
Taça de fruta e mãe cega - K.
G. Subramanyan
Resumo | Este artigo, que pretende ampliar a discussão sobre deficiência e
maternidade, valorizando a experiência de mulheres com deficiência visual,
refere-se a um recorte dos dados da pesquisa de mestrado Dar à luz quando não se
vê: relatos de mulheres com deficiência visual sobre a maternidade, que analisou
a construção da maternidade no relato de mães com deficiência visual por meio de
entrevistas não dirigidas. A compreensão, interesse e problematização das
participantes em relação à maternidade e ao seu exercício, os desdobramentos
desse novo arranjo social e a demarcação de gênero implicada no cuidado com os
filhos motivam o aprofundamento da temática e apontam para a necessidade de que
o conceito de “estigma” englobe também a maternidade de mulheres com
deficiência. Os relatos das participantes mostraram dois aspectos relacionados à
maternidade: a estigmatização de ser mãe cega e a ideia de amor materno
sacrificial, uma posição de gênero e até de identidade, na qual a mulher com
deficiência, com inúmeras barreiras sociais, é levada a cuidar dos filhos e,
ainda assim, não receber a legitimação social desta nova posição, limitando
desta forma sua nova identidade como mãe.
Introdução
As sociedades atribuem sentidos inerentes ao modo de ser e agir das mulheres e
às práticas da maternidade em si. É cada dia mais evidente a politização
2
essencialista desta, que vem sendo “incorporada e difundida pelas políticas de
Estado, pelos manuais, revistas, jornais, televisão, cinema e publicidade. E o
modelo da mãe cuidadosa - que cuida e se cuida - triunfa e, ao mesmo tempo,
neles se democratiza e se impõe” (Meyer, 2009, p. 83).
A dificuldade em seguir o modelo imposto por essa politização torna-se ainda
mais intensa quando consideramos as especificidades e alteridades de cada mulher
e sua condição socioeconômica, em especial a das mulheres com deficiência
visual, dadas as limitações decorrentes da privação de um sentido tão valorizado
no mundo, a visão (Emidio; Hashimoto, 2008).
São grandes os obstáculos enfrentados por essas mulheres no contexto brasileiro,
em que pobreza, educação e acessibilidade ainda são problemas recorrentes,
especialmente na região Nordeste (Carneiro, 2003), lugar em que foi realizada
esta pesquisa e onde, segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2003), a quantidade de pessoas com deficiência visual era
muito alta em 2000.
O censo aponta que, no país, 148 mil pessoas tinham amaurose
3 e, desse total,
77.900 eram mulheres, contra 70.100 homens - lembrando que estes dados não
englobam as pessoas com baixa visão, tampouco as pessoas com visão monocular,
visto que este último grupo, na data do censo, ainda não era reconhecido
nacionalmente como constituído por pessoas com deficiência. 4 Também é importante
ressaltar que, nesse período, a região com proporcionalmente mais pessoas cegas
era a Nordeste, 5 perdendo em números absolutos apenas para a Sudeste, a mais
populosa (IBGE, 2003).
Dez anos depois, os números só aumentaram. No último censo realizado no país, o
IBGE contabiliza 506.377 pessoas com amaurose, 235.088 mulheres e 226.348 homens
considerando a área urbana. A região Nordeste possui quatro estados entre os 10
primeiros do ranking nacional de pessoas com cegueira total. O estado de
Pernambuco ocupava o oitavo lugar com 19.950 pessoas (IBGE, 2012).
Estes números alertam para a necessidade de ações e pesquisas voltadas para esta
problemática. Neste sentido, é importante considerar que as contribuições
feministas ao estudo da deficiência merecem destaque, uma vez que foi através da
segunda onda 6 desse movimento que o campo da deficiência veio se estruturando,
rumo a sua consolidação (Mello; Nuernberg, 2012). Isso se deu por causa de
alguns fatores, entre os quais estão: (1) o pressuposto político e teórico do
feminismo é o mesmo que o dos estudos sobre a deficiência, pois ambos combatem a
opressão contra grupos vulneráveis; (2) a formação dos estudos sobre deficiência
se deu com base no modelo analítico dos estudos de gênero, que segundo Diniz
(2003, p. 1): “supunham a diferenciação entre sexo (natureza) e gênero (social),
o que, no campo da deficiência passou a ser compreendido como a diferença entre
lesão (natureza) e deficiência (social)”.
