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 Sobre a Deficiência Visual

Orientação e Mobilidade para Deficientes Visuais

Rosa Maria Novi
 

Gymnastics at the Blind School in Budapest
Ginástica na Escola de Cegos em Budapeste
 
Sumário
Introdução
1 - Primeiros Contatos com o Deficiente Visual
2 - Noções Básicas de Orientação e Mobilidade
2.1 - Definições
2.2 - Objetivo
2.3 - Pré-requisitos
2.3.1- Área Cognitiva 2.3.2 - Área Psicomotora
2.3.3 - Área Afetiva
3 - Estimulação dos Sentidos Remanescentes
3.1- Estimulação da Audição
3.2 - Estimulação da Percepção Tátil-Cinestésico
3.3 - Estimulação da Percepção Olfativa e Gustativa
4 - Domínio sobre a Natureza dos Objetos Fixos, Móveis, em Movimento e Natureza do Terreno
4.1- A Natureza dos Objetos Fixos
4.2 - A Natureza dos Objetos Móveis
4.3 - A Natureza dos Objetos em Movimento
4.4 - A Natureza do Terreno
5 - Pontos de Referência
6 - Índices
7 - Postura
8 - Formação de Conceitos na Cegueira Congênita
9 - Orientação e Mobilidade para Crianças Cegas ou de Visão Subnormal
9.1- Instrumento Anterior à Bengala
10 - Relação entre a Educação Física e Orientação e Mobilidade
11 - Relacionamento entre Pessoas Cegas e Pessoas com Visão Normal
11.1- Como ajudar uma pessoa cega a atravessar ruas
12 - Relatos
12.1 - Primeira Experiêncìa com Criança em Orientação e Mobilidade
12.2 - Relatos de Alunos
Relacionamento com Pessoas Cegas
Dados sobre a Autora

 

Introdução

Neste livro o leitor encontrará informações e esclarecimentos que poderão vir a melhorar e facilitar o relacionamento e a integração dos deficientes visuais com a comunidade em que vivem; porém, não encontrará sobre os processos técnicos de treinamento em Orientação e Mobilidade, pois não fazem parte de nossos objetivos.

Com este trabalho procuramos:

  • Orientar pais, familiares e amigos para a melhor forma de ajudar a pessoa cega ou de visão subnormal no seu dia-dia, aliviando-a nas suas aflições, nos temores da cegueira, buscando um melhor caminho para suprir as suas necessidades e anseios e, ainda, diminuir os conflitos de seus familiares para que não haja interferência no processo ensino-aprendizagem de seus filhos;

  • Fornecer para docentes, profissionais e estudantes, esclarecimentos sobre a importância da participação da pessoa cega ou de visão subnormal nos cursos de treinamento em Orientação e Mobilidade como também a importância da bengala, pois é através dela que ocorre sua identificação, fazendo com que as pessoas passem a tratála com mais respeito, dirigindo-lhe a palavra e ajudando-a a atravessar uma rua ou mesmo a localizar um determinado banco, loja, endereço etc. Será através dos cursos e do uso da bengala que ela passará a ter segurança e independência nas suas atividades e, consequentemente, o controle do meio ambiente;

  • Despertar na comunidade não só a aceitação e a valorização da pessoa portadora de deficiência visual, como também elaborar projetos de cursos profissionalizantes, programas de trabalho onde o cego será aceito e terá tratamento igual ao de pessoas com visão normal. A comunidade, através de seus membros ativos e de destaque, pode participar e colaborar com estas Instituições de ensino, ajudando-as na sua administração e colaborando na atualização e especialização de seus professores como também na aquisição de equipamentos, livros e aparelhos tão necessários para o desenvolvimento de suas atividades.

Tem, ainda, por objetivo relatar as experiências obtidas durante o trabalho de Orientação e Mobilidade realizadas no Instituto Londrinense de Instrução e Trabalho para Cegos e os depoimentos de alguns deficientes visuais frente a sua própria deficiência.

Os termos "cego" e "deficiente visual" foram utilizados indistintamente: dizem respeito a indivíduos com grave deficiência visual, podendo ser cego total ou portador de visão subnormal, pois ambos enfrentam duramente os problemas aqui abordados.


1. Primeiros Contatos com o Deficiente Visual

Ao terminar a Faculdade de Educação Física na Universidade Estadual de Londrina, depois de alguns anos, fui convidada para fazer um trabalho voluntário no Instituto Londrinense de Instrução e Trabalho para Cegos em Londrina. Confesso que vacilei um pouco, mas acabei aceitando, e trabalhei um ano como voluntária, atendendo os alunos com duas aulas semanais.

No início fiquei um pouco assustada, porque nunca tive a oportunidade de conhecer um deficiente visual; tinha também receio de dizer a eles "você está vendo isso ou aquilo", com medo de estar ofendendo-os. Fui me acostumando e comecei a gostar deste tipo de trabalho, por ser um trabalho especial e gratificante.

Em 1982, consegui dedicar um pouco mais de tempo a eles; minha remuneração era tão baixa que mal dava para cobrir as despesas de transporte, mas não me importava, sentia-me bem ao estar com eles, oferecendo-lhes o pouco que eu sabia.

Como nunca tive experiência com Educação Física para cegos, sempre que surgiam oportunidades participava de cursos, simpósios e congressos, e com isso meus conhecimentos foram sendo ampliados.

Como o número de deficientes visuais aumentava cada vez mais, a pedagoga Eunice Fagundes de Castro, funcionária do Departamento de Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação, especializada na educação de crianças deficientes visuais, achou que por eu ser professora de Educação Física seria a pessoa ideal para trabalhar nessa área. Comecei, então, a partir de 1984, a me dedicar também ao treinamento de Orientação e Mobilidade.

Em 1987 ampliei minhas atividades, ministrando aulas de natação num dos clubes da cidade, a ACEL - Associação Cultural Esportiva Londrinense que, com muita boa vontade nos cede, até hoje, a piscina para a prática desse esporte, que é considerado o mais completo.

A minha experiência em Orientação e Mobilidade era muito pouca, os conhecimentos foram adquiridos através de cursos adicionais, pois para desenvolver este trabalho a contento é necessário, além dos conhecimentos, muita responsabilidade, paciência e amor.

Tive muitas dificuldades: lembro-me bem de um aluno que perdeu a visão em um acidente de carro, e precisou freqüentar o Instituto para poder dar continuidade aos seus estudos.

Tanto para mim como para ele, era uma atividade dolorosa, por eu não ter maior experiência em Orientação e Mobilidade e ele por não ter ninguém da família que o levasse. Resolvi, então, ensinar-lhe o percurso de sua casa até o Instituto, usan- do um gravador, para amenizar as dificuldades, mas os problemas continuavam, as nossas tensões e angústias eram muitas.

No início de 1988, a diretora da Instituição solicitou para Chistoffel Blindenmission, uma entidade alemã com sede no Paraguai, para que, assim que houvesse uma oportunidade, me convidasse a fazer o Curso de Orientação e Mobilidade que se realizaria em um dos países da América Latina. No dia 22 de julho do mesmo ano viajei para a cidade de La Serena, no Chile, para fazer o tão esperado curso. Retornei no dia 4 de setembro de 1988.

O curso foi ministrado pela professora Dayce Tapia Barraza. Éramos somente duas alunas, eu e a professora de Santiago, Ximena Pizarro Vega. O curso foi desenvolvido minuciosamente, técnica por técnica, uma de cada vez, e sempre recebíamos a informação com os olhos vendados; primeiro aprendíamos a técnica, depois esta mesma técnica era repassada de uma para a outra; assim, num momento éramos alunas e em outro momento professoras. Sempre, quando terminávamos uma aula prática, sentávamos e passávamos para a aula teórica; a professora ditava as técnicas aprendidas e, se houvesse alguma dúvida, as mesmas eram esclarecidas. Chegamos a fazer provas escritas e no final do curso estávamos com um caderno completamente repleto de anotações. Foi uma experiência diferente, pois ainda não tinha feito um curso desse nível.

O curso exigiu muita responsabilidade e atenção. Recordo-me que, quando estava fazendo uma das técnicas, levei um grande susto, neste momento pensei em desistir, mas a minha vontade de ensinar meus alunos a serem independentes era tanta que nada naquele momento me faria voltar atrás.

