Invisible city - escultura
de Anton Parsons
índice:
Os sentidos desempenham diferentes funções no corpo humano e a partir dos
sentidos é possível vivenciar experiências dentro e fora do corpo. Externamente
podemos vivenciar as noções espaciais de distância e profundidade, a textura de
objetos,
os cheiros e os sons do ambiente. Internamente podemos experimentar a sensação
de
calma ou perturbação diante das multidões ou do excesso de sons em alto volume
(músicas, máquinas, gritos, conversas, carros, buzinas e apitos), o corpo pode
reagir ao
frio ou ao calor de acordo com a temperatura do ambiente, o facto de não
conhecer os
lugares pode causar sensações de insegurança e desconforto. Todos estes e outros
elementos podem fazer parte dessas experiências sensoriais (Torres & Kozel,
2010).
Para Rodaway (2002, p. 9) a experiência geográfica é multisensorial e emocional.
Diante dos cinco sentidos percebe-se que muitas vezes a visão destaca-se como
um elemento prioritário. Para Tuan (1890, p.7) o Homem depende de forma mais
consciente da visão do que dos outros sentidos. O referido autor ainda afirma
que a
maioria das pessoas optaria por perder uma perna ou a audição em vez de perder a
visão, demonstrando a supervalorização desta última. Para Ochaita e Rosa (1995,
p.184), o tato pode ser considerado um dos sentidos mais importantes e que
possibilita
aos cegos a descoberta do mundo, onde “muitas das peculiaridades do
desenvolvimento
cognitivo das pessoas cegas podem ser explicadas em relação às características
da
captação e processamento da informação mediante o tato”.
Em relação aos principais sentidos do corpo humano, Tuan (1980) salienta a
importância do ser humano ter olhos frontais que permitem uma visão binocular,
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portanto uma visão abrangente. Já o tato, apresenta-se como uma experiência
direta da
resistência e do sentir as diferentes texturas. A audição permite uma grande
experiência
nos espaços, na medida em que recebemos informações além do campo visual. Para o
olfato, constata-se que o Homem moderno considera que o meio ideal incidiria com
a
eliminação de todos os tipos de cheiros, neste caso, o termo odor teria quase
sempre a
relação com o mau cheiro e não simplesmente o cheiro exalado das coisas.
Acreditamos que os sentidos, do ponto de vista do reconhecimento de objetos e
dos
lugares, possibilitam uma melhor interpretação da paisagem. Para Sousa (2007,
p.104)
“Os cinco sentidos permitem perceber volumes, texturas, temperaturas, odores,
cores,
sons e sabores e a visão é a forma que mais utilizamos para interpretar a
paisagem”.
Porém, mesmo com a utilização dos sentidos, a paisagem não será a mesma para
duas
pessoas. Por não se tratar de um elemento único e descritível em sua plenitude,
a
paisagem interpretada tem forte relação com a herança cultural de cada
indivíduo. (Tuan
1980, p.7). Consideramos que desta forma, uma pessoa cega também pode
interpretar a
paisagem, fazendo o uso das suas experiências anteriores à cegueira ou a partir
da união
dos elementos sensoriais presentes.
Tuan (1980) ao formular o conceito de topofilia como o estudo da relação afetiva
criada através da interação entre o ser humano e o ambiente físico envolvido,
deixa
claro que a interpretação da paisagem dar-se-á sob a óptica de cada individuo,
levando
em consideração as suas experiências anteriores.
Para Sousa (2007, p.111): Por meio dos sentidos, o homem é capaz de relacionar-se com o
mundo material e com seus iguais e a partir da observação,
percebemos que a paisagem possui uma dimensão espacial que
sofre as intervenções humanas e altera-se, adequando-se às
necessidades humanas, sendo, então, concebida e vivenciada por
este. Isso ocorre na paisagem urbana, nas artes, na economia.
(...)
Numa perspetiva do turismo, Urry (2002, p.1) considera que o olhar turístico é
construído a partir das diferenças, sendo esse olhar construído entre o que o
turista é, e
aquilo que o turista gostaria de ser ou ter. Ainda para Urry (2002, p. 13) o
caráter desse
olhar é fundamental para o turismo, a partir das exemplificações dos diferentes
olhares,
mas também podemos interpretá-lo de forma não literal, sendo o olhar aquilo que
o
turista procura encontrar e não aquilo que vê de facto.
A forte presença das viagens de curta duração em cidades, demonstram que as
pessoas dedicam cada vez menos tempo para conhecer os lugares que visitam, desta
forma, o turismo acaba por ser uma passagem efêmera. Por outro lado, algumas
experiências mais intimistas nas cidades, valorizam as formas de sentir os
lugares. Essas
experiências podem ser vivenciadas em diferentes contextos e cidades. Para
Kanashiro
(2003, p.156) “É cientificamente comprovado que os sentidos dos seres humanos
(...),
enquanto receptores sensoriais de mensagens do ambiente e envio de sinapses, são
igualmente transmissores de experiências emocionais”. Neste sentido, as cidades
podem
ser vivenciadas a partir dos diferentes sentidos do corpo humano. Por exemplo,
ao
passar pelas ruas de diferentes lugares, podem ouvir os diferentes sons: das
falas e dos
sotaques dos moradores, dos animais, dos elementos que constituem a natureza
(vento,
chuva, mar) e até mesmo o som do trânsito local. Para aguçar o paladar podem
experimentar bebidas ou pratos típicos confecionados nos restaurantes
frequentados
pelos próprios moradores. Para o tato podem sentir a textura, a maciez ou a
dureza dos
diferentes objetos e monumentos espalhados pelas cidades e os diferentes
materiais que
constituem os pisos (passeios, ruas, estradas). Com a visão podem apreciar a
vista dos
miradouros, ver as diferentes formas de construção, as cores dos prédios e das
casas, a
luz natural e artificial, as distâncias e a paisagem como um todo. Para o
olfato, os
cheiros podem vir do mar, dos rios, das pastelarias, dos diferentes
restaurantes, das
flores e até das pessoas que circulam nas cidades.
Para Silva (2001) citado por Kanashiro (2003, p. 159): ver, cheirar, ouvir, passear, deter-se, recordar, representar são
atributos que devem ser considerados em cada cidade. Porém,
não qualquer cidade, mas aquela vivenciável, isto é, uma
coleção de fragmentos de lugares de cidades vivenciadas,
percebidas por todos os sentidos humanos.
Mesmo com a valorização da visão para a interpretação da paisagem, muito se
tem estudado sobre a valorização da paisagem sonora na Geografia. Sendo assim, a
paisagem sonora é um conjunto de elementos sonoros dos lugares, também
entendidos
como componentes da cultura do local, incluindo as falas (sotaques), as músicas
e os
sons da natureza (Gaspar, 2001; Waterman, 2006). Ainda neste sentido Tuan (1983,
p.16) revela que “As pessoas identificam subconscientemente as fontes de ruído,
e a
partir dessa informação constroem o espaço auditivo”. Para Rodaway (2002, p.86)
o
campo sonoro é geralmente caracterizado por um único som no entanto, a
sobreposição
de vários sons de diferentes fontes e lugares num determinado espaço produz a
paisagem sonora.
Quanto à perceção no meio ambiente, Ingold (2000, p.245), ao tratar a visão e a
audição, estabelece que de todas as implicações do contraste entre a visão e a
audição, o
mais coerente tem sido a noção de que a visão produz um conhecimento do mundo
exterior que é racional, individual, analítico e atomístico, uma vez que é
viciada pela
experiência subjetiva de luz. A audição, por outro lado, uma vez que se baseia
na
imediata experiência do som, produz um tipo de conhecimento que é intuitivo,
sensato,
sintético e holístico. A visão produz um conhecimento que é indireto, com base
em
conjecturas a partir dos dados limitados e disponíveis na luz. Ingold (2000)
conclui que,
enquanto nós, nunca podemos estar certos do que vemos, não há nenhuma dúvida
sobre
o que ouvimos.
