excerto
Menino cego num Jardim | fotografia:
Centro de Reabilitação Visual de São José de Rio Preto
O que é um Jardim Sensorial?
O surgimento destes jardins, inicialmente
tinha como público-alvo pessoas com
deficiência visual, sendo o seu principal
propósito, o de proporcionar aos utilizadores a
possibilidade de estimular os outros órgãos
dos sentidos que não se encontravam
afectados.
Recorrendo aos vários elementos que
integram este tipo de jardins, todos os
sentidos são estimulados. Sobretudo, no caso
das situações em que as perdas sensoriais
são degenerativas, a estimulação dos
sentidos que não estão comprometidos,
poderá ser útil para que estes sujeitos tenham
mais informação acerca do meio ambiente
onde se encontram.
Principais objectivos do Jardim Sensorial
▪ Oferecer novas
respostas de
atendimento.
▪ Criar espaços agradáveis e apropriados que promovam a estimulação sensorial.
▪ Criar locais de aprendizagem, de desenvolvimento de competências e de lazer.
Características do Jardim Sensorial
O Jardim Sensorial foi planeado tendo em
conta as características dos seus utilizadores (pessoas portadoras de surdocegueira) e o seu objectivo: a estimulação dos sentidos.
Os canteiros encontram-se a uma altura que permite o livre acesso a todos os visitantes, nomeadamente os que se encontrem em cadeira de rodas.
Neles podemos encontrar um leque variado de plantas decorativas, medicinais e aromáticas que permitem a estimulação ao nível da visão, tacto, paladar e
olfacto. Existe ainda uma zona de lazer/relaxamento.
O USO DE OUTROS SENTIDOS
A capacidade visual é essencial ao desenvolvimento e aprendizagem de qualquer
ser humano, particularmente no processo de integração da informação recebida e na
coordenação dos movimentos. Ela permite à pessoa planear para onde quer ir, o que quer
alcançar e quais os obstáculos a evitar. As crianças com limitações visuais têm dificuldades
em se movimentar por sua própria conta, necessitam do apoio de outros para tomar
decisões e para que as encorajar a mover-se. Dependendo do grau da perda visual, a
criança poderá conhecer o ambiente que a rodeia, explorando o local, e intuir o tamanho e a
forma dos objectos usando o tacto. As suas dificuldades têm um forte impacto no seu
desenvolvimento emocional, podendo deixá-la insegura e com receio das coisas
(Easterbrooks et al, 2009). Quanto à audição, Vianna (n.d.) refere que este órgão dos
sentidos permite que as crianças com deficiências visuais recebam informações sobre o
mundo a sua volta, pois as pessoas que as rodeiam podem descrever o lugar, os objectos e,
até mesmo, situações que ocorrem, fazendo-as sentir mais seguras.
Bruce, Nelson e Silberman (2004) mencionam que devido às limitações sensoriais, a
pessoa surdocega está praticamente isolada, a não ser que esteja próxima ou em contacto
físico com outra pessoa. No caso da surdocegueira ser congénita, estes autores referem
que essa condição sensorial impede os indivíduos de receber informação dos sentidos de
distância, pelo que têm de utilizar o tacto com principal órgão de aprendizagem, desenvolvendo também os sentidos do paladar e do olfacto como veículos de acesso
ao mundo que os rodeia. Tratando-se de uma pessoa com surdocegueira adquirida, a pessoa terá a possibilidade de desenvolver o outro sentido de distância que não
está afectado, ou seja, se a pessoa for surda ou tiver perda auditiva, poderá utilizar a visão como principal
veículo de aprendizagem e de interacção com o meio envolvente. Pelo contrário se a
pessoa for cega ou tiver baixa-visão, poderá utilizar a audição e o tacto como veículos de
recolha de informação e de aprendizagem.
Vianna (n.d.) refere que a estimulação dos resíduos auditivos é de extrema
importância para as crianças surdocegas. Através dos resíduos auditivos podem
integrar o som na sua vida, complementando as informações recebidas pelos outros sentidos.
É de grande importância que estas crianças se mantenham num ambiente sonoro, e que as
pessoas com quem interagem possam emitir sons da fala, mesmo usando uma
comunicação não-verbal, ou seja, mesmo estando a comunicar com uma pessoa
surdocega, recorrendo à língua gestual, à dactilologia ou a outro sistema de comunicação, o
interlocutor deve utilizar em simultâneo a linguagem oral.
Na sua obra, Moss (2005) cita McLinden e McCall (2002), referindo que o uso
activo do tacto como meio de procurar e receber informação denomina-se tacto háptico,
sendo o sistema háptico definido como um sistema de percepção orientado para a
discriminação e para o reconhecimento de objectos que são manipulados em vez de serem apenas
observados. Através do sistema háptico temos a percepção de um leque variado de
particularidades que caracterizam os elementos existentes no meio ambiente em
que estamos inseridos, nomeadamente a vibração, a textura da superfície, a
secura/humidade, a temperatura da superfície, a forma, a aspereza/suavidade, o peso, a elasticidade
e a flexibilidade. A autora menciona ainda que o sentido do tacto possui algumas
particularidades, pode ser: i) activo, quando sentimos a brisa do vento na nossa
cara e o calor do Sol ou ii) não activo, quando sentimos as vibrações de um automóvel que
está perto de nós, dentro do qual toca o rádio em volume alto; pode ser também iii)
interactivo, quando abraçamos, cumprimentamos com um beijo ou quando damos um aperto de mão
ou iv) não interactivo, quando cruzamos os braços, quando massajamos uma cãibra na
perna ou quando tomamos banho.