Diante deste quadro, a maternidade de mulheres com deficiência pode ser
discutida pela perspectiva feminista, pois, apesar de Gill (1997, p. 225) ter
notado que essas mulheres “são vistas como se não tivessem condições de ter
filhos ou interesse nesse assunto”, sabe-se que a deficiência, seja ela qual
for, impõe limitações, mas não impede a escolha e o exercício da maternidade. No
entanto, com o estigma - cuja etimologia remete aos sinônimos de “sinal”, “marca
corporal considerada desonrosa” ou, ainda, “marca corporal provocada com uma
finalidade” -, essas mulheres são perpassadas por rótulos negativos e
discriminatórios (Goffman, 1988). Na Grécia antiga, o termo fazia menção aos:
sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de
extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais
eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um
escravo, um criminoso ou traidor, uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que
devia ser evitada; especialmente em lugares públicos. (Goffman, 1988, p. 5)
A descrição acima nos ajuda a compreender algumas das razões pelas quais o
estigma esteve tanto tempo associado à história das pessoas com deficiência.
Schwarz e Haber (2006) afirmam que durante a Antiguidade as pessoas com
deficiência eram eliminadas da sociedade, pois havia uma crença de que seriam
amaldiçoadas.
Somente na Idade Média este pensamento começou a mudar, em decorrência da
influência religiosa que assegurava serem todos os seres humanos criaturas
divinas, independentemente de suas características anatômicas. No entanto, as
pessoas com deficiência deixaram de ser exterminadas para serem largadas à
própria sorte, dependentes da caridade alheia. Assim, passaram a ser destinadas
à mendicância, sendo legalmente privadas do convívio social nos grandes
hospitais, esperando pela benevolência da Igreja (Amarante, 2007).
Nesse sentido, quando se trata da maternidade, o que está em jogo é um conjunto
de atribuições sociais relacionadas a uma identidade - a de mãe - construída
social, cultural e politicamente sob diferentes formas, que inevitavelmente
passam pela linguagem.
Neste estudo investigamos relatos sobre a maternidade de mães com deficiência
visual, procurando compreender como as relações sociais dessas mulheres
interferem na construção dos seus modos de ser mãe, o lugar social que elas
ocupam e como elas definem a si mesmas. Trata-se de um relato de pesquisa que
parte do pressuposto de que “a identidade social da mulher, assim como a do
homem, é construída através da atribuição de distintos papéis, que a sociedade
espera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo” (Saffioti, 1987, p.
8).
Método
Participantes
Participaram da pesquisa sete mulheres (mães biológicas)
7 com deficiência
visual, adquirida ou congênita, heterossexuais, associadas à Associação
Pernambucana de Cegos. Todas elas foram previamente indicadas pela equipe
técnica da instituição, que concordou com a realização das entrevistas. Após
consentimento formal, as participantes foram entrevistadas individualmente.
O presente estudo atende aos princípios éticos de pesquisa com seres humanos
estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde através da Resolução nº 196/1996,
8
resguardando a identidade de todas as participantes com nomes fictícios.
Encaminhada ao Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, a pesquisa foi aprovada
sob o Parecer Favorável nº 708.682 do dia 3 de julho de 2014.
Quanto aos critérios de exclusão estabelecidos, não poderiam participar mulheres
menores de 18 anos, que não possuíssem deficiência visual, que não residissem na
Região Metropolitana do Recife, e que não tivessem filhos(as) biológicos(as)
e/ou adotivos(as). Na Tabela 1, são apresentadas algumas informações das
participantes.
Tabela 1 - Quadro
de informações das duas participantes
selecionadas
|
Participante/Histórico da Deficiência
|
Renda
Familiar*
|
Número de
Filho/a/s
|
Idade
|
Estado Civil
|
Escolaridade
|
Priscila/Adquirida
|
De 1 a 2
Salários
|
2
|
39
|
Solteira
|
Ens. Fundam.
Completo
|
Sara/Adquirida
|
Até 1 Salário
|
2
|
51
|
Divorciada
|
Ens. Médio
completo
|
*Baseada no salário mínimo de 2014, ano da realização da
pesquisa.
Instrumento e procedimentos
Como instrumento de pesquisa foi utilizada a entrevista não-dirigida. Antes de
iniciar as entrevistas, as mulheres foram esclarecidas sobre o objetivo da
pesquisa e seus aspectos éticos. A participação foi autorizada mediante
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com letra ampliada para
as mulheres com baixa visão, e em braile para as brailistas.
As entrevistas foram registradas por um gravador digital e iniciadas com uma
recapitulação da proposta da pesquisa. Nesse momento, as entrevistadas foram
convidadas a contar suas histórias a partir da primeira pergunta: “Como foi pra
você se tornar mãe?”, e à medida que essas mulheres falavam acerca de suas
experiências, pontuava-se e questionava-se o que era dito, de acordo com a
necessidade de compreensão da pesquisadora. Esse tipo de entrevista proporciona
uma maior coparticipação entre pesquisador e interlocutores, priorizando a
horizontalidade ao invés de uma relação de verticalidade e considerando a pessoa
capaz de descobrir por conta própria as dimensões da sua experiência, desde, é
claro, que ela “aceite jogar o jogo, e a entrevista toque seu universo
existencial e o entrevistador(a) saiba lhe fornecer a oportunidade para isso”
(Poupart, 2008, p. 224).