Quanto à discussão sobre a substituição ou desenvolvimento superior de algum
sentido a partir da deficiência de outro sentido, Ingold (2000) acredita que uma
pessoa
cega não desenvolve a audição com superioridade em detrimento da falta de visão.
Esse
tema já discutido por Vygotsky (1934/1997) e Warren (1994) citado por Batista e
Enumo (2000), revela que regra geral não se constata uma superioridade com
relação ao
tato e a audição em pessoas cegas, trata-se muitas vezes da atenção que o
indivíduo
dispensa durante a realização de atividades em razão da própria valorização dos
sentidos
e de suas funções no desenvolvimento humano.
A visão compreendida como uma faculdade desenvolvida a partir da relação entre o
órgão ocular e os feixes de luz, representa a capacidade de interpretar ações e
diferenciar objetos, desde que trabalhada em conjunto com os órgãos que atuam no
desenvolvimento cognitivo. A ausência, incapacidade ou dificuldade de realizar a
função visual não impede o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, desde que
acompanhados de forma adequada, recebendo estímulos nas diferentes áreas de
aprendizagem. A generalização na forma de atuar com os deficientes visuais é
errada,
pois existem diferenças desde comportamentais, idade de aquisição até o grau da
deficiência. Desta forma cada indivíduo vai reagir de forma diferente aos
estímulos.
A perceção e as experiências são idealizadas por esse estudo, como duas
atividades interligadas, onde a perceção acontece a partir da experiência e a
experiência
será compreendida a partir da perceção. Para Rodaway (2002, p. 10) existem pelo
menos duas constatações importantes para a palavra perceção, sendo a primeira a
recepção de informações através dos órgãos dos sentidos e a segunda seria a
perceção
como elemento cognitivo. Já a experiência espacial está presente em diferentes
momentos e contribui para a construção da memória sócio-espacial promovendo uma
relação de proximidade entre o Homem e o meio.
A capacidade de perceber e diferenciar cores, sons, cheiros, sabores e texturas,
pode
ser entendido como uma forma de perceção. Neste caso, a palavra “perceção” não
estaria relacionada com a construção de um pensamento, mas sim com um dado
adquirido a partir dos efeitos sentidos e decodificados em detrimento de uma
ação.
Jorge (2011) considera que o termo perceção corresponde ao momento em que o
indivíduo percebe o fenómeno de um objeto.
Para melhor clarificar as ideias de perceção, Jorge (2011, p.13) considera que: A percepção envolve captar e participar das qualidades objetivas
de algum fenômeno misturadas aos elementos da memória, do
raciocínio realizado, da emoção sentida, e essas qualidades
objetivas dos sentidos como filtros da alma também se misturam
aos elementos subjetivos de cada indivíduo. (...) a percepção se
refere ao produto dos processos psicológicos, implicando
significados, relações, contextos, julgamentos, experiências
passadas, memória.
Sendo assim a perceção seria o resultado final da relação entre o fenómeno em
ação
e os elementos que estão ligados intrinsecamente a cada indivíduo, como as suas
experiências e memórias.
Partindo para uma abordagem mais específica no que diz respeito à visão,
perceção e à importância das experiências espaciais, segundo Rodaway (2002, p.
115) a
geografia visual permite a experiência geográfica através da localização e
orientação no
espaço, para além das relações espaciais e caracterização dos lugares. Segundo
Nunes e
Lômonaco (2008) a perceção do espaço pela pessoa cega, acontece através do
conjunto
das sensações táteis, cinestésicas e auditivas em conjunto com as experiências
mentais
passadas já construídas. Tuan (1980, p.14) pondera que a perceção é uma
atividade e
considera que os órgãos dos sentidos são pouco eficazes quando não são
utilizados de
forma ativa, ou seja, “Nosso sentido tátil é muito delicado, mas para
diferenciar a
textura ou dureza das superfícies não é suficiente colocar um dedo sobre elas; o
dedo
tem que se movimentar sobre elas. (...)”. Entendemos aqui que a perceção
dificilmente
acontecerá de forma estática (sem movimento), sem ação ou reação, sendo a
experiência
espacial um forte elemento para a experiência tátil. Neste sentido Rodaway
(2002, p.41)
revela a geografia do toque como uma capacidade do corpo para se deslocar
através do
ambiente e manipular objetos.
As experiências das pessoas com deficiência visual quando aliadas a atividades
turísticas, envolvem uma série de fatores internos e externos. Os fatores
internos têm a
ver com as próprias motivações do viajante, a sua capacidade de mobilidade,
autoconfiança e organização para a realização da viagem. Já os fatores externos,
envolvem as estruturas físicas e a preparação dos profissionais que trabalham
diretamente com o público (Yau, McKercher & Packer, 2004). Para Small, Darcy e
Packer (2007) citado por Richards, Pritchard e Morgan, (2010), a apreciação
visual é
parte da experiência turística, mas é apenas um elemento diante dos outros
sentidos
envolvidos. Quanto às dificuldades de proporcionar experiências táteis para
turistas
cegos em museus, Urry (2002, p.156) reforça que o museu pode ser considerado um
lugar inquietante para pessoas com deficiência visual, visto que esses lugares
são
preparados para experiências essencialmente visuais, excluindo as experiências
táteis.
Para qualquer indivíduo, uma boa experiência turística leva em consideração um
conjunto de informações fundamentais, por exemplo: para onde ir, como chegar, o
que
fazer, como se deslocar, onde dormir e onde comer. Fica evidente que ao dominar
as
informações sobre os lugares a sensação de conforto e segurança aumenta.
Imaginemos
uma situação hipotética, ao chegar numa cidade desconhecida, à noite, sem saber
o meio
de transporte que o leve seguramente ao seu destino final. Pode gerar-se uma
situação
de desconforto e insegurança. Para uma pessoa com deficiência visual os
transtornos
podem começar antes mesmo da viagem, pois em muitos casos há dificuldade de
obter
informações em formato acessível e que apontem as acessibilidades existentes.
Para uma pessoa cega ou com baixa visão as experiências turísticas não se
resumem
à apreciação sonora dos lugares. Mais importante que a narração de histórias,
são as
experiências táteis, porém uma experiência não anula a outra. Do ponto de vista
dos
sentidos a realização de percursos em ambientes externos, por exemplo, vias
públicas,
podem aguçar os sentidos do corpo em diferentes formas. Para a orientação das
pessoas
com deficiência visual é importante indicar pontos de referência. Ao passar por
uma rua
descrevê-la citando as principais características, como: rua com grande
concentração de
restaurantes ou lojas de artesanato, rua com importância histórica, dentre
outras. Ao
passar por praças a descrição das atividades habitualmente realizadas naquele
ambiente,
como o encontro de idosos para jogar cartas, xadrez ou apenas conversar, a
presença das
mães com seus filhos para brincar nos baloiços, a variedade de árvores e plantas
e a disposição dos bancos. Todos esses elementos favorecem a orientação e a
construção do
espaço na memória e imaginação das pessoas.
Neste sentido, para Tuan (1983,
p.14):
-
O paladar, o olfato, a sensibilidade da pele e a audição não
podem individualmente (nem sequer talvez juntos) nos tornar
cientes de um mundo exterior habitado por objetos. No entanto,
em combinação com as faculdades ‘espacializantes’ da visão e
do tato, estes sentidos essencialmente não distanciadores
enriquecem muito nossa apreensão do caráter espacial e
geométrico do mundo.
