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 Sobre a Deficiência Visual

Oportunidades de Desenvolvimento oferecidas pela Mãe vidente em interação com a sua Criança cega durante a Alimentação

Milena Gandolfine, Alessandra Canosa & Maria Stella Gil

Mãe com filho cego ao colo


RESUMO | Dentre as diversas situações da vida humana que se constituem nas interações sociais, aquelas entre a mãe vidente e seu filho com deficiência visual destacam-se pela importância para o desenvolvimento da criança. O objetivo deste estudo foi caracterizar as classes de interação mãe vidente-criança cega definidas/nomeadas como “Ganho” ou “Perda” de oportunidades de ensino pela mãe para seu filho com deficiência visual no contexto de alimentação da criança. Participaram uma mãe vidente e seu filho com cegueira congênita. As interações mãe vidente-criança cega foram vídeo-gravadas pela mãe, durante a alimentação da criança, na residência da díade. Para análise dos desempenhos da interação mãe vidente-criança cega foram empregados protocolos de tratamento e análise de dados destinados às crianças com e sem deficiência visual. Em relação aos comportamentos da mãe, os resultados indicaram maior número de ocorrências de oportunidades de ganho, sinalizando o aproveitamento pela mãe das possibilidades de promover o desenvolvimento da criança. Em relação ao desempenho da díade, houve maior número de ocorrências de perda. Este último resultado requer análises adicionais e a discussão sobre a elaboração de instrumento de análise apropriados ao exame das condições de desenvolvimento da população de crianças com deficiência visual.


1. Introdução

Muitas situações da vida humana, se não a maioria delas, se constituem de interações “sociais”. Para Carvalho (1988), interação social é a ação mútua entre objetos e sujeitos ou entre sujeitos. É um estado ou processo de regulação recíproca, inferido a partir do comportamento dos integrantes. O termo interação engloba, no mínimo, o recorte composto por um comportamento de cada parceiro, sendo que se o comportamento de um indivíduo não for respondido pelo seu alvo, não há evidências de que ocorreu a interação (SEIDL DE MOURA, 1999). De acordo com Carvalho (1988), o caráter bidirecional é intrínseco ao conceito de interação e este processo tem sido compreendido como um modelo de comunicação marcado por seu ritmo, sincronia, ajuste mútuo e, especialmente, reciprocidade.

No campo de pesquisas sobre a interação social, destacam-se as investigações sobre características da interação mãe-bebê nas etapas iniciais do desenvolvimento, tais como reciprocidade, comunicação, linguagem (SEILDL DE MOURA et al., 2004). A realização dos estudos é justificada pela contribuição significativa para a compreensão do desenvolvimento humano.

Sabe-se que relações iniciais, em especial a interação entre mãe-bebê, são essenciais, senão decisivas, em toda a aquisição e desenvolvimento da criança. Além disso, a interação entre a mãe e seu filho é um aspecto significativo na promoção de um ambiente familiar estimulante que pode trazer consequências significativas para o desenvolvimento infantil (OLIVEIRA; MARQUES, 2005).

As interações mãe-bebê parecem ser orientadas por dois elementos fundamentais: a reciprocidade e a comunicação (RIBAS; MOURA, 1999). De acordo com Ribas (1996 apud Seildl de Moura et al., 2004), a reciprocidade na interação exige que os parceiros respondam aos comportamentos um do outro e que os episódios interativos sejam, sobretudo, sustentados por ambos. Quanto à comunicação, a autora aponta que ela pode acontecer por meio do contato visual, sorrisos, vocalizações, posturas, gestos, expressões faciais, tom de voz, postura corporal, brincadeiras e choro. Na interação destes parceiros fica nítido que mãe e bebê são sensíveis aos sinais um do outro e respondem a eles. A mãe pode atribuir significados aos comportamentos do bebê de acordo com os contextos de troca e conhecimento sobre seu filho.

O forte investimento no estudo das interações mãe-criança e das condições que oferecem oportunidades de desenvolvimento para o bebê produziu informações relevantes para conhecer e promover relações positivas entre mães e suas crianças. Os participantes da pesquisa eram sobretudo mães e crianças situados no padrão de desenvolvimento esperado para a maior parte da população. Entretanto, os estudos sobre as interações entre mães e crianças com algum tipo de deficiência tem sido menos frequente.

O estudo das interações entre mães videntes e seus filhos com deficiência visual (baixa visão ou cegueira) é ainda mais escasso. Embora dados numéricos confiáveis sobre o número de crianças com deficiência visual que vivem e se desenvolvem em famílias consideradas videntes não estejam disponíveis, é possível inferir que boa parte das crianças que nascem ou adquirem alguma deficiência visual crescem e convivem com pessoas que enxergam.

Em um mundo organizado por e para quem tem visão, a falta do acesso visual ao ambiente tem efeitos potenciais no desenvolvimento da comunicação da criança com o mundo, (CUNHA; ENUMO, 2003; FREITAS; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2007; MEDEIROS; SALOMÃO, 2012a; PÉREZ-PEREIRA; CONTI-RAMSDEN, 2008). A ausência da percepção visual na criança com deficiência visual pode dificultar o reconhecimento do ambiente, das pessoas e de objetos.

