
RESUMO | Dentre as
diversas situações da vida humana que se constituem nas
interações sociais, aquelas entre a mãe vidente e seu filho
com deficiência visual destacam-se pela importância para o
desenvolvimento da criança. O objetivo deste estudo foi
caracterizar as classes de interação mãe vidente-criança
cega definidas/nomeadas como “Ganho” ou “Perda” de
oportunidades de ensino pela mãe para seu filho com
deficiência visual no contexto de alimentação da criança.
Participaram uma mãe vidente e seu filho com cegueira
congênita. As interações mãe vidente-criança cega
foram vídeo-gravadas pela mãe, durante a alimentação da
criança, na residência da díade. Para análise dos
desempenhos da interação mãe vidente-criança cega foram
empregados protocolos de tratamento e análise de dados
destinados às crianças com e sem deficiência visual. Em
relação aos comportamentos da mãe, os resultados indicaram
maior número de ocorrências de oportunidades de ganho,
sinalizando o aproveitamento pela mãe das possibilidades de
promover o desenvolvimento da criança. Em relação ao
desempenho da díade, houve maior número de ocorrências de
perda. Este último resultado requer análises adicionais e a
discussão sobre a elaboração de instrumento de análise
apropriados ao exame das condições de desenvolvimento da
população de crianças com deficiência visual.
1. Introdução
Muitas situações da vida humana, se não a maioria delas, se constituem de
interações
“sociais”. Para Carvalho (1988), interação social é a ação mútua entre objetos e
sujeitos ou entre
sujeitos. É um estado ou processo de regulação recíproca, inferido a partir do
comportamento
dos integrantes. O termo interação engloba, no mínimo, o recorte composto por um
comportamento
de cada parceiro, sendo que se o comportamento de um indivíduo não for
respondido
pelo seu alvo, não há evidências de que ocorreu a interação (SEIDL DE MOURA,
1999). De
acordo com Carvalho (1988), o caráter bidirecional é intrínseco ao conceito de
interação e este
processo tem sido compreendido como um modelo de comunicação marcado por seu
ritmo,
sincronia, ajuste mútuo e, especialmente, reciprocidade.
No campo de pesquisas sobre a interação social, destacam-se as investigações
sobre
características da interação mãe-bebê nas etapas iniciais do desenvolvimento,
tais como reciprocidade,
comunicação, linguagem (SEILDL DE MOURA et al., 2004). A realização dos estudos
é justificada pela contribuição significativa para a compreensão do
desenvolvimento humano.
Sabe-se que relações iniciais, em especial a interação entre mãe-bebê, são
essenciais, senão
decisivas, em toda a aquisição e desenvolvimento da criança. Além disso, a
interação entre
a mãe e seu filho é um aspecto significativo na promoção de um ambiente familiar
estimulante
que pode trazer consequências significativas para o desenvolvimento infantil
(OLIVEIRA; MARQUES,
2005).
As interações mãe-bebê parecem ser orientadas por dois elementos fundamentais: a
reciprocidade e a comunicação (RIBAS; MOURA, 1999). De acordo com Ribas (1996
apud Seildl
de Moura et al., 2004), a reciprocidade na interação exige que os parceiros
respondam aos
comportamentos um do outro e que os episódios interativos sejam, sobretudo,
sustentados
por ambos. Quanto à comunicação, a autora aponta que ela pode acontecer por meio
do contato visual, sorrisos, vocalizações, posturas, gestos, expressões faciais,
tom de voz, postura corporal,
brincadeiras e choro. Na interação destes parceiros fica nítido que mãe e bebê
são sensíveis
aos sinais um do outro e respondem a eles. A mãe pode atribuir significados aos
comportamentos do bebê de acordo com os contextos de troca e conhecimento sobre
seu
filho.
O forte investimento no estudo das interações mãe-criança e das condições que
oferecem
oportunidades de desenvolvimento para o bebê produziu informações relevantes
para
conhecer e promover relações positivas entre mães e suas crianças. Os
participantes da pesquisa
eram sobretudo mães e crianças situados no padrão de desenvolvimento esperado
para a
maior parte da população. Entretanto, os estudos sobre as interações entre mães
e crianças
com algum tipo de deficiência tem sido menos frequente.
O estudo das interações entre mães videntes e seus filhos com deficiência visual
(baixa
visão ou cegueira) é ainda mais escasso. Embora dados numéricos confiáveis sobre
o número
de crianças com deficiência visual que vivem e se desenvolvem em famílias
consideradas
videntes não estejam disponíveis, é possível inferir que boa parte das crianças
que nascem ou
adquirem alguma deficiência visual crescem e convivem com pessoas que enxergam.
Em um mundo organizado por e para quem tem visão, a falta do acesso visual ao
ambiente tem efeitos potenciais no desenvolvimento da comunicação da criança com
o mundo,
(CUNHA; ENUMO, 2003; FREITAS; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2007; MEDEIROS; SALOMÃO,
2012a; PÉREZ-PEREIRA; CONTI-RAMSDEN, 2008). A ausência da percepção visual na
criança
com deficiência visual pode dificultar o reconhecimento do ambiente, das pessoas
e de objetos.
Assim, a cegueira congênita pode comprometer o ciclo de possibilidades de
interação
convencional entre a mãe vidente e seu bebê cego, pela ausência de pistas
visuais que ajudem
a criança a se engajar em comportamentos interativos esperados pela mãe.