As experiências turísticas tornam-se completas na medida em que as pessoas
com deficiência visual podem tocar nos diferentes elementos que compõem o
mobiliário
urbano, sentir os cheiros mais evidentes e ouvir o que se passar ao redor. A
insistência
na valorização dos sentidos durante atividades turísticas e recreativas tem como
objetivo
desmistificar a ideia preconcebida de que o turismo é uma atividade
exclusivamente
visual e deve ser tratada como uma experiência multissensorial. Para Tuan (1983,
p.9):
Experiência é um termo que abrange as diferentes maneiras
através das quais uma pessoa conhece e constrói a realidade.
Estas maneiras variam desde os sentidos mais diretos e passivos
como o olfato, paladar e tato, até a percepção visual ativa e a
maneira indireta de simbolização.
O termo experiência pode ser aplicado em diferentes contextos, desde a
realização de uma atividade como um todo, até às experiências vivenciadas em
cada
momento da atividade.
Dificilmente damos conta do papel fundamental exercido pelo nosso sistema
sensorial. A criação de um percurso turístico que atue como um “instigador” dos
sentidos, que pode ser vivenciado por pessoas que apresentem ou não qualquer
deficiência ou dificuldade sensorial, revela-se como uma forma intimista de
vivenciar os
lugares, perceber o papel que os sentidos têm no corpo humano e demonstrar um
elevado nível de autoconhecimento. Os movimentos do corpo, as experiências
espaciais,
a descoberta de novas sensações e novos lugares, ou a experiência de (re)viver
os
lugares contribuem para o crescimento do ser no mundo.
[...] Analisar as experiências vividas pelos turistas com deficiência visual
permitiu a
constatação de dificuldades recorrentes entre pessoas diferentes e em diferentes
lugares
do mundo. Desta forma, reunimos trechos importantes de estudos feitos por
diferentes
autores, que nos permite verificar quais as principais dificuldades enfrentadas
por um
turista cego ou com baixa visão. Para Richards, Pritchard e Morgan (2010,
p.1100) “Any
tourism experience is a constellation of tiny, individual and collective
experimental
moments and emotions, which build into an overall impression and, later, a
memory."
Os autores citados anteriormente ainda reforçam nos seus estudos a ideia de que
as
experiências turísticas para os deficientes visuais são fundamentais e que os
fatores
pessoais, sociais e ambientais permitem a interação com o ambiente e resulta em
diferentes experiências.
Em relação à incapacidade e às experiências que o turismo pode proporcionar,
verificamos que para Yau, McKercher e Packer (2004, p.946):
-
Living with a disability poses unique challenges and can
influence participation in many activities. Tourism is one
activity that many people with disabilities feel must be
sacrificed as it requires an orchestrated cooperation of physical,
mental, and social capabilities, which are often adversely
affected or compromised by a disability.
Um estudo elaborado pelos autores referidos acima identificou, num grupo de 52
pessoas sendo 28 com dificuldades de locomoção (utilizadores ou não de cadeira
de
rodas) e 24 com deficiência visual, cinco fases normalmente vivenciadas para se
tornar
um viajante ativo. A primeira fase identificada como: pessoal – aceitação e
reintegração.
Nela alguns participantes relatam que a busca por fazer uma viagem não acontece
durante a reabilitação. Demonstram que a rápida aceitação do estado de
deficiência
deve-se principalmente ao apoio familiar. A segunda fase é denominada reconexão
–
exploração para um futuro viajante. Aqui os participantes relatam as
experiências ao
tentar andar sozinhos na cidade onde vivem e passam por alguns constrangimentos
ao
tentar realizar algumas tarefas do quotidiano, acabando por demorar mais tempo
do que
uma pessoa sem deficiência. Já a terceira fase tem a ver com a análise da viagem
–
busca de informações. Mostra que para um viajante com deficiência, as barreiras
começam mesmo antes do início da viagem. Para tanto, eles fazem a pesquisa em
sites
com informações sobre o hotel, transporte e ainda precisam acreditar que aquelas
informações são verdadeiras, pois muitas vezes percebem que se trata de
propaganda
enganosa.
A quarta fase é, finalmente, a viagem física – compensação e compromisso.
Nesta os participantes relatam uma série de barreiras enfrentadas, mostrando
como
alguns locais não estão preparados para receber pessoas que utilizam cadeira de
rodas
ou são deficientes visuais. Mostram ainda as diferentes estratégias que utilizam
durante
a viagem. A quinta e última fase corresponde à experimentação e reflexão –
gostos
diferentes de viajar. Apresenta mais uma vez as experiências, sejam elas boas ou
más,
que podem influenciar em uma próxima viagem. Desta forma os autores concluem que
para os participantes esse complexo processo de cinco fases envolve: iniciativa
pessoal,
avaliação de suas próprias capacidades, organização da viagem, gestão pessoal e
reflexão de suas experiências.
O estudo apresentado revelou-nos diferentes falhas existentes durante todo um
processo de viagem. A partir das experiências vivenciadas pelos turistas com
deficiência, é possível estabelecer as principais alterações necessárias na
prestação de
serviços ou na reestruturação de caráter físico das diferentes estruturas
envolvidas no
setor turístico. Para percebermos essas experiências, conforme indicado
inicialmente,
apresentamos pequenos trechos que retratam algumas vivências. No primeiro caso,
segundo Richards, Pritchard e Morgan (2010, p.1105)
-
“(…) She talks of how she
shuffles her feet to feel the different textures on the ground, tilts her head
to maximize
the vision in her left eye and reaches out to find handrails and door knobs by
scanning
her surroundings.”
Verificamos aqui a capacidade de estimular os sentidos do
corpo
para diferentes situações e o esforço necessário para superar a incapacidade
visual. Num
segundo caso Richards et al., (2010, p.1109) “The thing is they have a wonderful
menu
and they will read it out to you… there are nine varieties of a simple thing.
Just
something at the beginning would be sufficient for me”. Neste caso verificamos
que o
simples ajuste na escrita do menu tornaria a experiência mais acessível. Essa
escrita
poderia ser em Braille, letras em tamanho grande ou o contraste das cores. Desta
forma
promoveria a independência do turista deficiente visual, sem a necessidade de
ter o
constrangimento de pedir ao empregado de mesa a leitura de todos os itens do
menu
para o cliente fazer a sua escolha.
Um estudo realizado na Austrália, escrito por Small, Darcy e Packer (2012,
p.945) concluiu que:
-
The participants´ tourist experiences were related to their
feelings of inclusion or exclusion. The findings revealed two
main themes. The first theme focuses on the ways
inclusion\exclusion were experienced. This theme comprises four sub-themes.
Rather than a binary of inclusion or exclusion,
the participants in the study identified a continuum comprising a
set of conditions that reflected degrees of inclusion and
exclusion. The second theme relates to how tourist managed
these experiences.
O referido estudo chamou-nos a atenção para a estratégia de subdivisão das
dificuldades enfrentadas por turistas com deficiência visual. Primeiramente
identificando, a partir das experiências, quais os momentos considerados de
inclusão ou
exclusão e posteriormente sinalizando como os turistas gerem as suas próprias
experiências. Conforme indicado na citação acima, o primeiro tema abrange quatro
subtemas: Access to information, Wayfinding, Knowledge and attitudes of others e
Travelling with a guide dog.
