
Jogador de futebol e linhas de metal
arqueadas mostrando a trajetória da bola
SUMÁRIO
É compreensível que estudantes com deficiência visual apresentem dificuldades
com a
sistemática do ensino de Física atual, visto que o mesmo, quase sempre se
fundamenta em
referenciais funcionais visuais (Masine, 2002). Apesar dos outros sentidos serem
de grande
importância para a observação e compreensão do mundo físico, (Camargo, et. al.
2001), o sentido
visão parece dominar toda e qualquer atividade que se realize no ambiente
escolar. Anotações no
caderno, textos transcritos na lousa, provas escritas, medições, entre outras,
sentenciam o aluno
com deficiência visual ao fracasso escolar e à não socialização (Mantoan, 2002).
Na perspectiva do ensino de Física para alunos com deficiência visual, algumas
questões
amplas poderiam ser apresentadas: Que tipo de atitude pode ser adotada a fim de
se adaptar ou
mesmo construir uma prática educativa de Física que contemple as necessidades
educacionais
dos alunos com deficiência visual? Que características devem possuir atividades
de ensino de
Física, para que alunos com deficiência visual motivem-se em estudar conteúdos
relacionados a
esse campo do conhecimento? Em quais referenciais de ordem sensorial e
educacional as citadas
atividades devem ser estruturadas e conduzidas para que alunos com a referida
deficiência
motivem-se a aprender física?
Evidentemente que as respostas a questionamentos como os colocados encontram-se
principalmente no rompimento de hábitos estabelecidos dentro das práticas
educativas
tradicionais e que se constituíram em modelos de “como se deve dar aula” ou de
“como se deve
avaliar” (Camargo e Silva, 2003(a)). Nesse sentido, buscando contribuir com a
construção de
uma prática de ensino de Física que contemple as especificidades sensoriais e
educacionais de
alunos com deficiência visual, desenvolveu-se um conjunto de atividades de
ensino do conceito
“aceleração”, cuja estrutura fundamenta-se em observações táteis e auditivas do
objeto de estudo,
bem como, em interações sociais entre seus participantes.
Assim, o presente trabalho objetiva responder a seguinte questão central: Alunos
com
deficiência visual que participam das atividades desenvolvidas, aprendem os
conteúdos
trabalhados? Qual é a qualidade dessa aprendizagem?
Para responder a questão colocada, o conjunto de atividades foi aplicado à um
grupo de 9
alunos com deficiência visual de uma escola especial, localizada na cidade de
Bauru e
denominada “Lar Escola Santa Luzia Para Cegos”.
Neste capítulo, com o intuito de desmistificar a deficiência visual, e por
conseqüência,
conhecer melhor os indivíduos com a citada deficiência, apresentamos de início
uma relação
entre a deficiência e aspectos sociais e históricos. Tal desmistificação como
será apresentada,
representa o primeiro passo para ações educativas das quais destacamos as de
Física.
Posteriormente, enfocamos a etimologia da palavra “ver”, sua relação com o
“conhecer” e
apresentamos uma discussão de uma nova abordagem, conhecer sem ver. Para
finalizar,
apresentamos uma distinção semântica entre os conceitos de deficiência,
incapacidade e
desvantagem.
1.1.1- ANÁLISES PRELIMINARES
O desconhecimento de características, atitudes, potencialidades,
especificidades, inerentes
a uma pessoa com deficiência visual, constitui-se em um dos principais fatores
causadores de
deficiência na perspectiva social. Atitudes intrusivas, despropositadas e
desagradáveis por parte
da população, que em sua maioria é constituída por pessoas videntes, revelam um
desconhecimento quase total das características da deficiência visual e das suas
conseqüências
reais. Os mitos, verdadeiros paradigmas comportamentais e educacionais, ao
constituírem-se
como obstáculo a relacionamentos equilibrados e saudáveis entre videntes e
pessoas com
deficiência visual, produzem uma série de tabus que geram por sua vez, uma
relação dialética
entre distanciamento e desconhecimento, relação esta, que tende a ser estável,
mas que pode ser
desestabilizada em contextos sociais como o educativo.
Assim, dentro do contexto da deficiência visual, apresentar-se-á na seqüência,
uma análise
relacionada aos mitos do “conhecer” e do “ver”. Pretende-se obter a partir de
tais reflexões, a
desmistificação de pontos subjetivamente presentes em contextos pedagógicos, já
que, a
aproximação de pessoas com deficiência visual com indivíduos videntes por meio
do
conhecimento mútuo, deve representar uma meta a ser atingida pela educação.
1.1.2- HINO ENTOADO AOS OLHOS
É fato inegável a estreita relação estabelecida pelo senso comum entre o “ver” e
o
“conhecer”. Esta relação, embora não entendida objetivamente de uma forma
sinônima, é numa
sociedade formada por pessoas que em sua grande maioria possuem o sentido da
visão,
freqüentemente colocada como condição uma da outra. Nesse sentido, quase todas
as estruturas
que envolvem o estabelecimento de práticas sociais cotidianas, estão fortemente
associadas ao
perfeito desempenho do sentido visão. Na sociedade atual, tomar um ônibus,
escolher o que
comer em um restaurante, contar dinheiro, ter acesso a informações, freqüentar
uma sala de aula
etc., constituem-se em ações normais e simples aos videntes, e extremamente
complexas, visão.
Com o intuito de compreender um pouco melhor o fenômeno acima descrito,
analisar-se-á
sobre os referenciais psico-social, etimológico, filosófico e histórico, as
origens da relação entre o
“ver” e o “conhecer”. Desta forma, o conhecimento de tal relação trará
questionamentos que
podem resultar na conscientização da importância de outras percepções para a
educação, e para o
satisfatório desempenho de uma pessoa com deficiência visual na vida como um
todo.
Nesse contexto, a observação do hino que Descartes entoa aos olhos pode produzir
reflexões que contribuam à compreensão do tema aqui abordado.
-
“O olho, pelo qual a beleza do universo é revelada à nossa contemplação, é de
tal
excelência que todo aquele que se resignasse à sua perda privar-se-ia de
conhecer todas
as obras da Natureza, cuja vista faz a alma ficar feliz na prisão do corpo,
graças aos
olhos que lhe representam a infinita variedade da criação” (Descarte apud Chauí,
1988).
É possível notar de acordo com as palavras de Descartes, que o sentido visão
possui
atributos exclusivos de observação, felicidade e conhecimento, de tal forma que
aqueles que não
o possuem se tornam incapazes de exercerem ou participarem dos atributos
descritos. Opondo-se
ao conceito observado, entende-se que o exercício desses atributos, não é
privilégio exclusivo dos
videntes, mas acaba de uma forma indireta, ou seja, pela via social, se
tornando. Portanto, a
compreensão do fenômeno “a deficiência visual” se dará de uma forma não
superficial a partir do
entendimento das relações sociais que realmente definem uma pessoa como tal, e
que se
constituíram no decorrer da história em verdadeiros mitos acerca da deficiência
visual. Alguns
desses mitos serão na seqüência abordados e discutidos.
1.1.3 - VISÃO PSICO-SOCIAL DA DEFICIÊNCIA VISUAL: ANÁLISE DE MITOS HISTÓRICOS
E ATUAIS DA DEFICIÊNCIA VISUAL
O quadro do desenvolvimento de uma pessoa com deficiência visual está
intimamente
ligado com as relações sociais que a mesma mantém em seu cotidiano. Segundo
Leontiev et. al.
(1988), durante o desenvolvimento da criança, sob a influência das
circunstâncias concretas de
sua vida, o lugar que ela objetivamente ocupa no sistema das relações humanas se
altera.
Evidencia-se aqui a importância de ouvir, enxergar, tatear, falar, para o
desenvolvimento de um estabelece mudanças comportamentais, o que produz
alterações no percurso de seu
desenvolvimento. Entretanto, especificamente para o caso de um individuo com
deficiência
visual, quais são as verdadeiras implicações que a ausência total ou parcial da
visão provoca em
seu desenvolvimento?
Neste contexto, Vigotski (1997), ao analisar especificamente a cegueira, sugere
que a
mesma age de uma certa forma como uma “força” que pode manifestar capacidades em
indivíduos com deficiência visual. Em seu ensaio “O menino cego”, trata a
questão em três etapas
(mística, biológica, e científica ou sócio-psicológica).
A etapa mística engloba a antigüidade, a idade média e uma grande parte da
História
Moderna e pode ser caracterizada pela visão mística, superficial e
preconceituosa à respeito do
cego. A cegueira é associada com infelicidade, invalidez, medo supersticioso e
grande respeito.
Paralelamente à idéia de invalidez, aparece a idéia de que nos cegos se
desenvolvem as forças
místicas da alma, como um acesso à visão espiritual. É neste período histórico
que surgem as
tradições acerca do cego, como o guardião da sabedoria popular, os cantores e os
profetas.
Homero era cego, e existe na literatura a suposição de que Demócrito se cegou
para dedicar-se à
filosofia. Este acontecimento serve para exemplificar a relação mística
estabelecida nesta época
entre o dom filosófico e a cegueira. Talmud (Apud. Vigotski, op. cit.) comparou
os cegos, os
leprosos e os estéreis aos mortos e ao referir-se a eles utilizava a expressão
eufemística: “Pessoas
com abundância de luz”.
Graças a essa tradição, ainda hoje a cultura popular entende o cego como uma
pessoa que
possui visão interior dotada de conhecimento espiritual, não acessível a outras
pessoas. O
cristianismo variou o conteúdo moral dessa essência, mas deixou invariável a
própria essência e
nisso se baseou o dogma principal da idade média acerca dos cegos, isto é, a
crença na idéia de
que para toda classe de sofrimento e privação atribuir-se-ia um valor
espiritual, pobreza terrestre -
riqueza com Deus, corpo débil - espírito elevado, aproximação do cego a Deus.
Nenhum desses
pontos de vista surgiram da experiência, ou do testemunho e muito menos da
investigação, mas
de teorias sobre o espírito e a fé.
A etapa biológica surge a partir do século XVIII com uma nova compreensão da
cegueira.
O misticismo é substituído pela Ciência e o preconceito por experimentos e
estudos. Esta nova
fase incorporou o cego ao ensino e ao estudo, baseava-se na substituição de
órgãos do sentido,
como no caso dos órgãos pares rins e pulmões, isto é, na ausência ou não
funcionamento de um
deles, o outro exerceria suas funções. Lendas fundamentadas em observações
verdadeiras, porém
mal interpretadas sobre agudeza do tato, super audição, natureza perfeita “que
tira com uma mão
e dá com a outra” e atribuição de um sexto sentido aos cegos, são
caracterizadoras desta etapa.
Bürklen (apud. Vigotski, op. cit.), reuniu alguns autores que desenvolveram uma
nova
idéia frontal à já estabelecida: indicavam como um fato irrevogável que nos
cegos não existe o
desenvolvimento supernormal das funções do tato e da audição, pelo contrário,
com muita freqüência estas funções se apresentam nos cegos menos desenvolvidas
do que nos videntes.
Fenômenos como o da agudeza tátil nos cegos, não surgem da compensação
fisiológica direta do
defeito da vista, mas sim, de uma via indireta, muito complexa da compensação
sócio-psicológica
geral. Em outras palavras, segundo afirmação de Luzardi (apud. Vigotski, op.
cit), o tato ou a
audição nunca ensinarão o cego realmente a ver, portanto, conforme assinala
Vigotski (op. cit.), é
preciso compreender a substituição, não no sentido de que outros órgãos assumam
diretamente as
funções fisiológicas da vista, mas sim, no sentido da reorganização complexa de
toda a atividade
psíquica, provocada pela alteração da função mais importante e dirigida por meio
da associação
da memória e da atenção, ou seja, a criação de um novo tipo de equilíbrio do
organismo em
função do órgão afetado.
A superação da convicção biológica ingênua que se mostrou incorreta representou
um
grande avanço em direção a “verdade”. Pela primeira vez, partindo da observação
científica com
o critério experimental, se abordou o fato de que a cegueira não é só um
defeito, uma deficiência,
mas também incorpora várias forças e novas funções à vida e à atividade,
motivando um certo
trabalho criador orgânico.
Com o surgimento do Braille, o cego passou a ter
acesso à educação e
isto foi de valor inestimado, já que um ponto do sistema Braille se mostrou mais
importante para
o cego, que mil obras de caridade. A possibilidade de ler e escrever resultou
ser mais importante
do que o sexto sentido ou a agudeza do tato e do ouvido.
Haüy (apud. Vigotski, op. cit.), assinalou “encontrarás a luz no ensino e no
trabalho”. Ele
viu no conhecimento e no trabalho a solução da tragédia da cegueira. A época de
Haüy deu aos
cegos o ensino, a atual deve dar o trabalho.
Foi na idade contemporânea, após a superação das visões mística e biológica -
que até
então se apresentavam como modelo de interpretação acerca do indivíduo cego -
pela psicologia
social da personalidade que a Ciência se aproximou do domínio do conhecimento
sobre a
psicologia da pessoa cega. Temos aqui caracterizada a etapa científica ou
sócio-psicológica.
Segundo as palavras de Vigotski (op. cit.), fica claro a nova linha de abordagem
que se segue:
-
“Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não cumpre seu
trabalho, então
o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o
funcionamento
insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função, uma superestrutura
psíquica que
tende assegurar o organismo no ponto débil ameaçado”.
A luta criada entre o
indivíduo cego para
se estabelecer socialmente, poderá levá-lo a atingir dois extremos. Um desses
extremos, ou seja, a
vitória do organismo pela super compensação, não indica apenas a superação das
dificuldades
originadas pelo defeito, mas também o seu próprio desenvolvimento é levado a um
nível
superior, criando do defeito, uma capacidade; da debilidade, a força; da baixa
auto-estima, a alta
auto-estima. O segundo extremo é o fracasso da super compensação. Seria ingênuo
pensar que
qualquer enfermidade termina em êxito e que todo defeito se transforma
felizmente em um
talento, portanto, segundo Vigotski (op. cit.), o fracasso da supercompensação
leva à vitória total
do sentimento de debilidade, ao caráter associal da conduta, à criação de
posições defensivas a partir de sua debilidade, à loucura, à impossibilidade da
personalidade de ter uma vida psíquica
normal, e à neurose.
Ainda de acordo com o mesmo autor, a essência desse novo ponto de vista reside
na
tendência da superação do conflito social por parte do indivíduo pela super
compensação. Essa
tendência está dirigida à formação de uma personalidade de pleno valor no
aspecto social, isto é,
a conquista da posição na vida social. Portanto, não é o tato nem o ouvido que
se desenvolvem a
mais nos indivíduos cegos, mas sim, com a finalidade de vencer o conflito
social, toda
personalidade é abrangida, começando por seu núcleo interno com a tendência não
de
substituírem a vista, mas de vencer pela super compensação.
Com o objetivo de explicitar e superar a visão ingênua relacionada à
substituição de
funções orgânicas, por exemplo: a audição substitui a visão nos cegos; será
apresentada na
seqüência, uma análise acerca de um mito ainda bastante freqüente na sociedade
atual, ou seja, o
mito da escuridão.
1.1.4 - CEGOS NÃO SENTEM SUA CEGUEIRA: O MITO DA ESCURIDÃO
Contra a opinião comum de que o cego se sente submergido na escuridão devido à
sua
cegueira, alguns psicólogos assinalaram que o mesmo não percebe em absoluto seu
defeito físico.
