilidade à educação em todos os níveis.De acordo com Neto (2005), a inclusão educacional deve ser encarada de forma bastante criteriosa, pois pode se tornar inadequada na medida em que depende de professores sensíveis às diferenças, de um sistema educacional mais tolerante, de um apoio grupal para lidar com diferentes alunos que podem ter algum tipo de deficiência, e de, uma adaptação na estrutura física e intelectual da instituição.Segundo Ventura (2001, apud SANTOS, 2004), expressões como, tão “bonitinho e cego” “pobrezinho” e “coitadinho” são formas preconceituosas de pronunciar uma superioridade da pessoa “normal” ao deficiente, reafirmando a idéia de que existe um preconceito inserido e mascarado na sociedade.3. REAÇÕES PSICOLÓGICAS: MODOS DE ENFRENTAMENTOJunto à perda da visão o indivíduo adquire outras perdas refletidas nos aspectos físicos, e principalmente psicológicos. Para Barezinski (2004), do ponto de vista psicológico, mesmo o indivíduo mais saudável mentalmente utilizará mecanismos importantes para a sua adaptação à cegueira. Esses mecanismos são conhecidos como modos de enfrentamento.O enfrentamento pode ser visto como uma tentativa psicológica do sujeito para lidar com um dano físico ou emocional que surge abalando a sua estrutura psíquica. De acordo com Korács: “O enfrentamento é definido como o uso de recursos físicos, psicológicos, cognitivos e sociais para prevenir a integridade somática e psíquica, e para alcançar a adaptação” (KORÁCS, 1997, pg.107).Na teoria do Coping, Antoniazzi (1998) conceitua o enfrentamento como as várias formas que as pessoas encontram para se adaptarem a circunstâncias adversas ou estressantes.A autora informa que esta teoria pode ser dividida em três gerações.A primeira geração segue o modelo psicanalítico e fala que o sujeito a partir de um evento estressante vai passar por diversos mecanismos de defesa apresentando várias emoções, isso tudo ocorre como uma tentativa de significar o evento estressante.A partir desta visão inicial, algumas alterações foram sendo pensadas para separar o conceito de mecanismos de defesa do conceito de coping. Segundo Antoniazzi (op.Cit) o coping passou a ser visto como com bases teóricas na terapia cognitiva comportamental qual discrimina reações funcionais e reações disfuncionais. A teoria cognitiva atua flexibilizando e adequando o comportamento e os pensamentos do sujeito, adequando-o à realidade e orientado-o para o futuro.Atualmente uma terceira geração da teoria do coping vem se desenvolvendo com a finalidade de estudar a dicotonomia entre coping e personalidade. Nesta o conceito de coping, por ter uma ampla gama de repertórios e estar ligada à personalidade, é questionado e agora é pensado como uma estrutura intrínseca do individuo, e os traços de personalidade mais estudados são: otimismo, rigidez, auto-estima e locus de controle (CARVER & SCHEIER, 1994; CARVER, SCHEIER & WEINTRAUB, 1989; COMPAS, BANEZ, MALCARNE & WORSHAM, 1991; LOPEZ & LITTLE, 1996; PARKES, 1984, apud ANTONIAZZI op.cit).Aprofundaremos na primeira geração e exploraremos as várias estratégias possíveis dos sujeitos diante da perda da visão. Acreditamos que esta teoria seja mais abrangente, pois coloca o sujeito como senhor de seu próprio corpo, de suas próprias significações que são relevantes e importantes para ele e para seu enfrentamento. Acreditamos também que qualquer forma de enfrentamento, por mais contraditória possível, tem uma enorme significância para o sujeito, mesmo que o pesquisador não enxergue está importância.De acordo com Fonseca (1995), após o período de enfrentamento se dá a reabilitação deste indivíduo. O termo “reabilitar” é originário do latim “re-habituar”, ou seja, tornar-se apto, capaz de novamente estabelecer alguma relação com o mundo através das habilidades que lhe restaram. Na reabilitação, a pessoa cega teria a oportunidade de aprender a conviver com o que lhe resta, sendo que esta atitude lhe possibilitaria uma aprendizagem acerca de sua própria condição, pois “a deficiência não é uma condição fixa e inalterável ou imutável” (FONSECA, 1995, p.68).Ao se deparar com uma “perda” simbólica, o sujeito deverá aprender a lidar com ela.No caso da perda da visão além da perda simbólica há uma perda orgânica que ocasionará em uma perda de sensibilidade, hospitalização, imobilidade, dependência, isolamento, incerteza e dor. “A capacidade de enfrentamento visa: à organização psíquica, à reestruturação da autoestima, à capacidade de procurar ajuda e planejamento para o futuro” (KORÁCS, 1997, pg.107).Carrol (1968, apud BAREZINSKI, 2004) afirma que a perda da visão é penosa para todos os envolvidos com o então “cego”. A dor em ser agora “cego” não deve ser consolada com ilusões de cura, pois, toda ilusão passa e com ela vem a triste realidade de uma condição inalterável.Existem vários recursos que podem ajudar um indivíduo a enfrentar as