Quando estávamos na etapa final e consegui atravessar a rua, localizar uma cabine telefônica e fazer uma ligação para o diretor do Instituto, fiquei muito emocionada e feliz de saber que poderia auxiliar meus alunos sem nenhum problema, pois eu tinha conseguido vencer todas as etapas com os olhos vendados. Para mim, tinha certeza que todos os meus alunos conseguiriam vencer estas etapas tão importantes em suas vidas, uns necessitando de mais esforços que outros.

Voltei com uma bagagem completa de conhecimentos e muito trabalho me esperando, atendia até seis alunos por dia.

Cada aluno que consegue vencer as técnicas de aprendizagem do curso é, para mim, uma emoção muito grande e acredito que sempre será, pois é um trabalho gratificante e que faço com muita satisfação, amor e paciência.

Passaram-se dois anos, cinco alunos já tinham concluído o curso, quando recebi a notícia de que a professora Dayce nos faria uma visita trazendo o meu certificado. Para que eu o recebesse ela teria que observar-me trabalhando com alunos e verificar se realmente conseguia transmitir o que ela me ensinara, porque este trabalho exige que se tenha muita segurança, sendo às vezes até rígida. Se você transmitir dó ou compaixão, o deficiente não conseguirá vencer as técnicas; é necessário fazer, em primeiro lugar, com que ele confie em você e na sua bengala, para ir vencendo os obstáculos, claro que uns com mais facilidade que outros.

O deficiente que nasce cego terá um pouco mais de dificuldades do que aquele que adquiriu a deficiência. Se a família o protege fazendo tudo por ele, irá ter mais dificuldades ainda do que aquele que é mais independente. Geralmente o curso dura em torno de oito meses chegando alguns até dois ou três anos de treinamento .
 

2. Noções Básicas de Orientação e Mobilidade

2.1 - Definições

a) Orientação: "É a habilidade para reconhecer o meio ambiente e estabelecer sua posição em relação ao meio ambiente. Isto significa: consciência do corpo, consciência dos objetos e do espaço, comportamento motor perceptual eficaz, e adequado uso dos conceitos. Ela é desenvolvida por repetidas experiências sensomotoras no meio físico". (WOJNACK, 1989)

b) Mobilidade: "É a habilidade física para se mover determinadamente, eficientemente, seguramente, pelo meio ambiente e, tão independentemente quanto possível de um lugar para outro. Ela envolve: orientação, movimento do corpo, uma razão para se mover (motivação) e comunicação". (WOJNACK,1989)

c) Orientação e Mobilidade: "É uma disciplina que tem a finalidade de auxiliar as pessoas visualmente deficientes a desenvolverem ou restabelecerem a capacidade para a motivação independente, eficiente e segura pelos espaços, para satisfazerem suas próprias necessidades". (WOJNACK,1989)

Uma das tarefas mais difíceis para a pessoa cega é sua locomoção independente. Para que consiga um bom desempenho em Orientação e Mobilidade deverá compreender o seu meio ambiente, tornar familiar novos meios ambientes, usar informações através de outros sentidos, especialmente a audição, obter informação verbal, utilizar-se de guia com visão, técnicas protetoras (proteção superior, proteção inferior, proteção combinada e proteção social) e técnicas de bengala longa, conhecida como "bengala de Hoover", concebida pelo Dr. Richard Hoover, professor de Educação Física. A bengala Hoover utilizada corretamente, oferece informações precisas para os cegos, como buracos e superfícies no solo, mostrando desníveis para cima ou para baixo.

2.2 - Objetivo

O objetivo de Orientação e Mobilidade é fazer com que a pessoa cega ou de visão subnormal caminhe em ambientes internos e externos com eficiência, graciosidade, de maneira segura e independente. Para que esse objetivo seja atingido há necessidade do desenvolvimento de algumas habilidades. A ação de assimilar e o efeito de utilizar estas habilidades facilitará o desempenho na mobilidade e no grau de independência na locomoção.

2.3 - Pré-requisitos

Segundo a apostila elaborada pela professora CURI,1982, os pré-requisitos para o processo de Orientação e Mobilidade compreendem: área cognitiva, área psicomotora, área afetiva.

2.3.1- Área Cognitiva

Onde o aluno deverá adquirir a formação de conceitos; atenção, resolução de problemas, poder de decisão, memória e transferência.

A - Formação de Conceitos

  • imagem corporal, que é a referência que o indivíduo tem dele próprio; o conhecimento das partes do seu corpo, as funções que cada uma delas exerce e sua relação com o ambiente;

  • natureza do ambiente onde o deficiente vai encontrar os objetos fixos, móveis e em movimento;

  • relações têmpora-espaciais devem ser exploradas a partir do próprio corpo.

As temporais deverão situar no tempo, ter noções de ontem, antes e depois, movimentos lentos e rápidos; enquanto que as espaciais são as atividades que envolvem distância, como perto e longe e as que possam localizar e posicionar dentro, fora, começo, fim, lado direito e esquerdo, em cima, embaixo, deitado, sentado.

B - Atenção

Quando o cego sai para fazer sua aula, deverá procurar esquecer dos seus problemas pessoais e pensar somente no trajeto que irá fazer, seguindo corretamente as orientações da instrutora, assim raramente ocorrerá algum acidente. Deverá ter muita atenção nos movimentos das pessoas e dos carros, saber exatamente o momento certo de atravessar uma rua, observando atentamente em qual das ruas precisará pedir ajuda ou não.

C - Resolução de Problemas

O cego terá que saber resolver determinadas dificuldades sem atropelos num momento difícil: se percebeu que mudou de direção ou entrou em um estacionamento ou loja, terá que saber voltar ao local correto observando o máximo de barulho possível que existe ao seu redor.

D - Poder de Decisão

O cego terá que saber tomar as decisões que melhor lhe favoreçam. É difícil para a maioria das pessoas cegas tomar decisões acerca de si mesma. A partir do momento em que conseguir tomar decisões corretas se sentirá mais seguro e confiante para alcançar os seus objetivos.

E - Memória e Transferência

Todo e qualquer percurso que o cego fizer terá que ter sempre em mente qual será a próxima técnica a executar, procurando memorizar o trajeto para que não tenha dificuldades para fazer o caminho de volta; ou, se desejar voltar por um outro caminho, analisar cuidadosamente para que não ocorra nenhum transtorno.

F - Utilização dos Sentidos Remanescentes

Toda e qualquer pessoa cega ou de visão subnormal, seja ela, criança, adolescente ou adulto, com cegueira congênita ou adquirida, para facilitar principalmente a sua locomoção independente, terá que desenvolver os outros sentidos, ou seja: a audição, tato, olfato e gustação. Trataremos deste assunto no próximo capítulo.


2.3.2 - Área Psicomotora

Abordaremos aqui o equilíbrio e a coordenação; a postura e o passo, caminhar em linha reta e executar voltas que são pontos importantes para a Orientação e Mobilidade.

A - Equilíbrio e Coordenação

Para que a pessoa cega adquira um bom equilíbrio e uma boa coordenação deverá executar muitos exercícios. Um equilíbrio correto é a base primordial de toda coordenação geral, como também de toda a ação diferenciada dos membros superiores.

Segundo CAPON,1987, o equilíbrio "é a habilidade de assumir e manter qualquer posição contra a ação da força da gravidade. A continuidade do equilíbrio resulta da interação dos músculos que trabalham para manter o corpo, sobre sua base". Já a coordenação "é a habilidade do corpo de integrar a ação dos músculos de maneira a executar um movimento específico ou uma série de movimentos comuns da melhor forma possível".

B - Postura e Passo - Caminhar em Linha Reta e Executar Voltas

A postura é a harmonia ou organização das partes do corpo. A boa postura é um dos pré-requisitos para Orientação e Mobilidade. A cabeça é que governa o corpo; se o deficiente visual inclinar a cabeça para a direita provavelmente caminhará para a direita, ele deve conscientizar-se de que, a partir do momento que a sua cabeça está bem centralizada, irá conseguir caminhar em linha reta, adquirindo assim um bom equilíbrio. Se a sua lateralidade está bem definida, e tendo noções espaciais, saberá executar voltas com facilidade. A lateralidade consiste em diferenciar esquerda e direita, controlando os dois lados do corpo, facilitando quando necessita dar meia volta ou um quarto de giro, ou seja, metade da meia volta. Sendo bem ágil e tendo vitalidade conseguirá realizar corretamente o trajeto sem dificuldades.

