Crianças cegas na 'Royal
Victoria School for the Blind Benwell' - fotografia de J. K.
Bone, anos 50
A causa mais comum de cegueira é congénita. Malformações ou infeções pré-natais
causadas por vírus podem causar danos irremediáveis na formação dos olhos. As
retinopatias causadas por traumatismos oculares e as infeções como o tracoma, o
sarampo, a varicela e a tuberculose, são de elevada incidência (Fraser e
Friedman, 1967).
Smith e Keen (1979) caracterizam a cegueira como a perda da visão em ambos os
olhos a menos de 20/200 ou de um campo visual inferior a 200, mesmo com o uso de
lentes corretivas; a visão parcial é caracterizada por uma acuidade visual entre
20/70 e 20/200, com o uso de lentes corretivas.
Jan, Freeman e Scott (1977) apontam uma incidência de cegueira de 0,4/1000 na
população infantil, 46 por cento destes nascendo cegos e 38 por cento perdendo a
sua visão no primeiro ano de vida.
De entre as crianças cegas, aproximadamente 25 por cento são totalmente cegas,
25 por cento possuem alguma perceção da luz e os outros 50 por cento têm visão
suficiente para ler uma letra de tamanho grande (Batshaw e Perret, 1990).
Ackroyd (1984) refere ainda uma cegueira cortical, quando a origem lesional não
se situa no olho nem nos nervos oculares, mas nas regiões occipitais do córtex
cerebral.
Segundo Teplin (1983), uma criança cega desde a nascença ou que perde a visão
nos primeiros anos de vida, apresenta algumas dificuldades de desenvolvimento.
Fonseca (1978) refere que as crianças cegas que perderam precocemente a sua
visão formam uma perceção do mundo através apenas dos outros sentidos. Sem a
perceção visual, desenvolve-se sobretudo a sua perceção auditiva, sofrendo
também um grande desenvolvimento a perceção tátilo-cinestésica e sendo estes
dois os principais intervenientes na conjugação sensorial que lhes permite
perceber e integrar-se no meio que a rodeia.
Basicamente, a audição permite à criança cega a noção de distância e de direção
dos objetos, bem como as suas condições acústicas (altura, intensidade e
timbre), que lhe permitem fazer a discriminação entre os objetos sonoros, como
por exemplo distinguir e reconhecer vozes de pessoas.
A perceção tátilo-cinestésica permite-lhe adquirir outras informações sobre os
objetos, como a sua grandeza, forma, textura, peso, localização, etc.
Faltando-lhe a visão é com a associação das outras sensações (incluindo o olfato
e o paladar, também indicadores por vezes da presença de certos objetos) que a
criança invisual organiza a sua estruturação espacial.
O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
As crianças cegas parecem ter mais dificuldades em lidar com conceitos abstratos
do que as crianças com visão normal, embora trabalhem bem com conceitos
numéricos (Batshaw e Perret, 1990).
Pode haver a ideia de que a perda de visão afetará o desenvolvimento cognitivo,
dado poder haver dificuldades na integração da informação real, em virtude das
reduzidas experiências de assimilação.
Segundo Fonseca (1987), esta privação de estímulos visuais interfere na
realidade no desenvolvimento mental, pois que não havendo feedback não existem
padrões visuais de referência. Há, no entanto, a superação desta privação
sensorial através de associações tátilo-cinestésicas e auditivas que colocam em
jogo outras associações interneurossensoriais do cérebro que compensam aquelas
lacunas.
As investigações de Piaget, em 1996, sobre a criança cega, indicam que esta
sofre um atraso de desenvolvimento através de vários estádios. No entanto, esta
circunstância é considerada como normal para crianças com estes problemas, tendo
necessidades especiais à medida que progride nos estádios cognitivos.
Swalow (1976) refere que o desenvolvimento cognitivo da criança com graves
problemas visuais é mais lento do que o da criança que vê, podendo haver uma
diferença de desenvolvimento entre os aspetos operatórios e figurativos do seu
pensamento, bem como dificuldades na formação das imagens mentais. No seu
desenvolvimento, porém, vai-se efetuando uma recuperação e ao fim de alguns anos
possui um desenvolvimento cognitivo praticamente igual ao de uma pessoa com
visão.
Miller (1969), realizando um estudo com 26 crianças invisuais, dos 6 aos 10
anos, em tarefas de conservação, concluiu que o aumento da capacidade de
conservação se dá em função da idade, tendo encontrado a interação visual como
fator de conservação.
Cromer (1973), porém, não encontra diferenças significativas na comparação das
capacidades e conservação entre crianças visuais e invisuais.
A pessoa que vê tem mais tendência para negligenciar as perceções auditivas,
tátilo-cinestésicas e olfativas, construindo a sua imagem mental sobretudo
através da visão. O cego, porém, desenvolvendo aquelas organizações percetivas,
acaba por compensar, em parte, a sua falta de visão, conseguindo criar uma
imagem mental do mundo dos objetos que não se afasta muito da que possui uma
pessoa com a visão intacta.
«— O problema da deficiência visual situa-se na dificuldade do sistema
tátilo-cinestésico não poder substituir o sistema visual quanto à integração e à
representação dos fatores espaciais, não só pela velocidade com que o estímulo é
detetado, bem como pela distancia e pelo angulo de espaço coberto, para além da
complexidade neurológica atinente» (Fonseca, 1978).