Assim, a cegueira congênita pode comprometer o ciclo de possibilidades de interação convencional entre a mãe vidente e seu bebê cego, pela ausência de pistas visuais que ajudem a criança a se engajar em comportamentos interativos esperados pela mãe.

O sentimento de luto vivenciado pela família, diante do nascimento de uma criança cega, é outro aspecto que pode influenciar a relação da mãe vidente com seu filho cego. O choque ao nascimento de uma criança que não enxerga pode levar a família e, em especial, a mãe-vidente, a vivenciar um longo período de adaptação e aceitação gradual da nova realidade (CUNHA; ENUMO, 2003), podendo gerar, nos pais, sentimento de insegurança, medo e a ocorrência de comportamentos de superproteção (MEDEIROS; SALOMÃO, 2012a).

A dificuldade da mãe ou do cuidador diante do impacto da constatação da deficiência visual da criança quase sempre dificulta a interação da díade, podendo influenciar o desenvolvimento da criança. Muitos déficits apresentados por crianças cegas resultam da dificuldade dos pais em encarregarem-se da responsabilidade de ensinar e/ou criar contingências para que a criança aprenda comportamentos responsivos e socialmente adequados (FREITAS; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2007). A compreensão errônea da mãe sobre a deficiência de seu filho, entendendo-a como limitante e incompatível com aprendizagens, acarreta baixas expectativas sobre o desenvolvimento e desempenho da criança (CUNHA; ENUMO; CANAL, 2006).

Pérez-Pereira e Conti-Ramsden (2008) destacam que, apesar da possibilidade de haver oportunidades para interações não visuais, há muita surpresa e falta de controle por parte da criança cega, o que pode torná-la relutante e temerosa em participar de encontros sociais.

Estas reações por parte da criança podem gerar, no cuidador, a falsa impressão de que a criança não entende ou não se expressa emocionalmente, além de acarretar ansiedade e ausência de reação, por desconhecer o que fazer. Os autores destacam que isto dificulta a exposição da criança cega à regularidade de comportamentos contingentes dos pais, prejudicando o desenvolvimento da capacidade de antecipação e previsão de eventos futuros.

A importância da interação da mãe ou o adulto cuidador com a criança com deficiência visual tem sido destacada como condição imprescindível para o desenvolvimento da criança e, portanto, como contexto privilegiado para a superação de possíveis atrasos. A relevância desta interação, juntamente com a utilização de recursos linguísticos, vem sendo destacada ao se considerar as possíveis consequências da deficiência visual para o desenvolvimento da criança (CUNHA; ENUMO, 2003; FRANÇA-FREITAS; GIL, 2012; LAPLANE; BATISTA, 2008; MEDEIROS; SALOMÃO, 2012a; MEDEIROS; SALOMÃO, 2014; NUNES; LOMÔNACO, 2008).

É também na interação que a linguagem se estabelece e se mostra o principal meio de comunicação entre a criança e o ambiente a sua volta. Avaliada como uma das ferramentas para ultrapassar as possíveis limitações e atrasos impostos pela deficiência visual, inclusive àqueles na interação com seus parceiros, a linguagem parece atuar, de forma relevante, na promoção ativa do desenvolvimento da criança com deficiência visual, na determinação da interação social, na atribuição de sentido às experiências e na participação em diversos ambientes (CUNHA; ENUMO, 2003; LAPLANE; BATISTA, 2008; NUNES; LOMÔNACO, 2008).

O desenvolvimento das habilidades linguísticas e cognitivas da criança dependem da interação com as primeiras pessoas com as quais ela se relaciona, (MEDEIROS; SALOMÃO, 2012a). Assim, no desenvolvimento da criança com deficiência visual, o processo de interação mãecriança parece ser ainda mais crítico, já que uma estimulação adequada por parte dos parceiros de interação da criança, que sejam aptos e sensíveis para interpretar os diferentes sinais comunicativos do bebê, é fundamental para garantia de um ambiente estimulante e a promoção de uma interação adequada e sincrônica (KREUTZ; BOSA, 2009). Estudos com o objetivo de analisar a interação mãe-bebê com deficiência visual foram realizados em diferentes contextos.

Medeiros e Salomão (2012a), em um estudo com mãe-bebê com deficiência visual, tiveram como objetivo analisar a interação por meio dos estilos de fala materna, dos comportamentos não verbais maternos e infantis e dos episódios interativos. Participaram deste estudo três díades mãe-bebê, os três bebês com deficiência visual total, na faixa etária dos seis aos treze meses no início das observações, e suas respectivas mães. Foi utilizada uma câmera de vídeo para registrar as interações entre as díades, em uma situação de brinquedo livre. Foram realizadas três filmagens por díade participantes. Cada filmagem durou 20 minutos para cada observação. Os dados obtidos constituíram o recurso metodológico principal para a análise dos comportamentos comunicativos verbais e não verbais. Quanto aos estilos comunicativos maternos, para as mães de bebês com deficiência visual, predominou o estilo diretivo que pode ser representado por comandos ou ordens. Aconteceram, sobretudo, os comandos denominados diretivos de atenção, com a função de direcionar a atenção do bebê envolvendo-o nas atividades. Com isso, a análise realizada possibilitou verificar os aspectos em comum das díades e também as diferenças individuais, provavelmente pelas diferenças de idade dos bebês.