Para os indivíduos surdocegos o tacto é o principal sentido que lhe permite
aceder à informação. Como nos diz Daniel Alvarez 1: “O meu mundo
começa e acaba na ponta dos meus dedos”. Perante esta afirmação tomamos consciência do papel fundamental que
o sentido do tacto tem na vida da pessoa surdocega. Através deste sentido a pessoa
pode localizar, reconhecer e identificar formas; detectar tamanhos, pesos, texturas,
temperaturas, etc., podendo inclusive ter acesso a informação em suporte de
papel, desde que esta tenha sido escrita em Braille. Estimulando adequadamente a capacidade táctil e tendo
em conta as características da pessoa, podem desenvolver-se competências que promovam o
conhecimento seguro e eficaz do ambiente que a rodeia, colmatando parcialmente a
falta da visão.
Quanto ao sentido do olfacto, este é um sentido muito específico, que varia de
pessoa para pessoa. Rodríguez-Gil (2004) relata que ao nível da surdocegueira,
frequentemente nos deparamos com pessoas surdocegas que possuem o sentido do
olfacto muito apurado para compensar o uso limitado da visão e da audição. O sentido do
olfacto tem um papel muito importante nesta população, pois através dele os indivíduos
surdocegos podem identificar pessoas, lugares, objectos e actividades.
Brown (2004) menciona que o sentido do olfacto fornece ao indivíduo surdocego
informação significativa e vital. Algumas crianças surdocegas manifestam
dificuldades na utilização deste sentido, outras demonstram não possuir consciência deste
sentido, apesar de aparentemente este estar intacto e a funcionar. Noutros casos, o indivíduo
demonstra de forma clara que o sentido do olfacto lhe proporciona informação importante que
lhes permite, por exemplo, identificar o local onde está. Todas as pessoas são
hipersensíveis a certos odores e a certas intensidades de odor. Embora algumas crianças
surdocegas possam demonstrar essa hipersensibilidade com reacções adversas óbvias, outras
possivelmente não têm essa capacidade por, como já referido, não possuírem este
sentido ou não terem consciência dele, sendo necessário por parte dos profissionais que
com eles trabalham, alguma sensibilidade na exposição a certos aromas.
O JARDIM SENSORIAL
São vários os relatos, que datam a década de 90, como a época em que terão
começado a surgir os primeiros Jardins Sensoriais. Segundo Leão (2007, p. 39), “
(…) actualmente sabe-se que existem jardins dessa natureza no Brasil (Rio de
Janeiro), Alemanha (Berlim), Japão (Kyoto), Polónia (Warsaw), Inglaterra (Londres), entre
outros locais, (…) podendo surgir a cada dia novos espaços”.
O surgimento destes jardins, inicialmente tinham como público-alvo pessoas com
deficiência visual, sendo o seu principal propósito, o de proporcionar aos
utilizadores a possibilidade de estimular os outros órgãos dos sentidos que não se encontravam
afectados.
Recorrendo aos vários elementos que integram este tipo de jardins, todos os
sentidos são estimulados. Sobretudo, no caso das situações em que as perdas sensoriais são
degenerativas, a estimulação dos sentidos que não estão comprometidos, poderá
ser útil para que estes sujeitos tenham mais informação acerca do meio ambiente
onde se encontram.
Um jardim sensorial pode proporcionar uma variedade de experiências. Para Corrêa
(2009, pp. 35-36) “Além do benefício propiciado para pessoas que apresentam
diferentes deficiências (deficientes visuais, surdocegos, deficientes motores com alteração
de marcha, pessoas com défice cognitivo e de equilíbrio); o jardim pode beneficiar também
pessoas que necessitam de relaxamento e de contacto com a natureza para aliviar o stress
(…)”. Esta opinião é também partilhada pela Horticultural Therapy Association of Victoria
Inc. (2010) 2
segundo a qual, os jardins sensoriais têm um valor terapêutico, pois a sua
frequência permite às pessoas portadoras de deficiência terem contacto com a natureza num
ambiente seguro. Os jardins sensoriais podem contribuir para o bem-estar físico e
emocional, podendo ser locais agradáveis que permitam relaxar, reflectir, meditar, contemplar e
conversar.