Nas palavras de Biriliev (apud. Vigotski, op. cit.), cego altamente instruído,
pode-se observar um
exemplo: “Eu não posso sentir diretamente meu defeito físico”. Vigotski (op.
cit.) afirma que os
cegos não percebem a luz da mesma maneira que os que enxergam com os olhos
tapados a
percebem, isto é, eles não sentem e nem experimentam diretamente que não têm
visão, portanto,
a capacidade para ver a luz tem um significado prático e pragmático para o cego
e não um
significado instintivo-orgânico, o que significa que eles sentem seu defeito de
um modo indireto,
refletido unicamente nas conseqüências sociais.
Leontiev et. al. (op. cit.), apontam que “embora os conceitos e os fenômenos
sensíveis
estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente eles são
categorias diferentes
de consciência”. Esta idéia está fundamentada no conceito de funções
psicofisiológicas, que vêm
a ser as funções fisiológicas do organismo. O grupo inclui as funções
sensoriais, as funções
mnemônicas e as funções tônicas. Nenhuma atividade psíquica pode ser executada
sem o
desenvolvimento dessas funções que constituem a base dos correspondentes
fenômenos
subjetivos de consciência, isto é, sensações, experiências emocionais, fenômenos
sensoriais e a
memória, que formam a “matéria subjetiva”, por assim dizer, a riqueza sensível,
o policromismo
e a plasticidade da representação do mundo na consciência humana. Portanto, de
acordo com
Leontiev et. al. (op. cit.), “se mentalmente excluirmos a função das cores, a
imagem da realidade em nossa consciência adquirirá a palidez de uma fotografia
branca e preta. Se bloquearmos a
audição, nosso quadro do mundo será tão pobre quanto um filme mudo comparado com
o sonoro.
Por outro lado, uma pessoa cega pode tornar-se cientista e criar uma nova
teoria, mais perfeita,
sobre a natureza da luz, embora a experiência sensível que ela possa ter da luz
seja tão pequena
quanto aquela que uma pessoa vidente tem sobre a velocidade da luz.”
A partir do referido contexto, uma questão torna-se relevante: Ver é condição
para
conhecer? Essa discussão será trazida à tona na seqüência por meio da análise de
três pontos
chave, a saber: etimologia da palavra “ver”; a compreensão filosófica do “ver” e
“conhecer sem
ver”. Pretende-se por meio da análise efetuada, apresentar argumentos que
dicotomisem o prérequisito
de senso comum, que intende, ainda que de maneira superficial e não explícita, o
primeiro como condição do segundo.
1.1.5- ETIMOLOGIA DA PALAVRA “VER”
Uma questão bastante subjetiva e pouco discutida é aquela que se relaciona ao
conhecimento e à visão. Nesse sentido, Masine (1994) pergunta: “ver é condição
para conhecer
ou conhecer é ver?”. Uma análise etimológica da palavra “ver”, pode trazer à
tona além de
reflexões relacionadas ao referido tema, conceitos implícitos invariavelmente
tomados como
verdadeiros.
Sob tal referencial, pode-se perguntar: o que é ver? Como indica Masine (1994)
“da raiz
indo-européia (Weid), ver é olhar para tomar conhecimento e para ter
conhecimento”. Ainda de
acordo com o mesmo autor “este laço entre ver e conhecer, de um olhar que se
tornou
cognoscente e não apenas espectador desatento, é o que o eidô (do grego)
significa: ver, observar,
examinar, fazer, instruir, instruir-se, informar, conhecer, saber”.
Não obstante, o significado do uso cotidiano da palavra ver e seus derivados
revela de
acordo com Chauí (1983) um enfoque realista de mundo. “Falamos em ver, rever,
porque cremos
na palavra e nela cremos; porque cremos em nossos olhos; cremos que as coisas e
os outros
existem porque os vemos e os vemos como existem” (Chauí op. cit.).
Masine (1994) afirma que essa concepção realista de mundo, de diferentes
maneiras se
encontra presente em discursos cotidianos, como por exemplo, “na distinção entre
as palavras
alucinado e lúcido, isto é, loucura e sanidade, designados como ausência ou
presença de luz”.
Em relação a determinadas comparações entre o sentido visão e outros sentidos,
Masine
(op. cit.) indica que popularmente “dos cinco sentidos somente a audição é
referida à linguagem”
e que de uma certa forma, a mesma, “rivaliza com a visão no léxico do
conhecimento”. Assim,
não é comum se dizer “ouve como brilha”, “cheira como resplandece”, “saboreia
como reluz”,
“apalpa como cintila”. No entanto, se diz que todas essas coisas se vêem. Por
isso, é bastante
comum afirmações do tipo: “vê como isto brilha” como também “vê como isto soa”,
“vê como
cheira”, “vê como sabe bem”, “vê como é duro”.
As relações etimológicas apresentadas evidenciam uma ligação direta e dependente
entre
o ato de “ver” e o de “conhecer”. Esta ligação será abordada na seqüência
levando-se em conta
alguns referenciais filosóficos que enfocam a referida questão.
1.1.6- A COMPREENSÃO FILOSÓFICA DO “VER”
De acordo com Masine, (1994) a filosofia abordou a questão do olhar
inicialmente, sob
dois pontos de vista:
a) A visão depende dos objetos.
b) A visão depende dos olhos, que fazem por sua vez, os objetos serem vistos.
A tradição de Demócrito, Epícuro e Lucrécio, fiel ao sentido latino de percepio,
refletem a
primeira alternativa, conhecida como: “Teoria perceptiva”. A tradição nascida em
Empédocles
decide-se pela segunda alternativa, denominada de: “Teoria emissiva” (Masine op.
cit.).
Verificou-se, que as posições observadas acima, não se anularam ou se
constituíram como
dominante uma em relação à outra. Por outro lado, apresentaram uma
transformação, que indica
uma passagem da fé perceptiva à atitude analítica, que por sua vez, decompõe a
visão em
qualidades (das coisas) e sensações (dos olhos).
Para Masine, (op. cit.) em relação ao que vem sendo abordado, filosoficamente
“conviveram e convivem”:
-
- O realismo, que crê na percepção como coincidência entre sujeito e objeto;
- O idealismo, que crê na percepção como síntese operada pelo sujeito;
- O empirismo, que procura explicar a percepção como síntese passiva das
sensações;
- O intelectualismo, que pela reflexão busca objetivar a sensação, fazendo-a
aparecer como matéria do conhecimento.
Como citado, a partir das análises filosóficas sobre o fenômeno da visão, há de
acordo
com Masini, (1994), uma mudança na interpretação do referido fenômeno, ou seja,
“passa-se da
experiência de ver, para a explicação racional dessa experiência”. Deste modo, o
fenômeno da
visão passou a ser compreendido da seguinte forma: a visão, “desliga-se e desfaz
as próprias
coisas para que sejam refeitas, quer como causas ativas, quer na condição
passiva resultante de
sínteses subjetivas - do cérebro no empirismo ou da consciência no
intelectualismo” (Masini, op.
cit.). Essa nova postura marca uma cisão entre o olhar e o mundo, como entre os
olhos do corpo e
do espírito ou intelecto.
Deste modo, as idéias descritas falam de um paradigma da visão como
pré-requisito para
o saber. Este modelo serve como suporte para o conhecimento enquanto
representação. Como
indica Masini (1990) o sujeito do olhar de acordo com o ponto de vista descrito,
é o “intelecto”, o
“entendimento”, a “consciência”, como poder constituinte do objeto enquanto
significação.
O referido referencial na seqüência, por meio de uma nova abordagem, ou seja, a
do
“conhecer sem ver”, será submetido a análises com a finalidade de ser criticado
e superado.
1.1.7- CONHECER SEM VER: DISCUSSÕES ACERCA DE UMA NOVA ABORDAGEM
Fica evidente a partir dos referenciais descritos, a compreensão do “conhecer”
como
dependência do “ver”. Este conceito de conhecimento, originado em uma sociedade
formada na
sua maioria por videntes, constituiu o pensamento filosófico descrito, e
constitui ainda hoje, a
compreensão de senso comum acerca das condições para a obtenção do conhecimento.
Embora se referindo ao vidente e não especificamente à pessoa com deficiência
visual,
Merleau-Ponty assume uma postura divergente à descrita. Como aponta Masini,
(1994) atento às
zonas ambíguas da percepção, Merleau-Ponty com seu “olhar fenomenológico”,
tentou levar até
o fim a crítica ao dualismo clássico entre conhecer e ver, retomando o mundo
vivido onde o olho
e o visível se implicam mutuamente. Assim, Merleau-Ponty volta-se para a
totalidade do ser e
fala do sensível, do tátil, do audível, do visível. A partir da observação de
uma de suas idéias,
muito dessa nova postura pode ser melhor compreendida:
“Imerso no visível pelo seu corpo, o vidente se aproxima do que vê pelo seu
olhar.
Abre-se ao mundo, ao invés de apropriar-se dele. Visível e vidente, o corpo
próprio de
cada um está no mundo - olha todas as coisas e também pode olhar a si - se vê
vidente,
toca-se tateante, é visível e sensível por si mesmo, e a partir daí é que cada
um pensa. A visão não é um certo modo do pensamento ou da presença a si, é o
meio que me é dado
de estar ausente de mim mesmo, de assistir de dentro a fissão do Ser, só no
término do
qual eu me fecho sobre mim” (Merleau Ponty, 1975).
Apesar de Merleau Ponty deixar claro que conhecer não é ver, num mundo e numa
“cultura de videntes”, é bastante natural que o primeiro permaneça como condição
do segundo, já
que, ao se referir a uma “cultura de videntes” está se referindo à maioria das
pessoas que aí estão,
existindo como videntes e percebendo pela predominância da visão sobre os demais
sentidos
(Masini, 1990).
Assim, como indica o mesmo autor (op. cit.), “o deficiente visual permanece
oculto ao ser
apresentado pela percepção unidimensional da visão”. Nesse sentido, indo um
pouco além em
relação ao autor citado, não apenas o indivíduo com deficiência visual permanece
oculto ao ser
apresentado por tal unidimensionalidade, como também, os indivíduos videntes
podem
permanecer semi-ocultos, já que em privilégio de uma dada percepção, todas as
outras podem
passar desapercebidas.
Desse modo, parece muito interessante o estabelecimento de reflexões sobre
alguns
questionamentos propostos por Masini (1994):
-
Como é o pensar daquele que aí está e não é vidente?
-
Afirmar que sem visão não podemos pensar, não será uma redução que impede um
aprofundamento sobre o “compreender” humano e o seu “saber”?
-
Como se dá o conhecimento na ausência da visão?
Na tentativa de se obter as respostas dos questionamentos citados, serão
enfocadas duas
argumentações não divergentes, mas complementares. São elas: imaginar uma
sociedade formada
somente por pessoas cegas, e compreender a luz das explicações de Merleau-Ponty
a relação
entre o que ele chama de “conteúdos particulares”, e “formas de percepção”.
PRIMEIRA ARGUMENTAÇÃO:
Na literatura de ficção, em “The Country of The Blind”, na
saída encontrada por um artista, o “sem visão” surge uma outra maneira de
perceber e interpretar
o mundo. No texto abaixo, observa-se uma interessante inversão de maiorias, que
indica as
dificuldades do ser humano em lidar com a questão da diferença. Essas
dificuldades acabam por
produzir determinados padrões de normalidade, que são tomados como referência
nas definições
de atitudes e atividades da prática social, das quais destaca-se a educacional.
-
Certa vez, um camponês chamado Nunez, numa escalada perigosa, ao separar-se de
seus companheiros de caravana, caiu de uma montanha e descobriu o Vale dos
Cegos.
-
Lembrando-se do dito popular “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, aspirou
governar o Vale. Descobriu, porém, que isso não era tão fácil quanto esperava e
que
sua visão não era sempre uma vantagem.
-
Quando foi encontrado por três homens do Vale, eles tentaram descobrir quem era
aquela estranha criatura.
-
- Vamos levá-lo para os mais velhos. - disse Pedro.
-
- Grite primeiro - disse Correa - senão poderemos assustar as crianças.
-
Assim, eles gritaram e Pedro foi à frente e pegou Nunez pela mão para guiá-lo
até as
casas.
-
- Eu posso ver - disse, puxando-lhe a mão.
-
- Ver? - perguntou Correa.
-
- Sim, ver - respondeu Nunez, virando-se em sua direção e tropeçando.
-
- Seus sentidos são ainda imperfeitos - disse o terceiro cego - Ele tropeça e
diz palavra
sem sentido. Guie-o pela mão.
-
- Como você quiser - disse Nunez e deixou-se guiar, rindo.
-
Parecia que eles nada sabiam de visão.
-
Nunez começou a perceber que muito da imaginação dos cegos havia desaparecido
com
sua visão e eles haviam feito para si, um novo mundo, onde predominava a
sensibilidade do ouvido e do tato. Lentamente, Nunez percebeu que ele estava
errado em
esperar que as pessoas ficassem impressionadas com sua origem e habilidades.
-
Pensavam que ele fosse um novo ser e eram incapazes de entender suas sensações.
E,
assim, após entender que não aceitariam suas explanações sobre a visão, calou-se
e
começou a ouvir o que tinham para lhe dizer.
-
E chegou o dia em que Nunez apaixonou-se por Medina e queria casar-se com ela. O
pai, Yacobs, solicitou uma reunião dos mais velhos para decidirem o que fazer.
Eles
estranhavam muito as falas e comportamentos de Nunez. Após um tempo de
discussão, o
velho Yacobs comentou:
-
- Algum dia ele estará tão só quanto nós.
-
A vontade de curá-lo de suas peculiaridades permanecia.
-
Após algum tempo, um dos mais velhos, o grande médico entre eles, expôs sua
idéia
criativa:
-
- Examinei Bogotá - era assim que o chamavam - e o caso é claro para mim -
disse. -
Penso que muito provavelmente ele deverá ficar curado.
-
- Isso é o que eu sempre desejei - disse o velho Yacobs.
-
- Sua mente está afetada - observou o doutor cego.
-
Os mais velhos concordaram, murmurando:
-
- Bem, o que o afeta?
-
- Ahm? - disse o velho Yacobs.
-
- Isto - disse o doutor, respondendo à pergunta. - Estas coisas esquisitas
chamadas
olhos, que existem para fazer uma agradável e macia depressão na face, estão
doentes.
-
Isto está afetando sua mente. Seus olhos são muito grandes e seus cílios e
pálpebras
movem-se. Assim, sua mente está sendo prejudicada.
-
- É - disse o velho Yacobs - É isso.
-
- E eu penso que para curá-lo completamente, precisamos fazer uma operação fácil
para remover esses olhos.
-
- E, então, ele ficará são?
-
- Sim, ele ficará perfeitamente são e se tornará um excelente cidadão.
-
- Graças a Deus, pela Ciência - disse o velho Yacobs, e foi contar a Nunez suas
intenções (Wells apud Masini, 1990).
Como aponta Masini, (1990) “no Vale, é a fala do cego que constitui maioria; é
ela que
passa a ser ouvida por Nunez, quando este descobre que a sua não leva a nada.
Assim, uma outra
maneira de perceber o mundo aparece e com ela conceitos, valores e crenças se
impõem em nome
da Ciência” (...) “no mundo dos videntes, como não poderia deixar de ser, a fala
que se impõe, é a
deles. Seria absurdo negar este fato, antes, ele deve ser considerado para que
se possam
identificar os conceitos, valores, definições de senso comum ditado pelo sentido
da visão, pois
este, quando utilizado como referencial na educação do Deficiente Visual,
impede-o de
compreender, levando-o a uma aprendizagem mecânica”.
SEGUNDA ARGUMENTAÇÃO:
Relação entre conteúdos particulares, e formas de
percepção.