2.3.3 - Área Afetiva

Compreende atitude; motivação; valores e autoconfiança.

Para que uma pessoa cega consiga levar adiante o seu treinamento é preciso que tenha uma motivação, um objetivo a ser alcançado, e que esteja bem psicologicamente. A idéia de ser capaz de locomover-se com segurança, eficiência e ser independente em diversos ambientes, não somente aumenta a auto- estima como também a autoconfiança. Conseguir vencer estes objetivos é muito importante para o cego perante a sua família, amigos e sociedade em geral. O desenvolvimento da independência e liberdade de movimentos, através da Orientação e Mobilidade produz um impacto favorável na transformação da personalidade. É importante porque o liberará da necessidade de ter que depender de familiares e amigos.

A família deve sempre motivá-lo na aprendizagem, valorizando suas atividades, aceitando suas opiniões e integrando-o no lar e na sociedade. De uma maneira geral, devemos incentivá-los a encarar a vida comunicando-se, adquirindo informações, buscando aprendizagem no seu dia-a-dia, assim elevará sua confiança e seus sentimentos de auto-estima.


3 - Estimulação dos Sentidos Remanescentes

O propósito da estimulação dos sentidos remanescentes (audição, tato, olfato e gustação), é mostrar como são primordiais na aprendizagem das noções básicas para o desenvolvimento da locomoção da pessoa cega. Dentro de noções básicas, podemos incluir a distância de um trajeto, direção, mudanças de ambiente, conhecimento do meio onde vive (a casa, o bairro, a escola) e o reconhecimento do esquema corporal (partes do corpo, corpo todo, corpo no espaço).

Sem essas noções básicas pode ocorrer um atraso em seu amadurecimento global, afetando o início da fase escolar. Pela falta do estímulo visual a pessoa cega fica imóvel porque nada lhe chama a atenção. Os pais que têm bebês cegos devem expressar seus sentimentos de carinho, associando a voz com o contato físico, tocando-o, acariciando-o e segurando-o nos braços. Com isso o bebê irá responder e mostrar seu prazer e satisfação. Devem sempre comentar perto de seu filho todos os ruídos e de onde se originam. Portanto, a criança necessita de ajuda para obter o controle do corpo, para aprender a andar na idade normal. É preciso que lhe seja dada a oportunidade de explorar; de conhecer seu meio ambiente, estimulando-a a agir, deixando que toque as coisas, a fim de enriquecer seus conhecimentos e amadurecer emocionalmente.

3.1 - Estimulação da Audição

Como a audição é primordial para orientar-se, o silêncio total poderá tornar difícil a locomoção do cego, não ao ponto de não se locomover, mas de ter um pouco mais de dificuldade para se situar no espaço. Por este motivo, a estimulação auditiva deve ser iniciada desde muito cedo. É evidente que ele percebe os sons de seu meio ambiente, a não ser que tenha também problemas de audição, como o surdo-cego. Este, por sua vez, terá limitações em seus trajetos, já que a audição é primordial para o deficiente se orientar em sua caminhada.

Por esse motivo, o surdo-cego terá muito mais dificuldades, uma vez que terá somente o aroma para auxiliá-lo.

O treinamento da percepção auditiva deve ser feito de todas as maneiras imagináveis. Pode ser treinado a distinguir ruídos, começando dentro de sua própria casa, com o barulho da geladeira, de um aparelho eletrodoméstico, a campainha de entrada etc., passando depois a distinguir os ruídos dentro de sua escola, como o telefone, uma porta que bate, o barulho de uma pessoa caminhando etc.; depois os ruídos nas ruas, como distinguir o barulho de um carro pequeno, de um grande, motocicleta, chuva, vento etc. Exemplo: no final de uma aula de educação física, por alguns minutos, os alunos deitados e em silêncio irão ouvir todos os barulhos existentes, a professora perguntará a cada um que tipo de barulho ouviu, como: o telefone, o carro na rua, etc.

É muito importante que os pais saibam da necessidade deste treinamento, que mais tarde irá facilitar a locomoção do deficiente.

O sentido da audição é a fonte principal de informações sobre o ambiente, porque é através da localização e discriminação de sons que a pessoa pode determinar o ambiente que a rodeia. (Anexo - ns 03,14,19 e 21.) Durante o treinamento auditivo, quatro áreas deverão ser desenvolvidas, conforme CURI,1982.

  1. Localização do som - "É a habilidade de determinar a origem de um som somente pela informação auditiva".

  2. Alinhamento do som - "É a habilidade de determinar a localização de um som seguido de um espaço de tempo contínuo".

  3. Percepção de obstáculos - "A percepção de obstáculos reconhecida como "reflexão auditiva", é a percepção do obstáculo antes do contato corporal com ele".

  4. Discriminação do som - "É a habilidade de discriminar o som necessário para a orientação".

Na localização do som a pessoa cega ou de visão subnormal irá buscar a informação auditiva para tomar decisões seguras; é através do som específico que ela ' consegue determinar a direção do seu caminho. Poderá localizar uma casa de tecidos, sabendo que esta casa fica ao lado de uma loja de discos, ou um banco, supermercado,etc.

No alinhamento do som ela se orientará através de um som em movimento. Seguindo a direção do tráfego, conseguirá caminhar em linha reta, pois o carro sempre deverá passar do lado de seu ombro direito ou esquerdo, dependendo do lado que estiver. Quando o carro começar a passar na sua frente saberá que está chegando a esquina, conseguindo assim girar livre mente sem tocar na parede ou meio-fio, e no momento da travessia de rua com semáforo e mão única, o carro terá que passar na sua frente ou em um dos seus lados, dependendo da posição onde se encontre.

A percepção de obstáculos é um fator muito importante também para Orientação e Mobilidade. O cego é treinado para perceber a presença de túneis, pois o local fica mais fechado, muda o som, formam-se ecos; a presença de paredes; de obstáculos grandes e sólidos no espaço, percebendo que existe alguma coisa na frente; quando os espaços são abertos, sentem que ficou mais claro, ou que a brisa ficou mais forte etc.

Na discriminação do som, deverá observar com muita atenção que, dentre vários sons, um deles é que o auxiliará,a chegar no local desejado.Deverá saber discriminar as diferenças de som de um carro, de um caminhão, moto etc., e também as diferenças entre as maneiras de andar de homens, mulheres, crianças, idosos.

3.2 - Estimulação da Percepção Tátil-Cinestésico

O sistema tátil-cinestésico envolve o tato, movimento e a posição do corpo no espaço. Através dos movimentos das pernas, mãos e tronco obtém-se informações precisas. Nos lábios e nas pontas dos dedos existe uma grande concentração de receptores. O tato é o sentido pelo qual recebemos as sensações de dor, quente, frio, áspero etc. É através da percepção tátil-cinestésica que a pessoa cega toma conhecimento das coisas que a cercam e do mundo em geral, por isso falamos que "a mão é o olho do cego". (Anexo - nos 04,13,16,19 e 21) A percepção tátil-cinestésica pode ser desenvolvida através de atividades como colagem, recorte, modelagem, materiais para identificar formas, tamanho, grosso, fino, macio, suave, áspero etc. As atividades da vida diária também ajudam a desenvolver o tato, como lavar as mãos sentindo a água, enxugar as mãos sentindo a maciez da toalha, pentear os cabelos etc.

Para o treinamento de Orientação e Mobilidade a percepção tátil-cinestésica é de fundamental importância, pois é através dos pés e da ponta da bengala que vão perceber a diferença dos pisos pelas depressões, a natureza das coisas existentes no caminho por onde passam, tais como muros, árvores, portões, meios-fios, gramas, etc.

É importante lembrar sempre que as atividades devem ser trabalhadas partindo das comparações grosseiras até as finas; assim podem aprender os conceitos de leve e pesado, pequeno e grande para então chegar aos diferentes graus destas comparações.