Em outro estudo, Medeiros e Salomão (2012b) também trabalharam com crianças com deficiência visual. O objetivo foi o de apreender as concepções maternas sobre o desenvolvimento de crianças na faixa etária dos dois aos sete anos de idade. Participaram dez mães, com idades entre 22 e 39 anos e suas crianças com deficiência visual. Foram realizadas entrevistas estruturadas com questões sobre o desenvolvimento da criança, bem como sobre a percepção materna a respeito do momento do diagnóstico e suas implicações. O objetivo do estudo e os discursos maternos orientaram a definição das categorias de análise das falas. Quatro categorias foram propostas: detecção da deficiência visual; reações frente à descoberta da deficiência visual; avaliação das características da criança (a partir das subcategorias motor, linguística e das relações sociais) e a percepção do desenvolvimento atual da criança deficiente visual. As verbalizações maternas evidenciaram que o atendimento especializado desde cedo é importante para lidar com as possíveis expectativas em relação ao desenvolvimento infantil.

Medeiros e Salomão (2014) ainda analisaram interações mãe-criança com deficiência visual a partir dos contextos de brincadeira livre e brincadeira estruturada. O objetivo foi apreender estratégias maternas que facilitavam a participação das crianças na interação e identificar cenas de atenção conjunta. Participou da pesquisa uma díade mãe-bebê. A criança tinha 36 meses, cegueira decorrente de retinopatia da prematuridade, e a mãe tinha 37 anos. Foram realizadas observações com uso de filmagem, na residência da díade. Na situação de brincadeira livre, a estratégia materna em dar espaço à criança para iniciar a interação favoreceu a participação infantil. Na situação de brincadeira estruturada observou-se que o comportamento materno de aproximar objetos da criança ou de aproximar a mão da criança dos objetos, além de fazer uso de indicações gerais de como a criança deve utilizar os recursos que dispõe, possibilitou que a criança identificasse os objetos e suas localizações. Evidenciou-se que na díade mãe-criança com deficiência visual a atenção conjunta vai acontecer com o emprego do toque. Constatou-se também, que estratégias de questionar a criança sobre as propriedades dos objetos e de aproximá-los do espaço tátil da criança facilitam o reconhecimento e a posterior identificação.

O potencial da interação entre mãe vidente e sua criança cega para o desenvolvimento desta foi investigado no estudo de Gandolfine (2013). Buscou-se caracterizar a interação entre uma criança cega e sua mãe, em situações de alimentação, pela identificação das oportunidades oferecidas ou não pela mãe para a promoção de autonomia e para o desenvolvimento do bebê. Participaram um bebê de 17 meses de idade (no início do estudo) com deficiência visual e desenvolvimento típico e sua mãe com 22 anos de idade. A coleta de dados foi realizada pela mãe, na residência da díade, durante um mês. Para tratamento e análise de dados, as gravações foram selecionadas de acordo com critérios pré-estabelecidos. Posteriormente, foram transcritas, literalmente, as ações da mãe e as ações da criança, em ordem cronológica dos acontecimentos.

As interações foram caracterizadas em função da possibilidade de resultarem em aquisição de repertórios e do desenvolvimento para o bebê e em possibilidades de ganhos que não foram aproveitadas pela mãe. As possibilidades de promoção da autonomia e do desenvolvimento, proporcionados pelas interações, foram avaliadas. As categorias foram definidas como se segue: Ganho: Interação entre mãe vidente e a criança cega, na qual as oportunidades de aprendizagens foram exploradas pela mãe visando promover aquisição de repertórios pelo filho. Perda: Interação entre mãe vidente e a criança cega, na qual as oportunidades de aprendizagens aconteciam sem que fossem empregadas para ampliar o repertório da criança em relação à autonomia ou ao desenvolvimento nas situações de alimentação da criança. Nos resultados, observou-se maior frequência de ocorrência de oportunidades de aprendizagens perdidas, quando comparadas com oportunidades que resultaram em ganhos para o bebê.

É importante destacar que se compreendeu “oportunidade” como o contexto composto por: condições ambientais características de uma situação de alimentação - alimentos, pratos e talheres, mesa e cadeira; as iniciativas da mãe em relação às ações da criança, as ações da criança dirigidas ou não à mãe.

O estudo suscitou questões sobre quais comportamentos estariam especificados em cada uma das situações denominadas Ganho e Perda, descritas pela análise da interação entre a mãe vidente e seu filho cego. Ou seja, quais foram as ações da mãe identificadas como “aproveitar oportunidades para aquisição de repertório pelo filho” e, ao contrário, quais os comportamentos da mãe que foram definidos como o “não aproveitamento de oportunidades para estimulação do desenvolvimento da criança”. O repertório da criança cega pode ser constituído, por exemplo, pelo conhecimento dos objetos usados para alimentar-se ou do nome e consistência dos alimentos e também pela possibilidade de escolha do que vai comer, na direção de favorecer a autonomia e independência da criança. Considerou-se, então, a importância de descrever as características da interação mãe vidente-criança cega especificadas nas categorias definidas como Ganho e Perda. O objetivo deste estudo foi caracterizar as classes de interação mãe vidente com sua criança cega definidas/nomeadas como “Ganho” ou “Perda” de oportunidades de ensino pela mãe para seu filho com deficiência visual, no contexto de alimentação da criança.