Transcrição das entrevistas e análise do material discursivo
As entrevistas foram posteriormente transcritas, respeitando sempre a
peculiaridade das falas e a singularidade de cada uma das participantes. O
objetivo desta fase foi classificar as observações feitas pelas entrevistadas
buscando o sentido mais explicativo possível para os dados obtidos segundo os
alicerces da psicologia social discursiva. Assim, ao transcrever todo o áudio
das entrevistas, buscou-se analisá-las a partir de dois caminhos apontados por
Potter e Wetherell (1987):
Codificação, que se refere a uma etapa precedente à análise propriamente dita.
Ela tem o objetivo pragmático de agregar o maior número possível de dados,
baseada em categorias amplas e relacionadas às questões da pesquisa.
Análise, que envolve indispensavelmente uma leitura cuidadosa do material
colhido, observando-se as minúcias do discurso e o que está sendo dito e/ou
escrito. A análise compreende então duas importantes fases. Primeiro se procura
por padrões no discurso, padrões que se apresentam em termos de variabilidade
(inconsistência, contradição) e em termos de consistência. Em segundo lugar,
analisam-se cuidadosamente as funções e os efeitos dos discursos, ou seja, quais
as ações são realizadas pelos relatos discursivos e quais os seus efeitos
sociais.
Resultados e discussão
A partir das entrevistas 9 realizadas na cidade do Recife - capital do Estado de
Pernambuco - com mães com deficiência visual, foram analisadas as construções
discursivas sobre a maternidade - quais características, termos e metáforas
foram mobilizadas nessa construção.
Antes de iniciar a análise das entrevistas, é necessário lembrar que, em meados
da década de 1970, Goffman (1988) publicou um de seus trabalhos mais notáveis
sobre o assunto, a obra Estigma: notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. Nela, o autor determina que uma pessoa é estigmatizada quando
“deixamos de considerá-la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa
estragada e diminuída”.
De acordo com o sociólogo, as exigências e as características que damos aos
outros formam a identidade social virtual das pessoas, e essas características
não correspondem à verdade e à realidade de vida do outro que desconhecemos, não
correspondem às suas identidades sociais reais (Goffman, 1988). Dessa maneira,
essas duas questões básicas são indispensáveis para compreender como se constrói
o processo de estigmatização, uma vez que os estereótipos são responsáveis
diretos por esse processo, posto que é quando os estereótipos que criamos e
identificamos ao outro - baseados na cultura, nas nossas expectativas etc. -
divergem da realidade, que ocorre o processo de estigmatização. Siqueira e
Cardoso Junior (2011, p. 1, grifo dos autores) afirmam que este processo
não
ocorre devido à existência do atributo em si, mas pela relação incongruente
entre os atributos e os estereótipos que os normais criam para um determinado
tipo de pessoa. Todos aqueles atributos não proporcionais com o estereótipo que
os normais criam para um determinado tipo de indivíduo caracterizam o processo
de estigmatização por gerar identidades deterioradas.
Em relação a esse problema, Sara, como outras entrevistadas, fala primeiramente
da falta de apoio familiar e social, mencionando explicitamente que esta falta
de apoio decorreu do preconceito causado pelo estigma social de ser mãe com
deficiência visual, 10 como se pode notar no trecho abaixo:
Joana saiu da maternidade pesando apenas 1kg e 900g, quando a enfermeira
colocou-a em minhas mãos eu disse: “Deus e agora como é que eu vou fazer?” Ao
chegar em casa, meu esposo também deficiente visual… não tivemos ajuda de
parentes nem amigos, por quê? Porque na mentalidade deles … é um povo sem
informação do interior, num é nem sem informação acho que isso é humanidade
mesmo. Ao chegar em casa eles relataram o seguinte: “Que era uma invenção de
dois cegos, inventar de engravidar, né!” Porque não podia, eu acho que na cabeça
deles só quem pode ter filhos é quem enxerga né? (Sara)
Sara aponta que seus familiares e amigos a estigmatizaram, não reconhecendo
nela, em razão de sua deficiência, a capacidade de ser mãe. Segundo ela, seus
parentes achavam absurda a ideia de um casal de cegos exercerem a maternidade e
a paternidade. Para Sara, não se tratava de falta de informação, mas de
“desumanidade” (“é um povo sem informação do interior, num é nem sem informação
acho que isso é humanidade mesmo”). Prosseguindo em sua fala, a entrevistada
descreve mais uma dolorosa experiência marcada novamente pela estigmatização:
Ah, o pai dela [pai da sua filha] logo no inicio ainda ficou ali tal, aquela
coisa, e houve muita influência, e colocaram na mente dele que seria bem melhor
ele ser casado com uma mulher que enxergasse, e não continuar com uma pessoa que
não vê. E hoje…
Entrevistadora: E como foi isso para a senhora?