No indivíduo com a visão normal, esta ocupa a primazia das suas organizações
neurossensorial e neuro-motora. No invisual, o lugar principal é ocupado pela
audição e depois pela tátilo-cinestésica. Enquanto no primeiro a sua atenção
está latente, focando-se de imediato para algo que a estimule
significativamente, no segundo há a manutenção de uma atenção permanente, atenta
ao menor estímulo que surja.
A espacialidade é a perceção predominante no indivíduo que vê, sendo a
temporalidade a perceção dominante no indivíduo visualmente prejudicado.
«— A limitação da mobilidade repercute-se na diminuição do sentido do obstáculo,
na perda de iniciativa, na desconfiança no movimento, na ausência de controlo
interiorizado, na limitação da regulação dos efeitos da experiência no meio,
etc. Por outro lado, e por compensação funcional, o deficiente visual domina o
efeito Doppler, que consta de uma capacidade original de detetar ecos (sombra do
som) e sinais auditivos-cinestésicos e olfativos e desenvolver atributos de
extensão sensorial, que permitem o ajustamento às circunstâncias exteriores»
(Fonseca, 1978).
O DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL-SENTIMENTAL
Quando a visão é prejudicada, para além de algumas dificuldades que se refletem
no desenvolvimento físico, neurológico e psicomotor, há repercussões a nível
emocional (Batshaw e Perrot, 1990).
«— É na base da carência intersensorial que o deficiente visual edifica a sua
personalidade, caracterizada por ausência de segurança, de autonomia e de
iniciativa, ingredientes emocionais específicos dos primeiros processos de
maturação.
...Tendo como alicerce da personalidade uma estrutura visuo-motora peculiar, o
deficiente visual apresenta diversos traços caracteriais específicos, como por
exemplo: falta de iniciativa, conhecimento da vida quotidiana muitas vezes em
"segunda mão", insegurança, ansiedade, maneirismos ("blindismos"), tiques,
estereótipos, sincinésias, problemas de inexpressão facial, distúrbios
emocionais, etc.
...A natureza do comportamento da criança deficiente visual, para além dos
aspetos acima levantados, oferece outros sinais característicos, como: a
inibição natural, o isolamento, a inferioridade, a culpabilidade, afoita de
independência e de identidade, o peso da frustração interior, um "Eu"
desfalecido, um excesso de fantasmização, uma certa depressão camuflada com
comportamentos de recusa e de rejeição, confusões mentais temporárias e
periódicas, problemas posturais, laxidão articular, hipotonicidade, etc.»
(Fonseca, 1978).
A criança cega tem também sonhos, mas parece que não vê imagens nos seus sonhos,
a não ser que só tenha ficado cega depois dos sete anos (Batshaw e Perret,
1990).
O DESENVOLVIMENTO SOCIAL
A cegueira causa geralmente atrasos no andar, no controlo dos esfíncteres e no
desenvolvimento da fala, bem como cria dependência de terceiros (Batshaw e
Perret, 1990).
Devido a não poder ver, o abraço, as carícias e os beijos são extremamente
importantes para sentir que é estimada e amada.
Muitas vezes o desenvolvimento social da criança invisual depara com alguns
obstáculos, levantados precisamente por certos preconceitos sociais. Umas vezes
são os próprios pais que, receosos de algum acidente, a inibem de brincar com
outras crianças de fora do círculo familiar; outras vezes são atitudes de outros
adultos, que não deixam os seus filhos brincar com o «ceguinho», para não o
molestarem; surgindo também situações de certa segregação por parte dos seus
colegas, por não os poder acompanhar nalgumas brincadeiras.
Devidamente solucionadas estas situações pelos adultos responsáveis, aquelas
atitudes desaparecem com facilidade, podendo-se criar situações propiciadoras de
experiências de relacionação social num plano de total normalidade, que permitam
à criança invisual o mais propiciador e equilibrado clima de desenvolvimento
social.
O DESENVOLVIMENTO MOTOR
A disfunção percetivo-visual provoca geralmente os seguintes efeitos: apraxia,
agnosia da forma e da posição no espaço, agnosia bilateral, agnosia
figura-fundo, hiperatividade, distratibilidade e reações defensivas (Ayres
citado por Fonseca, 1978). O seu tónus muscular apresenta-se parcialmente
flácido (Jan, Freeman e Scott, 1977; Teplin, 1983).
«— A inibição natural e a correspondente hipertonicidade, resultam da
incoerência e do reforço negativo das primeiras experiências» (Fonseca, 1978).
Em algumas crianças produz-se uma autoestimulação motora, com o balancear do
corpo, o abanar a cabeça ou o mexer dos olhos (Eichel, 1978). Quando não há
problemas de ordem intelectual, estes «maneirismos» tendem a começar a decrescer
por volta dos 4-5 anos. Uma reeducação psicomotora ajuda muito nestas situações
(Schni-Tjer e Hirshoren, 1981; Belcher e col., 1982).
Dado que a aprendizagem da fala implica não só a audição dos sons verbais
produzidos por outras pessoas como também a imitação das suas expressões, gestos
e movimentos da boca, a criança cega, estando reduzida apenas à audição,
apresenta um processo de desenvolvimento linguístico um pouco mais lento
(Daugherty e Morin, 1982; Pring, 1984).
Por volta dos 6-7 anos a criança invisual consegue, porém, já apresentar uma
linguagem em tudo igual à das crianças não cegas. A sua gestualidade e
expressões faciais são, porém, bastante inócuas.
Fim
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O Desenvolvimento da
Criança Invisual
é o capítulo V da obra: Problemas de Visão e Atividades Pedagógicas
Autor: Alberto Barros de Sousa © INSTITUTO PIAGET, 2011
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