O sentimento de luto vivenciado pela família, diante do nascimento de uma
criança
cega, é outro aspecto que pode influenciar a relação da mãe vidente com seu
filho cego. O
choque ao nascimento de uma criança que não enxerga pode levar a família e, em
especial, a
mãe-vidente, a vivenciar um longo período de adaptação e aceitação gradual da
nova realidade
(CUNHA; ENUMO, 2003), podendo gerar, nos pais, sentimento de insegurança, medo e
a
ocorrência de comportamentos de superproteção (MEDEIROS; SALOMÃO, 2012a).
A dificuldade da mãe ou do cuidador diante do impacto da constatação da
deficiência
visual da criança quase sempre dificulta a interação da díade, podendo
influenciar o desenvolvimento
da criança. Muitos déficits apresentados por crianças cegas resultam da
dificuldade dos pais em encarregarem-se da responsabilidade de ensinar e/ou
criar contingências para
que a criança aprenda comportamentos responsivos e socialmente adequados
(FREITAS; DEL
PRETTE; DEL PRETTE, 2007). A compreensão errônea da mãe sobre a deficiência de
seu filho,
entendendo-a como limitante e incompatível com aprendizagens, acarreta baixas
expectativas
sobre o desenvolvimento e desempenho da criança (CUNHA; ENUMO; CANAL, 2006).
Pérez-Pereira e Conti-Ramsden (2008) destacam que, apesar da possibilidade de
haver
oportunidades para interações não visuais, há muita surpresa e falta de controle
por parte
da criança cega, o que pode torná-la relutante e temerosa em participar de
encontros sociais.
Estas reações por parte da criança podem gerar, no cuidador, a falsa impressão
de que a criança
não entende ou não se expressa emocionalmente, além de acarretar ansiedade e
ausência de
reação, por desconhecer o que fazer. Os autores destacam que isto dificulta a
exposição da
criança cega à regularidade de comportamentos contingentes dos pais,
prejudicando o desenvolvimento
da capacidade de antecipação e previsão de eventos futuros.
A importância da interação da mãe ou o adulto cuidador com a criança com
deficiência
visual tem sido destacada como condição imprescindível para o desenvolvimento da
criança
e, portanto, como contexto privilegiado para a superação de possíveis atrasos. A
relevância
desta interação, juntamente com a utilização de recursos linguísticos, vem sendo
destacada ao
se considerar as possíveis consequências da deficiência visual para o
desenvolvimento da criança
(CUNHA; ENUMO, 2003; FRANÇA-FREITAS; GIL, 2012; LAPLANE; BATISTA, 2008;
MEDEIROS;
SALOMÃO, 2012a; MEDEIROS; SALOMÃO, 2014; NUNES; LOMÔNACO, 2008).
É também na interação que a linguagem se estabelece e se mostra o principal meio
de
comunicação entre a criança e o ambiente a sua volta. Avaliada como uma das
ferramentas
para ultrapassar as possíveis limitações e atrasos impostos pela deficiência
visual, inclusive
àqueles na interação com seus parceiros, a linguagem parece atuar, de forma
relevante, na
promoção ativa do desenvolvimento da criança com deficiência visual, na
determinação da
interação social, na atribuição de sentido às experiências e na participação em
diversos ambientes
(CUNHA; ENUMO, 2003; LAPLANE; BATISTA, 2008; NUNES; LOMÔNACO, 2008).
O desenvolvimento das habilidades linguísticas e cognitivas da criança dependem
da
interação com as primeiras pessoas com as quais ela se relaciona, (MEDEIROS;
SALOMÃO, 2012a).
Assim, no desenvolvimento da criança com deficiência visual, o processo de
interação mãecriança
parece ser ainda mais crítico, já que uma estimulação adequada por parte dos
parceiros
de interação da criança, que sejam aptos e sensíveis para interpretar os
diferentes sinais
comunicativos do bebê, é fundamental para garantia de um ambiente estimulante e
a promoção de uma interação adequada e sincrônica (KREUTZ; BOSA, 2009). Estudos
com o objetivo
de analisar a interação mãe-bebê com deficiência visual foram realizados em
diferentes contextos.
Medeiros e Salomão (2012a), em um estudo com mãe-bebê com deficiência visual,
tiveram como objetivo analisar a interação por meio dos estilos de fala materna,
dos comportamentos
não verbais maternos e infantis e dos episódios interativos. Participaram deste
estudo
três díades mãe-bebê, os três bebês com deficiência visual total, na faixa
etária dos seis aos
treze meses no início das observações, e suas respectivas mães. Foi utilizada
uma câmera de
vídeo para registrar as interações entre as díades, em uma situação de brinquedo
livre. Foram
realizadas três filmagens por díade participantes. Cada filmagem durou 20
minutos para cada
observação. Os dados obtidos constituíram o recurso metodológico principal para
a análise
dos comportamentos comunicativos verbais e não verbais. Quanto aos estilos
comunicativos
maternos, para as mães de bebês com deficiência visual, predominou o estilo
diretivo que
pode ser representado por comandos ou ordens. Aconteceram, sobretudo, os
comandos denominados
diretivos de atenção, com a função de direcionar a atenção do bebê envolvendo-o
nas
atividades. Com isso, a análise realizada possibilitou verificar os aspectos em
comum das díades
e também as diferenças individuais, provavelmente pelas diferenças de idade dos
bebês.
