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RESUMO: Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1997), existem no mundo cerca de 148 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo que dois terços desses casos
determinados por causas que poderiam ser evitadas. Ao se depararem com a perda da visão, os deficientes visuais entram em um processo de diferentes comprometimentos
relacionados com independência, segurança, desenvolvimento de conceitos e inclusão social. Este estudo teve como objetivo investigar a influência do meio líquido na
aprendizagem da orientação e mobilidade (OM) da pessoa com cegueira adquirida, acreditando-se que essa atividade possa propiciar benefícios na aprendizagem desses
indivíduos. Para a realização desta pesquisa, foram selecionadas oito pessoas deficientes visuais, com cegueira adquirida, com idades entre 30 e 50 anos, todas
concluintes do programa de OM do IBC. Destas, quatro são praticantes de natação e quatro são não praticantes de atividades no meio líquido. Assim, pretende-se construir
um novo posicionamento em relação à realidade da influência do meio líquido na aprendizagem de OM das pessoas cegas. Concluiu-se, então, que o meio líquido é o elemento
facilitador preponderante na aprendizagem da OM, oportunizando ao profissional de OM um novo posicionamento em relação à realidade da influência deste na aquisição da
autonomia das pessoas com deficiencia visual, e, consequentemente, possibilitando ainda um enriquecimento na literatura junto à comunidade científica.
Introdução
Em um mundo onde os símbolos, ícones, ganham cada vez mais penetração na comunicação, tornando-o cada vez mais orientado visualmente, a perda da visão traz consequências
de limitações de independência e locomoção para o indivíduo. Faz-se necessário reabilitar esse indivíduo para amenizar essas limitações por meio de uma aprendizagem
especifica denominada orientação e mobilidade (OM). Tal aprendizagem tem como objetivo colaborar para que a pessoa utilize melhor seus sentidos remanescentes,
reconquistando sua autonomia, confiança e independência, enfrentando sua nova condição, sendo um fator preponderante para a qualidade de vida e a autoestima.
O processo de reabilitação no Instituto Benjamin Constant (IBC) possibilita à pessoa com deficiência visual superar ou minimizar perdas pessoais por meio de um trabalho
multidisciplinar que incentiva a participação no processo socioeconômico do país.
Além de OM, o IBC oferece ao reabilitando várias atividades, como: atividades da vida diária, leitura e escrita através do Sistema Braille, escrita cursiva, inglês
básico, habilidades básicas, música, teatro, artesanato, cerâmica, atividades físicas, atendimento social e psicológico e informática.
A OM é fundamental para a interação do indivíduo com o ambiente. Pode ser a conquista da autonomia e um dos caminhos para a independência. Quanto mais pessoas conhecerem
condutas e procedimentos adequados em relação à OM, mais naturalidade teremos no convívio com as pessoas deficientes visuais. É desta forma que compreendemos e
contribuímos para o processo de transformação e inclusão social. (FELLIPE, 2001, p. 4)
O programa de OM desenvolve-se por meio de um aprendizado específico, levando o deficiente visual a descobrir pistas corretas sobre onde está, por onde deve ir e como
reconhecer os vários locais em que vive. Na OM, os deficientes visuais conquistam sua independência, tornando-se pessoas conscientes, ativas, reflexivas, críticas e
preparadas para desempenhar seus papéis pessoais e sociais (FELIPPE; FELIPPE, 1997).
Em paralelo às atividades oferecidas, o IBC dispõe, em suas aulas de Educação Física, também oferecidas aos reabilitandos, o aprendizado do domínio corporal por meio de
atividades lúdicas e esportivas, servindo como importante elemento no desenvolvimento geral, aumentando o potencial de experimentação corporal de situações de
aprendizagem e de aquisição de conceitos básicos de orientação e mobilidade, melhorando a autoconfiança, a autoiniciativa e a autoestima, e atuando como elemento
facilitador de um desenvolvimento motor adequado e propiciador de situações de interação social.
Os benefícios gerais dessa atividade física no meio aquático são evidentes, tanto para o normovisual (pessoa que enxerga) como para quem é deficiente visual. A
possibilidade de interagir com um meio não terrestre viabiliza independência de movimentos, segurança e, principalmente, melhoria da autoestima.