O primeiro subtema trata de dificuldades quando as
informações não estão apresentadas em formato adequado, por exemplo, quando um
restaurante não disponibiliza a opção de menus com letras impressas em formatos
maiores ou outros formatos alternativos. O subtema “Encontrar os caminhos” (No
contexto do estudo, Wayfinding tem a ver com a forma de encontrar o caminho para
se chegar a determinado lugar e as dificuldades de locomoção encontradas por
deficientes visuais em locais não familiares.) trata da
necessidade que os turistas com deficiência visual têm de se deslocar em locais
desconhecidos e da necessidade de indicações claras para ter acesso aos locais
pretendidos. Apresentam como alternativa os indicadores de superfície de pisos
táteis. O
terceiro subtema tem a ver com as atitudes de outras pessoas para com os
deficientes
visuais, retratando a ignorância de pessoas do público em geral e de pessoas que
prestam serviços, por exemplo, as hospedeiras de bordo que não conseguem agir
naturalmente com os deficientes visuais, mostrando ignrância e inaptidão. Em
alguns
casos, as pessoas pensam que os deficientes visuais possuem uma deficiência
adicional
e muitas vezes falam mais alto ou muito devagar, por pensarem que não serão
compreendidos. Por fim, o quarto subtema trata alguns itens indispensáveis para
um
Cão-guia durante uma viagem, pois além do espaço necessário ao cão, são
necesários
equipamentos adicionais: comida, prato e colchonetes.
O estudo ainda revelou que mesmo com a legislação em vigor a permitir a
entrada de Cães-guia em diversos locais, ainda é possível verificar casos de
discriminação, na Austrália, por exemplo. O segundo tema Tourists´management of
their tourist experiences, relata como os turistas com deficiência visual, gerem
as suas
experiências turísticas. Desde o grande esforço para a preparação e organização
até a consciência de que a paciência é um pré-requisito importante para uma boa
viagem, pois
muitas vezes a viagem pode não ocorrer como planeado.
Small, Darcy e Packer (2012, p.947) concluem que:
-
The person with vision impairment knows the tourist setting
through a range of senses, with a focus on the auditory and
tactile. This body moves across and through spaces, often
unfamiliar, resulting in the physical sensation of increased
anxiety and at times injury as the person comes into contact with
unanticipated physical objects.
Neste sentido, reafirmam a importância dos outros sentidos do corpo para os
deficientes visuais, principalmente a audição e o tato. Apontam que quando o
corpo se
move em locais desconhecidos ou que não estejam familiarizados, pode resultar
numa
sensação de ansiedade ou até mesmo provocar lesões ao entrar em contato com
objetos
inesperados.
De acordo com as experiências indicadas anteriormente, poderíamos-nos
questionar qual seria a relevância dessas informações. Assim como Germ and
Schield
(1997) citados por Yau, McKercher e Parcker (2004, p.947) acreditamos que
através de
uma melhor compreensão das experiências turísticas de pessoas com incapacidade,
a
sociedade estaria mais ciente das necessidades dessas pessoas e a indústria
turística
usaria este conhecimento para ser capaz de fornecer serviços mais abrangentes e
sem
barreiras à medida das necessidades das pessoas com incapacidade. Consideramos
agentes da indústria do turismo: o Ministério do Turismo, órgãos municipais,
redes
hoteleiras, agências de turismo, postos de turismo, museus, restaurantes e
outras
estruturas das cidades. A sensibilização desses agentes poderia resultar na
diversificação
de roteiros e ou rotas urbanas já existentes, por exemplo: rota das camélias,
rota dos
azulejos, rota do românico, rota do barroco, rota dos Judeus. Porém, essas
rotas,
inicialmente não atendem ao público com deficiência. Como planear roteiros para
os
deficientes visuais? Será que é preciso um novo roteiro ou reestruturar os já
existentes?
Um bom roteiro requer desde as informações dos locais a serem visitados até
indicações
de como deslocar-se, informações escritas em Braille ou em tamanhos grandes.
Acreditamos que a reestruturação de modelos já existentes facilita e otimiza o
trabalho,
aproveitando o que já foi feito anteriormente pelos órgãos competentes.
O estudo das experiências de pessoas com deficiência também envolve o
entendimento do conceito de turismo acessível. Só o facto de perceber as
necessidades
encontradas durante as viagens não elimina futuras experiências negativas. Neste
caso, procuramos entender o que é o turismo acessível e como ele pode ser
aplicado no meio
urbano. A partir do documento elaborado pela OMT que trata do turismo acessível
para
todos, destacamos alguns pontos fundamentais. Primeiramente, a sua definição diz
que
o turismo acessível envolve um processo de colaboração entre as diferentes
partes
interessadas. Permite às pessoas que necessitam de alguma forma de acesso
facilitado,
incluindo pessoas com mobilidade reduzida, deficientes visuais, deficientes
auditivos e
ou dificuldades de cognição, possam aceder aos locais, produtos, serviços e
ambientes
turísticos de forma independente e com equidade e dignidade. Outra questão que
nos
chamou a atenção tem a ver com a aplicação de infraestruturas e serviços, no que
diz
respeito à acessibilidade para todos.
O documento é bem claro ao afirmar que as recomendações indicam medidas
adequadas para assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso, em
igualdade
de condições com os demais. Pode acontecer em diferentes ambientes e em
instalações
abertas ao público ou de uso público, em áreas urbanas e até em zonas rurais e
costeiras.
As medidas estabelecidas para a acessibilidade estão contidas numa cadeia
turística que
está envolvida por alguns elementos, são eles: agentes ou agências de turismo,
informação e publicidade (preparação, informações e reservas), ambientes urbanos
e
arquitetura, modos de transporte e estações, alojamento e restauração,
atividades
culturais (museus, teatros, cinemas) e outras atividades e ou eventos
turísticos. Dentro
destes elementos, destacamos as medidas indicadas para as atividades culturais,
especificamente os museus e outros edifícios de interesse, as medidas ressaltam
a
importância de resolver os problemas de acessibilidade ao equipamento, seja com
instalação de elevadores ou rampas de acesso. Quanto às informações no interior
dos
museus, devem levar em conta pessoas com deficiência auditiva ou visual,
fornecendo
as informações de forma escrita e também em formato de áudio. Outro elemento
fundamental envolve a capacitação dos funcionários para acolher e servir todos
os
visitantes sem qualquer distinção, incluindo a comunicação com pessoas com
deficiência auditiva. Ainda neste contexto, ressaltam que o turismo acessível
para todos
não é apenas a facilidade de acesso a pessoas com deficiência em espaços
públicos e ou
privados, mas também envolve a criação de ambientes dotados com desenho
universal e
que apoiam as pessoas com deficiências temporárias, famílias com crianças
pequenas,
idosos e até mesmo um ambiente seguro para os próprios funcionários do local.
Para facilitar o acesso em diferentes espaços e em diferentes situações durante
a
prática do turismo é preciso ter consciência do que é o turismo acessível,
embora, já tenhamos visto não se tratar de uma questão exclusivamente de
acessibilidade de forma
física, alguns autores definem as suas conceções de acessibilidade e as suas
prioridades,
Michopoulou e Buhalis (2013, p.230) consideram quanto à acessibilidade em
ambientes
físicos que:
-
People with different impairments are faced with a variety of
barriers. Examples of physical barriers include steps, stairs, and
heavy doors for people with mobility impairment; inadequate
lighting, poor color contrast, lackof tactile guide paths for
visually impaired people; and a lack of induction loops and
alternative fire alarm signals (e.g., vibration pad or flashing
lights) for people with hearing impairments. These barriers
make tourism experiences less accessible for people with
disabilities or, in some cases, suggest that they cannot practice
tourism at all.
Os autores mostram algumas barreiras que podem interferir em todo o processo
da prática do turismo. A questão dos degraus, das escadas, as portas pesadas e
tantos
outros casos, dificultam a acessibilidade aos locais de interesse. Vale
ressaltar que não
se trata apenas de deficientes físicos, pessoas com mobilidade temporariamente
reduzida: mulheres grávidas ou com carrinhos de bebe, idosos com bengalas ou
pessoas
em idade adulta que estão com alguma parte do corpo imobilizada, podem sofrer
dificuldades ao tentar acessar prédios ou monumentos, caso não estejam
devidamente
acessíveis.