Em outro estudo, Medeiros e Salomão (2012b) também trabalharam com crianças com
deficiência visual. O objetivo foi o de apreender as concepções maternas sobre o
desenvolvimento
de crianças na faixa etária dos dois aos sete anos de idade. Participaram dez
mães, com
idades entre 22 e 39 anos e suas crianças com deficiência visual. Foram
realizadas entrevistas
estruturadas com questões sobre o desenvolvimento da criança, bem como sobre a
percepção
materna a respeito do momento do diagnóstico e suas implicações. O objetivo do
estudo e os
discursos maternos orientaram a definição das categorias de análise das falas.
Quatro categorias
foram propostas: detecção da deficiência visual; reações frente à descoberta da
deficiência
visual; avaliação das características da criança (a partir das subcategorias
motor, linguística e
das relações sociais) e a percepção do desenvolvimento atual da criança
deficiente visual. As
verbalizações maternas evidenciaram que o atendimento especializado desde cedo é
importante
para lidar com as possíveis expectativas em relação ao desenvolvimento infantil.
Medeiros e Salomão (2014) ainda analisaram interações mãe-criança com
deficiência
visual a partir dos contextos de brincadeira livre e brincadeira estruturada. O
objetivo foi apreender
estratégias maternas que facilitavam a participação das crianças na interação e
identificar
cenas de atenção conjunta. Participou da pesquisa uma díade mãe-bebê. A criança
tinha 36 meses, cegueira decorrente de retinopatia da prematuridade, e a mãe
tinha 37 anos. Foram
realizadas observações com uso de filmagem, na residência da díade. Na situação
de brincadeira
livre, a estratégia materna em dar espaço à criança para iniciar a interação
favoreceu a
participação infantil. Na situação de brincadeira estruturada observou-se que o
comportamento
materno de aproximar objetos da criança ou de aproximar a mão da criança dos
objetos,
além de fazer uso de indicações gerais de como a criança deve utilizar os
recursos que
dispõe, possibilitou que a criança identificasse os objetos e suas localizações.
Evidenciou-se
que na díade mãe-criança com deficiência visual a atenção conjunta vai acontecer
com o emprego
do toque. Constatou-se também, que estratégias de questionar a criança sobre as
propriedades
dos objetos e de aproximá-los do espaço tátil da criança facilitam o
reconhecimento
e a posterior identificação.
O potencial da interação entre mãe vidente e sua criança cega para o
desenvolvimento
desta foi investigado no estudo de Gandolfine (2013). Buscou-se caracterizar a
interação
entre uma criança cega e sua mãe, em situações de alimentação, pela
identificação das oportunidades
oferecidas ou não pela mãe para a promoção de autonomia e para o desenvolvimento
do bebê. Participaram um bebê de 17 meses de idade (no início do estudo) com
deficiência
visual e desenvolvimento típico e sua mãe com 22 anos de idade. A coleta de
dados foi realizada
pela mãe, na residência da díade, durante um mês. Para tratamento e análise de
dados, as
gravações foram selecionadas de acordo com critérios pré-estabelecidos.
Posteriormente, foram
transcritas, literalmente, as ações da mãe e as ações da criança, em ordem
cronológica dos
acontecimentos.
As interações foram caracterizadas em função da possibilidade de resultarem em
aquisição de repertórios e do desenvolvimento para o bebê e em possibilidades de
ganhos
que não foram aproveitadas pela mãe. As possibilidades de promoção da autonomia
e do
desenvolvimento, proporcionados pelas interações, foram avaliadas. As categorias
foram
definidas como se segue: Ganho: Interação entre mãe vidente e a criança cega, na
qual as
oportunidades de aprendizagens foram exploradas pela mãe visando promover
aquisição
de repertórios pelo filho. Perda: Interação entre mãe vidente e a criança cega,
na qual as
oportunidades de aprendizagens aconteciam sem que fossem empregadas para ampliar
o
repertório da criança em relação à autonomia ou ao desenvolvimento nas situações
de alimentação
da criança. Nos resultados, observou-se maior frequência de ocorrência de
oportunidades
de aprendizagens perdidas, quando comparadas com oportunidades que
resultaram em ganhos para o bebê.
É importante destacar que se compreendeu “oportunidade” como o contexto composto
por: condições ambientais características de uma situação de alimentação -
alimentos, pratos
e talheres, mesa e cadeira; as iniciativas da mãe em relação às ações da
criança, as ações da
criança dirigidas ou não à mãe.
O estudo suscitou questões sobre quais comportamentos estariam especificados em
cada uma das situações denominadas Ganho e Perda, descritas pela análise da
interação entre
a mãe vidente e seu filho cego. Ou seja, quais foram as ações da mãe
identificadas como “aproveitar
oportunidades para aquisição de repertório pelo filho” e, ao contrário, quais os
comportamentos
da mãe que foram definidos como o “não aproveitamento de oportunidades para
estimulação do desenvolvimento da criança”. O repertório da criança cega pode
ser constituído,
por exemplo, pelo conhecimento dos objetos usados para alimentar-se ou do nome e
consistência
dos alimentos e também pela possibilidade de escolha do que vai comer, na
direção
de favorecer a autonomia e independência da criança. Considerou-se, então, a
importância de
descrever as características da interação mãe vidente-criança cega especificadas
nas categorias
definidas como Ganho e Perda. O objetivo deste estudo foi caracterizar as
classes de interação
mãe vidente com sua criança cega definidas/nomeadas como “Ganho” ou “Perda” de
oportunidades de ensino pela mãe para seu filho com deficiência visual, no
contexto de alimentação
da criança.