Parece absolutamente ingênuo a crença na idéia de que indivíduos cegos ou com
baixa
visão sejam incapazes de construir modelos referentes ao mundo físico, ou mesmo
de outras
formas de conhecimento. Entretanto, como observado, de forma discreta e
indireta, é isto que
ocorre. Com o objetivo de apresentar uma negativa às concepções relacionadas ao
“conhecer” e
ao “ver”, apresenta-se como exemplo, o trabalho de Camargo, (2000) que enfocou
sob aspectos
históricos e visuais, as concepções alternativas sobre repouso e movimento de um
grupo de seis
sujeitos cegos. Verificou-se que para o referido grupo existem tendências de
suas concepções
convergirem aos modelos pré-científicos de movimento.
Como apontam várias pesquisas nesta área (Watts 1983; Gardner 1986; Clement
1979;
McCloskey et. al., 1980; Minstrell 1982), tais tendências também são verificadas
junto a sujeitos
videntes e portanto, indivíduos embora cegos, não representam exceção à maneira
alternativa de
se abordar questões relacionadas ao referido tema.
Nesse contexto, autores denominados construtivistas afirmam que o conhecimento
não é
absoluto, mas intimamente relacionado com as ações e experiências do aprendiz.
Quando um
indivíduo pensa em um dado fenômeno físico como, por exemplo, o movimento de um
objeto,
realiza ações de busca de construções de concepções referentes ao fenômeno em
questão, ações
estas, que constituem o conhecimento do objeto de pensamento. Como indica
Johnson, (1987), “o
conhecimento é sempre contextual e nunca separado do conhecedor; conhecer é
agir; conhecer é
entender de uma certa maneira, uma maneira que pode ser partilhada por outros
que se juntam
numa comunidade de conhecimento”. A grande problemática paradigmática a cerca do
conhecimento é composta pelo fato de que não se pode transmitir significado,
pois, o mesmo é
construído individualmente dentro de um contexto social. Como afirma Gergen
(1982), “o
conhecimento não é algo que as pessoas possuem em suas cabeças, mas algo que
fazem juntas”.
De acordo com Merleau Ponty apud Masini (1994) a compreensão de fenômenos
relacionados com o “conhecer” se encontra ligada não apenas com o sentido visão,
mas, com uma
relação dialética entre o conjunto de sensações próprias do ser humano, e a
capacidade que o
mesmo tem de interpretá-las. Nesse sentido, concluiu-se em Camargo (op. cit.)
que a construção
de concepções alternativas relacionadas com fenômenos físicos como o movimento e
o repouso
dos objetos, feita por qualquer pessoa, não parece depender exclusivamente de
aspectos visuais,
já que sensações auditivas e táteis participam de modo relevante na construção
de tais
concepções. Assim, do ponto de vista sensorial, a “comunidade de conhecimento”,
é influenciada
por todos os sentidos, e portanto, conhecer um dado objeto ou fenômeno, se
encontra vinculado
às múltiplas formas de perceber, ao refletir individual, e ao compartilhar
social do objeto de
conhecimento em questão.
O modelo de Merleau Ponty citado acima, é fundamentado sobre dois pilares, a
saber:
“conteúdos particulares” (ou a especificidade) e “formas de percepção” (ou
generalidade).
Conteúdos: são os “lados” sensoriais (visão, tato, audição etc). Forma: é a
organização
total desses “lados”, que é fornecida pela função simbólica. Há como citado, uma
dialética entre
conteúdo e forma, isto é, não se pode obter qualquer tipo de organização se não
existirem dados,
mas estes quando fragmentados, ou seja, dissociados da função simbólica, de nada
adiantam
(Masini 1994).
Os dados sensíveis que constituem o primeiro fundamento da consciência e da
ação, por
meio da dialética entre forma e conteúdo, são retomados pela consciência,
recebendo da mesma,
um sentido original. Desta forma, entre a consciência e o corpo, existem
relações de implicações
recíprocas, e não de dependência.
Assim, como indica Masini (op. cit.) “a consciência consiste em estar nas coisas
por
intermédio do corpo, e a experiência do corpo faz cada um reconhecer o emergir
do sentido
aderido aos conteúdos, unidade de implicação em que as diversas funções se
desenvolvem
dialeticamente”. Neste contexto, a fim de se obter a compreensão de um indivíduo
e de aspectos
relacionados à sua educação, há a necessidade de se considerar sua estrutura
própria que exprime
ao mesmo tempo sua generalidade e especificidade (o conteúdo e a forma) e a
dialética entre essa
especificidade e generalidade.
Para o caso de uma pessoa com deficiência visual, conclui-se que a mesma, por
sua vez,
tem a possibilidade de organizar os dados como qualquer outra pessoa, desde que
esteja aberta
para o mundo em seu modo próprio de perceber e de relacionar-se. Portanto, como
aponta Masini
(1994) o que não se pode desconhecer é que o deficiente visual tem uma dialética
diferente,
devido ao conteúdo que não é visual, e a sua organização, cuja especificidade é
a de referir-se ao
tátil, auditivo, olfativo, sinestésico. A consideração dos referidos elementos
não visuais são para a
educação do individuo com deficiência visual, fundamentais, e representaram para
a elaboração
das atividades de ensino de Física que foram aplicadas a um grupo de alunos com
deficiência
visual, e que posteriormente serão apresentadas, um referencial central.
Em síntese, abordou-se até aqui a análise de alguns mitos que cercam a
deficiência visual,
análise esta realizada sobre quatro referenciais principais, a saber: o social,
o histórico, o
etimológico e o filosófico. Para finalizar o presente capítulo, será apresentada
uma distinção
semântica entre os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem,
conceitos estes que
apesar de poderem se relacionar, não mantém semelhança.
Atualmente, existem grandes discussões por conta de questões relacionadas à
nomenclatura ou designação de uma pessoa com deficiência. Nesse sentido, parece
necessário,
inclusive às pessoas com deficiência, o esclarecimento de alguns pontos sobre
esta questão.
Embora a expressão “portador de deficiência”, não por causa da palavra
deficiência, mas
pela palavra portador, não seja a mais adequada para caracterizar uma pessoa com
limitações,
este é o termo que consta na constituição brasileira. As pessoas portam algo que
seguram e
podem soltar (um objeto, por exemplo). A deficiência, por mais difícil que seja
seu entendimento
e aceitação, não pode ser deixada à margem, mas sim, encarada e superada. Por
outro lado, o
termo “deficiência” não deve ser interpretado como pejorativo ou desmerecedor,
pois deficiência
não é o oposto de eficiência, o oposto de eficiência é ineficiência e a
deficiência indica apenas
uma falta ou uma limitação em relação ao ambiente físico e social externo.
Outros termos como “pessoa com necessidades especiais” (termo que consta na
atual
LDB/96), podem ser importantes para a educação, já que em linhas gerais uma boa
parte das
crianças e não apenas as com deficiências tem necessidades especiais. Como será
discutido, o
termo que melhor se adequa às exigências semânticas, é o termo “pessoa com
deficiência”.
De acordo com uma abordagem histórica, desde o século XVIII, os profissionais de
saúde
apresentam preocupações em estabelecer uma classificação das doenças.
Entretanto, somente na
VI Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-6), em 1948, foram
feitas referências
a doenças que poderiam se tornar crônicas, exigindo outros atendimentos além de
cuidados
médicos. Surgiu em 1976 na IX Assembléia da Organização Mundial da Saúde, uma
classificação internacional de deficiências, incapacidades e desvantagens, ou
seja, um manual de
classificação das conseqüências das doenças (CIDID), publicada em 1989. Dessa
forma, a
conceituação de deficiência, incapacidade e desvantagem é feita da seguinte
maneira:
Deficiência: perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou
anatômica, temporária ou permanente. Representa a exteriorização de um estado
patológico,
refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão (Amiralian, et. al.
2000). Ainda de
acordo com a Convenção Inter-Americana para a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação em relação a Pessoa com Deficiência, o termo “deficiência”
significa uma
restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória,
que limita a
capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada
ou agravada pelo
ambiente econômico e social. Como citado deficiência não é o contrário de
eficiência. O
contrário de eficiência é ineficiência e a deficiência por sua vez, indica
apenas uma falta, uma
limitação em relação ao ambiente externo, e não especificamente da pessoa.
Incapacidade: restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade para
desempenhar
uma atividade considerada normal para o ser humano (Amiralian, et. al. op.
cit.). Surge como
conseqüência direta ou é resposta do indivíduo a uma deficiência psicológica,
física, sensorial ou
outra.
Desvantagem: prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência ou uma
incapacidade, que limita ou impede o desempenho de papéis de acordo com a idade,
sexo, fatores
sociais e culturais (Amiralian, et. al. op. cit.). Representa a socialização da
deficiência e
relaciona-se às dificuldades nas habilidades de sobrevivência.
Não obstante, evitou-se utilizar pela CIDID a mesma palavra para designar as
deficiências, incapacidades e desvantagens. Dessa forma, para uma deficiência
foi adotado um
adjetivo ou substantivo, para uma incapacidade, um verbo no infinitivo e para
uma desvantagem,
um dos papéis de sobrevivência no meio físico e social.
Por outro lado, foram identificados por Chamie, (1990), três conjuntos de
dificuldades no
uso da CIDID:
-
- diferenciar e isolar os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem
nas
descrições comportamentais;
- preparar pessoas para o uso padronizado dessa classificação;
- aplicar a classificação para as diversas teorias e modelos de deficiência.
De acordo com Zola, (1993), “a linguagem estaria tão ligada às condições
filosóficas e
políticas da sociedade, quanto à geografia e o clima. Ainda como indica o mesmo
autor “a
capacidade da palavra de denominar as pessoas e a significação do estigma
deveriam ser
reconhecidos por todos”. Dessa forma, o autor citado, propõe contextualizar a
relação com o
nosso corpo e com nossas deficiências, como uma possibilidade para reverter o
estigma,
realizando uma mudança não nos termos, mas na gramática.
Dessa maneira, nomes e adjetivos igualariam o indivíduo à deficiência. Por
exemplo,
inválido e deformado tenderiam a desacreditar a pessoa como um todo; preposições
descreveriam
relações e encorajariam a separação entre a pessoa e a deficiência, por exemplo,
um homem com
deficiência; os verbos na voz ativa seriam preferíveis aos verbos na voz
passiva, por exemplo: um
homem usando cadeira de rodas seria melhor do que um homem confinado a uma
cadeira de
rodas; também o verbo “ser” seria mais prejudicial do que o “ter”, por exemplo,
“ele tem uma
incapacidade” preferivelmente a “ele é incapacitado”.
Este critério de nomenclatura vem sendo utilizado neste trabalho até aqui, e
continuará
sendo utilizado para a caracterização dos alunos com deficiência visual. Dessa
forma, explicita-se
que o entendimento que se faz neste trabalho acerca da deficiência, não a
relaciona diretamente
com uma determinada incapacidade, e sim que tal incapacidade se relaciona
primeiramente a
determinadas condições impostas pelo meio. Estas condições quando analisadas de
acordo com um referencial educativo, além de gerarem incapacidades, colocam
alunos com deficiência visual
em desvantagem social perante seus colegas videntes. Por isto, serão abordados
no próximo
capítulo, alguns modelos de ensino/aprendizagem que supostamente colocam alunos
com
deficiência visual em desvantagem em relação a seus colegas videntes, e alguns
modelos de
ensino/aprendizagem que supostamente colocam esses alunos, em condições de
igualdade para
aprender. Sobre esse contexto, posicionar-se-a em relação ao modelo de ensino
aprendizagem
que supostamente colocam alunos com deficiência visual em condições de igualdade
para
aprender, modelo este que norteou a elaboração das atividades de ensino de
Física apresentadas
no capítulo (III).
O ENSINO DE CIÊNCIAS: EVOLUÇÃO DE UM NOVO CAMPO DE
INVESTIGAÇÃO
No presente capítulo, apresentamos um histórico bibliográfico acerca das
pesquisas em
ensino de Ciências, interpretamos a educação científica à luz do construtivismo,
e trazemos
referências que mostram a importância de um ensino fundamentado em elementos
construtivistas. Analisamos também os conhecimentos prévios, e o modelo de
mudança
conceitual com suas inovações, limitações e superações.
A superação do paradigma tradicional de ensino, que dentre tantos aspectos
abordou
objetivos divergentes à formação crítica, reflexiva e interacionista por parte
dos alunos,
valorizando prioritariamente, características de isolamento, memorização,
passividade e a idéia
de um professor transmissor de informações (Pozo, 1999), tem se apresentado
fundamental para a
prática pedagógica de docentes que buscam um aprendizado significativo de seus
discentes.
Como se tem observado seguidamente, os alunos memorizando soluções e
limitando-se ao
reconhecimento e à reprodução de problemas que já foram resolvidos, pouco
aprendem sobre os
conteúdos trabalhados. Em outras palavras, por meio de exercícios que o
professor resolve de
forma linear, sem dúvidas ou tentativas sobre o que se busca ou sobre qual é o
caminho a seguir,
o caráter mecânico pragmático e desinteressado, substitui aspectos relacionados
a um
aprendizado significativo.
Não obstante, a superação de outros modelos de aprendizagem defendidos por
professores
de ciências como o de aprendizagem por descobertas, representou significativo
avanço dentro da
prática educativa. Esse modelo se centra nos trabalhos experimentais e autônomos
dos alunos,
trabalhos estes, que para romper com um ensino puramente baseado nos livros e em
resolução de
exercícios, privilegiam os processos científicos aos conteúdos. A pouca atenção
aos conteúdos
fundamenta-se na crença de que estes carecem de importância frente ao método.
Nesta
perspectiva, a realização dos experimentos pode proporcionar ao aluno
acidentalmente, o
domínio do conteúdo. Tal proposta se fundamenta como assinala Ausubel (1978),
“na ingênua
premissa de que a solução autônoma de problemas ocorre necessariamente com base
nos
raciocínios indutivos a partir de dados empíricos”. A imaginação, a
criatividade, os riscos, ficam
excluídos, já que a ciência de acordo com esta visão é considerada como uma
busca objetiva,
metódica, insensível.
A partir do contato que pesquisadores de ensino começaram a manter com obras de
autores denominados construtivistas, como Piaget, Vigotski, Luria, Leontiev e
Wallon, a
superação de modelos de ensino como os descritos acima, começou a se mostrar em
prática,
embora, se apresente por muitas ocasiões, teórica e apenas discursiva (Castelo
Branco, 1991). O
enfoque passivo e estático que fazia com que professores encarassem seus alunos
como
receptores de informação ou descobridores autônomos de conceitos científicos, é
substituído
numa abordagem construtivista de ensino, por aspectos de inclusão pessoal,
inter-relações,
transcendência e pela idéia do professor como facilitador da aprendizagem. A
perspectiva de um
professor facilitador da aprendizagem está centrada no estudante mediante
análises e ampliações
de seus conhecimentos, exigindo desta forma, por parte dos docentes, a
consideração das idéias
dos discentes a fim de atuar sobre estas. Como indica Duschl, (1995 )
“trabalhando a partir das
características das idéias dos estudantes, os professores se encontram em uma
melhor posição para diagnosticar tanto as estruturas de conhecimento como as
estratégias de raciocínio de seus
alunos.”
Para Pozo (op. cit.), tais alterações na compreensão do fenômeno educativo,
representam
ações de centrar-se no significado do conteúdo, bem como organizações do
pensamento sobre a
estrutura subjacente de tarefas que visem contribuir de maneira significativa à
aprendizagem.
Essas mudanças requerem modificações nos enfoques sobre o planejamento de ações
de ensino.
Nesta perspectiva, a dinâmica das ações de ensino deve ser planejada de maneira
tal, que os
docentes possam receber informações sobre a aprendizagem dos estudantes que por
sua vez,
possam ser utilizadas para determinar as futuras etapas de ensino. Sob este
contexto, o
conhecimento prévio dos alunos passa de insignificante para fundamental, sendo
que nele reside
o referencial principal das atividades de ensino que deverão ser elaboradas,
estruturadas e
direcionadas pelo professor.