3.3 - Estimulação da Percepção Olfativa e Gustativa

A percepção dos sentidos do olfato e do gosto são também elementos importantes para a orientação e locomoção. Muitas vezes o cheiro de pão, livros, couro, fazenda, podem indicar as proximidades de uma padaria, livraria, de um sapateiro ou de uma casa comercial, servindo, assim, de referência para as pessoas cegas. Um odor pode, portanto, constituir-se, em determinadas circunstâncias, no único fator de orientação para o cego. A pessoa cega ou de visão subnormal deve ser treinada a usar o olfato aprendendo a distinguir os odores dos líquidos que servem como alimentos: vinagre, refrigerante, leite e outros; dos líquidos que servem como limpeza: álcool, detergente e outros; dos cosméticos: desodorante, perfume e outros; dos remédios: leite de magnésia e outros; dos odores dos combustíveis; dos animais; dos aposentos da casa: banheiro, cozinha, garagem e outros; das casas comerciais: padaria, peixaria, açougue etc. (Anexo - nos 19 e 21 ).

É importante também para a criança ou adulto cego ou de visão subnormal conhecer os sabores, pois isto os ajudará a distinguir os alimentos e a selecioná-los, uma vez que não podem fazê-lo pela visão.

O cego deve ser treinado a reconhecer sabores de diferentes espécies como frutas, verduras, bebidas e legumes; identificar sabores como salgado, doce, amargo, ácido etc. Exemplo: a professora colocará em uma vasilha chocolate e em outra coco, para os alunos distinguirem a diferença existente entre os dois sabores.


4 - Domínio sobre a natureza dos Objetos Fixos, Móveis, em Movimento e Natureza do Terreno

4.1- A Natureza dos Objetos Fixos

A criança que vê conhece os objetos enquanto que a criança cega ou de visão subnormal irá fazer o aprendizado através do concreto, manejando uma variedade de combinações e utilizando a percepção tátil. Tanto a criança como o adulto que adquiriu a cegueira apresentam dificuldades, devem explorar o seu meio ambiente desde escadas, portas, janelas, armários etc., começando a inteirar-se com o espaço em que está localizado e qual a distância que existe um do outro, podendo orientar-se através deles. Por exemplo: se caminhar partindo de uma janela, dando as costas a ela, caminhando em linha reta, localizará a escada.

4.2 A Natureza dos Objetos Fixos

Tanto a criança como o adulto cego ou de visão subnormal deve aprender que os móveis de sua casa podem ser mudados de lugar e que essas mudanças são normais; portanto, não podem confiar nestes objetos para a sua orientação. Sempre que um objeto qualquer de sua casa, da casa de amigos etc..., é mudado de lugar, é preciso avisá-lo e mostrar o que foi mudado e em que posição foi colocado evitando, assim, que ao locomover-se encontre objetos diferentes que possam deixá-lo confuso, chegando até a perder-se num espaço conhecido.

4.3 - A Natureza dos Objetos em Movimento

Deve-se dar oportunidade para que os cegos possam explorar os objetos fixos e em movimento. Para que sintam um carro, bicicleta, avião etc., deverão explorá-los quando estão parados e depois usá-los. Deve-se explicar como um objeto em movimento ultrapassa um objeto fixo e como carrega um outro objeto. Deve-se relacionar o movimento de carrinho de brinquedo com o movimento de um carro de verdade, inclusive com o som característico.

Sempre que possível deve-se levar os alunos a um parque de diversões para que sintam as diferenças de movimentos dos objetos existentes.

4.4 - A Natureza do Terreno

É necessário dar aos cegos a oportunidade de perceber os diferentes tipos de terrenos. Desde pequeno quando está brincando em sua casa no quintal, que poderá ter terra e grama, calçada ou assoalho, ele perceberá a diferença. Pode-se incluir terrenos feitos com cimento, asfalto etc., mostrando que há vários outros tipos como: rugoso, liso, áspero, curvo e quebrado. Exemplo: existe uma técnica que se chama seguir diferentes pisos: o aluno localizará um determinado portão usando essa técnica. Digamos que deverá encontrar pela frente uma calçada onde existe também grama, tocando com a ponta de sua bengala ora na grama, ora no cimento da calçada, no momento em que tocar somente o cimento, automaticamente localizará o portão desejado.


5 - Pontos de referência

O ponto de referência "é uma característica conhecida no ambiente que o cego pode utilizar para orientar-se, lhe permite mover-se e caminhar com confiança em certas direções do ponto de referência", conforme BARRAZA,1988.

Existem dois tipos de pontos de referência. Um é aquela referência que é inevitável como uma esquina, degraus, mudança de superfície na calçada etc. A outra, são aqueles pontos de referência que os cegos têm que encontrar, e compreender para que servem, pois são essenciais quando estão caminhando. Um ponto de referência deve ter uma característica própria que o distingue dos outros objetos e que são permanentes ao meio ambiente.

Podem ser observados por características táteis, olfativas e auditivas, e têm o propósito de manter a relação de distância, espaço, direção, caminhar em linha reta, orientar-se em uma área. Ter conceito de objetos fixos e móveis, facilidade de localizar sons, familiarizando-se com os pontos de referência, é de fundamental importância.


6 - Índices

O que é índice?

Um índice é diferente de um ponto de referência no sentido de que não é permanente, um índice dará informações sobre o ambiente e o que está se passando no ambiente", de acordo com a professora BARRAZA,1988.

Tudo que dá informação à pessoa cega pode ser considerado um índice. Por exemplo, um carro que passa à sua frente é um índice auditivo; a informação que esse índice dá é de que está chegando na esquina. A própria brisa é um índice percebido através do tato, que pode ser sentido também quando se chega em uma esquina, onde a brisa torna-se mais forte. Também existe o índice percebido pelo olfato, quando a pessoa cega pode localizar uma casa de mel ou uma loja de tecidos.

Todos os índices, em um momento podem estar presentes, e em outro momento não, por isso o índice não é permanente.

Através do índice a pessoa cega terá habilidade de perceber objetos, de interpretar a diferença que existe entre o tráfego de carro e de pedestres, de localizar sons, noções de espaço e distância.

Os pontos de referência e os índices sempre estão presentes, de um modo ou de outro na vida de uma pessoa cega, principalmente na daquele que já é independente.


7 - Postura

Uma boa postura é um dos pré-requisitos para o treinamento de Orientação e Mobilidade; portanto, deve ser trabalhada anteriormente, sendo função específica do professor de Educação Física ou do Fisioterapeuta, com a colaboração do professor da sala de aula. Para que haja um trabalho de reeducação postural, a pessoa cega ou de visão subnormal deve estar motivada, o desejo de melhorar deve vir de dentro do deficiente. Não é fácil motivar uma pessoa sem a visão a manter uma boa postura, porque ela tem medo de movimentar-se e não tem o conhecimento do seu ambiente, é importante que fique familiarizada com o ambiente escolar.

O que se reflete na postura do indivíduo, exercendo um profundo efeito sobre o sistema nervoso, são as emoções: tronco muito rígido, movimentos de marcha também rígidos, tensão exagerada dos músculos.

O que favorece o crescimento e desenvolvimento dos ossos e músculos, são as boas condições de saúde, particularmente em relação à nutrição e ao sono, oportunidade de movimentar-se livremente, coordenação de movimentos.


8. Formação de Conceitos na Cegueira Congênita

De acordo com a professora CURI. 1982, apresentamos as definições abaixo:

  • Conceito: "Um conceito é uma imagem mental de algo, formado pela generalização da percepção".

  • Percepção: "É a impressão de um objeto obtido somente através do uso dos sentidos".

  • Formação de Conceitos: A formação de conceitos dos cegos congênitos se dará por meio de lembranças adquiridas somente pelo uso dos sentidos remanescentes. A pessoa cega precisa saber desenvolver estes sentidos restantes e organizar sua percepção central de maneira que consiga receber e pôr em ordem todas as informações úteis. É necessário que seja ensinado a fazer tudo isso desde o nascimento, passo a passo. As crianças cegas que têm mais oportunidades de aprendizagem, com experiências de vida variada e que observam melhor o meio ambiente, adquirem um bom desenvolvimento cognitivo.

  • Imagem Corporal: "É o conceito individual de seu corpo, e de suas partes. O conceito envolve o conhecimento de:
    a) a estrutura física do corpo e de suas partes;
    b) os movimentos e funções do corpo e de suas partes; e
    c) a posição do corpo e de suas partes com relação entre si, e com outros objetos.

