
Evgen Bavcar, 1997
RESUMO | Objetivou-se conhecer as dificuldades e facilidades enfrentadas pelas mães de
crianças com deficiência visual (DV) no cuidado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, realizada no segundo semestre
de 2011, com dez mães de crianças com deficiência visual, de um Centro de Educação para deficientes visuais, no sul do
Brasil. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo temática das informações. Foram verificados como
dificuldades o desconhecimento acerca da doença e da forma de cuidar da criança, a falta de acesso aos serviços de saúde,
a sobrecarga pela dependência da criança, a falta de apoio e o preconceito na própria família. Quanto às facilidades, foram
referidos a vontade do desenvolvimento saudável das crianças, a convivência com profissionais qualificados para sua educação e o
contato com outras crianças com DV. Faz-se importante a instrumentalização da família para o cuidado à criança com
DV como forma de garantir a aquisição de habilidades e competências,
possibilitando-a um viver com qualidade.
INTRODUÇÃO
A Deficiência Visual (DV) é entendi da como qualquer forma de impedimento de
caráter orgânico ligado a enfermidades oculares que comprometam o funcionamento
ideal da visão. Este comprometimento, uma vez presente, pode levar à ausência
total da capacidade visual no indivíduo. Esta pode dar-se com ou sem a percepção
de luz, podendo ser herdada ou adquirida, devido a diversas causas, tais quais:
glaucoma congênito ou catarata congênita, retinopatia, sífilis entre outras(1).
Dessa forma, são entendidos como deficientes visuais aqueles indivíduos que
apresentam visão nula ou diminuída que limitam as atividades diárias(2). No
mundo, em torno de 500.000 crianças desenvolvem DV anualmente(3). No Brasil,
16,6 milhões de brasileiros apresentam algum grau de DV, total ou parcial,
afetando todas as idades. Destes, 150 mil são classificados e declaram-se
cegos(4).
Diante dessa realidade, a DV passa a apresentar influência no desenvolvimento
funcional das crianças afetando suas capacidades de autocuidado e mobilidade,
dificultando suas interações sociais e comprometendo a aquisição da sua
independência(5). Dentre as limitações mais frequentes estão as restrições
quanto à locomoção, exploração de locais e objetos que levam os portadores de DV
a serem considerados incapazes de participar de atividades em grupo e contribuir
ou desenvolver sua empregabilidade(6).
Assim, crianças portadoras de necessidades especiais, como a DV são,
frequentemente, isoladas de contatos e da criação de vínculos com parceiros,
tendo suas interações restritas à relação apenas com adultos e familiares. Esse
isolamento pode acarretar comprometimento na independência infantil, uma vez que
a DV é entendida como um fator limitante à vida e ao desenvolvimento de
potencialidades.
O papel da família no cuidado e no desenvolvimento da criança é de fundamental
importância, uma vez que o núcleo familiar compreende sua primeira rede de apoio
social. A interação familiar é vista como base e suporte de promoção a diversas
formas de desenvolvimento infantil(7).
É no meio familiar que ocorrem as relações de cuidado mais importantes através
de ações de proteção, acolhimento, respeito e potencialização do outro. Quando
esta família vive uma situação de deficiência são necessárias inúmeras
estratégias para o enfrentamento da situação e estimulação da criança para a
independência(8).
O meio familiar é considerado como o primeiro espaço de interação e socialização
infantil. No entanto, este ambiente é afetado pelo nascimento de uma criança com
deficiência, não somente nas questões relativas aos sentimentos de seus membros,
mas também em função das alterações estruturais e funcionais da família(5). Este
fato torna necessário o auxílio profissional à família para sua
instrumentalização para o cuidado à criança com DV.
Nesse sentido, cabe aos profissionais da saúde o delineamento de ações voltadas
a estas crianças e suas famílias, assim como, a estimulação ao autocuidado e
independência(5). Com o intuito de facilitar o cuidado familiar à criança com DV
destaca-se a importância da intervenção precoce baseada na orientação da criança
portadora de DV e na manutenção dos estímulos positivos que a levem ao
desenvolvimento de capacidades e do autocuidado(9).
Por se entender como fundamental o cuidado familiar à criança com DV a questão
que norteia este estudo é: quais dificuldades e facilidades enfrentadas pelas
mães de crianças com deficiência visual no cuidado? A partir desta o objetivo
deste estudo foi conhecer as dificuldades e facilidades enfrentadas pelas de
crianças com deficiência visual no cuidado. O conhecimento produzido neste
estudo auxilia os profissionais da saúde/ enfermagem na instrumentalização das
famílias que possuem crianças com DV no seu cuidado.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva. É descritiva porque descreve o
fenômeno como este é vivenciado (10), enquanto que sua abordagem qualitativa
permite entender os sentimentos e valores de cada indivíduo a partir de suas
percepções(11).