2. Método
2.1 Delineamento
Tratou-se de um estudo descritivo para a caracterização dos desempenhos de uma
díade mãe – bebê com deficiência visual (uma determinada população), sem o
objetivo de
identificar se as variáveis observadas se correlacionam ou estabelecem relações
causais entre
si (COLLADO; LUCIO; SAMPIERI, 2006). Uma das peculiaridades do estudo foi
empregar instrumentos
e técnicas padronizadas, testadas em outras pesquisas, para formular os
instrumentos
de análise dos dados obtidos pela observação sistemática (GIL, 2008). Este
trabalho situa-se na
área da Educação Especial, na investigação das interações de uma única díade
formada pela
mãe vidente de uma criança pequena cega. Não houve, portanto, a expectativa da
generalização
dos dados e, sim, a de oferecer resultados que poderão inspirar a atuação de
profissionais
em situações similares às dos contextos aqui tratados, a partir do julgamento da
relevância da
informação para as suas próprias circunstâncias (BRANTLINGER et al., 2005).
2.2 Participantes
O recrutamento dos participantes foi realizado em uma instituição para
atendimento
de pessoas cegas, frequentada pela criança. A mãe e a instituição foram
devidamente
esclarecidas sobre os objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
A criança participante informou o seu assentimento em uma brincadeira com a
pesquisadora.
Este estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da
Universidade Federal de São Carlos com o parecer número 1.147.034/2015.
M. era um menino com desenvolvimento típico e cegueira, decorrente de hipoplasia
do nervo óptico, com 21 meses de idade no início da coleta de dados. Filho
único, ele residia
com os pais em uma cidade de médio porte do interior paulista. M. frequentava o
ensino infantil
de uma creche municipal e recebia atendimentos especializados na área de terapia
ocupacional
em uma instituição para atendimento de pessoas com deficiência visual. O
diagnóstico
de hipoplasia do nervo óptico foi recuperado no prontuário da criança na
instituição de acordo
com avaliação realizada por ortoptista.
A mãe V., tinha 26 anos no início da coleta de dados, completou o ensino médio e
não
exercia atividade remunerada, dedicando-se integralmente ao filho.
2.3. Material e Instrumentos
Foi utilizada uma câmera filmadora Digital Sony Cyber-shot Dsc-w350 14.1mp para
a
coleta de dados; um computador Samsung, modelo Essential E22 para processamento
e análise
dos dados e os protocolos de transcrição e de análise de dados previamente
elaborados.
A avaliação do desenvolvimento adotou o “Roteiro de entrevista - Avaliação
educacional
de alunos com baixa visão e múltipla deficiência na educação infantil” ajustado
(BRUNO,
2005).
Quatro protocolos de análise foram empregados neste estudo. Dois protocolos
destinaram-
se à análise dos comportamentos da mãe vidente ou da criança cega. O terceiro
protocolo
visou a análise dos comportamentos dos pais videntes e o quarto protocolo serviu
à análise
das interações triádicas (e não mais do comportamento de cada participante da
interação).
Cada um dos protocolos foi elaborado para o tratamento e a análise dos
comportamentos da
mãe vidente e da criança cega durante as interações e para identificar
características das interações
diádicas e triádicas, mais do que de comportamentos de um ou outro parceiro na
interação.
O Protocolo para a análise dos comportamentos da mãe vidente foi elaborado
pela adaptação de três outros instrumentos empregados nos estudos de Gandolfine
(2013/um
protocolo) e Canosa e Postalli (2016/dois protocolos diferentes). Os protocolos
haviam sido
elaborados para atender propostas específicas de análise da interação mãe-bebê
nos estudos
originais. Canosa e Postalli (2016a) [5] adaptaram esses protocolos que foram
originalmente formulados
para a análise da interação mãe-bebê sem deficiência visual. A adaptação
empreendida
pelas autoras tornou-os úteis à análise da interação mãe-bebê com deficiência
visual (baixa
visão ou cegueira).
O protocolo de análise do comportamento da mãe vidente, empregado neste estudo,
designado por “Protocolo de análise do comportamento materno na interação mãe
vidente-criança
cega durante a alimentação” foi composto por 18 categorias designadas como se
segue:
Comentário Positivo; Dar Dicas; Comando; Rotulando; Contato Físico Positivo;
Modelando;
Brincar Sozinho; Olhar Dirigido à Criança; Fazendo uma questão; Repressão
Física; Imitação da
Vocalização da criança e/ou expansão; Ajuda Física; Comentários Negativos;
Correção de comportamento
Inadequado; Motivar a criança para; Descrição e antecipação das próprias ações
pela mãe a tarefa; Responder à Criança; Organização/Preparação. Esta nova
categoria de comportamento
materno (Organização/Preparação) se referiu a situações nas quais a mãe
organizava
os alimentos no prato do filho e preparava a colher, enchendo-a com o alimento,
para que
a criança a levasse a boca.
O Protocolo para a análise dos comportamentos da criança cega foi designado por
“Protocolo de análise do comportamento da criança cega na interação com a mãe
durante a alimentação”
e foi composto por 12 categorias designadas como se segue: Comentário Positivo;
Dar Dicas; Comando; Rotulando; Contato Físico Positivo; Modelando; Brincar
Sozinho; Olhar
Dirigido à Criança; Fazendo uma questão; Repressão Física; Imitação da
Vocalização da criança
e/ou expansão; Ajuda Física; Comentários Negativos; Correção de comportamento
Inadequado;
Motivar a criança para; Descrição e antecipação das próprias ações pela mãe a
tarefa; Responder
à Criança; Organização/Preparação.