De acordo com Duschl, (op. cit.) existem, a saber, três aspectos relacionados ao
aprendizado, à construção e ao desenvolvimento do conhecimento científico. São
eles: “A
mudança do papel do professor de transmissor para facilitador, a alteração
fundamental na
perspectiva sobre a condução das aulas, isto é, a modificação da visão centrada
unicamente em
controles comportamentais, para a de condução de idéias e formas de raciocínio,
e a adoção de
práticas que permitam aos professores a utilização de estratégias de avaliação
que desenvolvam
as habilidades dos estudantes com respeito aos objetivos sociais, cognitivos e
epistemológicos
bem como das dinâmicas de aprender e praticar ciência”.
Como sugere Duschl e Gitomer, (1991), “as ações, as práticas, os produtos e os
discursos
em aula, podem apresentar informações de avaliação sobre os campos
epistemológicos,
cognitivos e sociais das quais necessitam os professores para a facilitação da
aprendizagem de
conteúdos científicos. Esses três aspectos devem coexistir desde que se pretenda
um
compromisso com um ensino de ciência significativo”.
Portanto, de acordo com esta abordagem, um contexto eficaz para aprender
Ciências é
aquele que oferece aos professores a oportunidade de: receber informações por
parte dos
estudantes sobre os três campos de avaliação (epistemológicos, cognitivos e
sociais), reconhecer
as informações que devem ser consideradas para avaliar os níveis de habilidades
alcançadas pelos
alunos nestas três áreas, utilizar as informações para facilitar o feedback aos
alunos (Duschl e
Gitomer, op. cit.), e que, além disso, ofereça aos aprendizes o tempo necessário
para um
equilíbrio entre o esforço designado à habilidade para a exploração, e o esforço
dedicado à
habilidade de argumentação (Kuhn, 1993).
Estes aspectos coincidem com a teoria de ensino de Glaser e Bassok (1989), que
afirmam
existir três componentes essenciais de uma teoria educativa.
1- Descrição das competências, conhecimentos e habilidades que se deseja que os
aprendizes adquiram;
2- Análise do estado inicial do conhecimento e habilidade do estudante;
3- Avaliação das implicações do processo de aprendizagem, ou seja, a transição
do estado
inicial ao estado desejado que pode ser alcançado com atividades de ensino.
Dentro desse contexto, uma das realizações importantes para o aprendiz, é o
domínio da
habilidade de argumentação. A utilização de atividades de ensino que incentivem
os estudantes a
participarem da construção e avaliação de argumentos e explicações é um elemento
primordial de
um programa de estudos de ciências, e implica numa relação dialética entre as
atividades sobre o
que se conhece e as atividades sobre como se adquire tais conhecimentos (Duschl,
1995).
Portanto, uma prática de ensino de ciências de acordo com um modelo
construtivista,
deve procurar atingir os seguintes objetivos:
a) Levantar as idéias prévias dos alunos sobre os conceitos estudados, a fim de
se elaborar
atividades e estratégias de ensino;
b) Analisar criticamente as diferentes formas de percepção e interpretação por
parte dos
alunos, de experiências cotidianas acerca dos fenômenos estudados;
c) Considerar as idéias que historicamente se constituíram como uma barreira
para a
construção dos conhecimentos científicos atuais;
d) Verificar até que ponto se tem conseguido modificar a compreensão dos
conceitos
trabalhados, ou seja, até que ponto as concepções dos alunos sofreram
alterações.
De acordo com o exposto, fica claro que para um referencial construtivista, o
conhecimento do aluno torna-se um elemento central no processo de
ensino/aprendizagem. Por
este motivo, apresenta-se na seqüência, uma breve análise acerca do referido
tema.
Cabe ressaltar, entretanto, que o construtivismo de uma maneira isolada, não
representa a
solução aos problemas do ensino de ciências. Esta idéia ingênua pode conduzir ao
perigo de um
novo slogan superficial e ineficaz para a melhoria da aprendizagem. Como apontam
Millar e
Driver, (1987), “uma das maiores necessidades educativas atuais é a de romper
com a idéia
ingênua de que ensinar é fácil, questão de personalidade, de talento, de
didática, basta encontrar a
receita adequada para superar o ensino tradicional”. Pelo contrário, a renovação
do ensino como
indica Gil (1983) não pode ser uma questão de simples retoques, já que apresenta
as
características e dificuldades de uma “mudança de paradigma”.
No contexto dos conhecimentos prévios, erros conceituais ou concepções
alternativas, um
grande número de estudos em várias áreas do conhecimento foi realizado nas
últimas três décadas
(Eckstein e Shemesh, 1993). Dentre essas áreas do conhecimento, o número de
estudos sobre
concepções em mecânica ganha significativo destaque pela quantidade realizada
(McDermott,
1984; Sebastiá, 1984). Contudo, também estudos sobre conceitos ou áreas do
conhecimento
como: calor (Macedo e Soussan, 1985), eletricidade (Varela, 1989), Óptica (De La
Rosa et al,
1984; Viennot e Kaminsky, 1991), Biologia (Jiménez, 1987), Geologia (Granda,
1988), Química
(Furió, 1986), podem ser encontrados.
Não obstante, como decorrência de tais estudos, houve uma variação na
nomenclatura,
bem como, uma melhor compreensão e interpretação dos referidos conhecimentos
prévios.
Termos como: “teorias ingênuas” (Caramazza et. al. 1981), “ciência das crianças”
(Gilbert et. Al.
1982; Osborne e Wittrock 1983), “concepções alternativas” (Driver e Easley
1978),
“representações” (Giordan 1985), entre outros, podem ser encontrados na
literatura.
Resultante desses trabalhos apresenta-se a constatação da não convergência entre
as
visões dos estudantes e o pensamento científico atual. Pode-se interpretar como
uma melhor
compreensão do significado desses “conceitos pré-escolares”, o fato de que tais,
não se
constituem em simples equívocos momentâneos, mas revelam-se como idéias muito
sérias e
persistentes, afetando de forma similar a alunos de distintos países e níveis,
incluindo uma
porcentagem significativa de professores (Twigger, et. al. 1994).
Neste contexto, a abundância e a persistência das concepções alternativas nos
mais
variados campos científicos de acordo com o construtivismo, podem ser analisadas
considerandose
basicamente dois pontos quase sempre, relacionados entre si:
a) A necessidade por parte dos estudantes de compreender o mundo ao seu redor,
necessidade que produz análises e interações sensoriais e sociais, e que
resultam no surgimento
das concepções alternativas, isto é, tais concepções constituem idéias que os
alunos já possuem
previamente ao aprendizado escolar (Lochhead e Dufresne, 1989). Todas as pessoas
adquirem
representações sobre o mundo, que lhes permitem conhecer suas regularidades,
tornando-o desta
forma, mais previsível e compreensível. Desse modo, os alunos possuem um
conhecimento
implícito que lhes proporciona compreender e interpretar fenômenos observados,
de maneira
similar ao modo indutivo de fazê-lo (Dunbar, 1995).
Uma postura oposta a descrita, é a que sustenta Preece (1984), que para explicar
a
existência das concepções alternativas, defende a hipótese de que estas, não são
frutos de
experiências, mas sim, idéias inatas. Tal hipótese por sua vez, não leva em
conta que as concepções alternativas não são facilmente adquiridas, pelo
contrário, são o resultado de um
longo processo baseado em experiências cotidianas em um certo meio cultural.
b) As características do ensino tradicional, que põem em dúvida o fato de que a
transmissão de conhecimento torne possível uma recepção significativa dos
mesmos. Os alunos
que estudaram ciências de acordo com um modelo de transmissão-recepção não só
terminavam
seus estudos sem saber resolver problemas e sem uma imagem correta do trabalho
científico,
como também a imensa maioria deles nem sequer atingiam a compreensão dos
significados dos
conceitos científicos mais básicos. Nesse sentido, Wheatley, (1991), aponta que
não se pode,
como pretendia o ensino tradicional, “pôr idéias” nas cabeças dos estudantes
tanto quanto se
gostaria.
Um outro enfoque dado pelo estudo das concepções alternativas é o da relação das
concepções em mecânica com elementos da Física Aristotélica (Stinner, 1994).
Idéias como: os
corpos mais pesados caem mais rapidamente, ou de que sem ação de forças os
corpos não se
movem, mantém semelhanças com o referido paradigma. Como mostra Piaget (1970) as
semelhanças entre as concepções alternativas sobre movimento e o paradigma
aristotélico não
podem ser acidentais, mas sim, fruto de uma mesma metodologia, consistente em
concluir a partir
de observações qualitativas não controladas, em extrapolar as evidências,
aceitando-as
acriticamente.
Entretanto, o paradigma aristotélico é, sem dúvida, mais elaborado e coerente
que as
concepções dos alunos, apesar de ambos se fundamentarem em “evidências de
sentido comum”
(Hashweh 1986). Como observa Peduzzi, (1996) apesar de salutar o estabelecimento
de relações
entre as concepções alternativas e alguns conceitos aristotélicos, é necessário
não reduzir a
criteriosa Física aristotélica, à visão de senso comum, muito menos elaborada
devido ao seu não
interesse investigativo, “pois ainda que não o seja matematicamente, a Física
Aristotélica é uma
teoria altamente elaborada, que transcende os fatos do senso comum que servem de
base à sua
elaboração (...) não é nem um prolongamento grosseiro e verbal do senso comum
nem uma
fantasia infantil mas sim uma teoria, isto é, uma doutrina que, partido, bem
entendido, dos dados
do senso comum, os submete a uma elaboração sistemática extremamente coerente e
severa”
(Koyré, 1986).
Aristóteles foi o primeiro a desenvolver sistematicamente formulações explícitas
para
concepções de senso comum sobre fenômenos físicos e organizá-las em um sistema
conceitual
coerente. “Ele, desse modo, preparou um caminho para uma crítica das concepções
de senso
comum, crítica esta, que contribuiu para o desenvolvimento da Física enquanto
Ciência”
(Halloun e Hestenes, 1985).
Dessa forma, a existência e permanência de concepções alternativas em alunos,
não pode
isoladamente justificar possíveis resultados negativos obtidos por um processo
de ensino. Como
aponta Bachelard (1938), “é uma surpresa que os professores de Ciências, em sua
grande parte,
não compreendam que não se compreenda”. Se a superação das visões de mundo,
desde Aristóteles até Galileu representou significativo obstáculo na história da
Ciência, não deveria
haver grandes surpresas em reconhecer que tal superação significa imensa
barreira para os
estudantes ainda hoje (Lemeignan e Weil-Barrais, 1994).
Não obstante, observa-se que para o caso do ensino tradicional, a crítica
central que se
estabelece não se refere exclusivamente à ineficácia que o referido modelo de
ensino apresenta
em modificar as concepções dos alunos, e sim, que este modelo de ensino as
ignora.
Portanto, as concepções alternativas devem receber um tratamento de maior
importância
por parte dos professores, ou seja, devem ser consideradas como hipóteses
alternativas sérias de
um determinado fenômeno, e a partir disto, valorizadas em um processo de
ensino-aprendizagem.
Na seqüência, apresentar-se-á uma análise acerca de uma metodologia de
ensino/aprendizagem que procurou atentar para a importância das concepções dos
alunos, mas
que, contudo, direcionou sua meta de aprendizagem para um referencial um tanto
quanto que
radical, ou seja, na substituição das ditas concepções por outras mais
convergentes às científicas.
Como será discutido, tal meta, constituiu-se no principal foco de críticas da
referida metodologia,
e por conseqüência, representou a base para sua superação.
Uma significativa influência nos replanejamentos das atividades de ensino,
exerceram as
propostas que consideraram o aprendizado de Ciências como uma “mudança
conceitual” (Posner
et. al. 1982). Fundamentada no “paralelismo” entre o desenvolvimento conceitual
de um sujeito e
a evolução histórica dos conhecimentos científicos, tal modelo de ensino, a
partir de meados de
1980, ganhou força entre educadores construtivistas.
Segundo tal proposta, uma aprendizagem de ciência com qualidade constitui-se em
uma
atividade racional semelhante à pesquisa científica e a mudança conceitual,
objetivo final deste
modelo de aprendizagem, pode ser interpretada equivalentemente como uma “mudança
de
paradigma” (Kuhn, 1971).
De acordo com esse modelo de ensino/aprendizagem, há a necessidade por parte dos
estudantes de uma análise de seus próprios conceitos, a fim de que possam ser
questionados e
substituídos por novos, mediante sua ineficácia. Robin e Ohlson (1989) afirmam
que as
mudanças conceituais no ensino de ciências não podem ser compreendidas sem o
conhecimento
dos conteúdos e das estruturas das concepções alternativas, já que as mesmas são
fundamentais
para a construção de atividades de ensino.
Como já foi observado, a base epistemológica do referido modelo de
ensino/aprendizagem fundamenta-se na Filosofia da Ciência contemporânea, visto
que uma das
principais questões da referida filosofia é compreender como as concepções
científicas mudam
sob o impacto das novas idéias e informações.
Existem, de acordo com abordagem recente da Filosofia da Ciência, duas fases
distintas
na mudança conceitual: o trabalho científico executado junto à concepção central
que, por sua
vez, organiza e orienta a pesquisa; e a modificação das concepções centrais. De
acordo com a
primeira fase da mudança conceitual, as concepções centrais definem problemas,
indicam
estratégias para resolvê-los e especificam critérios de escolhas de soluções.
Kuhn, (op. cit.)
denomina de “paradigmas” as concepções centrais e de “ciência normal”, a
pesquisa em um
determinado paradigma. Lakatos (1979) considera as concepções centrais dos
cientistas como seu
“núcleo firme teórico” e sugere que tais concepções gerem “programas de
pesquisas”, destinados
a aplicações e defesas do referido núcleo. Segundo esta abordagem, na hipótese
da pesquisa
tomar novas direções, o cientista adquirirá novas concepções e formas de
interpretar o mundo,
fato que, para Kuhn, (op. cit) caracteriza uma “revolução científica” e, para
Lakatos (op. cit.),
uma “mudança de programas de pesquisa”.
Os aspectos descritos acima caracterizam, por assim dizer, um “paralelismo”
entre o
modelo de ensino/aprendizagem aqui discutido e a mudança conceitual em Ciências.
De acordo com Posner et. al. (op. cit.), “existem exemplos análogos de mudança
conceitual na
aprendizagem de Ciências, já que em algumas ocasiões os estudantes se utilizam
de conceitos
próprios e correntes para o tratamento de um novo fenômeno”. Esta primeira fase
da mudança
conceitual na aprendizagem de Ciências é chamada por Posner et. al. (op. cit.)
de “assimilação”.
Não obstante, com muita freqüência, as concepções dos estudantes são inadequadas
para,
de maneira satisfatória, permitir a compreensão de novos fenômenos, o que obriga
o aprendiz a
substituir ou reorganizar seus conceitos centrais. Esta fase da mudança
conceitual na
aprendizagem de Ciências é denominada por Posner et. al. (op. cit.) como
“acomodação”.
Neste contexto, Posner et. al, (op. cit.) identificam quatro condições para que
ocorra a
mudança conceitual:
1) Produção de insatisfação com os pré-conceitos existentes: de acordo com esta
abordagem, é fundamental que um indivíduo tenha coletado um estoque de questões
não
resolvidas e tenha observado a incapacidade de suas concepções em resolvê-las.
2) A nova concepção deve ser inteligível: o indivíduo deve ser capaz de
compreender
como a experiência pode estar estruturada pela nova concepção, suficientemente
para explorar as
possibilidades inerentes a ela.