situações de estresse. Lazarus e Folkman (1984, apud ANTONIAZZI, op. cit) citam os seguintes: saúde e energia, crenças positivas, habilidade para resolução de problemas, habilidade social, busca de suporte social e recursos materiais.Barezinski (op. cit) caracteriza as seguintes reações psicológicas como mais freqüentes provocadas pela perda da visão: a dependência acentuada em relação aos adultos; a negação da limitação; recusa à competição ou constante preocupação em comparar-se e competir; repressão da agressividade com excessiva amabilidade às criticas; a dificuldade de relacionamento com os outros deficientes visuais e entre eles os videntes, insegurança a respeito de si mesmo; desconfiança acentuada em relação a outras pessoas e suas intenções; manifestações de ressentimento pela sensação de não ser querido e aceito pelo mundo, pois julga que ser diferente é ser inferior; predominância de pensamento mágico e misticismo; sentimentos de inveja; descontentamento; desconfiança acentuada sobre a sua capacidade sexual (cegueira + castração); isolamento, evitando situações sociais; também há acentuada necessidade de aprovação e afeto.Dentro do que foi exposto acima, outras perdas também se somam: a da integridade física (o indivíduo sente-se mutilado, diferente do que era anteriormente e de todos que o cercam); dos sentidos remanescentes (há uma desorientação inicial causando diminuição do tato, olfato, memória, capacidade motora e etc); do contato real com o meio ambiente (perdendo assim um importante vínculo com a realidade); do “campo visual” (olha para algo mais não se encontra mais ali – silêncio visual) e das habilidades básicas (por exemplo, capacidade de andar). Todas estas reações e sensações são as mais sentidas, porém segundo Barezinski (op. cit) não constituem uma regra geral para todos os casos de perda da visão.Os estudos de Amaral (1995) e de Santos (2004) sobre esses recursos de adaptação diante de uma situação adversa ou desestruturadora apontam a existência de etapas ou fases no processo de reorganização do indivíduo, que variam de quantidade e definição É importante frisar que no modo de enfrentamento nem todas as fases ocorrem em sua totalidade, e ordem.Segundo Adams (1980, apud BAREZINSKI, 2004), em 1970, Fitzgerald estudou as reações à cegueira de forma moderna, sistemática e científica, descrevendo quatro fases distintas de reações. Primeiro a descrença, quando os pacientes tendem a negar sua cegueira.Depois a fase de protesto, quando eles vão procurar a segunda opinião ou recusam-se a usar a bengala branca. Em terceiro lugar ocorre a depressão, com sintomas clássicos de perda de peso, mudança de apetite, idéias suicidas e ansiedade paranóides 3. E por fim acontece a recuperação, quando o individuo aceita o tratamento e o realiza. Também de acordo com Barezinski (op. cit.), há concordância quanto às quatro fases que acontecem quase universalmente nos primeiros estágios da cegueira, são: a descrença, protesto, depressão e por último a recuperação.Ainda segundo Adams (1980, apud BAREZINSKI, op. cit.), a fase inicial seria caracterizada pelo choque de se ver cego (imobilidade psicológica), descrita como “proteção emocional anestésica”. O autor informa que caso o processo de choque se estabeleça por um período demorado, o processo de reabilitação se tornará mais sofrido.Em sua obra, Kubler- Ross (1969, apud BECKER, 1997.) define seis fases, que são respectivamente, o choque, a negação, a raiva, a depressão, a barganha, e a aceitação. De acordo com Becker (1997), autores como Parkes (1986); Temoshoki (1992) e Bromberg (1995) concordam com Kubler-Ross (1969) que a fase inicial do choque é caracterizada por estado de entorpecimento, total ausência da percepção de si mesmo, anestesia diante da perda, mediante a situação extremamente estressante que causa tanta dor ao indivíduo, que ele se ausenta de si mesmo. Para Kubler-Ross, o choque é o estado de anestesia mental onde o individuo não questionará o seu “problema” a fim de evitar uma dor que para a sua psique seria demasiadamente intensa.Esta autora afirma que geralmente após o choque o individuo irá passar por um processo de negação onde irá atribuir as conseqüências de sua perda como algo exterior a ele, agindo como se nada lhe tivesse acontecido, há uma negação diante da perda porque este indivíduo ainda não possui condições psicológicas para lidar com esta perda. A negação, assim, se caracteriza por um deslocamento do “problema”, pois ele como estando fora do sujeito. É comum observar no seu discurso frases como: “isso não aconteceu comigo”, “eu posso enxergar você está mentido”, dentre outras.Segundo Kubler- Ross (op. Cit), há um momento em que este indivíduo percebe a perda sofrida e, portanto, é natural que ele apresente reações orgânicas diante da agressão decorrente da perda de uma parte sua 4. Ele pode apresentar sentimentos