O Protocolo para a Avaliação da interação diádica/triádica mãe vidente-criança
cega foi empregado com a finalidade de analisar as características da interação
pais videntecriança
cega. O protocolo foi adaptado por Canosa e Postalli (2016b) e empregado neste
trabalho
tal como proposto pelas autoras. Também para esta ferramenta de análise, o
instrumento denominado “Protocolo para avaliação da interação Diádica
(mãe-criança)” foi adaptado de
parte do Protocolo de Avaliação da Interação Diádica/Triádica formulado por
Piccinini, Frizzo
e Marin (2007) destinado a mães/famílias sem qualquer deficiência visual.
3. Procedimentos
O recrutamento dos participantes foi realizado pelo contato inicial com a
instituição
que atendia pessoas com deficiência visual. Um levantamento dos participantes
que atendiam
aos critérios estabelecidos para a pesquisa foi realizado: - ser uma criança com
deficiência
visual, com até 36 meses de idade e desenvolvimento típico. Uma criança foi
selecionada e sua
mãe contatada e convidada para uma reunião na qual foram apresentados os
objetivos da
pesquisa, os procedimentos adotados e o tempo necessário para a coleta de dados.
Após esclarecimentos e concordância da mãe em participar do estudo junto com seu
filho, foi solicitado que esta assinasse o Termo de consentimento livre e
esclarecimento, conforme
prevê o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSCar. Foi então
agendada
data e horário para a realização da entrevista para caracterização do
participante – “Avaliação
educacional de alunos com baixa visão e múltipla deficiência na educação
infantil” adaptado
(BRUNO, 2005) - com a mãe da criança. A entrevista ocorreu na instituição
frequentada pelo
participante e durante o período de atendimento terapêutico da criança.
3.1. Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada pela própria mãe, na residência da díade,
durante os
momentos de alimentação do seu filho, três vezes por semana, por três meses
consecutivos. As
ações da mãe e da criança foram videogravadas durante as situações de
alimentação, tais
como: café da manhã, almoço, lanche e jantar. Os dias mais apropriados para a
realização dos
registros foram escolhidos pela mãe. A decisão de solicitar à mãe que fizesse as
filmagens das
interações na residência da díade buscou garantir o registro da situação no
contexto mais
próximo daquele do cotidiano da mãe e da criança e, ao mesmo tempo, preservar a
intimidade
da família, evitando a possível influência da permanência da experimentadora na
casa.
Antes do início da coleta de dados, a mãe participou de um rápido treinamento
para
realizar as filmagens. Ela recebeu orientações quanto ao manejo da câmera,
posicionamento
desta no espaço e enquadramento da imagem. Também foram especificadas as
situações que
deveriam ser vídeo-gravadas e que atendiam aos objetivos do estudo: situações de
alimentação em que a mãe e a criança estivessem presentes no mesmo ambiente e
fossem, ambas,
enquadradas na filmagem.
As gravações feitas pela mãe eram entregues à experimentadora semanalmente.
Nestas
ocasiões, a pesquisadora buscava garantir a disposição da mãe em continuar
participando
da pesquisa, reorientando-a quanto às filmagens e buscando minimizar possíveis
desconfortos
para ela e a criança durante as gravações. Foram realizadas um total de 15
filmagens em
diferentes dias, totalizando 3 horas e 20 minutos de registro.
3.2. Tratamento e análise de dados
A pesquisadora assistiu a todas as filmagens realizadas pela mãe e selecionou
aquelas
que contemplavam os critérios estabelecidos para seleção, que foram: - tratar-se
de uma situação
de interação mãe-criança, durante um período de alimentação da criança; - os
registros
com maior duração. No total, 15 filmagens foram obtidas; com a duração média de
13 minutos
e 20 segundos. A filmagem de maior duração tinha 18 minutos e 08 segundos e a de
menor
duração tinha 43 segundos.
Considerando os critérios para seleção das filmagens analisadas, sete
vídeo-gravações
foram escolhidas, totalizando 49 minutos de duração. vídeo 1 = 11min40s; vídeo 2
=
15min49s; vídeo 3 = 18min08s; vídeo 4 = 10 min10s; vídeo 5 = 12min05s; vídeo 6 =
09min26s e
vídeo 7 = 08 min49s.
O tratamento e a análise de dados obedeceram ao procedimento de registro por
amostragem
de tempo de 10 segundos de observação e 10 segundos de registro (DANNA; MATOS,
2006). Para a categorização dos comportamentos na interação, em cada atividade
de alimentação,
cada filmagem selecionada foi, inicialmente, assistida sem interrupções pela
pesquisadora.
Posteriormente, foram assistidas novamente, por diversas vezes e com
interrupções, para
o preenchimento dos protocolos adotados.
Todas as filmagens foram primeiramente analisadas com o emprego do Protocolo de
Categorias de Análise de Filmagens de Interação de Canosa e Postalli (2016/a) e,
depois, pelo
Protocolo de Avaliação da Interação Diádica/Triádica de Canosa e Postalli
(2016/b)
Para o preenchimento dos dois protocolos, foram analisados os 07min finais de
cada
filmagem, de acordo com o estabelecido por Piccinini et al. (2007) e padronizado
neste estudo.
Piccinini et al. (2007) argumentaram que recorrendo aos sete minutos finais das
gravações
evita-se possíveis distúrbios que aconteciam no início das filmagens e
padroniza-se a duração dos registros considerados no estudo. Atendendo a esta
normativa, no preenchimento de cada
um dos protocolos, tomou-se o período de 7 minutos finais e estes foram
segmentados em 42
intervalos de dez segundos cada.