3) A nova concepção deve parecer inicialmente plausível, isto é, qualquer nova
concepção
adotada deve ao menos parecer ter capacidade para resolver os problemas gerados
por suas
predecessoras.
4) A nova concepção deve sugerir a possibilidade de um frutífero programa de
pesquisa,
que deve ter potencial para ser estendido, para explorar novas áreas de
pesquisa.
Desta forma, como aponta Driver (1986), a seqüência de estratégias de uma
atividade de
ensino de Ciência que busque atingir mudanças conceituais nos alunos deveria
incluir:
identificação e conscientização das idéias que os alunos já possuem;
questionamentos, por meio
de contra exemplos, de tais idéias; introdução de novos conceitos pelo professor
por apresentação
ou por meio dos materiais didáticos; geração de oportunidades aos estudantes
para o uso das
novas idéias a fim de que adquiram confiança nas mesmas.
Portanto, o modelo de mudança conceitual, apesar de radical quanto a sua
definição e
objetivo, procurou centrar-se numa abordagem construtivista de ensino e, por
conseqüência, nos
seguintes referenciais: o que “existe na cabeça do aprendiz” tem importância;
encontrar sentido
supõe o estabelecimento de relações; quem aprende constrói, de maneira ativa,
significados.
Como será apresentado, a crítica efetuada à referida metodologia de ensino,
refere-se
principalmente ao seu objetivo, ou seja, o de provocar alterações radicais de
pensamentos. Na
seqüência, apresenta-se a referida crítica.
Estudos recentes sobre o modelo de mudança conceitual questionam os aspectos de
sua
eficácia, estabelecendo críticas à sua metodologia, bem como, aos resultados
finais a que se
propõe atingir o referido modelo de ensino. O processo: “identificar os
conhecimentos prévios,
propor questionamentos que os confrontem, e através de sua ineficácia introduzir
os modelos
científicos”, pode de acordo com Mortimer (1995) produzir modificações
conceituais, mas
raramente alterações radicais de pensamento em seu uso mais amplo.
Para Hewson (1989) “as estratégias de ensino baseadas no modelo de mudança
conceitual
podem produzir a aquisição de conhecimentos científicos com mais eficácia que as
estratégias de
transmissão/recepção, contudo, em algumas ocasiões, a mudança conceitual obtida
é mais
aparente que real, pois após um certo tempo voltam a reaparecer algumas
concepções que se
julgavam superadas”.
Neste sentido, um aspecto fundamental a ser analisado sobre as críticas
estabelecidas ao
modelo de mudança conceitual, refere-se ao princípio sugerido por Monk (1995).
Tal princípio
consiste em assumir que as diversas concepções de um mesmo sujeito não são
“entidades
dispersas”, pelo contrário, elas se organizam e se estruturam em sistemas de
alto nível de
complexidade.
Os graus de estruturação das referidas concepções podem de acordo com Oliva,
(2001)
serem interpretados ao longo de um continuo entre duas tendências. Seguindo esta
abordagem,
em um extremo dessas tendências, se encontrariam os defensores da hipótese de
que o
pensamento é algo heterogêneo, ou seja, que mantêm um comportamento fortemente
dependente
do conteúdo e do contexto. Em outro, se encontrariam os que opinam que a mente
humana seria
homogênea e consistente, sendo desta forma, possível a identificação de
estruturas de
conhecimento universais.
Todavia, uma postura menos radical é aquela defendida por Oliva (op. cit.), isto
é, a de
considerar um ponto médio entre esses dois extremos. Esta tendência conduziria a
uma
interpretação de que os alunos ao abordarem como exemplo, um problema
relacionado ao
movimento, o fariam utilizando argumentos causais mais ou menos articulados com
argumentos
intuitivos. Segundo o mesmo autor, as mudanças conceituais observadas junto a
respostas
pontuais, estariam relacionadas a uma reestruturação das “teorias implícitas” em
que se
fundamentam estas respostas.
Neste contexto, a partir das críticas apresentadas e da consideração do
“paralelismo”
estabelecido por Posner et. al. (op. cit.) entre a mudança conceitual em ensino
e a mudança conceitual em Ciências, alguns autores como (Gunstone et al., 1988;
McDermott, 1991; Scott,
1993) chamam a atenção para a impossibilidade de mudanças conceituais radicais
desassociadas
de mudanças metodológicas. Como aponta Whitaker (1983) “as concepções
alternativas em
mecânica estão associadas à Física pré-newtoniana por uma metodologia
caracterizada por
ausência de dúvidas, e a não consideração de outras soluções para os fenômenos
estudados”. Tal
metodologia, objetiva a busca de respostas rápidas e seguras, baseadas apenas
nas evidências dos
sentidos e por tratamentos pontuais sem critérios de análises (Champagne et. Al.
1985).
Não obstante, entende-se que centrar o objetivo de ensino em mudanças
conceituais
radicais dos aprendizes, ao mesmo tempo em que é inviável, condena o referido
ensino ao
fracasso, pois, tal objetivo cria metas de aprendizagem fundamentadas na
substituição de uma
concepção, em geral considerada menos elaborada (concepções dos alunos), por
outra, em geral
considerada melhor elaborada (concepção científica), e tal substituição
raramente ocorre.
Em uma nova abordagem, a idéia de mudança conceitual deveria ser compreendida
como
reestruturação ou crescimento conceitual (Silva e Latouff, 1996), visto que
esta, comporta uma
transformação de vários níveis, sendo estes relacionados aos esquemas causais
dos indivíduos,
bem como, aos esquemas gerais em que se fundamentam suas estruturas de
pensamento. Como
construção de conhecimento, o ensino deveria ser dirigido à evolução das idéias,
e não à sua
substituição (Oliva, op. cit.).
Assim, atividades de ensino de Ciências que pretendam manter coerência com os
aspectos
construtivistas discutidos deveriam como sugestão, exibir as seguintes
características: Enfocar
situações problemas suscetíveis de implicar aos alunos uma investigação
dirigida; o trabalho em
pequenos grupos; o intercâmbio entre esses pequenos grupos e a comunidade
científica, que pode
ser representada pelo professor, por textos, entre outros (Wheatley, 1991; Gil,
1992; Driver e
Oldham 1986), além de não definir a meta de aprendizagem dos alunos em mudanças
radicais de
pensamentos, e sim, em crescimentos conceituais.
Em síntese, as críticas relacionadas às estratégias de ensino fundamentadas em
mudanças
conceituais, possuem dois eixos, a saber: o de centrar seus objetivos em
modificações radicais
das idéias dos aprendizes e o da seqüência descrita para atingir tais objetivos.
Contudo, adotando
por referencial alguns elementos do modelo de mudança conceitual como a
valorização das idéias
dos alunos, o questionamento de tais idéias e a reflexão acerca das mesmas,
considera-se possível
orientar a aprendizagem de Ciências como construção de conhecimento. Neste
contexto, o
tratamento dirigido de situações problemas abertas, pode resultar na elaboração
de estratégias de
ensino que superem os extremismos metodológicos verificados entre as práticas
tradicionais e as
práticas de aprendizagem por descobertas (Gil 1983; Millar e Driver 1987), bem
como,
apresentar resultados que mantenham coerência com aspectos de respeito aos
conhecimentos
prévios dos alunos, valorização de formulações de hipóteses, análises críticas
dos fenômenos
estudados, e de rompimento com concepções ingênuas de Ciências como a de que a
mesma é
imutável e “refletora da verdade”.
As impossibilidades de substituição das concepções alternativas dos estudantes
por
modelos científicos conduzem a dois perigosos extremos como aponta Pozo, 1999:
1) A recuperação dos discursos relacionados às continuidades entre o
conhecimento
cotidiano e o científico.
De acordo com este ponto de vista, Pozo, (op. cit.) afirma que a Ciência seria
uma
continuação sofisticada da forma em que os indivíduos “resolvem” diariamente
seus problemas.
Nesta perspectiva, não existiriam muitas diferenças entre as formas de pensar de
um aluno e de
um cientista, já que a Ciência não seria nada mais que uma continuação natural à
maneira em que
os seres humanos exploram e controlam seu contexto. Aprender Ciência desta
forma, consistiria
em uma tarefa apenas acumulativa que requereria por sua vez, alguns ajustes.
2) O surgimento do risco de uma excessiva contextualização ou de um certo
relativismo
do conhecimento científico.
Nesse extremo a impossibilidade de substituição das concepções alternativas
pelas
científicas dever-se-ia ao fato de que estas, as concepções alternativas, seriam
formas diferentes
de conhecer, que coexistem de modo independente junto a idéias científicas,
servindo por sua
vez, para contextos distintos dos científicos (Oliva, 1999). O problema desta
abordagem é a idéia
de que se os modelos científicos somente são eficazes nas condições de trabalhos
intelectuais,
para que ensinar Ciência a alunos que em sua imensa maioria não serão
cientistas?
Como aponta Pozo, (op. cit.), “deve-se procurar conciliar a necessária
coexistência
representacional entre as diversas formas científicas e intuitivas de
conhecimento, com uma
integração conceitual e hierárquica das mesmas, frente a uma diferenciação
contextual entre os
diversos níveis dessas formas de conhecimento”.
Ainda de acordo com o mesmo autor “é possível contrapor uma diferenciação
representacional ou cognitiva entre modos de pensamento, baseada na integração
hierárquica
entre formas de conhecimento, de modo que as mais potentes sejam capazes de
explicar as mais
simples sem, contudo, as anular, visto que estas (as mais simples), continuam
eficazes para
assimilar, predizer, controlar, muitas situações cotidianas de modo implícito,
nas quais um
modelo científico de forma explícita se mostraria mais ineficaz ”.
Para Pozo (op. cit.), um dos grandes problemas do modelo de mudança conceitual
referese
a uma certa generalização e por conseqüência, uma certa má interpretação
estabelecida entre
três níveis distintos de mudança conceitual:
- Evolutiva: seriam as mudanças conceituais que surgem como conseqüência de
desenvolvimentos cognitivos;
- Epistemológica: as mudanças conceituais próprias da história da ciência;
- Instrucional: as mudanças conceituais que são produto do ensino.
Segundo esta abordagem, as mudanças conceituais são distintas para os três casos
descritos.
Como indica Pozo, (op. cit.) “durante muito tempo, por influência da obra
piagetiana,
tentou-se equivocadamente, comparar a mudança instrucional à mudança evolutiva”
Como se
processos de explicitação de idéias, evolutivos e instrucionais, tivessem o
mesmo papel ou
função nos níveis citados.
Por outro lado, como já foi abordado, tem ocorrido nas últimas décadas, um
estabelecimento de certo “paralelismo” entre a mudança conceitual instrucional e
a mudança
conceitual epistemológica. Neste sentido, posições radicais que assumem que os
processos de
produção de conhecimento científico devem ser usados como critérios para o
desenvolvimento de
atividades de ensino/aprendizagem de Ciências conduzem a um conjunto de críticas
que podem
por sua vez, indicar novas perspectivas ao campo educativo.
De um certo modo, a aprendizagem de Ciências não pode se apoiar essencialmente
em
atividades de pesquisa como fazem os cientistas, já que as atividades de
aprendizagem de
Ciências de um aluno são praticadas e são processadas em um contexto diferente
do contexto
científico, e as funções do professor são muito diferentes das funções de um
diretor de um projeto
de pesquisa (Pozo e Gómez Crespo, 1998). Como indica Coll (1990) “os cenários
escolares
possuem uma estrutura social e cognitiva própria, não redutível aos cenários
científicos ou às
dificuldades geradas por uma pesquisa”.
De outro modo, se as atividades de ensino abordarem a Ciência como uma
determinada
forma de construir modelos que representam partes do mundo que se conhece,
aprender e ensinar
Ciências consistirá, em boa parte, em desenvolver, contrastar, e argumentar
diferentes modelos
para diferentes tarefas e problemas (Pozo e Gómez Crespo, op. cit.).
Portanto, assume-se neste trabalho que um ensino de Física baseado em discussões
de
modelos, pode ser compatível aos novos referenciais educacionais de construção
de
conhecimento, já que a prática discente não se resumiria de acordo com esta
abordagem, em
repetir as explicações do professor, mas sim em argumentar, rescrever fenômenos
em função de
suas próprias teorias que aos poucos deverão ser explicitadas, reestruturadas,
sem a intenção de
serem substituídas , mas com o intuito de buscar diferentes enfoques aos
fenômenos estudados.
No capítulo(3) será explicitado, com detalhes, o modelo educacional utilizado
para fundamentar a
elaboração das atividades de ensino de Física para alunos com deficiência
visual, entretanto,
adianta-se que o referido modelo contempla os novos referenciais educacionais de
construção de
conhecimento discutidos.
Em síntese, discutiu-se no presente capítulo, os seguintes temas: a necessidade
da
superação dos modelos de ensino/aprendizagem fundamentados na transmissão e/ou
na
descoberta autônoma de conhecimentos, a importância do erro do aprendiz no
processo
educativo, o modelo de mudança conceitual, e a superação do referido modelo.
Objetivou-se por
meio da discussão dos referidos temas, apresentar uma evolução histórica do
ensino de Ciência
enquanto campo de conhecimento, e também indicar a estrutura teórica sobre a
qual
fundamentaram-se as atividades de ensino de Física para alunos com deficiência
visual. No
próximo capítulo, será apresentada a referida fundamentação.
A ELABORAÇÃO DAS ATIVIDADES E DOS MATERIAIS DE APOIO
Este capítulo tem por objetivo apresentar as atividades elaboradas, o
referencial
educacional que norteou a elaboração das mesmas, bem como, os materiais de apoio
utilizados
durante o curso. Dessa forma, o presente capítulo possui um caráter inédito,
visto que,
representa a conclusão da primeira etapa que a presente pesquisa propôs cumprir,
ou seja, a
elaboração de atividades e materiais para o ensino de Física de alunos com
deficiência visual.
Com a finalidade de contextualizar a apresentação da estrutura que norteou a
elaboração
das atividades de ensino de Física desenvolvidas para alunos com deficiência
visual, se retomará
parcialmente o problema central da presente pesquisa, juntamente com algumas
considerações
preliminares.
De acordo com o que já foi exposto anteriormente, o objetivo desse trabalho é
avaliar
atividades de ensino de Física desenvolvidas para alunos com deficiência visual.
Para tal, foi
elaborado um conjunto de cinco atividades de ensino do conceito “aceleração”,
conjunto este que
se constituiu em um curso que foi aplicado a um grupo de alunos com a referida
deficiência.
O curso foi estruturado em cinco encontros (aulas). A dinâmica das aulas abordou
a
aceleração e a desaceleração de um objeto, tendo como pano de fundo dois fatores
causadores do
referido fenômeno, o atrito e a gravidade. A ordem de aplicação das atividades
obedeceu ao
seguinte critério: (a) a contextualização do fenômeno estudado; (b) o
aprofundamento do
fenômeno estudado; (c) a aplicação dos conceitos trabalhados em um problema
aberto.
Depois de definido o referido critério, havia também a necessidade de se definir
qual dos
dois fatores influenciadores para a aceleração seria primeiro trabalhado, o
atrito, ou a gravidade.
Optou-se pelo atrito, pois se julgou que a atividade cujo objetivo era
contextualizar esse conceito,
seria mais adequada para ser a inicial, já que, possuía um fator de interação
social melhor
estruturado do que a atividade cujo objetivo era contextualizar o conceito
gravitacional. Dessa
forma, a seqüência de atividades ficou definida da seguinte maneira:
1) Vivência do atrito parte A: observação e contextualização do fenômeno.
2) Vivência do atrito parte B: o atrito e o conceito de desaceleração.
3) O estudo qualitativo da aceleração por meio de um plano inclinado.