2. Método

2.1 Delineamento

Tratou-se de um estudo descritivo para a caracterização dos desempenhos de uma díade mãe – bebê com deficiência visual (uma determinada população), sem o objetivo de identificar se as variáveis observadas se correlacionam ou estabelecem relações causais entre si (COLLADO; LUCIO; SAMPIERI, 2006). Uma das peculiaridades do estudo foi empregar instrumentos e técnicas padronizadas, testadas em outras pesquisas, para formular os instrumentos de análise dos dados obtidos pela observação sistemática (GIL, 2008). Este trabalho situa-se na área da Educação Especial, na investigação das interações de uma única díade formada pela mãe vidente de uma criança pequena cega. Não houve, portanto, a expectativa da generalização dos dados e, sim, a de oferecer resultados que poderão inspirar a atuação de profissionais em situações similares às dos contextos aqui tratados, a partir do julgamento da relevância da informação para as suas próprias circunstâncias (BRANTLINGER et al., 2005).

2.2 Participantes

O recrutamento dos participantes foi realizado em uma instituição para atendimento de pessoas cegas, frequentada pela criança. A mãe e a instituição foram devidamente esclarecidas sobre os objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A criança participante informou o seu assentimento em uma brincadeira com a pesquisadora. Este estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos com o parecer número 1.147.034/2015.

M. era um menino com desenvolvimento típico e cegueira, decorrente de hipoplasia do nervo óptico, com 21 meses de idade no início da coleta de dados. Filho único, ele residia com os pais em uma cidade de médio porte do interior paulista. M. frequentava o ensino infantil de uma creche municipal e recebia atendimentos especializados na área de terapia ocupacional em uma instituição para atendimento de pessoas com deficiência visual. O diagnóstico de hipoplasia do nervo óptico foi recuperado no prontuário da criança na instituição de acordo com avaliação realizada por ortoptista.

A mãe V., tinha 26 anos no início da coleta de dados, completou o ensino médio e não exercia atividade remunerada, dedicando-se integralmente ao filho.

2.3. Material e Instrumentos

Foi utilizada uma câmera filmadora Digital Sony Cyber-shot Dsc-w350 14.1mp para a coleta de dados; um computador Samsung, modelo Essential E22 para processamento e análise dos dados e os protocolos de transcrição e de análise de dados previamente elaborados.

A avaliação do desenvolvimento adotou o “Roteiro de entrevista - Avaliação educacional de alunos com baixa visão e múltipla deficiência na educação infantil” ajustado (BRUNO, 2005).

Quatro protocolos de análise foram empregados neste estudo. Dois protocolos destinaram- se à análise dos comportamentos da mãe vidente ou da criança cega. O terceiro protocolo visou a análise dos comportamentos dos pais videntes e o quarto protocolo serviu à análise das interações triádicas (e não mais do comportamento de cada participante da interação).

Cada um dos protocolos foi elaborado para o tratamento e a análise dos comportamentos da mãe vidente e da criança cega durante as interações e para identificar características das interações diádicas e triádicas, mais do que de comportamentos de um ou outro parceiro na interação.

O Protocolo para a análise dos comportamentos da mãe vidente foi elaborado pela adaptação de três outros instrumentos empregados nos estudos de Gandolfine (2013/um protocolo) e Canosa e Postalli (2016/dois protocolos diferentes). Os protocolos haviam sido elaborados para atender propostas específicas de análise da interação mãe-bebê nos estudos originais. Canosa e Postalli (2016a) [5] adaptaram esses protocolos que foram originalmente formulados para a análise da interação mãe-bebê sem deficiência visual. A adaptação empreendida pelas autoras tornou-os úteis à análise da interação mãe-bebê com deficiência visual (baixa visão ou cegueira).

O protocolo de análise do comportamento da mãe vidente, empregado neste estudo, designado por “Protocolo de análise do comportamento materno na interação mãe vidente-criança cega durante a alimentação” foi composto por 18 categorias designadas como se segue: Comentário Positivo; Dar Dicas; Comando; Rotulando; Contato Físico Positivo; Modelando; Brincar Sozinho; Olhar Dirigido à Criança; Fazendo uma questão; Repressão Física; Imitação da Vocalização da criança e/ou expansão; Ajuda Física; Comentários Negativos; Correção de comportamento Inadequado; Motivar a criança para; Descrição e antecipação das próprias ações pela mãe a tarefa; Responder à Criança; Organização/Preparação. Esta nova categoria de comportamento materno (Organização/Preparação) se referiu a situações nas quais a mãe organizava os alimentos no prato do filho e preparava a colher, enchendo-a com o alimento, para que a criança a levasse a boca.

O Protocolo para a análise dos comportamentos da criança cega foi designado por “Protocolo de análise do comportamento da criança cega na interação com a mãe durante a alimentação” e foi composto por 12 categorias designadas como se segue: Comentário Positivo; Dar Dicas; Comando; Rotulando; Contato Físico Positivo; Modelando; Brincar Sozinho; Olhar Dirigido à Criança; Fazendo uma questão; Repressão Física; Imitação da Vocalização da criança e/ou expansão; Ajuda Física; Comentários Negativos; Correção de comportamento Inadequado; Motivar a criança para; Descrição e antecipação das próprias ações pela mãe a tarefa; Responder à Criança; Organização/Preparação.