Isso pra mim foi doloroso demais, houve a separação. [Entonação de tristeza].
Hoje ele continua lá morando lá no interior onde nós morávamos. Hoje eu moro em
[cidade omitida para salvaguardar a identidade], crio minha filha só… Eu e Deus.
E ela numa fase muito difícil que é adolescência, mas sempre explicando a ela…
“Olhe não precisa mentir para mainha, para onde for, com quem for, me diga!
Quando chegar a fase de namorar não precisa esconder, porque não adianta
esconder porque eu já não vejo! Você vai esconder de quem já não vê? Não
precisa!” Então hoje minha filha é minha amiga, ele como pai é ausente de tudo
de tudo de tudo, parece que não valeu nada pra ele todo o sofrimento que a nossa
filha passou na época, que era para ter muito amor de ambos, era para eu e ele
estar juntos hoje assim, regozijados, cheios de orgulhos pela filha que temos.
Hoje ela passou de ano, está no nono ano, só com notas oito, nove e dez. Filha
de cego que poderia dizer assim: “Ah eu vou estudar se eu quiser, ela não está
vendo!”. Mas não foi isso que eu passei para minha filha, você tem que ser uma
pessoas digna, você tem que ser uma pessoa sincera, certo!?”. E eu falei para
ela: “olhe o ser humano ele tem que procurar suas melhoras, seu pai achou melhor
uma mulher que enxerga, então que ele seja feliz com a opção dele”. Nem por isso
eu passei para ela trauma, nem revolta não! Ao contrário, eu digo para ela: “A
vida continua, filha!” Entendeu? Mesmo ele ignorando você, desprezando você, mas
ele vai continuar sendo seu pai, não vai mudar a história. Então um dia lá na
frente, quem sabe, quando ele se deparar com a realidade ele vai dizer: “Por que
que eu perdi o bem mais precioso que Deus me deu aqui na terra que foi minha
filha?”, tá entendendo? Aí eu não sei se vai ser tarde, eu não sei se ela vai
abraçá-lo ou se ela vai ignorar, essa opção vai ficar a critério dela, mas que é
uma coisa muito dolorosa para a gente é, porque quando houve a separação ela já
estava com 8 anos de idade. Então já estava bastante crescidinha. E hoje ele
está lá feliz com a opção dele, uma pessoa que enxerga né? Que dirige, que faz e
que acontece. Até uma amiga minha disse: “Sara, olha eu encontrei fulano com a
mulher dele e ela dirigindo né?”. Eu digo… “é, minha querida: porque se ele for
dirigir ele vai bater porque ele é cego!”. Pensando ela que ia me deixar triste,
porque ele pode ser o que for viu querida? Mas ele é cego igual a mim! Ele pode
ser o bambambã, a última bolacha do pacote, a última Coca-Cola do deserto, mas
no frigir dos ovos somos cegos! Por isso que quando eu perdi a visão eu optei
por uma pessoa deficiente visual igual a mim, porque se houvesse qualquer
desencontro, qualquer coisa entre a gente, ele não ia ter o direito de me
menosprezar, de me chamar de cega, porque eu ia dizer simplesmente a ele: “A
recíproca é verdadeira, meu amigo!”. Você pode pegar a bengala, mas lá na
frente: “Eita você me ajuda aqui?”. Porque a vida do deficiente visual, por mais
independente que seja, é cruel demais! E para mim eu digo assim, não foi tão
terrível ter ela sem ver, nem criar ela sem ver. Foi na hora que a gente mais
precisou do ombro dele, do apoio dele como pai, como marido, ele abandonou a
gente por uma opção melhor que ele mesmo sendo cego tinha preconceito de ser
cego. Por isso que ele optou por uma pessoa que enxerga. (Sara)
Sara descreve a opinião de seu ex-marido - “que seria bem melhor ele ser casado
com uma mulher que enxergasse” - como forjada pela influência alheia.
Questionada sobre como foi para ela esse processo, ela desabafa: “Isso pra mim
foi doloroso demais”. E em seguida confirma: de fato, “houve a separação” do
casal. A partir de então, a entrevistada constrói seu argumento afirmando que
enfrentou a situação indo residir em outra cidade, diferente da de seu
ex-marido, para criar sua filha sozinha com o auxílio apenas de “Deus”. Durante
todo o relato de Sara é possível encontrar diversos termos que indicam uma
experiência religiosa. E, se observarmos bem, esta relação com o divino também
está presente no relato de outras entrevistadas.