Esse conceito forma uma base para a aquisição de um autoconceito adequado", conforme CAPON,1989. Uma criança normal através da movimentação de seus membros começa a perceber os contornos de seus braços, pernas e partes do meio ambiente próximos a ela. É de fundamental importância que as crianças sem visão conheçam todo o seu corpo, usando as mãos para explorar a cabeça, os ombros, os pés e as outras partes, sentindo os movimentos. Portanto, elas deverão não só ser estimuladas com as próprias mãos, como também com uma toalha felpuda ou com travesseiros ao seu redor para que sintam o seu corpo através do tato. Deve-se encorajá-la a explorar o espaço físico para que comece a engatinhar, despertando assim o interesse em locomover-se, pois são comportamentos que facilitarão o conhecimento de todo o seu corpo e funções.

Aproximadamente aos 2 anos de idade, a criança não somente sente que seus membros e seu corpo podem ser usados de muitas maneiras inconscientemente, mas também estará desenvolvendo a capacidade de falar e pensar sobre seu corpo, seus movimentos e seu relacionamento com conhecimentos do ambiente e objetos.

Os pais falando constantemente das partes do corpo despertam na criança que cada uma delas tem um nome e que pode ser controlado. É através dos movimentos que desenvolverá as habilidades que são muito importantes como: para encontrar um objeto fixo terá que usar todo o seu corpo no espaço, deslocando-se até ele e explorando-o com as mãos; para os objetos móveis, no entanto, o reconhecimento será feito somente através do toque, sem necessidade de deslocar-se.

  • Conceito corporal - é adquirido através da aprendizagem; a pessoa tem a compreensão intelectual de seu corpo.

  • Esquema corporal - é saber localizar as diferentes partes de seu próprio corpo, quando em movimento ou em posição parada. É saber localizar primeiro em si e depois no colega, tocando com a mão direita e depois com a esquerda. O conhecimento do esquema corporal é o pré-requisito básico para a aprendizagem da locomoção independente.

O esquema corporal difere da imagem corporal e do conceito corporal por ser inteiramente inconsciente e mudar a todo instante. Um simples movimento depende do esquema corporal; sem ele o deficiente é incapaz de andar, sentar-se, inclinar-se, executar movimentos coordenados, equilibrar-se. O equilíbrio de uma pessoa depende de seu esquema corporal. Uma vez formado o seu esquema corporal, poderá relacioná-lo com o esquema corporal dos outros. Qualquer perda de orientação do próprio corpo provoca uma perda de orientação em relação ao corpo dos outros, como por exemplo embaixo, em cima; esquerda, direita; frente, atrás. Uma falha de integração das vias de percepção acarreta impedimentos na percepção do próprio mundo, dificultando assim a capacidade de adaptação ao meio ambiente. O esquema corporal é derivado de experiências táteis e sensações que nascem do corpo.


9. Orientação e Mobilidade para crianças cegas ou de Visão Subnormal

Algumas crianças são bem mais ativas que outras, são mais interessadas, adquirem com maior facilidade qualquer atividade que lhes são atribuídas. Para iniciar o curso de Orientação e Mobilidade a criança deverá ter responsabilidade (saber o que pode e o que não pode fazer), aceitação da bengala, desenvolvimento das destrezas sensoriais, fundamentais para ìnterpretarem e utilizarem informações do meio ambiente na realização dos movimentos, a audição para saber se localizar, enquadrar etc., o tato para diferenciar diversas texturas e temperaturas e o olfato para localizar determinadas lojas, farmácias etc.; ter consciência do seu corpo, do espaço, do meio ambiente e da comunidade, como já citado anteriormente.

Para que adquira consciência do espaço e do meio ambiente é necessário que a levem a passeios em parques, shopping, caminhar pelas ruas e, principalmente, explorar a sua própria casa.

E para que a comunidade tenha consciência da criança cega ou de visão subnormal, visitar correios, bancos, lanchonetes, restaurantes, supermercados, para que a mesma possa deslocar-se dentro deles. Os pais podem dar objetos para que seus filhos explorem, sintam as diferenças, percebam grande ou pequeno, frio ou quente, e assim sucessivamente. Como as crianças cegas não podem observar quem os rodeia, poderão ficar atrasadas no seu desenvolvimento de uma maneira geral.

A Orientação e Mobilidade começa desde o nascimento, quando se trata de uma criança deficiente. Seja qual for a sua deficiência, os pais devem ser orientados em como proceder, mas na grande maioria das vezes isso não acontece; geralmente quando descobrem que o filho tem algum problema já se passaram muitos dias, talvez meses ou anos.

Em primeiro lugar, a criança deve ser aceita pelos pais, e educada do modo mais natural possível, para que o seu desenvolvimento seja favorável e corresponda às suas necessidades.

Uma criança que vê possui estímulos porque ela está vendo tudo que existe ao seu redor. A criança cega ou de visão subnormal deve ser muito mais estimulada, para que consiga desenvolver suas habilidades, e quanto mais cedo ela adquirir a confiança que lhe permita movimentar-se livremente, mais rapidamente conseguirá localizar-se no ambiente e formar conceitos sobre o mundo que a rodeia.

O objetivo da Orientação e Mobilidade é fazer com que o indivíduo seja o mais independente possível. Na vida de uma criança cega, desde muito cedo, deve-se levá-la a sentir esta sensação de independência, pois geralmente nesta idade são mais abertas e aceitam com mais facilidade idéias novas. Descobrindo que se usar a bengala poderá explorar os caminhos e proteger-se dos perigos, possibilitará o desenvolvimento de sua autonomia. Movimentando-se só e não necessitando da ajuda de ninguém, todos irão observar que é capaz. Começarão a tratá-la com mais respeito, e o fator mais importante é que poderá romper certos preconceitos relacionados à cegueira. Outro fator significativo que irá facilitar e manter a integração social, será através da comunicação verbal, onde poderá solicitar ajuda e fazer perguntas quando for necessário.

Com o desenvolvimento de sua independência e liberdade de movimentos através da Orientação e Mobilidade, produz-se um crescimento e evolução da personalidade da criança cega ou de visão subnormal.

Portanto, o trabalho de Orientação e Mobilidade com estas crianças deve ser coordenado por uma equipe composta de um instrutor de Orientação e Mobilidade, uma professora de deficientes visuais, os pais, um terapeuta ocupacional, um fisioterapeuta e um professor de Educação Física. O objetivo dessa equipe é de estudar uma maneira prática de como ajudar a criança no treinamento de Orientação e Mobilidade. Todos os profissionais e também os pais, devem estar envolvidos nesse plano de trabalho, porque a criança recebe as instruções na escola e deverá ter continuidade em casa, para que os objetivos sejam alcançados.

Neste plano de trabalho a criança desenvolverá as destrezas sensoriais, terá consciência do seu corpo, do espaço, do meio ambiente e da comunidade como já foi citado anteriormente.

Em relação aos pais, alguns superprotegem os seus filhos chegando às vezes a sufocá-los, outros não se preocupam deixando-os em um canto da casa, não esperando nada deles, uma vez que sendo cegos não irão aprender nada. Tanto aquele que é superprotegido terá dificuldades de desenvolvimento, porque a família faz tudo por ele, quanto o abandonado por não ter tido oportunidades de participação. Na maioria das vezes precisa-se trabalhar tanto a criança como os pais para que se consiga atingir os objetivos desejados.

Para alguns Pais a Orientação e Mobilidade representa um perigo muito grande para seus filhos, por isso é preciso mostrar a eles o enfoque principal do programa, ajudando-os no seu desenvolvimento e progresso, estimulando-os a explorarem e integrarem-se com o meio ambiente, apreciando-os como um indivíduo e aprendendo a entender suas diferenças e limitações, conversando muito e dando-lhes carinho e atenção na medida certa. Os pais devem sentir-se como membros importantes dentro desta equipe, tendo o direito de participação. Se houver algum desacordo entre os pais e os profissionais, estes devem justificar o programa e convencê-los de que é tão importante como benéfico.


9.1 - Instrumento Anterior à Bengala

Para as crianças cegas que ainda não têm controle e coordenação de movimentos para manejar a bengala, pode-se adaptar alguns instrumentos para que comecem a desenvolver conceitos adquirindo bons hábitos e confiança com mais rapidez.

Um dos instrumentos que obtiveram melhores resultados foi o arco usado para fazer ginástica.

Juntando as duas partes do arco e amarrando-as, ele toma o formato de uma raquete grande; a criança deverá segurá-la com as duas mãos. Coloca-se à frente do corpo ficando a parte maior da raquete no solo; não há necessidade de levantá-lo muito, pois se desliza com facilidade sobre a maior parte das superfícies e permite trocar de direções sem causar frustrações. Não requer nenhuma coordenação mão-pé para usá-lo. É um material simples, fácil de manejar, de baixo custo e de facilidade para encontrar no comércio.