O Protocolo para a Avaliação da interação diádica/triádica mãe vidente-criança cega foi empregado com a finalidade de analisar as características da interação pais videntecriança cega. O protocolo foi adaptado por Canosa e Postalli (2016b) e empregado neste trabalho tal como proposto pelas autoras. Também para esta ferramenta de análise, o instrumento denominado “Protocolo para avaliação da interação Diádica (mãe-criança)” foi adaptado de parte do Protocolo de Avaliação da Interação Diádica/Triádica formulado por Piccinini, Frizzo e Marin (2007) destinado a mães/famílias sem qualquer deficiência visual.

3. Procedimentos

O recrutamento dos participantes foi realizado pelo contato inicial com a instituição que atendia pessoas com deficiência visual. Um levantamento dos participantes que atendiam aos critérios estabelecidos para a pesquisa foi realizado: - ser uma criança com deficiência visual, com até 36 meses de idade e desenvolvimento típico. Uma criança foi selecionada e sua mãe contatada e convidada para uma reunião na qual foram apresentados os objetivos da pesquisa, os procedimentos adotados e o tempo necessário para a coleta de dados.

Após esclarecimentos e concordância da mãe em participar do estudo junto com seu filho, foi solicitado que esta assinasse o Termo de consentimento livre e esclarecimento, conforme prevê o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSCar. Foi então agendada data e horário para a realização da entrevista para caracterização do participante – “Avaliação educacional de alunos com baixa visão e múltipla deficiência na educação infantil” adaptado (BRUNO, 2005) - com a mãe da criança. A entrevista ocorreu na instituição frequentada pelo participante e durante o período de atendimento terapêutico da criança.

3.1. Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada pela própria mãe, na residência da díade, durante os momentos de alimentação do seu filho, três vezes por semana, por três meses consecutivos. As ações da mãe e da criança foram videogravadas durante as situações de alimentação, tais como: café da manhã, almoço, lanche e jantar. Os dias mais apropriados para a realização dos registros foram escolhidos pela mãe. A decisão de solicitar à mãe que fizesse as filmagens das interações na residência da díade buscou garantir o registro da situação no contexto mais próximo daquele do cotidiano da mãe e da criança e, ao mesmo tempo, preservar a intimidade da família, evitando a possível influência da permanência da experimentadora na casa.

Antes do início da coleta de dados, a mãe participou de um rápido treinamento para realizar as filmagens. Ela recebeu orientações quanto ao manejo da câmera, posicionamento desta no espaço e enquadramento da imagem. Também foram especificadas as situações que deveriam ser vídeo-gravadas e que atendiam aos objetivos do estudo: situações de alimentação em que a mãe e a criança estivessem presentes no mesmo ambiente e fossem, ambas, enquadradas na filmagem.

As gravações feitas pela mãe eram entregues à experimentadora semanalmente. Nestas ocasiões, a pesquisadora buscava garantir a disposição da mãe em continuar participando da pesquisa, reorientando-a quanto às filmagens e buscando minimizar possíveis desconfortos para ela e a criança durante as gravações. Foram realizadas um total de 15 filmagens em diferentes dias, totalizando 3 horas e 20 minutos de registro.

3.2. Tratamento e análise de dados

A pesquisadora assistiu a todas as filmagens realizadas pela mãe e selecionou aquelas que contemplavam os critérios estabelecidos para seleção, que foram: - tratar-se de uma situação de interação mãe-criança, durante um período de alimentação da criança; - os registros com maior duração. No total, 15 filmagens foram obtidas; com a duração média de 13 minutos e 20 segundos. A filmagem de maior duração tinha 18 minutos e 08 segundos e a de menor duração tinha 43 segundos.

Considerando os critérios para seleção das filmagens analisadas, sete vídeo-gravações foram escolhidas, totalizando 49 minutos de duração. vídeo 1 = 11min40s; vídeo 2 = 15min49s; vídeo 3 = 18min08s; vídeo 4 = 10 min10s; vídeo 5 = 12min05s; vídeo 6 = 09min26s e vídeo 7 = 08 min49s.

O tratamento e a análise de dados obedeceram ao procedimento de registro por amostragem de tempo de 10 segundos de observação e 10 segundos de registro (DANNA; MATOS, 2006). Para a categorização dos comportamentos na interação, em cada atividade de alimentação, cada filmagem selecionada foi, inicialmente, assistida sem interrupções pela pesquisadora.

Posteriormente, foram assistidas novamente, por diversas vezes e com interrupções, para o preenchimento dos protocolos adotados.

Todas as filmagens foram primeiramente analisadas com o emprego do Protocolo de Categorias de Análise de Filmagens de Interação de Canosa e Postalli (2016/a) e, depois, pelo Protocolo de Avaliação da Interação Diádica/Triádica de Canosa e Postalli (2016/b) Para o preenchimento dos dois protocolos, foram analisados os 07min finais de cada filmagem, de acordo com o estabelecido por Piccinini et al. (2007) e padronizado neste estudo.

Piccinini et al. (2007) argumentaram que recorrendo aos sete minutos finais das gravações evita-se possíveis distúrbios que aconteciam no início das filmagens e padroniza-se a duração dos registros considerados no estudo. Atendendo a esta normativa, no preenchimento de cada um dos protocolos, tomou-se o período de 7 minutos finais e estes foram segmentados em 42 intervalos de dez segundos cada.