Ainda na fala de Sara é possível perceber um misto de sentimentos em relação ao
ex-marido - tristeza, decepção, mágoa -, principalmente quando se refere ao
momento atual vivido pela filha, a adolescência. Nesse sentido, para dar mais
credibilidade ao que busca mostrar, Sara reproduz os argumentos que utiliza com
a adolescente, fazendo uso do discurso direto: “Olhe, não precisa mentir para
mainha, para onde for, com quem for, me diga! Quando chegar a fase de namorar
não precisa esconder, porque não adianta esconder porque eu já não vejo! Você
vai esconder de quem já não vê? Não precisa!”. É interessante notar que Sara
parece buscar sua reafirmação como mãe com deficiência visual e amiga de sua
filha, posto que, enfatizando duas vezes o aspecto da incapacidade para
enxergar, expressa insegurança. O que sobressai na fala da entrevistada é a
percepção de que ser mãe com deficiência visual foi um desafio - todavia
considerado válido, especialmente pela relação de amizade estabelecida com a
filha.
Tal desafio se acentuou pela total ausência do ex-marido - “parece que não valeu
nada pra ele todo o sofrimento que a nossa filha passou na época” -, visto que,
para Sara, se essa experiência dolorosa da criança tivesse sido realmente
importante também para ele, como pai, ele ofertaria muito amor à menina, assim
como ela tem ofertado como mãe, permanecendo ligada emocionalmente à filha.
Também vale a pena destacar que, para a entrevistada, esse amor do pai, essa
valorização da vida da filha, teria sido demonstrado com a presença física dele,
devendo a relação matrimonial ter perdurado para que unidos pudessem estar
realizados pela filha. Em relação aos sentimentos por Joana, Sara afirma: “Hoje
ela passou de ano, está no nono ano, só com notas oito, nove e dez. Filha de
cego que poderia dizer assim: ‘Ah, eu vou estudar se eu quiser ela não está
vendo!’ Mas não foi isso que eu passei para minha filha, você tem que ser uma
pessoa digna, você tem que ser uma pessoa sincera, certo!?”. Com este último
fragmento acerca da educação que a filha recebeu, Sara busca mostrar que sua
responsabilidade como mãe tem sido cumprida mesmo diante das limitações causadas
pela deficiência, que a impede de enxergar mas não de educar bem uma criança,
ensinando-lhe os princípios éticos e morais.
Interessa ainda mostrar que todo o relato da experiência de separação e abandono
da família pelo ex-marido de Sara é retomado após os fragmentos supracitados. No
entanto, o discurso agora é completamente voltado para a filha. Nessa
perspectiva, Sara descreve sua versão acerca do fato: “eu falei para ela… Olhe,
o ser humano ele tem que procurar suas melhoras, seu pai achou melhor uma mulher
que enxerga, então, que ele seja feliz com a opção dele”. Há neste trecho
elementos discursivos organizados de modo a deixar claro que a entrevistada
procura não incitar na filha ódio por seu genitor, o que configuraria alienação
parental. 11 Todavia, ao se observar o contexto interpretativo e os termos
utilizados para construir esse argumento, a entrevistada fala que seu ex-marido
procurou melhorias para si, denotando que estar ao seu lado traria o oposto,
afinal, por que então buscar melhorias longe dela? E ao mesmo tempo em que Sara
parece tentar explicar para a filha as motivações do pai, ela expõe
justificativas controversas. Pois divorciar-se em razão da deficiência visual
parece perverso, muito embora seu ex-marido também seja um deficiente visual,
conforme ela mesmo descreve no final da entrevista. Prosseguindo nesta
compreensão, percebe-se, pela entonação de sua fala, que Sara reprova a atitude
do ex-marido, reiterando os lugares de “boa mãe” e pai ausente, dizendo: “Nem
por isso eu passei para ela trauma, nem revolta não! Ao contrário, eu digo para
ela: ‘A vida continua, filha!’ Entendeu? Mesmo ele ignorando você, desprezando
você, mas ele vai continuar sendo seu pai, não vai mudar a história”. Os termos
“melhorias”, “não minta para mim” e “eu já sou cega” mostram o reconhecimento da
própria vulnerabilidade e da condição de vítima, em um jogo de palavras que
deixa implícita a manipulação e o controle, onde o que parece estar implícito é
um discurso do tipo “eu não posso fazer nada”, “eu sempre estou sujeita a você
que enxerga”, deixando clara a insegurança da entrevistada.