Na natação, são geradas diferentes formas de estímulos, tanto motores e táteis quanto visuais, auditivos, verbais, entre outros, constituindo um alicerce básico no
desenvolvimento da Educação Física para o deficiente visual, segundo Menescal (2001). A natação favorece o desenvolvimento da pessoa cega e contribui para a melhoria do
conhecimento corporal e cinestésico, deixando o indivíduo mais à vontade para descobrir e explorar seu corpo.
Em função desse quadro, no presente estudo questiona-se a eficiência da prática da natação, para alunos reabilitandos do IBC, na aquisição da aprendizagem dos
conhecimentos básicos do atendimento de OM.
Metodologia
A pesquisa foi desenvolvida no IBC, órgão de administração direta do Ministério de Educação e Cultura (MEC), situado no município do Rio de Janeiro, na Urca, que atende
uma clientela variada dentro das ramificações patológicas referentes à cegueira e à deficiência visual.
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário com cinco perguntas abertas e 20 fechadas, formulado pela responsável da pesquisa. Ele foi norteado pela ficha
de entrevista de atendimento de OM do IBC e do programa para o desenvolvimento da aprendizagem de OM de Felippe e Felippe (1997). Foi aplicado em oito alunos de
reabilitação do IBC. Todas as entrevistas foram feitas em ambientes reservados, dentro do IBC, mantendo a concentração dos entrevistados.
Foram entrevistados oito alunos reabilitandos com cegueira adquirida, na faixa etária entre 30 e 50 anos, que já concluíram o programa de OM no Instituto. Dos
selecionados para a entrevista, quatro são praticantes de natação e quatro não praticavam essa atividade. A opção por um número relativamente pequeno de entrevistados foi
feita em função do enfoque qualitativo da pesquisa.
Resultados
O estudo foi dividido em duas categorias: a dos alunos concluintes de OM não praticantes de natação (categoria A) e a dos alunos de OM praticantes de natação (categoria
B). Dessa divisão surgiram subcategorias, que foram subdivididas da seguinte forma: A1; A2; A3; A4, para os não praticantes de natação, e B1; B2; B3; B4 para os
praticantes de natação.
Tabela 1. Categorização dos alunos
Não Praticantes de Natação
|
Praticantes de Natação
|
Categoria (A)
|
Categoria (B)
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n = 4
|
n = 4
|
A1 A2 A3 A4
|
B1 B2 B3 B4
|
Primeiramente, serão listados os resultados dos alunos concluintes de OM não praticantes de natação.
Questão 1. Sugestões para um melhor desempenho na aprendizagem da OM.
O entrevistado A1 chamou a atenção para o fato de sentir conforto e certa segurança ao praticar aulas de hidroginástica quando enxergava. Relatou que não sabia nadar e
que mesmo assim se sentia seguro na água e conseguia acompanhar a turma nos exercícios sugeridos pelo professor. Declarou que a prática da natação para deficientes
visuais deveria desenvolver as questões de OM.
O entrevistado A2 fugiu um pouco da abordagem do tema, falando sobre a importância das aulas de Educação Física para a pessoa com deficiência visual. Acrescentou que essa
prática obriga todos os participantes ao deslocamento para todas as direções, em ritmos variados. Fez uma importante observação quanto ao fato de essa atividade ser
estimulante para os deficientes visuais, devendo ser exercitada o mais cedo possível para a concretização dos conceitos do curso de OM.
O entrevistado A3 sugeriu a prática de exercícios auditivos. Sente dificuldade em discriminar o som dos meios que frequenta e até do comando do professor nas aulas de OM.
O entrevistado A4 não deu nenhuma sugestão; acha que a atividade de OM não necessita de acréscimos.
Tabela 2. Sugestões para um melhor desempenho na aprendizagem da OM
Aluno
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Sugestões
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Benefícios
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A1
|
Natação com conteúdos de OM
|
Conforto e segurança
|
A2
|
Educação Física para reabilitando
|
Concretização dos conceitos de OM
|
A3
|
Exercícios auditivos
|
Percepção auditiva
|
A4
|
Não deu sugestão
|
–
|
Questão 2. Atividades praticadas antes e depois do curso de OM.