O registro da ocorrência de cada categoria foi efetuado em intervalos alternados de 10 segundos. A gravação era observada durante 10 segundos e as categorias eram anotadas nos 10 segundos subsequentes. De acordo com este procedimento, a frequência absoluta de comportamentos, em cada categoria listada, era de, no máximo, 21 para cada situação de alimentação analisada (visto que, havia 21 intervalos de 10 segundos durante os quais a observação era realizada e 21 intervalos durante os quais acontecia o registro das categorias). Assim, a frequência de ocorrência não foi computada nos intervalos de observação. Por exemplo, se no primeiro intervalo de 10 segundos a mãe motivou a criança a comer cinco vezes, a categoria de comportamento materno Motivação para tarefa foi identificada como presente e registrada apenas uma vez.

É importante retomar que, durante a análise das filmagens, preenchendo o Protocolo de Categorias de Análise de Filmagens de Interação (CANOSA; POSTALLI, 2016a), houve a necessidade de se criar novas categorias que abrangessem os comportamentos da mãe e da criança, não contemplados pelas categorias do protocolo (Comportamento materno: Organização/ Preparação; - Comportamento infantil: Movimento das mãos e Responder à mãe). No protocolo de Avaliação da Interação Diádica (PICCININI et al., 2007) não foram acrescentadas novas categorias.

Após análise das filmagens realizada pela classificação dos comportamentos de acordo com os instrumentos adaptados de Canosa e Postalli (2016) a relação entre as categorias obtidas e as classes de Perda ou Ganho propostas por Gandolfine (2013) foi examinada. Cada uma das categorias empregadas nos protocolos tinha uma definição correspondente e as classes Perda ou Ganho eram definidas pelas oportunidades aproveitadas ou não pela mãe para o desenvolvimento da criança cega na interação com a sua mãe durante a alimentação.

O critério estabelecido para a inserção de determinadas categorias foi descrito em cada protocolo. Na classe “Ganho” foram consideradas as categorias que incluíam comportamentos da mãe potencialmente favoráveis à promoção de desenvolvimento da criança. Por exemplo, na categoria Modelando, a mãe pegava a mão da criança segurando a colher junto com ela. Em seguida, levava a colher até o prato, enchia-a de comida e levava-a até a boca da criança. Depois disso, devolvia a colher ao prato, ao mesmo tempo em que explicava oralmente a ação. Esse comportamento da mãe foi considerado de grande relevância para a criança aprender a se alimentar de forma independente sendo especificado como um dos comportamentos da classe Ganho.

De forma semelhante, o critério estabelecido para inserção de determinadas categorias, em cada protocolo, na classe Perda, foi: categorias cujos comportamentos da mãe descreviam ações que não contribuíam para a aquisição de determinado repertório pela criança e a promoção de sua autonomia. Por exemplo, situações nas quais a mãe oferecia o alimento à criança sem nomeá-lo ou a mãe não informava quais alimentos estavam disponíveis para a criança comer. Estes comportamentos foram incluídos na categoria que indicava perda de oportunidade de estabelecer a relação entre o nome da comida e sua textura ou paladar.

Um último procedimento de análise foi realizado tendo em vista o objetivo deste trabalho. Buscou-se a correspondência entre as categorias propostas por Canosa e Postalli (2016) e as classes de “Ganho” ou “Perda” do protocolo de Gandolfine (2013).

No Quadro 1 encontra-se a classificação das categorias listadas em ambos os protocolos (Protocolo de análise das filmagens de interação de Canosa e Postalli (2016/a) e Protocolo de Avaliação da Interação Diádica/Triádica de Canosa e Postalli (2016/b), de acordo com as classes Ganho ou Perda referentes aos comportamentos dos pais.
 

Quadro 1
 

Quadro 2


3.3 Índice de concordância

O cálculo do Índice de Concordância (IC) simples entre observadores foi realizado com base no registro de 50% da amostra total de vídeos por um segundo observador ingênuo quanto aos objetivos do estudo e devidamente treinado para análise com os dois diferentes protocolos. O cálculo do IC simples considerou o número de concordâncias dividido pela soma do número de concordâncias ao número de discordâncias multiplicado por 100 (KAZDIN, 1982).

O IC simples da díade foi a somatória dos IC dos dois diferentes protocolos, resultando em 90,4%. O IC para as interações mãe-criança variou entre 90% e 91%.

4. Resultados e discussão

Neste trabalho, os comportamentos da mãe vidente foram categorizados predominantemente na classe de oportunidades de Ganho (138) em relação às oportunidades classificadas como Perda (25) na promoção do desenvolvimento da criança cega na direção da autonomia (Tabela 1). Entretanto, ao se considerar a proposta de análise das interações diádicas e triádicas os resultados se inverteram. As ocorrências de oportunidades de Ganho (79) foram menores do que as oportunidades não aproveitadas - Perda (138).

Considerando que o objetivo deste estudo foi caracterizar as classes de interação mãe vidente com sua criança cega, definidas/nomeadas como “Ganho” ou “Perda” de oportunidades de ensino pela mãe para seu filho com deficiência visual, no contexto de alimentação da criança, é preciso examinar se os protocolos de análise propostos para estudar as interações entre parceiros videntes são apropriados a este caso. Oliveira e Nunes (2015) discutiram a importância da realização de pesquisas para elaborar instrumentos de avaliação psicológica adequados a populações específicas. Embora a análise tratasse da avaliação psicológica, as formulações parecem aplicar-se à discussão dos resultados deste trabalho.