Entretanto, tal posicionamento está amparado, segunda a entrevistada, por um
contexto de abandono do pai. Adiante, ela fala sobre o futuro e a possibilidade
de que seu ex-cônjuge e pai de sua filha venha a reconhecer o erro cometido,
considerando esse afastamento uma perda. Sara adianta que a opção de perdoar o
pai vai ficar a critério exclusivo da filha, justificando na idade da menina a
influência para esta decisão, uma vez que o divórcio e o afastamento do pai
aconteceram quando Joana tinha 8 anos, idade que para Sara é suficiente para
julgar com senso crítico as atitudes do pai.
No entanto, é preciso destacar que Sara traz à tona seu sentimento de abandono e
de vítima, pois ao afirmar a dor da filha também como sua, ela faz questão de
dizer que não vai interferir na relação da filha com o pai, caso ele um dia
reconheça as próprias falhas. Em seguida, Sara reafirma o lugar de
estigmatizada, dizendo inclusive que o ex-cônjuge está “feliz com a opção dele,
uma pessoa que enxerga né? Que dirige, que faz e que acontece”, trazendo ainda
para o relato uma situação em que uma amiga afirma ter se encontrado com seu
ex-esposo e percebido que a atual companheira dele dirige, algo que parece ter
afetado Sara, já que abruptamente responde: “é, minha querida: porque se ele for
dirigir ele vai bater, porque ele é cego!”.
A condição de ser pessoa com deficiência visual é ressaltada durante todo o
relato, especialmente ao final, evidenciando o caráter estigmatizador da
experiência de Sara, sobretudo quando ela afirma: “Pensando ela que ia me deixar
triste, porque ele pode ser o que for, viu querida? Mas ele é cego igual a mim!
Ele pode ser o bambambã, a última bolacha do pacote, a última Coca-Cola do
deserto, mas no frigir dos ovos somos cegos!”. Construído com repertórios
interpretativos que expressam superioridade (“última bolacha do pacote”, “última
Coca-Cola do deserto”), esse fragmento enfatiza o sentimento de repulsa de Sara
ao se sentir humilhada por sua condição de deficiente visual. Tanto que, logo em
seguida, ela explica a razão de ter escolhido se relacionar com uma pessoa com o
mesmo tipo de deficiência que a sua, “igual a ela”. Especialmente quanto a essa
questão, Paugam (2009, p. 74) explica: “Como a desclassificação social é uma
experiência humilhante, ela desestabiliza as relações com o outro, levando o
indivíduo a fechar-se sobre si mesmo” e, neste caso, sobre um mesmo grupo, o
grupo de pessoas com deficiência.
Assim, Sara finaliza seu relato explicando que, ao ter como cônjuge um
deficiente visual, em caso de separação ela ao menos não seria humilhada ou
“menosprezada”. Quanto a essa possibilidade, ela argumenta: “‘A recíproca é
verdadeira, meu amigo!’ Você pode pegar a bengala, mas lá na frente: ‘Eita, você
me ajuda aqui?’ Porque a vida do deficiente visual, por mais independente que
seja, é cruel demais!”. O resumo desta experiência de estigmatização pode ser
extraído especialmente do seguinte trecho: “E para mim eu digo assim, não foi
tão terrível ter ela sem ver, nem criar ela sem ver. Foi na hora que a gente
mais precisou do ombro dele, do apoio dele como pai, como marido, ele abandonou
a gente por uma opção melhor que ele mesmo sendo cego tinha preconceito de ser
cego. Por isso que ele optou por uma pessoa que enxerga”. A estigmatização
acontece porque a sociedade normatiza e estabelece padrões - de família, de
beleza, de saúde, de cuidado, de maternidade, de paternidade, de como as pessoas
devem ser, agir e se comportar -, tornando essas normas verdadeiras marcas de
gênero e, obviamente, um dever social que deve ser encarado como natural,
havendo, do contrário, o estranhamento social, marcado sobretudo pelo
preconceito. Assim, os padrões estabelecidos acabam se tornando modelos
estruturados sobre expectativas construídas socialmente, de tal modo que aqueles
que se desviam do padrão são discriminados, conforme podemos ver no relato a
seguir:
logo que eu me separei, meus filhos tinha três e o outro tinha dois anos, e foi
difícil porque assim… muita gente ficou contra mim, porque eu era cega e eu não
ia conseguir… a família dele, a minha também: “Não, você não pode!”, “Posso! Eu
posso!”. Porque assim, eu acreditava em mim, eu acreditava na minha força de
vontade, e… Foi quando eu consegui mesmo! [Ênfase na fala]. (Priscila)
Priscila relata que se divorciar de seu cônjuge e pai de seus filhos “foi
difícil”, e acrescenta a este fato um agravante: as críticas se basearam,
segundo ela, em sua condição de mãe cega, uma vez que muitas pessoas da sua
família e da família do pai de seus filhos ficaram contra ela por causa da sua
deficiência. Ou seja, a estigmatização aconteceu gerando o preconceito que a
colocava em um lugar de incapaz. Para corroborar sua fala acerca desta situação
de menos-valia, Priscila utilizou-se do recurso discursivo de categoria de
crédito, citando a fala de seus familiares: “Não, você não pode!” (Potter,
1998).