Todos os entrevistados da categoria A não executavam tarefas como localizar objetos em cima da mesa, caídos no chão, descer ou subir escadas sozinhos. Essas habilidades
foram adquiridas após o curso de OM. Outras aquisições relatadas após o curso foram: preocupar-se com pontos de referência em locais desconhecidos e construir um mapa
mental.
Tabela 3. Atividades praticadas antes e depois do curso de OM
Tarefas
|
Antes
|
Depois
|
Localizar objetos em cima da mesa
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-
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A1, A2, A3, A4
|
Localizar objetos caídos no chão
|
-
|
A1, A2, A3, A4
|
Descer ou subir
|
-
|
A1, A2, A3, A4
|
Pontos de referência
|
-
|
A1, A2, A3, A4
|
Mapa mental
|
-
|
A1, A2, A3, A4
|
Passa-se agora para a categoria B, dos alunos praticantes de natação.
Questão 4. Se a prática de natação melhorou a aprendizagem de OM.
Todos responderam “sim”, justificando de várias formas suas respostas. Os entrevistados B1 e B3 declararam que o desenvolvimento muscular é melhorado com os exercícios de
natação, além dos reflexos e da postura ensinados no curso de OM, dando-lhes uma segurança muito maior.
Os entrevistados B2 e B4 deram maior importância aos exercícios auditivos, à lateralidade, à orientação espacial e ao equilíbrio que a natação proporciona, sendo estes a
base de todo o curso.
Tabela 4. Se a prática de natação melhorou a aprendizagem de OM
Aluno
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Sim
|
Não
|
Justificativa
|
B1
|
X
|
|
Melhora do desenvolvimento muscular, reflexo e postura
|
B2
|
X
|
|
Melhora auditiva, da lateralidade, orientação espacial e equilíbrio
|
B3
|
X
|
|
Melhora do desenvolvimento muscular, reflexo e postura
|
B4
|
X
|
|
Melhora auditiva, da lateralidade, orientação espacial e equilíbrio
|
Questão 5. Se a prática de natação desenvolveu alguns dos itens do programa de OM.
Antes dessa pergunta, foi feita uma pequena exposição do que significa programa geral de OM de acordo com Felippe e Felippe (1997).
O entrevistado B1 respondeu que desenvolveu a lateralidade, o senso de direção, observando que antes da prática de natação ele ficava rodando no mesmo lugar, sem
conseguir se achar, totalmente perdido.
O entrevistado B4 declarou que a prática da natação exercitou seu estímulo auditivo de várias formas. Sua prática inicial era conjunta e desviava-se dos companheiros,
ouvindo muitas vezes suas pernadas e braçadas, evitando o choque.
Os entrevistados B2 e B3 perceberam que a prática da natação exercitou a direção, possibilitando que se mantivessem em linha reta, além de diferenciar cada tom de voz,
seja dos professores ou dos companheiros de aula.
O entrevistado B1 corroborou o que disseram os entrevistados anteriores, acrescentando o exercício da coordenação motora nas aulas de natação.
Tabela 5. Se a prática de natação desenvolveu alguns dos itens do programa geral de OM
Aluno
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Sim
|
Não
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Item desenvolvido
|
B1
|
X
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|
Lateralidade, senso de direção e coordenação motora
|
B2
|
X
|
|
Noção de direção e estímulo auditivo
|
B3
|
X
|
|
Noção de direção e estímulo auditivo
|
B4
|
X
|
|
Estímulo auditivo
|
Questão 1. Sugestões para um melhor desempenho na aprendizagem da OM
O entrevistado B1 sugere que durante o curso de OM o aluno faça paralelamente aulas de natação. Ele esclarece que, além de exercitar grande parte dos objetivos do curso,
melhora a autoestima do deficiente visual.
Para o entrevistado B2, as atividades físicas, incluindo a prática em bicicletas ergométricas, auxiliariam os participantes do curso de OM na aprendizagem de seus
objetivos.