Este capítulo tem como objetivo apresentar a cidade do Porto com elementos
mais específicos como o turismo, a importância do Centro Histórico e as
políticas de
acessibilidade presentes na cidade do Porto. Dividimos este capítulo em três
subcapítulos, o primeiro subcapítulo, intitulado: A cidade do Porto e o turismo,
apresentando o importante papel do turismo para a cidade do Porto, a
diversificação da
oferta de roteiros e qual o cenário atual de projetos, investimentos, prémios e
destaques
da cidade. O segundo com o título O Centro Histórico do Porto e a classificação
da
UNESCO, onde apresentamos o Centro Histórico e suas principais características,
dentre elas a sua classificação como Património Mundial da Humanidade e alguns
elementos a considerar quanto à legislação patrimonial. No terceiro subcapítulo
intitulado pensando o Porto a partir da sua acessibilidade, destacamos as
principais
intervenções realizadas na cidade do Porto com relação à acessibilidade e as
ações da
Provedoria Municipal dos Cidadãos com Deficiência.
A cidade do Porto ocupa uma área de cerca de 4000 ha, entre os paralelos 41º8’
N e 41º11’N e entre os meridianos 8º33’W e 8º41’W Greenwich. Segundo Monteiro
(2001, p.4). a cidade “desenvolveu-se sobre uma plataforma ligeiramente
inclinada para
o oceano Atlântico cujas altitudes oscilam entre os 0m e os 160m”. Desta forma
não
podemos considerar uma cidade totalmente plana. Em seu amplo trabalho sobre a
cidade do Porto, Fernandes e Vasconcelos (2002, p. 229) consideram que:
O porto afirma-se com a reconquista cristã, que se opõe à
expansão mulçumana, e toma como seu senhor o Bispo D.Hugo
(em 1114), (...) Socialmente a cidade do Porto está marcada pela
proibição dos nobres nela residirem, ou mesmo pernoitarem, o
que facilita a consolidação do poder do bispo. Por outro lado, o
estabelecimento dos franciscanos e dominicanos, se fixam a
ocidente, na margem direita do Rio da Vila (1233-38), (...).
Mesmo com as grandes disputas de território entre a Igreja e a Coroa portuguesa,
o processo de crescimento do espaço urbano deve levar em consideração que a
muralha
exerceu um papel importante na estruturação da cidade, “pela fundamental
importância
das vias radiais e pelas características marcadamente geomórficas dos
arruamentos, que
resultam da progressiva urbanização de antigos caminhos.” (Fernandes e
Vasconcelos,
2002, p. 231). A contextualização histórica da cidade do Porto tem a sua devida
importância, porém decidimos explorar de um modo geral os aspectos históricos
mais
recentes e a caracterização do clima do município.
Em termos populacionais, segundo Porto Vivo (2005, p.3):
-
A grande área metropolitana do Porto é centro económico de
uma região que influencia o grande noroeste peninsular
português e galego assim atingindo um universo de 7 milhões de
pessoas. A aglomeração metropolitana tem mais de 1,2 milhões
de habitantes, a Baixa 70.000 e o Centro Histórico cerca de
13.000.
Outra característica importante destacada pelo Porto Vivo (2005, p.4) ressalta
que o Porto “É, por natureza, capital do vinho – Porto, Douro e Verde (...) O
que há de
diferente e valioso na região passa necessariamente pelo Porto”. A junção de
diferentes
produtos estratégicos, equipamentos urbanos, localização geográfica e outros
fatores,
fazem do Porto a segunda cidade mais importante do país. O clima, por exemplo, é
um
fator a considerar para quem escolhe um destino para visitar. Neste sentido,
quanto ao
clima da cidade do Porto. Segundo Monteiro (2001, p.6):
Localizada, geograficamente, numa área, frequentemente,
influenciada pela acção moderadora do mar, a cidade do Porto,
reflecte, ao longo do ano, uma diversidade de mosaicos
climáticos que, em média, se caracterizam por uma oscilação
térmica entre os 20°C em Julho e Agosto e os 9°C em Dezembro
e Janeiro e ocorrência de precipitação em cerca de metade dos
dias do ano.
Outras duas características climáticas da cidade tem a ver com a duração do
período do verão e do inverno. Os dias mais quentes do ano começam a partir do
final
de Junho e duram até o final de Agosto. Os períodos mais frios, tem início no
final de
Novembro e prolongam-se até o final de Fevereiro (Monteiro, 2001). Essas
informações
são imprescindíveis muitas vezes para a utilização no planeamento de propostas
de
atividades na cidade, para os dias em que o tempo estará favorável à realização
de
atividades ao ar livre, como por exemplo, ir à praia, fazer caminhadas pela
cidade,
participar de festivais de verão, feiras, dentre outros. [...]
A proposta destes percursos tem como principal objetivo atuar como um
exemplo da possibilidade que pessoas cegas e com baixa visão devem ter no acesso
universal às vias públicas e aos diferentes espaços e monumentos.
Para a elaboração dos percursos, como já referido na metodologia deste estudo,
levamos em consideração a área do Centro Histórico que corresponde à
classificação de
Património Mundial. A partir do mapa turístico oficial distribuído pelos postos
de
turismo definimos pelo menos seis critérios para a montagem dos percursos,
incluindo a
seleção das ruas. Os critérios são: tempo do percurso; distância percorrida;
pontos de
interesse; qualidade pedonal; ponto de partida e chegada e formato do percurso.
Mapa A: Mapa Centro Histórico do Porto com delimitação do Percurso I – Azul e II -
Vermelho. Fonte: Elaboração própria a partir da Base do mapa do Posto de turismo - Câmara
Municipal do Porto.
Inicialmente definimos que o tempo ideal para cada percurso não deveria
ultrapassar 4
horas e a distância percorrida seria de aproximadamente 3 quilómetros. Para a
escolha
dos pontos de interesse levamos em consideração os patrimónios históricos e
culturais,
igrejas, praças, miradouros, lojas de artesanato e souvenir e restaurantes
temáticos.
Definimos que as ruas seriam escolhidas de acordo com a qualidade pedonal, ou
seja, as
ruas que apresentassem uma menor quantidade de barreiras físicas como;
escadarias,
desníveis muito acentuados e passeios estreitos. Para os pontos de partida e de
chegada,
consideramos importante a escolha de pontos de referência significativos, como a
estação de comboios de São Bento, pelo seu importante papel histórico e de
confluência
de transportes e a Catedral/Sé pela sua proximidade com o posto de turismo, a
possibilidade de uma bela vista sob a cidade e a facilidade de transportes. Com
relação
ao formato do percurso, entendemos que o formato circular torna-se adequado ha
medida em que indicamos o ponto de partida e de chegada em locais de grande
oferta de
transportes públicos e privados. De referir que todos os critérios têm como
objetivo
proporcionar, na medida do possível, conforto e segurança para os turistas com
deficiência visual, porém algumas ruas ainda apresentam pontos críticos e devem
ser
percorridas com atenção.
Os percursos não incluem a entrada nos monumentos, com a exceção do
Miradouro da Vitória no Percurso I. Entendemos que a entrada nos monumentos
levaria
a outros desdobramentos do estudo, como por exemplo, a discussão sobre a
acessibilidade em ambientes internos, públicos e privados, não correspondendo ao
nosso estudo, que analisa o ambiente externo, nomeadamente a acessibilidade em
vias
públicas.
A indicação da direção do início dos percursos pode ser entendido como um
elemento facilitador e gera um ponto de referência para o deslocamento do
deficiente
visual. Ao mesmo tempo em que os dois percursos apresentam pontos coincidentes,
salientamos que cada percurso contém a suas peculiaridades. Para a apresentação
dos
percursos fazemos uma divisão em dois temas; no primeiro, intitulado, Caminhos a
seguir, indicamos as direções, ruas e pontos de interesse a percorrer. No
segundo,
intitulado experiências proporcionadas, indicamos algumas experiências que podem
ser
apreciadas pelos turistas com deficiência visual e que demonstram a relevância
de
percursos para este público. Para uma melhor visualização apresentamos os mapas
(Mapa A e B) que indicam a delimitação dos percursos e apresentamos algumas
imagens para exemplificar algumas situações citadas no decorrer do texto.