É importante destacar que a entrevistada já possuía deficiência visual antes de
ter os filhos, tendo cuidado deles até o momento que antecedeu o divórcio;
então, qual seria a razão de seus familiares se oporem a sua decisão? O que
podemos inferir é que existe ainda uma discriminação de gênero implícita nesta
recusa, já que seu esposo também era deficiente visual.12 Além disso, é preciso
ainda relembrar que esse discurso pode estar baseado na premissa conservadora de
que “a mulher não tem estatuto sozinha, ou seja, fora do casamento” (Porto,
2002, p. 69), e menos ainda se for uma mulher com deficiência.
Seja por ser mulher divorciada ou por ser mulher divorciada com deficiência
visual, responsável direta pelos filhos, a entrevistada suportou o preconceito
decorrente do estigma, enfrentando a situação e se reafirmando enquanto mulher e
mãe capaz de cuidar sozinha de si e dos seus filhos, afirmando e, em seguida,
justificando sua decisão pela autoconfiança que tinha: “‘Posso! Eu posso!’
Porque, assim, eu acreditava em mim, eu acreditava na minha força de vontade, e…
Foi quando eu consegui mesmo!”).
Sara relata sua experiência com a filha posicionando-se claramente em relação à
maternidade com deficiência visual, distinguindo-a da maternidade de uma mulher
sem deficiência.
tem tantos exemplos por aí de aberrações de mães que enxergam e maltratam seus
filhos, não dão amor, não dão carinho, não dão atenção! [Fala exaltada] Se você
for na Restauração [hospital público de Pernambuco], na emergência do Barão
[hospital público também em Recife], na Restauração, você encontra lá crianças
com cabeça quebrada, braço, perna… e mães que enxergam! E graças a Deus eu tive
esse privilégio de criar minha filha. Eu nunca bati a cabeça dela na parede, a
Joana sempre foi criada ali pertinho de mim, e ela foi se criando, criando,
crescendo, crescendo, dormia em cima de mim, porque eu sabia onde ela estava.
Para fazer as coisas eu colocava os travesseiros em volta dela… Para dar banho
nessa criança meu esposo esquentava a água e colocava a banheira na beira da
cama, emborcava ela no meu braço, começava a passar água bem delicadamente,
colocava na cama, enxugava com a toalhinha, nunca bati nos olhos dela, nunca
bati na boquinha dela, nunca ela foi socorrida por negligência da mãe que não
enxerga. (Sara)
Sara faz questão de destacar que cuidou da filha da melhor forma possível, tendo
a ajuda somente de seu esposo, enfatizando que a criança nunca foi socorrida por
“negligência da mãe que não enxerga”. Para a entrevistada, a maternidade
extrapola as questões físicas, pois mesmo com deficiência visual ela acredita
ter exercido uma maternagem satisfatória, entendendo que a maternidade é mais
uma questão de se responsabilizar pela filha do que apenas ser aceita como mãe
dentro dos padrões de normalidade criados pela sociedade. Daí que Sara argumente
criticamente que de nada adianta que mulheres se encaixem neste padrão se os
cuidados exercidos por elas na maternagem não corresponderem ao esperado por uma
“boa mãe”.
Fica evidente que, para a entrevistada, ter deficiência visual não significava
que ela seria necessariamente uma mãe negligente. Na verdade, Sara contrasta
muitos aspectos da sua maternidade com a maternidade da mulher sem deficiência
com o objetivo de mostrar que a limitação física não a desabilitou a ser uma mãe
responsável e a corresponder aos padrões de “boa maternidade” estabelecidos
socialmente. Por isso, ela expressa sem delongas a compreensão de que exerce uma
melhor maternagem em relação à mãe sem deficiência, apesar da estigmatização
pela qual passou/passa.
Considerações finais
A partir das entrevistas com mães com deficiência visual foi possível levantar
algumas considerações sobre a construção da maternidade elaboradas por elas. O
principal ponto a se destacar é que há uma forte presença nos relatos dessas
mulheres de uma experiência de maternidade marcada pela estigmatização. Ou seja,
ser mãe cega não somente gera sofrimento pelas dificuldades e barreiras
encontradas no exercício do cuidado, mas sobretudo pelo estigma e as cobranças
sociais decorrentes da essencialização da maternidade.