4) Queda dos objetos: análises qualitativas e quantitativas.
5) Problemas abertos: posição de encontro.
Na seqüência, apresenta-se o modelo educativo que serviu de referência para a
elaboração
e condução de tais atividades. Este modelo, fundamentado no construtivismo, se
apóia nos
trabalhos de Wheatley (1991) e Peres et. al. (1999).
3.2.1-COMPONENTES PRÁTICOS E ELEMENTOS DE ESTRUTURA
A elaboração das atividades de ensino de Física, apoiou-se em 3 componentes
práticos:
tarefas, grupos e debates (Wheatley, 1991). Essas atividades, todavia, possuem
uma estrutura
interna que se fundamenta em três elementos, denominados elementos de estrutura.
São eles: (a)
Interação com o objeto de estudo, (b) Resolução de problemas e (c) Confronto de
modelos. (Peres
et. al. 1999).
Tanto os componentes práticos, quanto os elementos de estrutura, objetivam
permitir ao
discente com deficiência visual:
1) Condições de observar o fenômeno estudado
Para tal, construíram-se equipamentos e dispositivos que permitem a alunos com
deficiência visual, estabelecerem interações auditivas e táteis com o objeto de
estudo.
2) Condições para análises (qualitativas e quantitativas) das situações
problemas
Tendo em vista a sistematização de análises qualitativas e quantitativas dos
fenômenos
estudados por parte dos alunos com deficiência visual, dispôs-se aos mesmos,
materiais que
produzem interfaces sonoras e táteis com os dados coletados por meio dos
equipamentos
construídos, bem como, com textos e questões.
3) Elaborar estratégias e hipóteses para a resolução dos problemas propostos, e
confrontar
as hipóteses elaboradas ao corpo de conhecimento que se dispõe
A fim de que modelos explicativos para os fenômenos estudados sejam explicitados
e
submetidos a questionamentos, as atividades contemplam momentos de trabalhos em
grupos e de
debates.
O processo prático de condução das atividades obedece a seguinte sistemática:
Inicialmente, apresenta-se aos alunos uma tarefa que se constitui na observação
de um fenômeno
e na reflexão de um problema relacionado a tal fenômeno (Interação com o objeto
de estudo). Em
seguida, os alunos em pequenos grupos, trabalham na realização destas tarefas
(resolução de problemas). Por fim, a classe toda se reúne para um debate, e os
grupos de alunos apresentam
para seus colegas e para o professor, as soluções que obtiveram para o problema
que foi
trabalhado (confronto de modelos) (Wheatley, op. cit.).
No contexto descrito, as ações docentes durante a condução das atividades podem
ser
apresentadas da seguinte maneira: Durante o trabalho em grupo, o professor
deverá circular pelos
grupos, atendendo aos alunos que necessitam de sua ajuda. No momento do debate,
ele deverá
coordenar o andamento do mesmo, intervindo e auxiliando sempre que necessário.
Suas
intervenções devem sempre buscar a síntese de idéias, a organização de modelos
propostos pelos
alunos, a coordenação de confrontos entre esses modelos, e a introdução dos
modelos científicos,
confrontando-os com os apresentados pelos alunos.
A estrutura da condução das atividades será apresentada com detalhes no tópico
(3.3).
Antes, contudo, será realizada uma análise crítica acerca do tema avaliação, e
por meio de tal
crítica, discriminar-se-á o posicionamento tomado neste trabalho sobre os
critérios de avaliação
da aprendizagem dos alunos. Observa-se que a referida avaliação da aprendizagem
dos alunos
encontra-se no capítulo (5).
3.2.2-AVALIAÇÃO, ANÁLISE CRÍTICA E POSICIONAMENTO
Um outro referencial fundamental a ser definido em uma atividade de ensino de
Física
elaborada e aplicada junto a alunos com deficiência visual, refere-se a
avaliação da aprendizagem
dos discentes. Acerca desse tema, cabe a seguinte análise crítica:
Parece absolutamente necessário refletir sobre a questão da avaliação na
perspectiva do
ensino de Física de pessoas com deficiência visual, já que a mesma assume uma
importância
significativa em relação aos segmentos educativos e sociais. Enquanto
instrumento ideológico, a
avaliação pode servir a um determinado projeto e inviabilizar outros, determinar
quais alunos
permanecerão na escola, bem como, eliminar os que não correspondem aos valores
de classe que
a permeiam (Sordi, 1995). Não obstante, é indiscutível o reconhecimento por boa
parte dos
educadores da dificuldade das ações avaliativas no processo ensino-aprendizagem.
Motivadas por
conflitos provenientes de exigências discentes, bem como, de insatisfações
docentes, tais
dificuldades tornam-se acentuadas no indissociável contexto escolar e social.
Através da
avaliação, controles de saberes, ações, pensamentos, e progressos relativos a
níveis educativos e
profissionais são exercidos sem maiores críticas ou análises, assumindo por sua
vez, um caráter
subjetivo, desapercebido, ou mesmo de justiça e normalidade.
Por outro lado, esquivando-se de suas responsabilidades próprias, a escola,
verdadeiro
palco de contradições, acaba sob a fundamentação de discursos de igualdade,
impedindo que
alguns indivíduos dêem continuidade aos seus estudos, atribuindo aos mesmos, a
responsabilidade de “seu fracasso”. Soares (1981) destaca que “oferecer
oportunidades
educacionais significa oferecer ensejo, ocasião para que o indivíduo se eduque,
mas não significa,
nem semanticamente nem na práxis do sistema de ensino, oferecer condições para
que o
indivíduo se eduque”.
Neste contexto, a avaliação é, dentre os elementos que constituem o processo de
ensino,
aquele que melhor retrata uma concepção teórica de educação e que, por sua vez,
melhor traduz
uma concepção teórica de sociedade. A resistência por parte dos estudantes
diante dos
professores que vivem uma prática pedagógica democrática e libertadora pode ser
compreendida
pela relação descontextualizada e burocrática (Pietrocola e Pinheiro, 2000) que
os mesmos
acostumaram-se a estabelecer com conteúdos de ensino e procedimentos de
avaliação. Como
afirma Hextall (1976), “a avaliação que se processa é sobre homens e deixa
entrever nossa
concepção deles. Define hierarquicamente quem tem o poder de julgar uma pessoa
ou um
produto como superior ao outro. Define qual é o conhecimento e quem tem o
direito de
conhecer”.
Dessa forma, o sistema de avaliação preconizado acaba se constituindo em um
instrumento de controle, tanto da qualidade do desempenho do aluno em nível
cognitivo, quanto
da qualidade de seu ajustamento às normas de convivência estabelecidas pela
instituição (Sordi,
op. cit.).
Neste sentido, a contextualização do ensino de Física de alunos com deficiência
visual,
nos limites atuais da prática avaliativa, reforça a crítica estabelecida. É
possível constatar dentro
de uma perspectiva quantitativa, a ausência de tais indivíduos no contexto
escolar, bem como,
dentro de uma perspectiva qualitativa, as dificuldades que aqueles poucos que
participam de tal
contexto, experimentam. Os atributos do fracasso desses indivíduos, ao mesmo
tempo em que
adquirem aspectos de satisfação, vedam por assim dizer, a necessária observação
e utilização de
novos instrumentos de avaliação, que por sua vez, não privilegie uma determinada
camada de
pessoas, mas, proporcione igualdades, e que além disso, represente instrumento
de aprendizagem
e não de seleção ou autoritarismo. Como observa Enguita (1989) “o registro
global dos cadáveres
que a escola deixa pelo caminho é espetacular, mas a ele se chega como resultado
de um lento
gotejar. O resultado final é a exclusão, mas a dispersão casuística reforça a
idéia de que se trata
de problemas individuais de que a escola não pode ser proclamada culpável”.
Não obstante, é necessário de acordo com Demo (1987) o estabelecimento de uma
discussão em torno da qualidade formal e da qualidade política. “A primeira
refere-se a
instrumentos e a métodos, a segunda, a finalidades e a conteúdos”. Portanto, as
críticas
estabelecidas ao fenômeno avaliativo, conduzirão a análises e escolhas de
instrumentos de
avaliação de práticas educativas de Física, que proporcione ao mesmo tempo, a
observação da
qualidade do ensino praticado, o nivelamento das ações concretas desempenhadas
por indivíduos
com deficiência visual e por indivíduos que não apresentem tal deficiência no
ambiente
educativo, e a superação dos modelos de avaliação que contribuem apenas às
desigualdades.
As pesquisas realizadas no campo educativo de acordo com Linn, (1987) não se
consolidarão se alterações no âmbito da avaliação não forem efetuadas. Nesse
sentido, se a
avaliação continuar sendo caracterizada apenas por provas pontuais e terminais,
pouco valerão as
inovações de métodos, estratégias e objetivos pretendidos (Peres, 1999).
Os aspectos subjetivos que contextualizam as práticas avaliativas de Física de
grande
parte dos sistemas educacionais nos seus mais variados graus parecem apontar um
caminho de
críticas absolutamente necessárias à superação de tais práticas. O
questionamento de atitudes
preconceituosas como: a atribuição de níveis de dificuldades à um dado exercício
através das
características - sexo, disciplina, deficiências físicas ou sensoriais - dos
alunos que o resolveram
(Hoyat, 1962; Llopis e Llorens, 1983), ou o questionamento de aspectos
subjetivos como a
variação das notas à uma mesma prova dada por vários professores, ou de um mesmo
professor a
mesma prova, mas, após algum tempo, demonstra as falhas e as incertezas do
instrumento
avaliativo em discussão e aponta que o mesmo afeta o que se pretende medir
(Spears, 1984).
As idéias de que somente uma pequena parcela dos alunos é capacitada para a
compreensão dos conteúdos de ciências, e de que um professor que aprove a
maioria de seus
alunos com boas notas, não é um bom professor ou não é um professor sério também
são bastante
comuns e difundidas entre educadores. Desta forma, as críticas e superações de
tais
subjetividades que envolvem o fenômeno avaliativo, abrem oportunidade à
implantação de novos
instrumentos de avaliação, mais coerentes a uma proposta de construção de
conhecimento, bem
como, de inclusão social.
Não obstante, as características de uma avaliação que faça parte do processo
ensinoaprendizagem,
devem contemplar os aspectos formativos, diagnósticos, de crescimento do
conhecimento do aluno ao longo de todo processo de ensino, superando desta
forma, os aspectos
de pontualidade e de classificação. Uma outra característica que deve possuir a
avaliação
enquanto instrumento atuante no processo ensino-aprendizagem é sua extensão aos
aspectos
conceituais, procedimentais e atitudinais da aprendizagem de Física, por meio do
rompimento de
reduções com aquilo que permite medidas mais fáceis e rápidas do suposto
conhecimento
adquirido, ou seja, a memorização repetitiva dos conhecimentos teóricos e por
conseqüência, sua
aplicação igualmente repetitiva por meio de exercícios.
De acordo com Peres et. al. (op. cit.) “as características da avaliação para que
se converta
em um instrumento de aprendizagem”, passam pelos seguintes pontos: o professor
deve
considerar-se co-responsável pelos resultados obtidos por seus alunos; deve
alterar seu foco de
preocupações em relação aos aprendizes, ou seja, tirar o foco das preocupações
das notas, e
colocá-lo junto às preocupações de ajuda. Nessa perspectiva, os alunos deverão
comparar suas
produções com as de outros grupos de alunos, bem como, com os resultados
científicos,
resultados estes, que devem fazer parte das argumentações docentes.
Cabe ressaltar no contexto descrito, a importância que atividades em grupos e
ações
colaborativas adquirem (Linn, 1987). Neste sentido, superam-se as
características de individualidade, de radicalidade em relação às argumentações
de certo e errado, de verdades
absolutas, de autoritarismo e de classificações pontuais (Baird, 1986), embora
estas, caracterizem
em demasia a prática social vigente.
Por fim, um aspecto fundamental no contexto avaliativo a ser discutido,
refere-se aos
erros cometidos pelos alunos. O que se considera erro, na perspectiva de
avaliação aqui discutida,
não é, ou seja, quando um indivíduo apresenta algum tipo de produção de
conhecimento, seja tal
produção considerada correta ou não, está demonstrando como se encontram seus
pensamentos
sobre o assunto em questão naquele momento. Nessa perspectiva, em relação à
avaliação, o que
se considera fundamental é o seu objetivo, isto é, se avalia, em função de
replanejamentos.
Avaliar sobre esta óptica é possibilitar ao aluno, avanços.
Portanto, no contexto do aluno de Física, com deficiência visual, as alterações
discutidas
no âmbito da avaliação demonstram ser indispensáveis. A participação em pequenos
grupos, a
observação do professor de suas manifestações orais e/ou por meio de gestos, a
utilização de
anotações em braille ou em computadores para a elaboração de textos ou cálculos,
a gravação de
diálogos, a flexibilização das provas bem como seu posterior feedback,
destacam-se nesta
perspectiva. É no contexto avaliativo de pessoas com deficiência visual, que o
ensino de Física,
apresenta significativas lacunas e resistências, e é onde uma mudança de
paradigma educacional
tem a oportunidade de não se apresentar apenas discursiva.
Na seqüência, serão apresentadas com detalhes as etapas constitutivas das
atividades.
Após apresentar o modelo pedagógico que norteou a elaboração das atividades, e
realizar
algumas reflexões acerca do tema avaliação, retoma-se neste tópico uma discussão
mais
específica acerca das atividades elaboradas, ou seja, descrimina-se com
detalhes, atitudes
docentes e discentes que poderão ser adotadas no decorrer da aplicação das
mesmas.
O professor durante o momento de aplicação das atividades, deverá conduzi-las na
direção de objetivos predeterminados. Suas ações seguirão a condução de cinco
etapas descritas abaixo:
Etapa I: Interação e observação do fenômeno
Nesta etapa é apresentado pelo professor aos alunos, o problema central da
atividade, e é
concedido aos mesmos, um período de observação do fenômeno a ser estudado.
Exemplo:
Tateamento de objetos, de equipamentos, da estrutura constitutiva de determinado
artefato, bem
como, audição dos fenômenos sonoros.
Pretende-se que consciente do problema central da atividade, e por meio da
interação e da
observação do fenômeno, o aluno, inicie a elaboração de soluções à questão que a
ele foi
formulada. Como indicam Perez et. al. (1999), é fundamental que uma atividade de
ensino de
Física se preocupe em dar sentido à situação estudada, a fim de evitar que os
alunos se vejam
submergidos no tratamento de um fenômeno sem haver podido sequer formar acerca
do mesmo,
uma primeira idéia motivadora.
Etapa II: Trabalhando em grupo
Após observarem os fenômenos, os alunos, divididos em grupos, poderão discutir e
propor soluções para o problema central da atividade.
Neste momento, o aprendiz terá a oportunidade de elaborar conceitos e emitir
hipóteses
acerca do fenômeno estudado, e desta forma, suas concepções prévias ou
alternativas devem ser
explicitadas, a fim de que sejam submetidas a questionamentos e postas em prova
pelo grupo
(Peres, et, al, 1999).
Etapa III: O debate
Esgotado o tempo reservado para as etapas I e II, os grupos, por meio de um
debate
aberto, se comunicarão acerca de suas soluções para o problema central da
atividade.
Pretende-se que no decorrer da apresentação em grupo, alguns elementos de
observação e
solução do fenômeno ou da experiência sejam melhores precisados e discutidos.
Dessa forma,
será oportuna uma ocasião para que os grupos argumentem, peçam esclarecimentos,
façam
comentários, e proponham modelos para explicar o fenômeno estudado.
Etapa IV: Mediação
O modelo científico de explicação do fenômeno estudado será representado por um
dos
elementos de mediação do professor (elemento: III.IV), por textos, ou maquetes
(ver tópico sobre
definição das categorias de análise).