Os entrevistados B3 e B4 não deram nenhuma sugestão.
Tabela 6. Sugestões para um melhor desempenho na aprendizagem da OM
Aluno
|
Sugestões
|
Benefícios
|
B1
|
Aulas de natação paralelas à OM
|
Prática de OM e melhora da autoestima
|
B2
|
Educação Física para reabilitando
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Aprendizagem de OM
|
B3
|
Não deu sugestão
|
-
|
B4
|
Não deu sugestão
|
-
|
Questão 6. Se a natação proporcionou a noção de espaço e de tempo, desenvolvendo os estímulos auditivos e motores.
Todos os alunos da categoria B concordaram com a melhora dos estímulos, assim como da noção espacial por meio da natação. Acrescentaram que a natação reeducou-os na nova
situação de deficientes visuais em que se encontram, propiciando exercitar grande parte das valências físicas e preparando-os psicologicamente para a aceitação da
deficiência.
Tabela 7. Se a natação proporcionou a noção de espaço
e de tempo, desenvolvendo os estímulos auditivos e motores
Aluno
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Noção espacial e temporal
|
Estímulos auditivos e motores
|
B1
|
Sim
|
Sim
|
B2
|
Sim
|
Sim
|
B3
|
Sim
|
Sim
|
B4
|
Sim
|
Sim
|
Questão 7. Atividades praticadas antes e depois do curso de OM.
Antes do curso de OM, os entrevistados da categoria B não tinham a prática de vir sozinhos para o IBC e utilizar os sentidos remanescentes.
Algumas perguntas do questionário foram suprimidas, pois durante as entrevistas percebeu-se que não teriam relevância na conclusão da pesquisa.
Conclusões
O objetivo geral do curso de OM é proporcionar à pessoa deficiente visual independência, segurança e adequação, respeitando a individualidade biológica, social e
psicológica, por meio das técnicas sedimentadas no curso, com a finalidade da integração ou reintegração social do deficiente visual. A partir desse objetivo, deparamos
com as contribuições que a natação oferece para pessoas deficientes visuais no que diz respeito à sua orientação e mobilidade, de acordo com os entrevistados deste
estudo.
Nas aulas de natação para deficientes visuais, são usadas diferentes formas de estímulos: motores, auditivos, verbais e até mesmo visuais, entre outros.
A natação praticada por deficientes visuais ajuda na coordenação motora, descontração, aumento de força, melhora do equilíbrio e aumento da mobilidade articular, e
relaxamento da coluna vertebral, facilitando a execução de tarefas da vida diária, habilitando-os a se locomoverem com segurança e independência.
São muitos os benefícios advindos da natação e da OM, como já exposto, mas é necessário investigar a importância de essas atividades serem trabalhadas de modo a enfatizar
os pontos fortes, e não as limitações, explorando-se a funcionalidade que elas têm para o deficiente.
A OM proporciona ao deficiente visual o direito de ir e vir de forma independente, fator que colabora para o convívio social, a autoconfiança, a autoestima, enfim, para a
melhoria de sua qualidade de vida.
Recomenda-se mais observação nas atividades que favorecem a, intervêm na ou prejudicam a aprendizagem do deficiente visual, levando-se sempre em conta suas aptidões e
dificuldades. Para promover uma melhor aprendizagem, faz-se necessário desenvolver uma percepção sobre o indivíduo, levando-o a incorporar informações e a desenvolver
experiências que promovam modificações em seu comportamento.
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Regina Kátia Cerqueira Ribeiro - Graduada em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e com diploma de Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade
Estácio de Sá, é pós-graduada em Marketing pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e também em Psicopedagogia Institucional e Educação Especial pela
Universidade Veiga de Almeida. Cursa a disciplina isolada de mestrado do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG-UFRJ). É professora do Projeto
Clube Escolar Paraolímpico do Comitê Paraolímpico Brasileiro/IBC e técnica de natação do IBC/CEIBC. E-mail: rkcerqueira@gmail.com
Fonte:
Revista IBC - Dezembro 2013
Δ
2.Set.2014
publicado
por
MJA
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