contraditórios, e muitas vezes confusos, como: raiva, medo, tristeza, culpa, depressão e dor.A raiva é descrita por Kubler-Ross como um “deslocamento” do “problema” de si para o outro, nela o sujeito costuma atribuir a culpa pelo seu estado ao outro e o penaliza por isso.A raiva é o local onde o sujeito descarregará toda sua energia libidinal que estava contida até então. Nesta situação muitas vezes o indivíduo manifestará a sua raiva e impotência atribuindo ao outro uma culpa que não lhe cabe.Uma outra fase de enfrentamento que pode estar presente no processo de adaptação do indivíduo para Kubler-Ross é a barganha 5. Esta se caracteriza pela ação do indivíduo de negociar “trocas” entre o inconsciente e o real através do fantasioso, ou seja, o indivíduo acredita que vai eliminar o “problema” com uma resolução mágica. O indivíduo, por exemplo, estabelecerá uma troca entre dinheiro e ele terá sua saúde de volta, ou mesmo acreditará em uma fruta do Amapá que faz milagres, ou seja, acreditando que o milagre é possível em seu caso, enfim, o indivíduo barganhará a eliminação de sua perda, uma resolução ilusória para o seu estado.Segundo Kublrer-Ross (op. cit.), a depressão ocorre quando o sujeito finalmente entende o que perdeu e como isso o afetará ocasionando um rebaixamento nas suas atividades diárias e em uma reflexão interna podendo ocasionar em períodos de tristeza e embotamento afetivo.A depressão, por se tratar de uma exacerbada centralização dentro de si mesmo parece ser uma reação inadequada, porém não é. Quando o individuo passa por uma situação de perda é natural e bastante saudável que ele sinta dor psíquica e física e que ela ocasione em uma depressão passageira que se configura como um adoecimento que perde a sua configuração inicial a ponto do “outro” se enterrar em si mesmo e não conseguir encontrar o significado do que o deixou ali naquele estado.Dorsh (2001) afirma que não existe para ela uma definição uniforme, e sim várias subclassificações, com características específicas. Logo, na depressão há subtipos de depressão que se diferenciam, porém, a maioria das alterações depressivas do humor e no nível motor (letargia – pessoa sonolenta, lenta e indiferente ao mundo) é semelhante. Iremos nos deter aqui nas três principais, a depressão reativa, a depressão melancólica e a depressão nostálgica.A depressão reativa é decorrente de alguma situação adversa na qual há uma diminuição de atividades diárias, falta de vontade de realizar tarefas diversas. Adams (op.cit.) afirma que a “depressão reativa” é uma perda efetiva podendo ser: de alguém, órgão, ou mesmo, sentido, no qual a pessoa manifestará pensamentos suicidas, desejos de autopunição, desejos de autopiedade e um retardo psicomotor. O autor coloca que este tipo de enfrentamento é necessário porque “obriga” o indivíduo a mudar a sua forma de vivenciar a sua atual condição, lidando melhor com esta nova situação. No caso do paciente que perde a visão ele pode vir depressão secundária posterior a uma perda (depressão reativa) que pode eclodir em um episódio ou fase depressiva que também é citado por Becker (op.cit.)Segundo Camon (2001), a depressão reativa surge como um movimento de homeostase do corpo que tenderá através do sofrimento experimentar mudanças em sua vida, transformando as suas percepções e seus valores. Para Becker (op.Cit.), “as deficiências adquiridas estão ligadas à perda ou deteriorização de uma parte do organismo e daí serem associadas com uma vivência de morte em vida” (BECKER, 1997, pg. 96)A depressão melancólica é descrita por Camon (2001) como uma vivência fantasiosa de algo que não vivenciou, pode ser encontrada em pessoas que sofrem e entram em depressão por perdas que não viveram, tais como o casamento que não houve, ou mesmo a morte que irá chegar algum dia. Já a depressão nostálgica é um sofrimento que se manifesta no presente de uma situação passada. Tanto uma como a outra são depressões que podem levar a circunstâncias patológicas mais graves que são descritas por Dalgalarrondo (2000) como depressões graves que podem levar o paciente á óbito 6.A fase de aceitação é descrita por Kubler-Ross (op.cit) como uma possibilidade de compreensão do que foi perdido, em que porção foi esta perda e como isto influenciará vida deste indivíduo agora com limitações às suas ações. Desta maneira, o sujeito se torna capaz de conviver com as suas limitações integrando-as em sua vida. Essa aceitação é caracterizada também por Parkes (op. Cit.) e Bromberg (op. Cit.) só que o nome dado por eles a esta atitude é integração porque o indivíduo unirá a sua perda à sua existência.Com a finalidade de visualizar melhor a apresentação dos modos de enfrentamento
produzimos um esqueleto de todo o processo que pode ser visualizado no gráfico
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que se segue:
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