Mapa B: Delimitação dos Percursos I (azul) e II (vermelho) – Centro
Histórico do Porto
Percurso I – (Mapa B):
Caminhos a seguir: a proposta é que o percurso tenha início na Estação de
comboios de São Bento localizado na Avenida de D. Afonso Henriques, seguir em
direção a Igreja dos Congregados e virar a esquerda em direção à Torre dos
Clérigos na
Rua dos Clérigos, seguir em frente até chegar à Rua da Assunção; O próximo ponto
é o
Centro Português de Fotografia (antiga Cadeia da Relação). Para continuar o
percurso
basta seguir a Rua de São Bento da Vitória, passar pelo Mosteiro de São Bento da
Vitória, pela Igreja de Nossa Senhora da Vitória, seguir em frente e entrar no
Miradouro
da Vitória, um local de propriedade privada, mas que se encontra aberto para a
apreciação da paisagem. O percurso continua na Rua de São Miguel, ao virar à
esquerda
passar por um trecho da Rua das Taipas e ao seguir em frente continuar na Rua do
Belmonte. Virar a direita na Rua de Ferreira Borges e passar pelo Mercado de
Ferreira
Borges, Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, Palácio da Bolsa e Estátua do
Infante na
Praça do Infante D. Henrique. Atravessar a Rua do Infante D. Henrique, passar
pela
Igreja de São Nicolau, seguir em frente e virar à direita na Rua da Alfândega e
passar
em frente à Casa do Infante. Seguir em frente e virar à esquerda e passar pelos
Cais da
Estiva e Ribeira, passar pela Praça da Ribeira. Seguir em frente na Rua de São
João,
virar a direita na Rua de Mouzinho da Silveira e terminar o percurso no topo da
Rua
junto à entrada da estação de Metro – São Bento.
Experiências proporcionadas: com a realização deste percurso o turista terá
diferentes experiências dependendo da altura do ano e sentirá as diferenças que
existem
ao longo do caminho e a atenção a alguns detalhes. Ao começar pela estação de
comboios de São Bento, poderá sentir o cheiro das castanhas assadas,
sentir
um grande fluxo de pessoas e carros a passar. Na Rua de Assunção é preciso ter
em
atenção a passagem do Elétrico. Ao sair da Rua de Assunção e ao entrar na Rua de
São
Bento da Vitória é preciso ter cuidado, pois não há limites bem definidos quanto
ao que
é passagem de veículos ou de peões. A entrada no Miradouro da
Vitória
tem como principal característica levar ao turista uma experiência única de
apreciação
da paisagem. Neste ponto é possível ter um panorama do encontro entre a cidade
do
Porto e a cidade de Vila Nova de Gaia, que estão separadas pelo Rio Douro. Neste
espaço é preciso ter atenção a falta de condições de segurança, pois o terreno
encontrase
desnivelado e o muro de proteção tem pouca altura. Ao continuar o percurso e descer pela Rua de São Miguel, Rua das Taipas e Rua
do Belmonte proporcionam-se momentos de experiência com os residentes. O som de
músicas em alto volume em algumas casas, algumas senhoras a conversar através
das
suas janelas, os cachorros a ladrar, as gaivotas a levantar voos rasantes em
busca de
comida, revelando algumas características daqueles que residem neste lugar.
Descer a
Rua de Belmonte pode ser considerado uma aventura ou simplesmente um ponto de
perigo eminente e a atenção deve ser redobrada, pois as ruas são extremamente
estreitas
e não permitem a circulação de pessoas que seguem em sentidos opostos, sendo
muitas
vezes necessário desviar e sair do passeio seguindo pelas vias por onde passam
os
carros. Na Rua de Ferreira Borges, para além dos pontos de interesse a Praça do
Infante
D. Henrique é um ponto estratégico, pois a presença de árvores, relvado e bancos
são
opções de descanso. Na travessia da Rua do Infante D. Henrique o turista terá a
oportunidade de atravessar por uma passadeira com sinalização tátil, a única
existente
por todo o percurso. Após a passagem pela Rua da Alfândega, a chegada ao Cais da
Estiva e da Ribeira pode ser considerada um dos pontos mais relevantes do
percurso.
Neste ponto o turista poderá ouvir o som e sentir a brisa do rio, perceber a
movimentação das pessoas e ouvi-las nas esplanadas a beber e comer. O cheiro de
sardinha assada, de iscas fritas, pode proporcionar uma agradável experiência ao
olfato
e ao paladar. Neste ponto também é preciso redobrar a atenção, pois não existe
sinalização ou qualquer barreira entre o passeio e o Rio Douro. Para
finalizar o percurso a subida pela Rua de São João pode ser considerada
cansativa
devido a sua inclinação. A passagem pela Rua de Mouzinho da Silveira em direção
à
estação de Metro – São Bento leva a conhecer a grande e variada oferta de lojas
de
artesanato local e nacional, alguns bares e pequenos restaurantes. A rua também
apresenta uma pequena inclinação, porém por apresentar um passeio de largura
generosa, proporciona uma passagem confortável e sem grandes obstáculos físicos.
De um modo geral, o Percurso I apresenta um nível médio e elevado de
dificuldade para a sua realização, pois algumas ruas apresentam uma inclinação
considerável e ao subí-las pode gerar o cansaço de alguns turistas, dependendo
de
fatores como idade ou condições físicas. O tempo médio para a realização de todo
o
percurso é de 4 horas.
Percurso II – (Mapa B)
Caminhos a seguir: a proposta é que o percurso tenha início na Catedral/Sé
onde a paisagem pode ser apreciada no Miradouro em frente ao Pelourinho. Para
dar
continuidade ao percurso, descer a Avenida de D. Afonso Henriques e seguir em
direção a Estação de comboios de São Bento, em seguida virar na Rua de Mouzinho
da
Silveira e seguir em frente até virar à esquerda na Rua de São João. Seguir até
a Praça
da Ribeira. Ao chegar no Cais da Ribeira virar a esquerda e seguir em direção a
Ponte
Luis I. Indicamos a travessia da Avenida Vimara Peres até chegar ao Funicular
dos
Guindais. No topo do Funicular atravessar a Rua de Saraiva de Carvalho, passar
pelo
Largo 1.º de Dezembro, próximo à Igreja de Santa Clara, seguir em frente até
chegar ao
ponto final na Calçada de Vandoma.
Experiências proporcionadas: com a realização deste percurso o turista terá a
oportunidade de passar por pontos de interesse relevantes. No ponto inicial,
Catedral/sé
para além da apreciação visual já indicada no Miradouro em frente ao Pelourinho
o turista poderá através de experiências táteis, verificar a espessura e
rugosidade das
escadarias e da parede externa da Catedral e verificar o material utilizado para
a
construção destes monumentos históricos. Ao descer pela Avenida de D. Afonso
Henriques pode vivenciar um passeio agradável, por conta da extensa largura do
passeio. Descer pela Rua Mouzinho da Silveira, conforme sinalizado no Percurso
I, é
agradável devido à largura do passeio, a diversidade de lojas de artesanato e
pequenos
restaurantes. Após a descida da Rua de São João e chegada a Praça da Ribeira,
também
sinalizado no Percurso I, é possível sentir no Cais da Ribeira a brisa do Rio
Douro,
experimentar a diversidade da culinária portuguesa nos diversos restaurantes que
estão
presentes nos Cais da Ribeira e dos Guindais. Para dar continuidade ao percurso
a
experiência de subir no Funicular dos Guindais pode proporcionar mais um momento
de
apreciação da paisagem. O funicular desempenha um importante papel de auxílio na
deslocação dos turistas, evitando maiores esforços físicos, tão necessários para
subir até
chegar novamente ao ponto de partida. Com a chegada ao topo do funicular dos
Guindais, o turista ainda passa pelo Largo 1º de Dezembro, onde encontra árvores
e
bancos, sendo interessante para paragem e possível descanso. Ao seguir a Rua de
Saraiva de Carvalho em direção a Catedral chegará na Calçada de Vandoma. Com o
fim
do percurso o turista poderá descer novamente a Avenida de D. Afonso Henriques e
verificar as diferentes opções de transportes disponíveis no Centro Histórico.