Pretende-se proporcionar nas etapas III e IV, um momento para que ocorra o
intercâmbio
de idéias, de experiências vividas, e de sugestões para novas soluções do
referido fenômeno
estudado (Santos, 1998). Assim, por meio do confronto entre os citados modelos e
os científicos,
podem surgir conflitos cognitivos entre concepções distintas tomadas todas como
hipóteses, o
que pode conduzir o indivíduo a reformulações conceituais (Perez et. al. op.
cit.).
Etapa V: Avaliação
Centrado nas qualidades das falas e dos processos que os alunos irão apresentar
e/ou
serem submetidos, um momento denominado “avaliação” encerrará a atividade. Neste
momento,
será apresentada aos alunos uma questão aberta, relacionada com o tema da
atividade, que poderá
ser respondida por eles, oralmente ou em Braille.
De caráter diagnóstico e não classificatório, tal avaliação tem por objetivo
observar se
após a realização das etapas anteriores, as explicações dos alunos a questão que
a eles foi
colocada, aproximaram-se ou não das explicações científicas. Entretanto, os
alunos estarão sendo
avaliados durante todo o processo de condução das atividades. Suas opiniões
durante o trabalho
em grupo, suas explicações para os fenômenos estudados apresentadas durante os
debates, serão
consideradas referenciais de avaliação.
Não obstante, como os processos de aprendizagem são dinâmicos, entende-se que a
avaliação da aprendizagem dos discentes participantes das atividades, não pode
ser realizada com
a obtenção de todos os pontos dos “caminhos cognitivos” percorridos pelos
alunos, pois, tais
processos podem ocorrer fora dos encontros em classe (Ludcke e André, 1986;
Moreira, 1988).
Contudo, como já foi mencionado, a avaliação da aprendizagem dos alunos levará
em conta os
processos desenvolvidos ao longo de uma determinada atividade, bem como, ao
longo de todo
curso.
Apresentar-se-á na seqüência, um dos materiais de apoio desenvolvidos e que foi
utilizado
durante a aplicação das atividades, ou seja, um Cd que contem textos falados,
questões e um
problema aberto.
Com a finalidade de que os alunos com deficiência visual pudessem observar os
fenômenos estudados, analisar dados, bem como, terem acesso a textos e questões,
elaboraram-se
ou adaptaram-se materiais de apoio que foram utilizados durante a realização das
atividades.
Aqui será apresentada a descrição de um desses materiais, ou seja, um CD
(material de apoio
auditivo) que contem textos e problemas falados, além de um evento sonoro. A
apresentação dos
outros materiais produzidos se dará por ocasião da apresentação das atividades,
visto que, com
exceção do CD, todos os outros materiais faziam parte de uma determinada
atividade, enquanto
que o CD, era parte do curso completo.
Em outras palavras, como todas as atividades possuíam problemas centrais e
problemas
finais, três delas possuíam textos de apoio, e uma um problema representado por
um evento,
concluiu-se que a disposição dos referidos problemas, textos e evento em formato
auditivo,
poderiam apoiar não só os alunos com deficiência visual, mas também o professor,
pois o
tornaria autônomo ao que se refere a utilização desses elementos durante a
condução das
atividades.
Assim, com o objetivo de possuir um material didático de física com as seguintes
características: (1) Ser inovador no sentido de disponibilizar textos, questões,
eventos, no formato
de áudio; (2) Ser de fácil utilização em sala de aula por alunos com deficiência
visual e por
professores; (3) Ser de fácil utilização por alunos com deficiência visual em
momentos fora da
sala de aula; elaborou-se um CD denominado: “O ensino de física no contexto da
deficiência
visual” como um dos materiais didáticos para alunos com deficiência visual, e
utilizou-se o
referido CD durante a aplicação das atividades.
Obs) O referido CD encontra-se em anexo ao final da presente tese de doutorado.
Este CD contem três textos falados: “Entre tapas e beijos” (Atividade-1), “Texto
sobre o
atrito” (Atividade-2), e o texto “Gravidade” (Atividade-3), além de possuir a
gravação do
problema central de cada atividade, das avaliações, e de um evento sonoro que
representa por sua
vez uma situação problema aberta (Atividade-5).
Dessa forma, após a elaboração dos textos, problemas e do planejamento do evento
sonoro, fez-se contato com um estúdio de gravação e com um locutor, para a
produção do
referido evento e para a leitura dos já citados textos e problemas. Depois do
término da aplicação
das atividades, cada aluno participante das mesmas recebeu uma cópia desse
material. Não se
entregou o CD antes do término do curso, pois o contato prévio dos alunos com
atividades que
ainda não haviam sido trabalhadas, não fazia parte do planejamento de pesquisa.
Na seqüência serão apresentadas as cinco atividades que foram elaboradas e
aplicadas
junto a um grupo de alunos com deficiência visual. Juntamente com a apresentação
das referidas
atividades, serão discriminados os materiais que as constituem, e a maneira em
que foram
construídos ou adaptados.
No presente tópico serão apresentadas as cinco atividades de ensino de Física
desenvolvidas e aplicadas a um grupo de alunos com deficiência visual. Em
conjunto com as
atividades, também são apresentados os materiais desenvolvidos e que faziam
parte de cada
atividade específica.
3.5.1 - ATIVIDADE (1): VIVÊNCIA DO ATRITO: PARTE A: OBSERVAÇÃO E
CONTEXTUALIZAÇÃO DO FENÔMENO
Objetivo:
Proporcionar oportunidades para que alunos com deficiência visual reconheçam por
meio
do referencial do atrito, diferentes objetos e superfícies, a fim de
contextualizar o estudo do
referido fenômeno.
Materiais a serem utilizados:
a) Bichos de pelúcia, tapetes, carpetes, diferentes tipos de toalhas plásticas e
os seguintes
tecidos: veludo, tecido felpudo e flanela. Cada material citado acima foi
cortado em um tamanho
aproximado de 0,5m de comprimento por 0,5m de largura.
b) Lixas e palha de aço.
Procedimentos:
I. Interação e observação do fenômeno
Deixar os alunos tocarem os vários tipos de objetos, bem como, esfregarem um
objeto ao
outro. Dessa forma, eles poderão perceber tatilmente o quanto esses objetos são
lisos, macios,
ásperos, e as diferentes interações provenientes dos contatos entre os diversos
tipos de materiais.
Pretende-se com este procedimento, contextualizar o tema “atrito” afim de que
situações da vida
cotidiana desses alunos relacionadas ao referido tema venham a tona e sejam
discutidas.
II. Trabalhando em grupo
a) Solicitar aos alunos para que em grupo discutam as diferenças e semelhanças
observadas tatilmente entre os objetos, e entre as interações provenientes dos
contatos desses
objetos.
b) Solicitar aos alunos para que em grupo discutam situações de seus cotidianos
onde
estejam presentes questões relacionadas com as características observadas, ou
seja, com o atrito.
c) Solicitar aos alunos para que em grupo discutam situações onde o atrito pode
ser
encarado como necessário ou desnecessário.
Neste momento da atividade, o professor estará atendendo os grupos no sentido de
prestar-lhes auxílio quanto ao esclarecimento de possíveis dúvidas e quanto ao
direcionamento
das discussões propostas.
III. O debate
Após os alunos terem discutido em grupo as questões sugeridas acima, solicitar
para que
cada grupo exponha ao restante dos alunos, suas conclusões. Tal exposição deverá
estar aberta à
discussão ou intervenção de outros alunos do grupo ou fora do grupo.
IV. Mediação do professor
Apresentar por meio de um toca CD e discutir com os alunos o texto abaixo.
Entre tapas e beijos
“Na Física, a idéia de contato está relacionada à interação que surge quando
objetos se
tocam. Podemos entender essa idéia se pensarmos em nosso próprio corpo. Ele está
equipado para sentir estas interações, que podem se manifestar sob as mais
diferentes
formas, produzindo uma grande variedade de sensações em nossa pele. Uma boa
bofetada, por exemplo, corresponde a uma interação entre a mão de quem bate e a
face
de quem recebe, assim como um carinho. Do ponto de vista da Física essas duas
interações são de mesma natureza. Uma diferença básica entre elas é a
intensidade da
força aplicada: um tapa, em geral, significa uma força muito mais intensa do que
um
carinho. Porém há outra diferença importante entre o tapa e o carinho: a direção
da
força aplicada. Em um tapa, a força é na direção perpendicular à face da vítima
e no carinho, em geral, essa força ocorre numa direção paralela à pele. Essa
distinção
também ocorre em outras situações em que existe o contato entre os objetos. Em
batidas, chutes, pancadas, beijos, espetadas, ou mesmo simplesmente quando um
objeto
se apóia sobre outro, temos forças que agem na direção perpendicular ou normal à
superfície dos objetos e por isso são denominadas forças normais. Em outros
casos, a
força aparece na direção paralela à superfície. É o que ocorre em situações como
arranhões, raspadas, esfregadas, deslizamentos, etc. Em geral, essas forças
recebem o
nome de forças de atrito. Portanto, os efeitos das forças de contato entre
objetos
dependem da maneira como são aplicadas, paralela ou perpendicular à superfície.
Mas
não é só isso que influi. Também são importantes: a intensidade da força, as
características dos objetos e de suas superfícies, e o tempo em que eles
permanecem em
contato” (Copelli, et. Al. 1998).
Problema central da atividade:
Quais são os principais fatores que influenciam o movimento do bloco? O “peso”
do
objeto é importante? Seu formato é importante? Ambos são importantes? Como
podemos
descobrir?
Objetivos
a) Compreender o atrito como resultado do contato e do deslizamento de uma
superfície
sobre outra.
b) Observar tatilmente o comportamento do movimento de blocos de madeira sobre
superfícies de diferentes polimentos (o conceito de desaceleração).
Materiais a serem utilizados:
1) Três superfícies, sendo uma áspera como uma lixa, outra bem lisa, e uma outra
com um
polimento intermediário.
2) Blocos de madeira em formato de paralelepípedo, de mesmas superfícies, e
diferentes
massas.
Obs) As massas dos blocos eram aproximadamente de: 100g, 300g, e 500g.
3) Uma maquete contendo:
a) Uma superfície muito enrugada para representar macroscopicamente o atrito.
b) Um objeto enrugado.
Obs) Tanto a superfície quanto o objeto, devem permitir ao aluno com deficiência
visual
observar com o tato suas saliências.
4) Uma maquete contendo:
a) Um pedaço de um cabo de vassoura de 30cm de comprimento, fixo
perpendicularmente
a uma pequena tábua de 30cm de comprimento por 20cm de largura. Com este objeto,
pretendese
representar uma reta normal a uma superfície.
b) Três pedaços de madeira de 5cm de largura por 15cm de comprimento, fixos
paralelamente a uma pequena tabua de 30cm de comprimento por 20cm de largura.
Pretende-se
com este objeto, representar retas paralelas.
Este material objetiva contribuir para a construção dos conceitos de força
normal e de
força de atrito, visto que, utiliza-se de um referencial tátil para a observação
de retas dispostas
perpendicularmente e paralelamente.
Procedimentos
I. Interação e observação do fenômeno
Empurrar os diferentes blocos de madeira, em diferentes posições sobre as
superfícies
lisas e ásperas, e observar tatilmente o que ocorre com o movimento desses
blocos nas diferentes
superfícies.
II. Trabalhando em grupo
Em grupo, explique:
a) Que ações podem ser realizadas sobre os blocos de madeira para movê-los? A
massa
do bloco é importante? Seu formato é importante? Ambos são importantes? Como
podemos
descobrir?
b) Qual é a relação entre as diferenças na massa dos objetos e as diferenças em
sua
mobilidade?
III. O debate
Proporcionar um debate entre os grupos, para que os mesmos possam apresentar
suas
conclusões sobre o fenômeno observado. Durante este debate, o professor poderá
apresentar os argumentos científicos sobre o tema em questão, funcionando dessa
forma, como mais um grupo
participante da discussão.
IV. Mediação do professor
O professor poderá apresentar os argumentos científicos utilizando-se da maquete
do
atrito, e do texto abaixo previamente gravado.
Texto sobre o atrito
Para iniciarmos o movimento de um bloco que está apoiado sobre uma superfície,
sentimos uma certa resistência. Geralmente, assim que o movimento do bloco se
inicia,
essa resistência diminui. Isto ocorre, pois, quando fazemos a superfície de um
corpo
escorregar sobre a de outro, cada corpo exerce sobre o outro, uma força paralela
às
superfícies. Essa força é denominada Força de Atrito. A força de atrito sobre
cada
corpo tem sentido oposto ao seu movimento em relação ao outro corpo, e dessa
forma,
as forças de atrito se opõe ao movimento, nunca o favorecem.
Em nosso dia a dia, o atrito exerce uma função fundamental. O movimento de um
carro,
por exemplo, só é possível porque existe uma força na direção e no sentido do
movimento do mesmo. O processo é basicamente o seguinte: a queima do combustível
no motor provoca o movimento de pistões que é transmitido para as rodas, e
consequentemente para os pneus. Esses, através de uma força de contato empurram
o
chão para traz (ação) e o chão empurra o carro para frente (reação). Sem essa
reação
que também é uma força de contato ou de atrito, o carro não sairia do lugar e os
pneus
deslizariam sobre o asfalto. Se não houvesse o atrito, ou seja, se tudo fosse
muito liso e
escorregadio, caminhadas, corridas, passeios de carro, de ônibus etc., se
tornariam
quase que impraticáveis. Segurar um punção ou mesmo ler um texto em Braille
seriam
tarefas complexas.
A força de atrito entre um par qualquer de superfícies secas, não lubrificadas,
obedece
a duas leis empíricas:
1) É aproximadamente independente da área de contato, dentro de amplos limites.
2) É proporcional à força normal.
Vamos tentar entender a força normal analisando um caixote cheio de areia sobre
uma
mesa. O caixote, sob a ação da gravidade, (Força Peso) é comprimido contra a
superfície da mesa, Que reage com uma força igual em intensidade, mas em sentido
contrário, denominada força normal. Assim, a força normal é uma força
perpendicular
à superfície de apoio, exercida por esta ao objeto.
Do ponto de vista macroscópico, a área real de contato entre dois objetos é
muito
pequena, limitando-se a alguns pontos. Sendo assim, a pressão nesses pontos é
bastante
grande, o que provoca a união dessas pequenas regiões. Na maquete do atrito
representamos em detalhe a área de contato entre um caixote e uma mesa. Observe
que
o contato ocorre apenas em pequenas regiões da base do caixote. O atrito surge
da
necessidade de quebrar essas uniões quando se tenta fazer um objeto deslizar
sobre
outro. Iniciado o deslizamento, as uniões já existentes são quebradas e outras
são
formadas.
O que diferencia uma determinada superfície de outra, é a natureza dessa
superfície,
bem como, sua condição de polimento e de lubrificação. Entretanto, como
representado
na maquete, ao nível atômico, mesmo a superfície mais cuidadosamente polida está
longe de ser plana. Portanto, O atrito depende da natureza, do grau de polimento
dos
materiais que formam os objetos, e da lubrificação entre eles. Se as superfícies
de
contato forem polidas e lubrificadas, a intensidade dos contatos nas uniões será
menor,
diminuindo a força de atrito. Dessa forma, para atenuar os efeitos do atrito
costuma-se
colocar lubrificantes entre as duas superfícies, pois, os óleos diminuem os
números de
uniões entre as mesmas (Resnick e Halliday, 1984 e Gonçalves e Toscano, 1997).
IV. Avaliação
Responda: Como uma pessoa, em repouso sobre a superfície gelada e muito lisa de
um
lago, poderia alcançar a margem?