O questionamento sobre o quanto o emprego de instrumentos elaborados para a população em geral é pouco apropriado para a análise das situações das populações alvo da Educação Especial ganha relevo (OLIVEIRA; NUNES, 2015). A comparação dos resultados obtidos pelo uso dos protocolos elaborados para estudar a interação de pessoas videntes com crianças com deficiência visual (Tabela 1) com os resultados obtidos pelo uso dos protocolos destinados a pessoas sem comprometimento visual (Tabela 2) parece confirmar o quanto é necessário elaborar e testar a validade de instrumentos que levem em conta as especificidades da população.

Na Tabela 1, encontram-se as categorias listadas no Protocolo Análise de Filmagens de Interação Canosa e Postalli (2016/a - para crianças com deficiência visual), organizadas de acordo com as classes Ganho ou Perda (GANDOLFINE, 2013), para cada videogravação.
 

Tabela 1


Na Tabela 2 encontram-se as categorias listadas no Protocolo de Avaliação da Interação Diádica adaptado por Canosa e Postalli (2016b) organizadas de acordo com as classes Ganho ou Perda (GANDOLFINE, 2013) para cada videogravação.
 

Tabela 2
 

De modo geral, a análise da ocorrência de cada categoria pelo “Protocolo de Categorias de Análise de Filmagens de Interação” (CANOSA; POSTALLI, 2016a) indicou maior frequência de comportamentos da mãe nas categorias Comando, Organização/Preparação da tarefa e Motivação para a tarefa. No protocolo de Avaliação da Interação Diádica/Triádica (CANOSA; POSTALLI, 2016/b), as categorias de comportamento maternos mais frequentes foram Estimulação cognitiva e Afeto positivo. Estes resultados então confirmam aqueles obtidos no estudo de Canosa e Postalli (2016) que indicou, na análise da interação de três díades mães-crianças com deficiência visual, a utilização mais frequente pelas mães de, principalmente, comandos e motivação de comportamentos e de afeto e responsividade ao filho.

A ocorrência predominante da categoria Comando vai ao encontro de um dos temas mais consistentes na literatura sobre linguagem e interação mãe-criança, que diz respeito ao estilo diretivo dos pais quando se comunicam com seus filhos, incluindo desde o uso de imperativos ou de comandos e/ou solicitações. No caso da criança com deficiência visual, embora existam evidências de que o desenvolvimento da linguagem destas crianças seja similar ao das outras crianças, as diferenças qualitativas encontradas no desenvolvimento linguístico de ambos os grupos parecem ser reflexo da linguagem usada pelos pais na interação com a criança DV. Medeiros e Salomão (2012a), ao analisarem a interação mãe-bebê com deficiência visual em um contexto de brincadeira livre, verificaram que as interações ocorreram, principalmente, por meio da coordenação da fala da mãe com a ação gestual na forma de comandos.

Kreutz e Bosa (2009), ao discutirem o estudo de Behl et al. (1996), que comparou os padrões interativos de mães de crianças com deficiência visual com os comportamentos interativos de crianças videntes, consideram que as mães de crianças cegas apresentaram maior frequência de comportamentos diretivos, o que não impediu que, simultaneamente, apresentassem comportamentos de responsividade e afeto apropriados. Os autores discutem que as diferenças encontradas foram, possivelmente, função das tentativas das mães de usarem formas alternativas à visão para manterem contato com a criança.

Medeiros e Salomão (2014) verificaram estratégias de comunicação utilizadas pela mãe de uma díade mãe-criança com deficiência visual, em uma situação de brincadeira livre e uma de brincadeira estruturada. Segundo os autores as estratégias utilizadas pela mãe foram verbais, quando a mãe utiliza do direcionamento como forma de chamar a atenção da criança para o episódio interativo, além do contato físico, ou seja, a ação de tocar a criança e de aproximá- la dos objetos e eventos com os quais deseja compartilhar. Nesse sentido, de acordo com Sígolo (2000), o comportamento diretivo da mãe possibilita que esta regule ou mesmo direcione o comportamento do filho. O comando ou a ordem dada pode ser realizado através de convites, de incentivos, de sugestões ou ajuda física. Neste estudo este aspecto pode ser evidenciado quando a mãe incentiva a criança a comer, dizendo “Vai, isso mesmo, pega a colher!” ou até mesmo ajuda física, quando a mãe pega a mão da criança para ela pegar a colher, encher de comida e fazer o movimento de levar até a boca e voltar a colher no prato.

Um comportamento da mãe identificado neste estudo foi categorizado como Organização/ Preparação da tarefa. Referia-se à organização feita pela mão dos alimentos no prato e na colher para que a criança a levasse a boca. Apesar de este ser um comportamento importante para a aprendizagem da criança durante episódios de alimentação, estas ações não foram, na maioria das vezes, acompanhadas da descrição verbal da ação empreendida pela mãe, ou seja, esta não informou ao filho quais alimentos estavam no prato ou na colher. Tampouco orientou-o na exploração e reconhecimento do que iria comer.