De um modo geral, o Percurso II apresenta um nível fácil de dificuldade para a
sua realização, a maior parte das ruas são percorridas descendentemente e
dependendo
do ritmo de cada turista, o tempo aproximado para a realização de todo o
percurso é de
3 horas.
A ideia de propor dois percursos tem como finalidade oferecer ao turista a
possibilidade de escolher o percurso mais adequado para as suas necessidades.
Essa
escolha pode acontecer a partir da análise de algumas variáveis como: o tempo
disponível e os pontos de interesse do turista.
A proposta de percursos que não considera a entrada nos monumentos não é
inédita, algumas empresas especializadas em turismo oferecem percursos nas
cidades
onde os guias turísticos descrevem os monumentos e explicam a história da
cidade,
desta forma, conseguem apresentar ao turista que não dispõe de tanto tempo e
pretende
passar pelo maior número de pontos de interesse. Se o ponto for realmente do
interesse,
o turista poderá voltar àquele local em outro momento. Se o turista não tiver um
guia
turístico, também pode utilizar guias impressos ou aplicativos. Para um turista
deficiente visual, a não entrada nos monumentos pode acarretar a falta de
interesse pelo
percurso, porém, a experiência pode se tornar positiva se houver material
disponível que
auxilie tanto na deslocação pelas ruas como dentro dos monumentos.
Os percursos aqui apresentados têm como diferencial a proposição de
experiências mais intimistas. Sabe-se que uma pessoa cega ou com baixa visão,
utiliza a
audição como forma de orientação no espaço. Durante todo o percurso a atenção do
turista com deficiência visual é sempre redobrada, em muitos casos, por não
estar
familiarizado com o local visitado. A ideia destes percursos é também chamar a
atenção
para que o turista possa refletir e aproveitar cada momento. Em determinados
locais, por
exemplo, Miradouro da Vitória ou no terreiro da Catedral/Sé, as pessoas têm uma
vista
privilegiada da cidade, acreditamos que uma pessoa cega deve conhecer esses
locais, e
que estes estejam adaptados para recebê-las. Essa adaptação pode acontecer com a
colocação de placas em alto-relevo com a caracterização da paisagem ou a
descrição de
alguns elementos em Braille. Mesmo sem a possibilidade de ver a paisagem, as
pessoas
com deficiência visual também podem senti-la, ouvindo o som de aves ou sentindo
o
vento no rosto.
Para além das experiências no Miradouro ou em pontos altos da cidade, durante
os percursos é possível perceber as diferentes dinâmicas no Centro Histórico.
Ouvir o
sotaque peculiar das pessoas que moram na baixa do Porto, sentir o cheiro de
castanha
assada ou de sardinha em diferentes alturas do ano, ouvir o barulho dos barcos a
passar
pela ribeira, ouvir o burburinho de tantos turistas juntos na praça da ribeira,
o “pregão”
(espécie de grito das mulheres a tentar chamar a atenção dos clientes para
comprar o seu
artesanato.) Para além destas experiências podem degustar um bom vinho ou
saborear
uma boa comida típica, obtendo uma experiência positiva do lugar.
O interesse pelos estudos relacionados com o turismo para as pessoas com
deficiência visual partiu de uma inquietação, onde percebemos a existência de
pessoas
que não conseguem ter acesso aos diferentes serviços e bens culturais por conta
de
barreiras de acessibilidades em vias públicas e ambientes internos. Esta
dissertação teve
como principal objetivo propor percursos turísticos para pessoas com deficiência
visual
no Centro Histórico da cidade do Porto, nomeadamente nas vias públicas. Com a
finalidade de tornar esses percursos acessíveis, consideramos legítima a
realização do
diagnóstico das barreiras encontradas durante os mesmos, sendo os resultados
encaminhados em forma de proposta aos órgãos responsáveis pela manutenção das
vias
públicas da cidade do Porto.
Quando decidimos trabalhar o turismo para pessoas com deficiência visual,
estávamos cientes de algumas dificuldades que poderíamos enfrentar. A escassa
bibliografia em português e inglês ligadas diretamente às experiências
turísticas deste
público específico, fez-nos perceber um campo de estudos ainda por crescer. Para
este
estudo decidimos trabalhar com algumas questões que consideramos fundamentais
para
o entendimento deste processo, dentre elas a deficiência visual e o turismo, o
planeamento nas cidades e as políticas públicas de acessibilidade. Em termos
mais
específicos trabalhamos a cidade do Porto e o seu Centro Histórico.
Para o referencial teórico entendemos que a deficiência num dos sentidos seria o
indicativo para percebermos a importância que os sentidos têm na construção da
relação
entre o Homem e o meio em que vive. Essa relação pode acontecer desde
experiências
quotidianas até às experiências turísticas, envolvendo as sensações do corpo
humano em
diferentes ambientes, recebendo estímulos de diferentes fontes, através dos
sons, do
toque, do cheiro, do sabor e de elementos visuais. (Tuan, 1980; Kanashiro, 2003;
Sousa,
2007; Torres & Kozel, 2010).
Quanto à importância da experiência turística para pessoas com deficiência
visual, os elementos analisados vão desde o estudo e diagnóstico das barreiras
enfrentadas pelos deficientes até ao direcionamento destes estudos para o
investimento
assertivo por parte da indústria do turismo. Os estudos reforçam a ligação tanto
para o
desenvolvimento económico, como para a criação de uma sociedade inclusiva,
através
da diminuição de barreiras físicas, tecnológicas e psicológicas. (Yau, McKercher
& Packer, 2004; Richards, Pritchard & Morgan, 2010; Small, Darcy & Packer, 2012).
Neste estudo os dados estatísticos internacionais e nacionais serviram para
percebermos de certa forma a dimensão da deficiência visual no mundo e em
Portugal.
A OMS afirma a existência de 245 Milhões de pessoas com deficiência visual no
mundo. Já em Portugal, de acordo com o INE, existem aproximadamente 27 mil
pessoas que afirmam não conseguir “Ver”. A partir destes dados também foi
possível
estudar como o turismo tem sido desenvolvido em termos de políticas e promoção
da
acessibilidade de alcance mundial e nacional.
Com relação ao planeamento das cidades, ficou evidente com o passar das
décadas as transformações no que diz respeito às formas e visões de planear as
cidades. (Partidário,1999). Já as políticas públicas de acessibilidade em Portugal, ainda
aparecem
como casos excepcionais, quando deveriam ser apresentados como regras.
Verificou-se
o atual investimento na elaboração de planos de acessibilidade nas cidades, mas
a
aplicação destes ainda pode ser considerada pouco significativa.
A escolha da cidade do Porto e do seu Centro Histórico para a realização deste
estudo deve-se principalmente a alguns fatores como a importância turística da
cidade e
o seu crescimento recente, bem como a sua relevância histórica e importância
económica no cenário regional e nacional. O facto de residir nesta cidade também
foi
um fator importante para a tomada de decisão, pois facilitou o trabalho de campo
num
território já conhecido. Com relação ao que foi estudado sobre a cidade, demos
prioridade a alguns elementos históricos e uma breve caracterização da sua
localização.
Destacamos o Centro Histórico, principalmente quanto à sua classificação como
Património Mundial da Humanidade, atribuída pela UNESCO.