O registro da ocorrência de cada categoria foi efetuado em intervalos alternados
de 10
segundos. A gravação era observada durante 10 segundos e as categorias eram
anotadas nos
10 segundos subsequentes. De acordo com este procedimento, a frequência absoluta
de comportamentos,
em cada categoria listada, era de, no máximo, 21 para cada situação de
alimentação
analisada (visto que, havia 21 intervalos de 10 segundos durante os quais a
observação era
realizada e 21 intervalos durante os quais acontecia o registro das categorias).
Assim, a frequência
de ocorrência não foi computada nos intervalos de observação. Por exemplo, se no
primeiro
intervalo de 10 segundos a mãe motivou a criança a comer cinco vezes, a
categoria de
comportamento materno Motivação para tarefa foi identificada como presente e
registrada
apenas uma vez.
É importante retomar que, durante a análise das filmagens, preenchendo o
Protocolo
de Categorias de Análise de Filmagens de Interação (CANOSA; POSTALLI, 2016a),
houve a necessidade
de se criar novas categorias que abrangessem os comportamentos da mãe e da
criança,
não contemplados pelas categorias do protocolo (Comportamento materno:
Organização/
Preparação; - Comportamento infantil: Movimento das mãos e Responder à mãe). No
protocolo
de Avaliação da Interação Diádica (PICCININI et al., 2007) não foram
acrescentadas novas categorias.
Após análise das filmagens realizada pela classificação dos comportamentos de
acordo
com os instrumentos adaptados de Canosa e Postalli (2016) a relação entre as
categorias
obtidas e as classes de Perda ou Ganho propostas por Gandolfine (2013) foi
examinada. Cada
uma das categorias empregadas nos protocolos tinha uma definição correspondente
e as classes
Perda ou Ganho eram definidas pelas oportunidades aproveitadas ou não pela mãe
para o
desenvolvimento da criança cega na interação com a sua mãe durante a
alimentação.
O critério estabelecido para a inserção de determinadas categorias foi descrito
em
cada protocolo. Na classe “Ganho” foram consideradas as categorias que incluíam
comportamentos
da mãe potencialmente favoráveis à promoção de desenvolvimento da criança. Por
exemplo, na categoria Modelando, a mãe pegava a mão da criança segurando a
colher junto
com ela. Em seguida, levava a colher até o prato, enchia-a de comida e levava-a
até a boca da
criança. Depois disso, devolvia a colher ao prato, ao mesmo tempo em que
explicava oralmente
a ação. Esse comportamento da mãe foi considerado de grande relevância para a
criança aprender a se alimentar de forma independente sendo especificado como um
dos comportamentos
da classe Ganho.
De forma semelhante, o critério estabelecido para inserção de determinadas
categorias,
em cada protocolo, na classe Perda, foi: categorias cujos comportamentos da mãe
descreviam
ações que não contribuíam para a aquisição de determinado repertório pela
criança e a
promoção de sua autonomia. Por exemplo, situações nas quais a mãe oferecia o
alimento à
criança sem nomeá-lo ou a mãe não informava quais alimentos estavam disponíveis
para a
criança comer. Estes comportamentos foram incluídos na categoria que indicava
perda de oportunidade
de estabelecer a relação entre o nome da comida e sua textura ou paladar.
Um último procedimento de análise foi realizado tendo em vista o objetivo deste
trabalho.
Buscou-se a correspondência entre as categorias propostas por Canosa e Postalli
(2016)
e as classes de “Ganho” ou “Perda” do protocolo de Gandolfine (2013).
No Quadro 1 encontra-se a classificação das categorias listadas em ambos os
protocolos
(Protocolo de análise das filmagens de interação de Canosa e Postalli (2016/a) e
Protocolo
de Avaliação da Interação Diádica/Triádica de Canosa e Postalli (2016/b), de
acordo com as
classes Ganho ou Perda referentes aos comportamentos dos pais.


3.3 Índice de concordância
O cálculo do Índice de Concordância (IC) simples entre observadores foi
realizado
com base no registro de 50% da amostra total de vídeos por um segundo observador
ingênuo
quanto aos objetivos do estudo e devidamente treinado para análise com os dois
diferentes
protocolos. O cálculo do IC simples considerou o número de concordâncias
dividido pela soma
do número de concordâncias ao número de discordâncias multiplicado por 100
(KAZDIN, 1982).
O IC simples da díade foi a somatória dos IC dos dois diferentes protocolos,
resultando em
90,4%. O IC para as interações mãe-criança variou entre 90% e 91%.
4. Resultados e discussão
Neste trabalho, os comportamentos da mãe vidente foram categorizados
predominantemente
na classe de oportunidades de Ganho (138) em relação às oportunidades
classificadas
como Perda (25) na promoção do desenvolvimento da criança cega na direção da
autonomia (Tabela 1). Entretanto, ao se considerar a proposta de análise das
interações diádicas
e triádicas os resultados se inverteram. As ocorrências de oportunidades de
Ganho (79)
foram menores do que as oportunidades não aproveitadas - Perda (138).
Considerando que o objetivo deste estudo foi caracterizar as classes de
interação mãe
vidente com sua criança cega, definidas/nomeadas como “Ganho” ou “Perda” de
oportunidades
de ensino pela mãe para seu filho com deficiência visual, no contexto de
alimentação da
criança, é preciso examinar se os protocolos de análise propostos para estudar
as interações entre parceiros videntes são apropriados a este caso. Oliveira e
Nunes (2015) discutiram a importância
da realização de pesquisas para elaborar instrumentos de avaliação psicológica
adequados
a populações específicas. Embora a análise tratasse da avaliação psicológica, as
formulações parecem aplicar-se à discussão dos resultados deste trabalho.