Em condições normais, o arco protege todo o corpo sem ter que efetuar movimentos laterais e amortece os impactos com sua ligeira elasticidade. Isto reduz os golpes que recebem tanto a criança que o utiliza como as pessoas que estão ao seu redor.

O arco poderá ser introduzido durante as aulas de Educação Física para brincar, rolar, pular, fazer ginástica. Em seguida, poderão juntar as partes segurando com as duas mãos, colocando à frente do corpo e começando a andar e correr; assim sentem-se seguros e protegidos. Podem ser usados na escola para os momentos de lazer, ou mesmo para se locomoverem de uma sala a outra, pelo refeitório, banheiro, pátio. Esta raquete é indicada principalmente para a zona rural pela facilidade de manejar e deslizar sobre terra, grama, carreadores, pastos. A criança começa a gostar e aos poucos vai surgindo a aceitação pela bengala.


10. A Relação entre a Educação Física e Orientação e Mobilidade

Durante toda a vida da pessoa cega ou de visão subnormal a Orientação e Mobilidade será sempre um meio de integração social.

A Educação Física propicia um desenvolvimento global e harmônico, oferecendo-lhe condições básicas para sua normalização e integração social. Através de exercícios físicos é que o indivíduo cego ou de visão subnormal irá fortalecer sua autoconfiança, desenvolvendo-se física, psíquica e mentalmente. Praticando atividades físicas regularmente, ele se tornará mais seguro e independente, favorecendo-lhe boas condições de saúde, um bom físico, levando-o a uma boa postura, tornando-se mais naturais os movimentos do corpo, adquirindo boas maneiras ao sentar, conversar, caminhar etc., facilitando assim a sua locomoção.

Em função da natação ser um dos esportes mais completos e por trazer prazer e despertar interesse, é de fundamental importância para os deficientes visuais, porque é através da natação que terão o domínio do próprio corpo, haverá um aumento da autoconfiança, interesse pela atividade, autonomia, concentração, participação ativa.

Qualquer atividade física, tendo uma boa orientação do professor de Educação Física, além de todos esses benefícios, irá também ajudar na descontração e relaxamento, que é essencial para a coordenação dos movimentos durante o treinamento de Orientação e Mobilidade. Portanto, a Educação Física não deixa de ser uma preparação para a Orientação e Mobilidade.


11 - Relacionamento entre Pessoas Cegas e Pessoas com Visão Normal

Durante o treinamento do curso de Orientação e Mobilidade, o instrutor deve sempre dialogar com os alunos sobre as dificuldades que encontrarão no relacionamento com pessoas de visão normal, principalmente depois de terem concluído o curso. Uma das dificuldades é que as pessoas não conhecem o trabalho feito com o indivíduo cego e pensam que ele deve ser ajudado sempre e em todas as situações.

Através da divulgação, deve-se mostrar às pessoas, que o cego também tem o direito de ser independente, de ser aceito pela sociedade. O cego é uma pessoa normal, somente não enxerga, e o objetivo do treinamento é fazer com que ele caminhe só em qualquer ambiente, ande de ônibus, estude em uma escola normal e trabalhe como qualquer indivíduo, de uma maneira segura, eficiente e graciosa.

Os alunos, principalmente os que já terminaram o curso, têm encontrado dificuldades para se locomover, pela ajuda recebida inadequadamente. Cabe à sociedade aprender a conviver com ele, respeitando-o como todo ser humano merece ser respeitado, fazendo-o acreditar em si mesmo e encarando a vida com altivez.

A maioria das pessoas pensa que o cego não pode fazer nada, deve ficar só dentro de casa, que é um absurdo o cego caminhar nas ruas, trabalhar, enfim ter uma vida normal dentro de suas limitações.

A primeira atitude das pessoas ao encontrar um cego na rua, é de pena, dó, admiração, querem ajudar de qualquer maneira; como não sabem, puxam pelo braço ou bengala, quase arrastando-o para o outro lado da rua, sem saber exatamente qual o seu destino. A partir do momento que o cego sair de seu trajeto, será muito difícil encontrá-lo novamente sozinho. As pessoas que querem ajudá-lo, por exemplo, numa travessia de rua, devem chegar naturalmente e perguntar se necessita de ajuda; em caso positivo, simplesmente oferecer o braço, que ele deverá segurar um pouco acima do cotovelo, ficando de meio a um passo atrás do guia pois que pelo movimento do seu corpo, saberá o que fazer. Se o encontrar no ponto de ônibus, pergunte-lhe que ônibus vai tomar e, se seu ônibus chegar primeiro que o dele, passe a tarefa para outra pessoa que esteja no ponto. No momento de subir ou descer do ônibus, deixe-o só, ele saberá como fazer. Para descer ou subir uma escada, se houver corrimão, diga-lhe em que lado está; do contrário, ele localizará o meio da escada. Se o encontrar com dificuldades diga-lhe as direções da forma mais clara possível, de acordo com a direção que ele segue, direita ou esquerda.

O instrutor deve orientar os alunos para que não aceitem ajuda de qualquer maneira, pois a sua independência é a sua segurança, e as pessoas encontradas no seu dia-a-dia, não são obrigadas a saber como conduzi-los, são eles próprios que devem passar as instruções adequadas para tal, de uma maneira bem clara, educada e precisa, para que não ocorram transtornos, nem por parte do cego e nem da pessoa que está ajudando. Desta maneira, aos poucos, as pessoas vão compreendendo melhor o portador de deficiência visual total, oferecendo trabalho e integrando-o na sociedade.

Portanto, sempre que surgir oportunidade, o instrutor junto com seus alunos deverá dar entrevistas para televisão, rádio, jornal. É um trabalho que deve ser feito constantemente, pois quanto mais houver divulgação, melhor será para o trabalho e também facilitará a locomoção do cego. Deve-se fazer também palestras em escolas, igrejas, universidades, quartéis etc.

A primeira sementinha foi plantada e já estamos colhendo os frutos desse trabalho. Durante o trabalho do aluno na rua, algumas pessoas interrompem, dizendo que assistiu a entrevista na televisão e que agora já sabem como se comportar perante uma pessoa cega e que esse trabalho é uma tarefa difícil, mas muito gratificante; outras perguntam como o trabaIho é feito, como os cegos conseguem atravessar a rua ou localizar uma loja; percebe-se que as pessoas começam a se interessar pela locomoção do portador de deficiência visual total.

Um dia um senhor de idade abordou-me na rua e me perguntou como o aluno conseguiu atravessar a rua e caminhar tão bem só; depois de algumas explicações ficou muito feliz por seus olhos serem perfeitos e comentou que tinha melhorado o seu ânimo.

Já os alunos comentam que são inúmeras as pessoas que perguntam se precisam de ajuda e logo em seguida já vão oferecendo o braço para a travessia. Outras, observam-nos sozinhos e perguntam curiosos como conseguem locomover-se tão bem e executar uma travessia com segurança. Isto faz com que o cego se torne mais confiante e seguro para integrar-se na comunidade. (Anexo)


11.1 - Como ajudar uma pessoa cega a atravessar ruas

  1. Pergunte antes se a pessoa cega quer ajuda. Ao mesmo tempo, dê um leve toque no braço dela.

  2. Ofereça então o seu braço. O cego irá segurar um pouco acima do cotovelo, e ficará de um a meio passo atrás do ajudante. Ele está treinado para isso.

  3. Procure sempre atravessá-lo em linha reta para que não perca a noção de espaço e assim alcance mais rapidamente o meio-fio do outro lado.

  4. Não se preocupe com o meio-fio. A pessoa cega vai identificá-lo com a bengala, antes que você o avi-se.


12 - Relatos

Para as pessoas cegas ou de visão subnormal, a Orientação e Mobilidade significa libertar-se do auxílio de terceiros, tornando-se cada vez mais independentes.

A partir do momento em que estão preparados para a sua independência, quase nada lhes trará transtornos. Usando os sentidos, principalmente a audição e o tato, o dia-a-dia torna-se mais agradável e ativo, porque irão conseguir desenvolver suas atividades de uma maneira mais fácil e ágil.

Ao contrário do que se imagina, para eles, os postes, árvores etc., encontrados nas calçadas são obstáculos que na verdade lhes dão pontos de referência. Através desses pontos de referência podem encontrar muitas coisas desejadas.