3.5.3 - ATIVIDADE (3): O ESTUDO QUALITATIVO DA ACELERAÇÃO POR MEIO DE UM
PLANO INCLINADO
Problema central da atividade
Explique a variação do intervalo de tempo dos sinais emitidos pela sirene
durante a subida
e durante a descida do carrinho no plano inclinado.
Objetivo
A construção do conceito de aceleração da gravidade por meio da observação
auditiva da
variação da velocidade de um carrinho que se move sobre um plano inclinado.
Materiais a serem utilizados
a) Carrinho com rodinhas. Aqui se adaptou um carrinho de brinquedo que imita um
carro
de bombeiros, de tal forma que o circuito elétrico constituído pela sirene do
carrinho e as
baterias, fica aberto com os fios de ligação expostos do lado de fora desse
objeto móvel. Dessa
forma, durante a descida do plano inclinado, a sirene do carrinho emitirá um som
quando os fios
de ligação tocarem a parte condutora do plano inclinado (papel alumínio), e
deixará de emitir
som quando os fios condutores tocarem a parte isolante do referido plano
(madeira).
b) Superfície de madeira de 2,0m de comprimento por 15cm de largura.
c) Fitas de papel alumínio de aproximadamente 15cm de comprimento por 1cm de
largura.
d) Sirene do carrinho.
e) Alguns ímãs.
f) Objetos que sejam sensíveis à atração magnética.
Montagem do artefato: plano inclinado com interface sonora
Neste artefato, a superfície do plano inclinado deve variar espaços condutores
(fitas de
papel alumínio), e espaços isolantes (madeira). A dimensão dos espaços deve ser
a mesma, ou
seja, 19cm de superfície isolante seguido de 1cm de superfície condutora. De
acordo com as
medidas dispostas, haverá aproximadamente 10 espaços isolantes e 10 espaços
condutores. Um
carrinho, trazendo uma sirene conectada a um circuito aberto contendo dois fios
condutores e
duas baterias de 1,5V devem se mover sobre o plano inclinado. As duas pontas dos
fios
condutores devem estar do lado de fora do carrinho, em contato com o plano
inclinado. Dessa
forma, quando os fios estiverem em contato com a parte condutora do plano
inclinado, o circuito
se fechará e a sirene emitirá um som, e quando os fios tocarem a parte isolante
do plano
inclinado, o circuito se abrirá e o som não será emitido.
Procedimentos
I. Interação e observação do fenômeno
a) Com um impulso dado pelas mãos, fazer
com que o carrinho suba o plano inclinado. O
aluno poderá observar auditivamente a diminuição da velocidade do carrinho, por
meio do
aumento do intervalo de tempo entre um sinal e outro da sirene.
b) Deixar o carrinho descer o plano inclinado. O aluno poderá observar
auditivamente o
aumento da velocidade do carrinho, por meio da diminuição do intervalo de tempo
entre um sinal
e outro da sirene.
c) Com o apoio de blocos de madeira, o ângulo do plano inclinado poderá ser
variado e
dessa forma, o aluno poderá fazer outras comparações entre os intervalos de
tempo de emissão do
som da sirene, e a variação da velocidade do carrinho.
II. Trabalhando em grupo
Em grupo, solicitar aos alunos para que discutam e apresentem suas explicações
para a
variação do intervalo de tempo dos sinais emitidos pela sirene. Cada grupo
deverá chegar a uma
conclusão sobre o fenômeno observado.
III. O debate
Proporcionar um debate entre os grupos, para que os mesmos possam apresentar
suas
conclusões sobre o fenômeno observado. Durante este debate, o professor poderá
apresentar os
argumentos científicos sobre o tema em questão, funcionando dessa forma, como
mais um grupo
participante da discussão.
IV. Mediação do professor
1) Tendo em vista o problema central dessa atividade, ficar atento às
explicações dos
alunos, no sentido dos mesmos se utilizarem de termos como aceleração,
desaceleração,
velocidade, força, gravidade etc.
2) Por meio do diálogo com os alunos durante o debate, procurar compreender qual
o
significado utilizado por eles para esses termos.
3) Trabalhar com os conceitos de aceleração e desaceleração, por meio das
relações entre
as observações sonoras feitas pelos alunos, e as variações da velocidade do
carrinho.
4) Questionar o porque da variação do som observado.
5) Apresentar o conceito de gravidade utilizando-se de comparações com outro
tipo de
ação à distância como a magnética. Dispor aos alunos para observação tátil, ímãs
e materiais que
por ele são atraídos.
6) Apresentar aos alunos, a gravação do texto “Gravidade”.
Texto: Gravidade
Você é capaz de imaginar como seria viver sem peso? O que aconteceria se a
gravidade
deixasse de existir?
Se isto ocorresse, não haveria justificativa para que tudo aquilo que se
encontra
apoiado sobre a superfície da Terra permanecesse assim: nós, os automóveis, a
água
dos oceanos, a atmosfera, vagaríamos pelo espaço.
E se a gravidade não desaparecesse, mas fosse apenas muito pequena, que
alterações
ocorreriam na nossa forma de viver?
Andar por exemplo, seria bem diferente, pois o tempo necessário para erguer o pé
e
fazê-lo retornar ao solo seria bem maior. Além disso, o atrito entre o pé e o
chão seria
menor, o que dificultaria nossos movimentos. Escutar os sons também seria
diferente,
porque em um lugar de pequena gravidade, não há atmosfera, e o som precisa de
meio
material para se propagar. Portanto, as ondas sonoras utilizariam como meio o
nosso
próprio corpo e o solo.
Estamos tão acostumados à gravidade terrestre que esquecemos como ela influencia
nossa forma de viver. Podemos pensar numa situação aqui na Terra, nada
agradável,
mas equivalente a uma situação de “aparente ausência de peso”. Imagine-se dentro
de
um elevador, cujo cabo se rompe e o sistema de segurança não funciona. O
elevador
despenca. O que ocorreria com o peso dos passageiros? O elevador cai devido à
gravidade, as pessoas perdem contato com o piso, “flutuam” e têm a sensação de
“ausência de peso”. Todos caem simultaneamente e não há como medir o peso das
pessoas ou dos objetos dentro do elevador. Quando uma balança cai em queda
livre, é
impossível medir o peso de qualquer objeto que se coloque sobre ela, porque ele
não
pressiona a balança. Embora exista o peso do objeto, a balança não consegue
medi-lo.
Dessa forma, só não haveria peso se existisse um local onde não houvesse
gravidade.
As situações em que há uma aparente “ausência de peso” chamam-se estado de
imponderabilidade. Se uma pessoa estiver em estado de imponderabilidade, poderá
facilmente carregar um caminhão. Em compensação, registrar anotações não é nada
fácil, uma vez que ocorre também ausência de contato para apoio e, portanto, de
atrito.
Tente imaginar como seria difícil abrir a gaveta de um armário sem apoio e sem
atrito.
Fisiologicamente, algumas alterações também ocorrem no estado de
imponderabilidade. Fica mais fácil ao coração bombear o sangue para todas as
regiões
do corpo; a pressão para baixo, sobre a coluna vertical, deixa de existir.
Aliás, o “para
cima” e o “para baixo” perdem completamente o significado, pois também deixa de
existir uma direção privilegiada (Adaptado de Gonçalves e Toscano, 1997).
IV. Avaliação
Responda: Por que os objetos caem?
3.5.4 - ATIVIDADE (4): QUEDA DOS OBJETOS
Objetivos
Tendo em vista a construção do conceito de aceleração da gravidade, viabilizar
ao aluno
com deficiência visual, a observação auditiva e tátil da queda de um objeto, bem
como, a análise
quantitativa desse movimento por meio do cálculo da velocidade média e da
aceleração.
Materiais a serem utilizados
a) Tubo de PVC de 1,8 m de altura com 102 mm de diâmetro interno.
b) Sensores magnéticos para alarme.
c) Um disco metálico e um imã.
d) Chapa dobrada.
e) Bobina, oscilador e potenciômetro.
f) Rolo de fita de papel para marcador de tempo.
Obs) Utilizou-se um pedaço de fita de papel de aproximadamente 2,0m de
comprimento
com marcações em alto relevo de 1cm. Essas marcações, feitas ao longo de toda
fita, têm por
objetivo, proporcionar ao aluno com deficiência visual as condições para que o
mesmo obtenha
as distâncias entre os pontos marcados na fita de papel pelo marcador de tempo.
Um outro
aspecto a ser ressaltado, refere-se à utilização da fita de papel solta e não em
forma de rolo. A
disposição da fita de papel da maneira citada acima se mostrou mais eficaz, já
que, a utilização da
mesma na forma de um rolo, fazia com que durante a queda do objeto, o papel se
rompesse, coisa
que não ocorreu com a fita solta.
g) Um fio de Nylon de aproximadamente 3m de comprimento.
Obs) Esse fio tem por objetivo retirar o disco de dentro do tubo após a queda do
mesmo.
Além disso, ele pode ser utilizado para controlar com as mãos a velocidade de
queda do disco, e
para proporcionar uma percepção tátil da atração gravitacional.
Montagem do artefato: Interface sonora para queda dos objetos
Para a realização desta atividade, desenvolveu-se com o auxílio de um aluno de
graduação
em Licenciatura em Física da UNICAMP, um equipamento que permite por parte de
uma pessoa
com deficiência visual, a observação auditiva do fenômeno da queda de um objeto.
Obs) Este equipamento ganhou do Instituto de Física da UNICAMP, o prêmio de
melhor
trabalho do ano de 2002.
Trata-se de um tubo de PVC de 1,80 m de altura com 102 mm de diâmetro interno. O
referido tubo foi perfurado a cada 15 cm, e nesses furos, foram colocados
sensores magnéticos
para alarme. Quando abandonado da extremidade do tubo, um disco desliza dentro
do mesmo
com um imã e ao passar pelos sensores, o imã ativa o alarme. No topo do tubo,
foi colocada uma
chapa dobrada por onde o papel (fita para marcador de tempo) é alimentado e
preso ao disco. No
topo da estrutura fica a bobina com um oscilador e um potenciômetro que permitem
ajustar a
freqüência mais adequada de impacto para a agulha que perfura o papel enquanto o
disco cai
dentro do tubo.
Com este equipamento um aluno com deficiência visual pode observar auditivamente
a
queda do objeto dentro do tubo por meio do som emitido pelo alarme, e por meio
das marcas
deixadas no papel, fazer análises quantitativas.
Obs) Como a agulha do marcador de tempo (vibrador) se mostrou ineficaz para
perfurar a
fita de papel durante a queda do disco dentro do tubo, foi acoplado à referida
agulha, a carga de
uma caneta. Dessa forma, a caneta marcava o papel durante a queda do disco. Ao
terminar a
queda do objeto, a fita, com o auxilio de uma pessoa vidente, foi marcada com
uma agulha a cada
cinco tiques (um Tique: intervalo de tempo entre dois contatos consecutivos da
caneta com a fita
de papel). Desse modo, proporcionou-se ao aluno com deficiência visual, um
referencial tátil para
a análise do movimento em questão.
Procedimentos
Separar os alunos em grupos de no máximo três alunos. Cada grupo de alunos
deverá
realizar o experimento de deixar cair o objeto dentro do tubo, observando assim,
de maneira
auditiva, a queda do mesmo. Aqui existe um espaço para que o professor possa
intervir com
explicações acerca do fenômeno observado. Em seguida, os grupos com a posse da
fita de papel,
poderão seguir os passos descritos abaixo.
1) Escolher a unidade de tempo. Escolhida a unidade de tempo, 5 tiques por
exemplo, os
grupos deverão numerar a fita de papel com intervalos inteiros de unidade de
tempo. Para tanto, o
professor ou um colega vidente deverá reforçar com a ajuda de um instrumento
pontiagudo, as
marcas escolhidas e deixadas na fita de papel pelo marcador de tempo. Aqui
existe uma outra oportunidade de intervenção por parte do professor, já que, os
alunos estarão observando por
meio do tato, as marcas deixadas no papel pelo marcador de tempo.
Obs) Denominou-se a unidade de tempo “cinco tiques” de “décimo” para efeitos de
nomenclatura, já que se julgou inconveniente para o aluno expressar escrita ou
oralmente, um
valor de velocidade em função da unidade de tempo “cinco tiques” (exemplo: 10cm
por cinco
tiques, ficaria 10cm por Décimo) Entretanto, a unidade de tempo “décimo”, não
representa a
décima parte do segundo ou um décimo de segundo, ela é uma unidade de tempo
arbitrária.
2) Solicitar aos alunos para que com o auxílio das marcas de 1cm em relevo,
meçam o
comprimento de cada intervalo numerado na fita de papel. Os valores deverão ser
anotados em
Braille. Intervenção do professor: Esses comprimentos são iguais? Por que? A
diferença entre
cada intervalo consecutivo é constante? Qual é o significado físico desses
comprimentos? As
velocidades em cada intervalo têm o mesmo valor? Por que?
3) Calcular a variação da velocidade, subtraindo o valor da velocidade média num
intervalo de tempo, pelo valor da velocidade média no intervalo anterior.
Repetir este
procedimento em vários intervalos e comparar os resultados. (intervenção do
professor) A
variação da velocidade foi constante?
4) Calcular a aceleração em cada intervalo, dividindo a variação da velocidade
pelo
intervalo de tempo correspondente a essa variação (cinco tiques o que se
denominou “décimo”).
Avaliação
Responda
Como seriam as marcas deixadas por um vibrador em uma fita de papel presa a um
objeto
que se move com velocidade constante?
3.5.5 - ATIVIDADE (5): PROBLEMAS ABERTOS: POSIÇÃO DE ENCONTRO
Objetivo
Apresentar aos alunos, um problema aberto, de referencial observacional
auditivo, cujas
soluções, exigem a análise do fenômeno físico envolvido, a formulação de
hipóteses, e a
realização de várias tentativas e aproximações (Sánchez et al, 1995).
Materiais a serem utilizados:
a) Rádio para tocar CD ou fita.
b) A gravação da situação Problema (em CD ou fita cassete).
Situação problema aberta
Um carro se aproxima de uma ferrovia. O motorista nota por meio do som do apito
e das
rodas do trem, o movimento do mesmo. Conseguirá o motorista do carro frear o
veículo para que
não haja colisão?
Aqui, gravou-se em primeiro lugar, o som do carro se movendo, em seguida, o som
do
trem apitando e se movendo, em seguida, novamente o som do carro, depois, outra
vez o som do
trem apitando e se movendo, e por fim, o som do carro e do trem simultaneamente.
Procedimentos
a) Separar os alunos em grupos, e apresentar-lhes a gravação da situação
problema
descrita.
b) Proporcionar aos alunos um momento de reflexão e discussão sobre a questão do
problema: “Conseguirá o motorista do carro frear o veículo para que não haja
colisão?”
c) Proporcionar um momento para o debate em grupo da situação problema em
questão.
Concluída a apresentação dos materiais, das atividades e dos referenciais que
nortearam a
elaboração das mesmas, será discriminada na continuação deste trabalho,
especificamente no
capítulo (5) a análise da aplicação das cinco atividades em um grupo de alunos
com deficiência
visual. Antes, contudo, serão apresentadas no capítulo (4), a metodologia da
presente pesquisa, a
elaboração das categorias que foram utilizadas para a análise das referidas
atividades, e as
principais características dos alunos que participaram do curso aplicado.
Fim
do excerto
ϟ
Caps 1, 2 e 3 | excerto de:
O ensino da Física no contexto da deficiência visual: elaboração e condução de atividades de ensino da Física para alunos cegos e com baixa visão.
Autor: Eder Pires de Camargo
Δ
4.Jun.2015
publicado
por
MJA
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