O questionamento sobre o quanto o emprego de instrumentos elaborados para a
população
em geral é pouco apropriado para a análise das situações das populações alvo da
Educação
Especial ganha relevo (OLIVEIRA; NUNES, 2015). A comparação dos resultados
obtidos pelo
uso dos protocolos elaborados para estudar a interação de pessoas videntes com
crianças com
deficiência visual (Tabela 1) com os resultados obtidos pelo uso dos protocolos
destinados a
pessoas sem comprometimento visual (Tabela 2) parece confirmar o quanto é
necessário elaborar
e testar a validade de instrumentos que levem em conta as especificidades da
população.
Na Tabela 1, encontram-se as categorias listadas no Protocolo Análise de
Filmagens de
Interação Canosa e Postalli (2016/a - para crianças com deficiência visual),
organizadas de
acordo com as classes Ganho ou Perda (GANDOLFINE, 2013), para cada
videogravação.

Na Tabela 2 encontram-se as categorias listadas no Protocolo de Avaliação da
Interação
Diádica adaptado por Canosa e Postalli (2016b) organizadas de acordo com as
classes
Ganho ou Perda (GANDOLFINE, 2013) para cada videogravação.

De modo geral, a análise da ocorrência de cada categoria pelo “Protocolo de
Categorias
de Análise de Filmagens de Interação” (CANOSA; POSTALLI, 2016a) indicou maior
frequência
de comportamentos da mãe nas categorias Comando, Organização/Preparação da
tarefa e
Motivação para a tarefa. No protocolo de Avaliação da Interação Diádica/Triádica
(CANOSA;
POSTALLI, 2016/b), as categorias de comportamento maternos mais frequentes foram
Estimulação
cognitiva e Afeto positivo. Estes resultados então confirmam aqueles obtidos no
estudo
de Canosa e Postalli (2016) que indicou, na análise da interação de três díades
mães-crianças
com deficiência visual, a utilização mais frequente pelas mães de,
principalmente, comandos e
motivação de comportamentos e de afeto e responsividade ao filho.
A ocorrência predominante da categoria Comando vai ao encontro de um dos temas
mais consistentes na literatura sobre linguagem e interação mãe-criança, que diz
respeito ao
estilo diretivo dos pais quando se comunicam com seus filhos, incluindo desde o
uso de imperativos
ou de comandos e/ou solicitações. No caso da criança com deficiência visual,
embora
existam evidências de que o desenvolvimento da linguagem destas crianças seja
similar ao das
outras crianças, as diferenças qualitativas encontradas no desenvolvimento
linguístico de
ambos os grupos parecem ser reflexo da linguagem usada pelos pais na interação
com a criança
DV. Medeiros e Salomão (2012a), ao analisarem a interação mãe-bebê com
deficiência visual
em um contexto de brincadeira livre, verificaram que as interações ocorreram,
principalmente,
por meio da coordenação da fala da mãe com a ação gestual na forma de comandos.
Kreutz e Bosa (2009), ao discutirem o estudo de Behl et al. (1996), que comparou
os
padrões interativos de mães de crianças com deficiência visual com os
comportamentos interativos
de crianças videntes, consideram que as mães de crianças cegas apresentaram
maior
frequência de comportamentos diretivos, o que não impediu que, simultaneamente,
apresentassem
comportamentos de responsividade e afeto apropriados. Os autores discutem que as
diferenças encontradas foram, possivelmente, função das tentativas das mães de
usarem formas
alternativas à visão para manterem contato com a criança.
Medeiros e Salomão (2014) verificaram estratégias de comunicação utilizadas pela
mãe de uma díade mãe-criança com deficiência visual, em uma situação de
brincadeira livre e
uma de brincadeira estruturada. Segundo os autores as estratégias utilizadas
pela mãe foram
verbais, quando a mãe utiliza do direcionamento como forma de chamar a atenção
da criança
para o episódio interativo, além do contato físico, ou seja, a ação de tocar a
criança e de aproximá-
la dos objetos e eventos com os quais deseja compartilhar. Nesse sentido, de
acordo com
Sígolo (2000), o comportamento diretivo da mãe possibilita que esta regule ou
mesmo direcione
o comportamento do filho. O comando ou a ordem dada pode ser realizado através
de
convites, de incentivos, de sugestões ou ajuda física. Neste estudo este aspecto
pode ser evidenciado
quando a mãe incentiva a criança a comer, dizendo “Vai, isso mesmo, pega a
colher!”
ou até mesmo ajuda física, quando a mãe pega a mão da criança para ela pegar a
colher, encher
de comida e fazer o movimento de levar até a boca e voltar a colher no prato.
Um comportamento da mãe identificado neste estudo foi categorizado como
Organização/
Preparação da tarefa. Referia-se à organização feita pela mão dos alimentos no
prato
e na colher para que a criança a levasse a boca. Apesar de este ser um
comportamento importante
para a aprendizagem da criança durante episódios de alimentação, estas ações não
foram,
na maioria das vezes, acompanhadas da descrição verbal da ação empreendida pela
mãe,
ou seja, esta não informou ao filho quais alimentos estavam no prato ou na
colher. Tampouco
orientou-o na exploração e reconhecimento do que iria comer.
É esperado que pessoas videntes, sem orientação especializada, não atentem paras
as
necessidades de descrição e oferta de oportunidades de exploração para que as
pessoas com
deficiência visual se servirem dos alimentos em uma refeição. A ausência da
descrição ou da
antecipação das ações, quando ocorre de modo exclusivo, parece ser pouco
eficiente para a
promoção da aprendizagem e autonomia da criança.