Portanto, se você conhece uma pessoa cega que ainda não procurou nenhuma Instituição especializada ou não fez o Curso de Orientação e Mobilidade, oriente-o para fazê-lo pois a sua vida tornar-se-á muito mais agradável e ele poderá se locomover em todos os lugares.

12.1 - Primeira Experiência com Criança em Orientação e Mobilidade

A minha primeira experiência com criança em Orientação e Mobilidade foi em 1994, a qual tinha 9 anos, e seu diagnóstico era fibroplasia retrolental. Estava tão ansiosa para começar o treinamento que mal podia esperar. Como era uma criança que praticamente estava pronta, tanto nas áreas de destrezas sensoriais, desenvolvimento de conceitos, desenvolvimento motor, e por ser uma criança com muitas expectativas, inteligente e com muita boa vontade, o seu treinamento foi iniciado.

Em quase todas as aulas perguntava sobre sua bengala e queria vê-la. Nas primeiras técnicas com uso da bengala, ficou tão feliz que caminhava sorrindo, já queria voltar para casa com ela. Para que não se frustrasse, foi sugerido que levasse a bengala para mostrar aos seus pais e irmão e que na aula seguinte teria que trazê-la. Conversávamos muito, e ela percebeu que teria que enfrentar muitas dificuldades pela frente, que deveria ter paciêncìa, porque usar a bengala não é sair andando de qualquer maneira, pois pode ser muito perigoso, teria que ter muita responsabilidade.

A sua vontade de aprender era tanta que em determinados momentos já ia executando a técnica sem nenhuma dificuldade e a sua ansiedade era tâo intensa, que chegava a atrapaIhar. Tinha um irmão menor sem problemas visuais, seus pais os educaram igualmente, sem discriminação, sem preconceito, sem protecionismo. É uma criança que exige muito de si, em todas as suas atividades, se comete um erro fica nervosa.

Começou a frequentar a Instituição quando tinha 6 anos, sua atitude era fazer perguntas constantemente.

Quando passamos a fazer o treinamento no centro da cidade, as pessoas a observavam e faziam comentários admirados por verem uma criança cega andando nas ruas movimentadas.

Toda e qualquer criança que conseguir chegar ao final do Curso de Orientação e Mobilidade, não quer dizer que esteja apta para todos os percursos, poderá fazer alguns caminhos curtos no seu dia-a-dia, e nos demais fará sempre acompanhada de uma pessoa adulta até que atinja a sua maturidade, quando os pais já não precisarão se preocupar mais.


12.2 - Relatos de Alunos

12.2.1.

"Meu nome é S. L. S., sou casada, tenho 37 anos.

Quando tinha 18 para 19 anos, na manhã de 9 de setembro de um ano qualquer, acordei de manhã e notei que não estava enxergando direito, conseguia ver apenas vultos. Não entendi o que estava acontecendo, mesmo assim fui para o trabalho. Não consegui trabalhar. Desde então o quadro foi se agravando. Fui aconselhada a procurar um médico que, a princípio, não sabia o que era, e comecei a fazer um tratamento.

Depois de 3 anos de tratamento, um outro médico descobriu que eu tinha descolamento de retina. Ao longo de 7 anos de minha vida passei isolada do mundo entre lamentações e sem vontade de viver.

Até que conheci a Loide que veio a ser minha amiga; ela é evangélica e convidou-me para fazer um estudo bíblico. Deste momento em diante comecei a ver a vida com outros olhos. Você poderá me perguntar: Como assim? e eu te respondo. Sempre eu pedia para Deus que eu queria voltar a enxergar de qualquer maneira, porém não era atendida. Então decidi pedir a Deus que me ajudasse a viver sem enxergar. Comecei a tentar fazer as coisas sem ver, comecei a sair um pouco de casa com a Loide e fazer amizades, afinal de contas eu estava viva, só que aquilo era pouco para mim, eu queria mais, mais e mais. Um dia, conversando com uma vizinha, seu nome é Benedita, perguntei se ela não conhecia nenhuma escola que pudesse ensinar uma pessoa deficiente visual a se adaptar na sua condição. Ela me disse que não, mas iria se informar na APAE, pois ela tinha um filho que estudava lá. No outro dia quando a encontrei, fiquei feliz da vida, pois ela trouxera para mim o endereço do Instituto dos Cegos. Como eu iria até o Instituto eu não sabia, pois conversando com o meu pai ele desaprovou completamente a minha ida até lá.

Então pedi à Loide para que ela me acompanhasse; lá chegando, a diretora Neusa levou-me para mostrar o atendimento. Conheci uma aluna que se chamava Shirlei, ela é deficiente visual total e sabia fazer sacolas de barbante. Pensei comigo, se ela faz isso e não vê eu também posso fazer. Aquilo tudo me deixou extremamente empolgada, eu queria mais do que depressa começar a estudar lá.

Que pena, apenas 3 dias a Loide pôde me acompanhar, depois ela não pôde mais. Isto foi em 1983.

Depois de 2 anos, em abril de 1985 retornei ao Instituto. Voltei decidida a estudar, ou melhor, estudar não era bem o termo, eu queria trabalhar, eu queria crescer. Fui alfabetizada no Braille e aprendi a matemática no Sorobã. Permaneci como aluna durante 1 ano. Depois surgiu uma vaga de merendeira no próprio Instituto, então comecei a trabalhar. A professora de Educação Física, Rosa Maria foi fazer um curso de Orientação e Mobilidade no Chile e quando retornou eu fiz o curso, para aprender a andar com a bengala e me tornar mais independente. Este curso é uma das prioridades na vida de um deficiente visual, pois quando aprendemos a andar com a bengala somos livre para irmos onde quisermos; acho que todo deficiente visual deve ter a motivação e iniciativa própria para fazer o curso de mobilidade com a bengala. A bengala representa na vida de um deficiente algo como uma identidade, pois quando estamos com ela temos o respeito das pessoas e igualdade também. O que eu sentia antes de ir para o Instituto e principalmente antes de fazer a Orientação e Mobilidade era uma terrível insegurança em caminhar; hoje com a minha bengala me sinto livre e independente ao caminhar com igualdade com as outras pessoas.

Trabalho no Instituto desde 1986, casei-me com um ex-aluno de visão subnormal. Hoje, depois de superado os obstáculos, além de eu trabalhar no Instituto tenho outros afazeres que nos ajudam no orçamento doméstico. O que eu quis dizer com o relato que fiz é que depende só de nós superarmos ou não os obstáculos, sermos ou não felizes."

 

12.2.2.

"Sou portador de retinose pigmentar em ambos os olhos; trata-se de uma doença congênita que provoca a morte do nervo ótico. Possuo hoje uma visão nula no olho direito e vulto com intensa claridade no olho esquerdo. Tenho também uma deficiência auditiva em conseqüência da retinose pigmentar, já com uma perda de 60% no ouvido esquerdo e 40% no ouvido direito, principalmente não podendo captar sons que sejam agudos, por isso a minha dificuldade de caminhar era muito grande, dependia de um acompanhante. Daí a necessidade de uma reeducação visual para a minha nova condição de vida. Orientado pelo doutor William P. dos Santos, procurei o Instituto Londrinense de Instrução e Trabalho para Cegos onde optei por fazer o curso de Orientação e Mobilidade. No começo foi muito difícil para mim adaptar-me com a bengala mas, aos poucos, com o apoio da minha família e, principalmente, dos meus filhos, resolvi prosseguir o treinamento de Orientação e Mobilidade.

Hoje, já quase concluído o curso, sinto o quanto foi importante na minha vida; tenho uma grande facilidade de deslocar-me fora da minha residência com o auxílio de uma bengala, sempre procurando ajuda de pessoas ao atravessar uma rua complicada, quando necessário.

Para nós que somos deficientes visuais, sugerimos aos que ainda não fizeram o curso de Orientação e Mobilidade, que procurem fazê-lo, pois a sua vida vai se tornar muito mais fácil, principalmente para o seu deslocamento."

12.2.3. "Leia com atenção, acolhendo em seu coração tudo de bom que esse testemunho tem a lhe oferecer.

Oi, meu nome é Maurício, tenho 19 anos e moro em Cambé.