A ideia de propor percursos para pessoas com deficiência visual, ficou ainda
mais evidente quando percebemos que na cidade do Porto a oferta de percursos e
de
serviços para este público ainda é precária. Como forma de ligação entre o
estudo
empírico e a parte prática, definimos que a Associação dos Cegos e Amblíopes de
Portugal (ACAPO) seria a associação ideal para o apoio e desenvolvimento dos
objetivos estabelecidos, por se tratar de uma associação de referência pelo seu
trabalho
com as pessoas com deficiência visual em Portugal.
Para nortear a nossa pesquisa o cumprimento dos procedimentos metodológicos
estabelecidos foi fundamental. O levantamento bibliográfico, a definição da área
de
estudo e o contato com as instituições de interesse, possibilitaram o
aprofundamento do
estudo e o retorno de profissionais da temática envolvida, qualificando o estudo
proposto como uma iniciativa positiva e importante para o desenvolvimento e
requalificação urbana, para além da oportunidade de sensibilizar as pessoas
quanto às
barreiras enfrentadas pelos deficientes visuais.
As visitas de reconhecimento da área de estudo foram importantes para conhecer
a mesma e posteriormente elaborar a proposta dos percursos, tendo por base os
critérios
anteriormente explicados. Com os percursos definidos, realizamos visitas mais
constantes para a verificação das barreiras existentes em toda a sua extensão.
As visitas
foram necessárias, para o possível surgimento de barreiras ainda não
identificadas.
Em termos de entrevistas, consideramos que a aplicação de entrevistas
semiestruturadas
permitiu a fluidez das conversas e a obtenção de dados qualitativos.
Algumas entrevistas não foram referidas no decorrer da dissertação, pois as
mesmas
tinham como finalidade perceber questões mais práticas do dia a dia de uma
pessoa com
deficiência visual, não interferindo diretamente na construção e análise do
percurso.
Durante as entrevistas e leituras mais aprofundadas, percebemos que a definição
de termos a utilizar na tese e no próprio tratamento com as pessoas cegas e com
baixa
visão, seria relevante. No início tratávamos os cegos como invisuais, porém o
termo
cego foi apresentado como a forma mais adequada e aceite pelas pessoas cegas,
visto
que não há qualquer constrangimento para a utilização do mesmo. Esta situação é
semelhante no Brasil, mas pode variar noutros contextos geográficos. Ainda
quanto à
metodologia, definimos que seria importante a conversa com os deficientes
visuais da
ACAPO com a finalidade de perceber quais as experiências em termos de atividades
turísticas e realização de percursos. Por uma série de fatores administrativos
da ACAPO
a conversa aconteceu de forma tardia no desenvolvimento desta investigação, por
tanto,
por uma questão de tempo hábil para a conversa, realizamos um focus group,
reunindo
8 associados. Em termos de dados obtidos, consideramos positivo e os mesmos
foram
utilizados para a construção de um perfil básico do grupo. Porém, acreditamos
que a
realização de vários focus group com outros grupos de associados da ACAPO
poderia
gerar novas perspetivas diante de um mesmo assunto.
Em relação ao teste dos percursos, também por uma questão de tempo
disponibilizado pela ACAPO, conseguimos realizar apenas o teste completo do
Percurso I (mais extenso). O segundo percurso (Percurso II) possui apenas o
teste das
ruas que coincidem com o Percurso I. Entendemos que a não realização do teste do
Percurso II, não invalida a proposta, pois as condições físicas encontradas em
ambos os
percursos são similares. O teste permitiu a confirmação de alguns elementos já
identificados a priori e a identificação por parte do grupo de barreiras ainda
não identificadas. Durante a realização do teste, nomeadamente no Miradouro da
Vitória,
evidenciamos a proposta de um percurso mais intimista, valorizando momentos de
apreciação da paisagem ao fazer sentir os sons e os cheiros ao redor daquele
lugar.
Desta forma evidencia-se que as experiências podem ser vividas através dos
diferentes
sentidos (Rodaway, 2002).
Em termos de dificuldades ao longo da pesquisa, conforme já referido, o escasso
material bibliográfico pode ser considerado um elemento desfavorável para a
construção
e análise do estudo. Para a realização das entrevistas a Provedoria Municipal
dos
Cidadãos com Deficiência não apresentou dificuldades e mostrou-se disponível
para o
esclarecimento de possíveis dúvidas. A ACAPO também se mostrou aberta para o
apoio
e disponibilização de informações, sendo a única dificuldade a efetivação da
discussão
com os seus associados e a marcação da data para o teste dos percursos. Apesar
de não
ter construído mapas mais sofisticados, acreditamos que os mapas aqui
apresentados
conseguem transmitir de forma fiável as ideias propostas, reafirmando que se
podem
utilizar ferramentas simples e acessíveis na construção destes materiais de
apoio.
De uma forma geral a combinação entre o aprofundamento das leituras, as
conversas estabelecidas com diferentes profissionais, a realização do focus
group e o
teste do percurso, permitiram a visualização e o diagnóstico, ainda que de forma
local,
das barreiras que as pessoas com deficiência visual enfrentam nas vias públicas,
neste
caso as vias que fazem parte do Centro Histórico do Porto. A partir destas
constatações,
torna-se imprescindível o encaminhamento deste diagnóstico às autoridades
competentes, representadas aqui pela Provedoria Municipal dos Cidadãos com
Deficiência da cidade do Porto, visto que um dos seus papéis encontra-se na
intermediação entre as necessidades dos cidadãos com deficiência e a efetivação
de
ações nomeadamente no que se refere à requalificação de vias públicas.
Durante a criação da proposta dos percursos, tivemos que optar pela análise
das vias públicas, excluindo a análise quanto à acessibilidade dos ambientes
internos
(museus, igrejas, restaurantes), esta decisão teve como base a constatação de
que não
haveria tempo suficiente para o levantamento e diagnóstico de qualidade do
ambiente
interno e externo. Sendo a análise do ambiente externo uma prioridade no que diz
respeito às possibilidades de requalificação, por depender dos órgãos públicos,
enquanto
que as requalificações dos ambientes internos dependem dos proprietários de cada
estabelecimento.
Torna-se fundamental referir a importância da continuidade deste estudo.
Poderíamos indicar o desenvolvimento de outros estudos com a aplicação desta
mesma
temática porém em outras cidades, não somente nos centros históricos, bem como a
realização de estudos comparativos ou estudos que combinem a análise de
ambientes
internos e externos, dentre outros. Em termos de metodologia poderíamos
considerar a
realização de mais focus groups com um mesmo grupo ou diversos grupos de pessoas
com deficiência visual, a realização de vários testes de percursos ou atividades
em
conjunto com os deficientes visuais, a analise das dificuldades existentes nos
percursos
a partir das diferentes condições climáticas no decorrer de um determinado ano e
por
fim a análise de empresas especializadas em turismo acessível. Ao encaminhar
este
estudo para um futuro pesquisador, é preciso salientar que para a aplicação do
estudo
feito é necessário a união de esforços dos órgãos competentes e dos cidadãos,
por tanto,
a sensibilização para com as pessoas, torna-se fundamental para o sucesso de uma
pesquisa.
ϟ
excerto de:
'Turismo e Acessibilidade para os Deficientes Visuais: proposta de percursos no
Centro Histórico do Porto, Portugal'. autora:
Ivna Carolinne Bezerra Machado
Universidade do Minho | Instituto de Ciências Sociais
(2014) Tese de Mestrado | Mestrado em Geografia
Área de especialização em Planeamento e Gestão do Território
Trabalho efectuado sob a orientação do Professor Doutor João Carlos Vicente
Sarmento e co-orientação do
Professor Doutor Christian Dennys Monteiro de Oliveira
Δ
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