Segundo Moore e Worden (2003) os jardins sensoriais podem ser construídos em
espaços de pequena ou grande dimensão, podem ser públicos ou privados. As
autoras referem ainda que estes espaços podem ser construídos com o propósito de
estimular apenas um órgão dos sentidos (e.g., Jardins de Aromas) ou estimular vários
órgãos dos sentidos, existindo para isso diferentes zonas, direccionadas para a estimulação
de cada sentido. Tendo em conta este objectivo, Moore e Worden (2003) e a Horticultural
Therapy Association of Victoria Inc. (2010) apresentam algumas sugestões para estimular
os sentidos, os quais passaremos a apresentar:
-
− audição: poderá recorrer-se à colocação de gaiolas com aves, sinos,
“espanta-espíritos”, fontes/quedas de água, colocar plantas que com o vento
produzem sons (e.g., bambus). Sugerem ainda que se os caminhos sejam revestidos com materiais
que produzam som ao passar (e.g., gravilha);
− tacto: poderão ser cultivadas plantas com folhas de diferentes texturas,
que sejam resistentes ao manuseamento frequente. O chão do percurso poderá também
ser revestido com diferentes materiais;
− olfacto: poderá recorrer-se à plantação de ervas aromáticas (chás, temperos
e perfumes), devendo evitar-se que estes canteiros fiquem muito próximos uns dos
outros a fim de se evitar uma mistura de odores no ar;
− paladar: poderão ser utilizadas algumas das plantas aromáticas, como
também poderão ser plantadas árvores de fruto ou plantas/arbustos que produzam
frutos (e.g., morangueiros, framboeseiro, groselheira, etc.);
− visão: poderão ser cultivadas plantas de formas variadas, que produzam
flores de cores e formatos variados.
A Horticultural Therapy Association of Victoria Inc. (2010) defende que os
jardins sensoriais devem ser planificados de forma a encorajar a interactividade. Para
atingir este propósito, fazem algumas alusões:
-
− Os canteiros devem estar a uma altura que permita o livre acesso a todos os visitantes, nomeadamente os que se encontrem em cadeira de rodas, que queiram
tocar ou cuidar das plantas com facilidade;
− Os assentos devem ser colocados, tendo em conta as características dos
frequentadores do espaço. Deve existir espaço suficiente ao seu redor para que possa caber uma cadeira de rodas ao lado;
− Os corredores devem serpentear o espaço. Esta disposição desafia o visitante a abrandar e olhar em redor.
No que concerne aos elementos que devem existir neste espaço, Moore e Worden
(2003) referem que num jardim sensorial, não devem existir apenas plantas; nele podemos encontrar caminhos, bancos, pérgolas, muros, etc.
Para a construção dos caminhos, as autoras sugerem que se utilizem diferentes tipos de materiais (pedra, madeira,
etc.), os quais deverão variar ao longo do percurso. A largura do caminho deve ter no mínimo 48 polegadas 3 (120 cm), sendo a largura de 60 polegadas
(150 cm) a medida ideal para o acesso de cadeiras de rodas. Quanto à sinalética utilizada no espaço, as autoras
consideram que se as diferentes zonas do jardim sensorial estiverem identificadas, o visitante sente-se motivado a interagir. Para identificar esses locais, é
sugerido que se criem etiquetas em Braille com o nome das plantas; podendo ser utilizado um código de cores que evidencia os diferentes sentidos associados a cada planta. Essas etiquetas podem
ser colocadas em locais acessíveis.
Tendo em conta as características da população que irá visitar o jardim sensorial, a escolha das plantas que irão estar acessíveis requer alguns cuidados. Chimenthi
(n.d.) 4 recomenda que “na escolha de espécies para jardins sensoriais, é fundamental que sejam evitadas aquelas espécies que possuem espinhos, como as roseiras, algumas bromélias e suculentas. Também devem ser evitadas algumas plantas munidas de substâncias
tóxicas, como espinho-de-cristo16 e comigo-ninguém-pode17, dentre outras”. Leão (2007, p.39) refere que “nos jardins sensoriais, deve-se enfatizar a utilização de espécies vegetais
que se destacam pela textura, pelo perfume, pela forma das folhas, dos caules, das flores, dos frutos e das sementes (…)”.
FIM
-
-
NOTAS:
-
1 Daniel Alvarez - Surdocego adquirido Espanhol (surdo desde os 4 anos e cego desde os 30). Chefe
da Unidade Técnica de surdocegueira da ONCE e Presidente da Associação de Surdocegos de Espanha. http://www.asocide.org/.
-
2
http://www.betterhealth.vic.gov.au/bhcv2/bhcarticles.nsf/pages/Gardens_for_the_senses?open.
-
3 1 polegada = 2,5 cm (http://www.pat.patches.nom.br/down/Impressos/tabela1.pdf).
-
4
http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=16&Cod=130.
ϟ
excerto de:
O JARDIM SENSORIAL: UM RECURSO PARA A ESTIMULAÇÃO SENSORIAL DE SURDOCEGOS
autora:
Carla Susana Pinheiro de Carvalho
Dissertação apresentada à Escola Superior de Educação de Lisboa para obtenção do grau de mestre em Ciências da Educação
Mestrado em Educação Especial
INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE LISBOA
2011
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