A minha visão já foi perfeita; há três anos enxergava completamente, mas caminhava em erros e mais erros. Não queria saber de estudar nem trabalhar, não dava valor à minha família e nem à minha própria vida, deixando Deus em último plano.

E já iludido a não querer encarar a realidade da vida e querendo me esconder na ilusão da droga, ou até mesmo querendo ser diferente dos outros.

Esse caminho escuro que eu percorria me levou ao cigarro, bebida e à maconha. E essas drogas foram a causa desse acidente.

Numa certa noite lá estava eu em Arapongas num show de Rock in Roll com um litro de bebida na mão, já havia fumado um baseado, e ali comigo estavam alguns colegas. Já era tarde, resolvemos ir embora, então fomos até a rodoviária mas havia uma placa avisando que o ônibus voltaria a circular às 8 horas da manhã.

Resolvemos pedir carona, parou um caminhoneiro, insistimos até convencê-lo a nos trazer a Cambé.

Subimos no caminhão, todos se sentaram no chão eu sentei na carroceria. Já em Cambé o caminhoneiro em alta velocidade subiu num canteiro e, com o impacto, fui jogado para fora, caindo no chão.

Fui parar no hospital, fiquei nove dias em coma, respirando por aparelhos entre a vida e a morte. Jesus maravilhoso libertou minha vida dos laços da morte.

Não corria mais risco de vida e quando voltei a mim, percebi que não estava enxergando. Imagine eu ali naquela situação pedindo baseado e cigarro para enfermeiras, mas é claro que elas não iam fazer aquela minha vontade. Os dias foram se passando e meu organismo foi se desacostumando daqueles vícios.

Fiquei dois meses naquele hospital, o médico me deu alta, voltei para minha casa. Estava cego, mas Jesus maravilhoso fez com que eu percebesse a luz e me deu esperanças de voltar a ver novamente.

Os dias se passaram e minha visão pouco melhorava, eu estava revoltado, não aceitava o que tinha acontecido comigo. Mais tarde surgiu um convite para fazer um encontro da Renovação Carismática Católica. No encontro Jesus me tocou profundamente e aliviou todo aquele peso que havia sobre mim e me libertou de toda aquela revolta, só assim consegui perceber as maravilhas que Jesus realizava em minha vida. Estava indo tudo bem até que apareceu uma úlcera de córnea, que perfurou o meu olho; fui ao médico, ele examinou e me disse que precisaria de uma cirurgia urgente que é tudo ou nada, "vou fazer mas não posso lhe garantir nada, somente Deus pode". E Deus tudo pode mesmo e eu pensei e confiei.

No dia seguinte ele veio com a notícia que havia corrido tudo bem, mas a visão ele não garantiu e me deu alta. Voltei para casa, fiquei na cama de repouso, cego novamente, eu clamava a Jesus pedindo que não me deixasse no escuro.

Por intercessão de Nossa Senhora, Jesus providenciou que eu percebesse a luz. Depois de um tempo voltei ao médico e ele me disse: "Seu olho melhorou mais do que eu esperava".

Eu disse que estava percebendo a luz, ele ficou impressionado.

Eu estava cego, agora percebo a luz, estou feliz e mais ainda por conhecer a luz verdadeira que é Jesus.

Depois de todo esse acontecimento, com um pouco de visão fui encaminhado ao Instituto para Cegos.

Lá conheci pessoas com força, coragem e vontade de vencer.

Isso me incentivou, estou fazendo aulas de Orientação e Mobilidade e com letras ampliadas vou voltar a estudar."


ANEXO

Relacionamento com Pessoas Cegas

  1. As pessoas cegas são iguais a todos os outros indivíduos, somente não podem ver; portanto, elas também são interessadas em saber o que você gosta de ver, ler, ouvir e falar.

  2. A pessoa cega não é inútil e nem incapaz. Deixe-a realizar o que ela sabe, pode e deve fazer sozinha. Não sinta pena dela, ela somente necessita de oportunidades.

  3. Quando a pessoa cega estiver acompanhada, dirija-se diretamente a ela identificando-se; ela somente não vê, mas não é surda e terá condições de compreendê-lo.

  4. As pessoas cegas podem consultar o relógio, discar o telefone, assinar o nome etc.; portanto, não fiquem admirados. Com treinamento ela será tão capaz quanto a pessoa que vê.

  5. Se você encontrar uma pessoa cega fazendo compras sozinha ofereça a sua ajuda, para ela é muito difícil localizar o que precisa e verificar preços. Com certeza ela agradecerá a sua atenção.

  6. Se uma pessoa cega quiser ajudar você colaborando de alguma maneira, não fique constrangido, ela não é tão incapaz que não tenha algo para dar.

  7. Quando você se oferecer para ajudar uma pesoa cega a atravessar uma rua não a desoriente cruzando a rua em diagonal, efetue um cuzamento em L, é mais seguro, inclusive para você.

  8. Quando você está passeando com uma pessoa cega que já está acompanhada, não fique dando avisos e nem puxando-a, deixe-a ser orientada somente por seu acompanhante.

  9. Nunca você deve empurrar ou levantar uma pessoa cega no omento de subir ou descer do ônibus ou escadas. Basta orientá-lo colocando sua mão na alça vertical do ônibus ou no corrimão da escada.

  10. Para ajudar uma pessoa cega a sentar-se basta que você coloque sua mão no encosto da cadeira, que isso lhe indicará sua posição.

  11. Preste atenção ao indicar "à direita", "à esquerda"; no momento de ajudar uma pessoa cega, tome como referência a posição dela e não a sua.

  12. Onde existe uma pessoa cega procure manter as portas bem abertas ou bem fechadas. A porta meio aberta é um obstáculo de perigo para ela. E procure também não deixar objetos jogados pelo chão onde ela costuma passar.

  13. Quando for passear com uma pessoa cega de carro, no momento de fechar a porta nunca se esqueça de observar de que não vai lhe prender os dedos: eles são muito preciosos.

  14. Todas as vezes que você entrar em um ambiente onde tenha uma pessoa cega, não deixe de falar; isso anuncia a sua presença e a auxilia a identificá-lo.

  15. Nunca deixe uma pessoa cega falando sozinha; se tiver que ausentar-se, avise-a. E avise-a também quando retornar.

  16. Todas as vezes que encontrar uma pessoa cega nunca deixe de apertar a sua mão e fazer o mesmo no momento de despedir-se. O aperto de mão substituirá seu sorriso amável.

  17. Procure não esquecer de apresentar o seu visitante cego às pessoas presentes, assim irá facilitar a sua integração ao grupo.

  18. Se houver alguma incorreção no vestuário de uma pessoa cega, não se constranja em avisá-la. Fique certo de que ela lhe agradecerá.

  19. Quando uma pessoa cega anda sozinha, está alerta em todos os sentidos remanescentes; procure não ficar chamando sua atenção, pois ela poderá ficar nervosa e desorientar-se.

  20. Não pense que o pedestre cego precisa estar contando os passos para localizar lojas, casas etc., pois ele é treinado para isso.

  21. A pessoa cega poderá se localizar através de saliências, depressões, ruídos e até odores, tudo ela observa para sua boa orientação.

  22. Se você conhece uma família que tem um bebê com problemas visuais, oriente para que o leve a uma instituição especializada; quanto mais cedo o bebê for estimulado, mais rápido conseguirá superar suas dificuldades.

 

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Rosa Maria Novi  (Professora de Educação Física / Instrutora de Orientação e Mobilidade)
nasceu em Porecatu - PR. Formou-se em Educação Física, na Universidade Estadual de Londrina; Pedagogia, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Mandaguari; Curso de Pós-Graduação "Latu Sensu" em Educação Especial na Área de Deficiência Visual no Cesulon; Curso de Ensenanza de Ciegos en la materia seguiente: Orientación y Movilidad en La Serena - Chile; Curso de Orientación y Movilidad para personas discapacitadas visuales con impedimentos adicionales en Vina del Mar - Chile. Atua como docente do Curso de Especialização em Educação Especial na Área de Deficiência Visual no Centro de Estudos Superiores de Londrina. É professora de Educação Física no Instituto Londrinense de Instrução e Trabalho para Cegos desde 1981 e Instrutora de Orientação e Mobilidade desde 1988.

 

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Orientação e mobilidade para deficientes visuais
» O sol que faltava em minha vida «
autora: Rosa Maria Novi
edição: 1996

Consultar obra integral aqui.
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13.Mar.2014
publicado por MJA