É esperado que pessoas videntes, sem orientação especializada, não atentem paras as necessidades de descrição e oferta de oportunidades de exploração para que as pessoas com deficiência visual se servirem dos alimentos em uma refeição. A ausência da descrição ou da antecipação das ações, quando ocorre de modo exclusivo, parece ser pouco eficiente para a promoção da aprendizagem e autonomia da criança.

No caso da criança com deficiência visual é preciso considerar cuidadosamente as formas como a informação é transmitida à criança e a anunciação ou descrição do que vai acontecer (para a criança) deve ter o objetivo de antecipar eventos e permitir que ela compreenda o que se sucederá. Neste processo a mãe dispõe de outras modalidades sensoriais, diferentes da visão, que possibilitam o fornecimento de pistas para a adequada transmissão de tais informações a criança, como pistas táteis, pistas relativas aos aspectos físicos e sonoros dos objetos, entre outras.

Dentre as categorias de comportamento da mãe menos frequentes, de acordo com a análise pelo “Protocolo de Categorias de Análise de Filmagens de Interação” (CANOSA; POSTALLI, 2016a), estavam Ajuda Física e Modelando. A ausência destas ações por parte da mãe foi observada nas situações em que a criança se encontrava sentada em frente ao prato com comida e a mãe dava comando verbal pedindo para a criança comer. A oferta de ajuda física para a conquista da autonomia da criança cega ao alimentar-se parece relevante para estabelecer as primeiras habilidades de pegar a colher, preenchê-la com o alimento que está no prato, levá-la à boca e devolvê-la sobre a mesa ou prato. Ou seja, neste processo, a criança precisa receber orientações que englobem ajuda física da mãe, segurando em suas mãos, indicando o movimento que ela deve realizar, de maneira simultânea a descrição verbal da ação, buscando, deste modo, promover a autonomia na realização da atividade, acompanhada por comandos ou descrições das ações em curso.

As oportunidades de imitação parecem ser um outro aspecto crítico do desenvolvimento de habilidades de vida diária em crianças com deficiência visual, de acordo com França- Freitas e Gil (2012). As autoras discutiram que o bebê com visão integra aprende como realizar certas tarefas tanto pela reprodução dos gestos e ações das pessoas com quem convivem (imitação como pela observação da consequência dos comportamentos das pessoas em seu entorno (aprendizagem observacional). No caso de crianças com acesso visual comprometido, a imitação e a aprendizagem observacional são processos de aquisição de habilidades que ficam prejudicados e que requerem a complementação por outras ações planejadas pelos adultos para maximizar o desenvolvimento (NUNES; LOMÔNACO, 2008).

O estudo do desenvolvimento da criança cega parece mostrar que a estimulação adequada e condições eficientes de aprendizagem proporcionarão o ambiente que pode contribuir de forma decisiva as habilidades cotidianas e para a autonomia da criança cega. (PÉREZ-PEREIRA; CONTI-RAMSDEN, 2008).

O reconhecimento do papel determinante da ação do adulto para o desenvolvimento da criança com deficiência visual se estende para a compreensão de que é preciso planejar os contextos e as atividades oferecidas cotidianamente para esta população.

Para Pérez-Pereira e Conti-Ramsden (2008), os programas de orientação e intervenção com pais, por serem eles os principais agentes de desenvolvimento, devido ao grande período de tempo que passam com seus filhos com deficiência visual são imprescindíveis para o desenvolvimento da criança. Os programas de intervenção devem ser altamente individualizados, considerando as características da criança, da família e a interação entre elas, evidenciando-se, assim, a importância de uma abordagem interdisciplinar no atendimento à criança cega. Os autores apontam também que, para uma intervenção ter sucesso, ela deveria ser precoce, estar dirigida à prevenção e à antecipação de possíveis dificuldades e desafios da criança cega; estar baseada em uma avaliação cuidadosa do desenvolvimento da criança em diferentes áreas e promover informações aos pais sobre o desenvolvimento da criança cega.

Os resultados obtidos neste trabalho parecem encorajar a realização de estudos futuros que visem examinar as oportunidades do desenvolvimento proporcionadas pela interação da criança cega com seus pais em diversas situações cotidianas, além da situação de alimentação.

Levar em conta que o desenvolvimento da criança cega acontece globalmente, ou seja, nas diferentes áreas, pesquisas são necessárias para propor programas que busquem orientar mães, pais e cuidadores para o aproveitamento das oportunidades oferecidas pelas interações na promoção ativa do desenvolvimento de crianças cegas.

FIM


NOTAS
1 Este trabalho é parte da dissertação de mestrado da primeira autora com a coorientação da segunda autora e sobe a orientação da terceira autora. Contou com o apoio da CAPES e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/processo 465686/2014-1; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES/processo 88887.364096/2019-00 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP/processo 2014/50909-8).
2 Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Mestranda em Educação Especial pela UFSCar E-mail: milena_gandolfine@hotmail.com
3 Espectro Núcleo de Psicopedagogia Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) E-mail: alecanosa01@gmail.com
4 Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) E-mail: mscagil@ufscar.br
5 O acréscimo das letras “a” e “b” após a referência da publicação dos protocolos de Canosa e Postalli (2016), teve por objetivo distinguir os dois protocolos empregados naquele e neste estudo.

 
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in
Benjamin Constant, Rio de Janeiro, v. 27, n. 63, e276309, 2021
 

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5.Set.2023
Maria José Alegre