As questões socioeconômicas estiveram presentes indiretamente nas falas das
participantes, especialmente quando se fala da capacidade de suprir e cuidar dos
filhos(as), apontando inclusive que sua exclusão e suas vulnerabilidades
decorrem não apenas do corpo com deficiência, mas também dizem respeito a
questões de direitos educacionais, trabalhistas, sexuais e reprodutivos,
relegados pelo Estado brasileiro.
Nos relatos dessas mulheres, a maternidade é definida a partir de uma ideia de
amor sacrificial: uma posição na qual a mulher com deficiência visual, com
inúmeras barreiras sociais, é levada a exercer os cuidados com os(as) filhos(as)
e ainda assim não receber a legitimação social dessa nova posição, o que produz
intensas cobranças e, consequentemente, maior sofrimento na assunção e exercício
deste lugar.
Esperamos que esta pesquisa desperte o interesse pela realização de outros
estudos que abordem de diferentes perspectivas essa experiência tão pouco
investigada no Brasil: a de ser mãe com deficiência visual. Esperamos também que
a compreensão decorrente desses estudos possa impulsionar políticas públicas
eficazes de combate à estigmatização dessas mulheres.
NOTAS
-
1
Esta pesquisa foi realizada com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à
Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe).
-
2
A politização contemporânea da maternidade, amplamente abordada por Meyer (2005)
em suas pesquisas, é uma temática importante para o presente trabalho, visto que
aqui também se problematiza a díade “mulher-mãe”.
-
3
Cegueira absoluta ou visão zero.
-
4
Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha pacificado sua jurisprudência
através da Súmula nº 377 desde 2009. Nessa súmula o entendimento é de que as
pessoas com visão monocular têm o direito de concorrer às vagas reservadas a
pessoas com deficiência em concurso público, uma vez que a percepção de
profundidade e distância está severamente afetada na visão monocular em relação
à visão binocular (Brasil, 2009).
-
5
Os dados abaixo podem explicar a principal razão desses números. A cegueira em
todo o mundo corresponde a “0,3% da população em regiões de boa economia e com
bons serviços de saúde; 0,6% da população em regiões de razoável economia e com
pobres serviços de saúde; 0,9% da população em regiões de pobre economia e com
pobres serviços de saúde; 1,2% da população em regiões de muito pobre economia e
com muito pobres serviços de saúde” (Taleb et al., 2012, p. 20).
-
6
Segundo Meyer (2005, p. 85), a segunda onda do feminismo foi “Um movimento
teórico, social e político que teve um profundo impacto sobre os modos pelos
quais o sujeito e a identidade foram (são) conceptualizados na modernidade”.
-
7
Este não era um critério de inclusão na pesquisa, mas, por coincidência, todas
as participantes eram mães biológicas, e não adotivas.
-
8
Esta resolução afirma que “Toda pesquisa com seres humanos envolve risco em
tipos e gradações variados. Quanto maiores e mais evidentes os riscos, maiores
devem ser os cuidados para minimizá-los e a proteção oferecida pelo Sistema
CEP/CONEP aos participantes”.
-
9
Em todos os trechos das falas das mulheres são destacadas algumas palavras e
expressões. É importante também ressaltar que as entrevistas foram transcritas
exatamente como faladas, respeitando as demarcações sociais e geográficas tanto
das entrevistadas quanto da entrevistadora. Portanto, serão encontradas
expressões regionais coloquiais, gírias e vícios de linguagem que fogem à norma
culta.
-
10
Cabe ressaltar que apenas duas entrevistadas apresentaram relatos recorrentes
sobre o estigma sofrido em suas experiências como mãe, sendo este artigo
relacionado ao resultado desses relatos.
-
11
Configura-se como alienação parental o ato de denegrir a imagem ou figura do pai
e/ou da mãe para o(a) filho(a) com o objetivo de obter vantagens na guarda da
criança e/ou criar barreiras emocionais na criança para indispor a relação
afetiva saudável entre o alienado e a criança, sendo motivada por mágoa, ódio
e/ou ressentimento do alienante (Souza, 2010).
-
12
Esta informação foi obtida através de relato subsequente da entrevistada.
FIM
ϟ
Maternidade marcada: o estigma de ser mãe com deficiência visual
AUTORIA: Léa Carla Oliveira Belo elaborou o manuscrito, analisando os dados,
discutindo-os e escrevendo-os. Pedro de Oliveira Filho contribuiu com observações e sugestões para a redação
deste texto. Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final.
fonte:
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/SHZzfGJqN3HxYhT8d56zGYc/?lang=pt
https://doi.org/10.1590/S0104-12902018147798
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