No caso da criança com deficiência visual é preciso considerar cuidadosamente as
formas como a informação é transmitida à criança e a anunciação ou descrição do
que vai acontecer (para a criança) deve ter o objetivo de antecipar eventos e
permitir que ela compreenda
o que se sucederá. Neste processo a mãe dispõe de outras modalidades sensoriais,
diferentes
da visão, que possibilitam o fornecimento de pistas para a adequada transmissão
de tais
informações a criança, como pistas táteis, pistas relativas aos aspectos físicos
e sonoros dos
objetos, entre outras.
Dentre as categorias de comportamento da mãe menos frequentes, de acordo com a
análise pelo “Protocolo de Categorias de Análise de Filmagens de Interação”
(CANOSA; POSTALLI,
2016a), estavam Ajuda Física e Modelando. A ausência destas ações por parte da
mãe foi
observada nas situações em que a criança se encontrava sentada em frente ao
prato com comida
e a mãe dava comando verbal pedindo para a criança comer. A oferta de ajuda
física para a
conquista da autonomia da criança cega ao alimentar-se parece relevante para
estabelecer as
primeiras habilidades de pegar a colher, preenchê-la com o alimento que está no
prato, levá-la
à boca e devolvê-la sobre a mesa ou prato. Ou seja, neste processo, a criança
precisa receber
orientações que englobem ajuda física da mãe, segurando em suas mãos, indicando
o movimento
que ela deve realizar, de maneira simultânea a descrição verbal da ação,
buscando,
deste modo, promover a autonomia na realização da atividade, acompanhada por
comandos
ou descrições das ações em curso.
As oportunidades de imitação parecem ser um outro aspecto crítico do
desenvolvimento
de habilidades de vida diária em crianças com deficiência visual, de acordo com
França-
Freitas e Gil (2012). As autoras discutiram que o bebê com visão integra aprende
como realizar
certas tarefas tanto pela reprodução dos gestos e ações das pessoas com quem
convivem (imitação
como pela observação da consequência dos comportamentos das pessoas em seu
entorno
(aprendizagem observacional). No caso de crianças com acesso visual
comprometido, a
imitação e a aprendizagem observacional são processos de aquisição de
habilidades que ficam
prejudicados e que requerem a complementação por outras ações planejadas pelos
adultos
para maximizar o desenvolvimento (NUNES; LOMÔNACO, 2008).
O estudo do desenvolvimento da criança cega parece mostrar que a estimulação
adequada
e condições eficientes de aprendizagem proporcionarão o ambiente que pode
contribuir
de forma decisiva as habilidades cotidianas e para a autonomia da criança cega.
(PÉREZ-PEREIRA; CONTI-RAMSDEN, 2008).
O reconhecimento do papel determinante da ação do adulto para o desenvolvimento
da criança com deficiência visual se estende para a compreensão de que é preciso
planejar os
contextos e as atividades oferecidas cotidianamente para esta população.
Para Pérez-Pereira e Conti-Ramsden (2008), os programas de orientação e
intervenção
com pais, por serem eles os principais agentes de desenvolvimento, devido ao
grande período
de tempo que passam com seus filhos com deficiência visual são imprescindíveis
para o desenvolvimento
da criança. Os programas de intervenção devem ser altamente individualizados,
considerando as características da criança, da família e a interação entre elas,
evidenciando-se,
assim, a importância de uma abordagem interdisciplinar no atendimento à criança
cega. Os
autores apontam também que, para uma intervenção ter sucesso, ela deveria ser
precoce, estar
dirigida à prevenção e à antecipação de possíveis dificuldades e desafios da
criança cega; estar
baseada em uma avaliação cuidadosa do desenvolvimento da criança em diferentes
áreas e
promover informações aos pais sobre o desenvolvimento da criança cega.
Os resultados obtidos neste trabalho parecem encorajar a realização de estudos
futuros
que visem examinar as oportunidades do desenvolvimento proporcionadas pela
interação
da criança cega com seus pais em diversas situações cotidianas, além da situação
de alimentação.
Levar em conta que o desenvolvimento da criança cega acontece globalmente, ou
seja,
nas diferentes áreas, pesquisas são necessárias para propor programas que
busquem orientar
mães, pais e cuidadores para o aproveitamento das oportunidades oferecidas pelas
interações
na promoção ativa do desenvolvimento de crianças cegas.
FIM
-
NOTAS
1 Este trabalho é parte da dissertação de mestrado da primeira autora com a
coorientação da segunda autora e sobe a orientação da terceira autora. Contou
com o apoio da CAPES e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre
Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE - Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/processo 465686/2014-1;
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES/processo
88887.364096/2019-00 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo/FAPESP/processo 2014/50909-8). 2 Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Mestranda em Educação Especial
pela UFSCar E-mail: milena_gandolfine@hotmail.com
3 Espectro Núcleo de Psicopedagogia Doutora em Educação Especial pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) E-mail:
alecanosa01@gmail.com
4 Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Doutora em Psicologia pela
Universidade de São Paulo (USP) E-mail: mscagil@ufscar.br
5 O acréscimo das letras “a” e “b” após a referência da publicação dos
protocolos de Canosa e Postalli (2016), teve por objetivo distinguir os dois
protocolos empregados naquele e neste estudo.
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in Benjamin Constant, Rio de Janeiro, v. 27, n. 63, e276309, 2021
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