Foi realizada no segundo semestre de 2011, em um Centro de Educação Complementar
para Deficientes Visuais, do sul do Brasil. A escola conta com salas de aula,
nas quais os alunos têm o ensino do primeiro ao quarto ano do ensino
fundamental, além de salas de recursos, estimulação sensorial, informática,
biblioteca, artesanato, cerâmica e educação física, com a prática de esportes
como futsal e judô, dança e de ensino na realização de atividades de vida diária
(AVDs), como arrumar a cama, cozinhar e outras. Possui, ainda, pátio, banheiros,
secretaria e sala dos professores.
Por tratar-se de uma instituição para deficientes visuais, alguns símbolos são
facilmente observados como: corrimãos para facilitar o deslocamento pela escola;
trabalhos didáticos executados todos em alto relevo; salas onde são realizadas a
estimulação das pessoas com limitações visuais, que possuem sinaleiras;
softwares e maquinários diferenciados, como tradutor para braille, impressão e
xerox em braille e uma sala de informática adaptada.
Participaram do estudo dez mães cuidadoras de crianças portadoras de DV, que,
após, orientadas acerca do objetivo e metodologia do estudo assinaram em duas
vias o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ficando uma cópia com cada
participante.
As informações foram obtidas por entrevista semiestruturada, operacionalizada
por meio e um roteiro, com perguntas acerca do cuidado familiar à criança
portadora de DV e analisados pela técnica de análise de conteúdo temática
proposta por Minayo(11). Esta técnica foi operacionalizada em três etapas:
Pré-análise na qual foram identificadas as unidades de registro que orientaram a
análise; Exploração do Material na qual as informações iniciais obtidas foram
classificadas e agregadas em temas e Tratamento dos resultados obtidos na qual
realizou-se a interpretação das informações correlacionando-as com autores
estudiosos da temática.
Todos os preceitos da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Saúde
para a pesquisa com seres humanos foram levados em consideração(12). O projeto
foi encaminhado ao comitê de ética em pesquisa na área da saúde - CEPAS - FURG
sendo aprovado sob parecer de número 105/2011. As falas das participantes no
estudo foram identificadas pela letra F, seguida do número da entrevista, com
vistas a garantir o anonimato.
RESULTADOS
Surgiram como temas: dificuldades da família para cuidar a criança com DV e as
facilidades da família para cuidar a criança com DV.
Dificuldades da família para cuidar a criança com DV
Após o recebimento do diagnóstico da DV na criança verifica-se que, algumas
famílias, enfrentam o desconhecimento da patologia que levou a DV, a falta de
acesso aos serviços de saúde e a falta de informações dos profissionais da saúde
que dêem sustentação familiar ao cuidado à criança. O desconhecimento acerca da
situação vivenciada pode levar ao medo de não saber cuidar, gerando
dificuldades.
Uma das coisas que acho que dificulta a gente é que a gente não tem muito acesso
para as coisas [...] assim médicos, pessoas que expliquem as coisas. Eu tive que
aprender na marra. Não teve quem me ensinou como era o colírio [...] os exames
dela. Fiquei com muito medo de não saber [...]. A dificuldade é essa: gente da
tua área (da saúde) que nos explique as coisas. (F1)
Constata-se que o ato de cuidar uma criança com necessidades especiais leva a
família ao desenvolvimento de diversos sentimentos(13). Até que a família
aprenda a cuidar são comuns sentimentos de medo e incapacidade. Os projetos
frente à chegada de um novo membro são interrompidos, frente ao diagnóstico de
DV, podendo causar a sensação de luto pela perda da criança perfeita que foi
idealizada. Assim, para prestar cuidados básicos à criança e facilitar sua
adaptação à limitação visual essa precisa ser auxiliada pelos profissionais da
saúde e da educação, de forma a poder desempenhar seu papel de forma
instrumentalizada(13).
O desconhecimento da patologia que levou a DV, a falta de acesso aos serviços de
saúde e a falta de informações dos profissionais da saúde que dêem sustentação
familiar ao cuidado à criança podem ser desestruturantes, tornando o cuidado à
criança com DV penoso e a família vulnerável. Ressalta-se a necessidade da
criação de programas de acompanhamento dessas famílias, tais como grupos de
apoio e educação em saúde bem como a necessidade de fomentar a rede de suporte
social como forma de subsidiar o cuidado familiar(14).
Além disso, a família refere à sobrecarga gerada pela dependência contínua de
atenção ao cuidado à criança.
Eu tenho que deixar os outros em casa para trazer ela [...]. Fica difícil porque
se ela não fosse cega ela poderia aprender a andar sozinha e eu podia cuidar
mais dos outros filhos. O meu pequeno teve convulsão. Fica difícil procurar
ajuda para ele porque tenho ela cega e os outros em casa. O pior que ela é a
mais velha, podia me ajudar a cuidar dos outros, mas não dá. Acho cansativo,
porque tenho a casa, as outras crianças e, ainda, correr atrás de exames. (F2)
Evidencia-se a sobrecarga gerada pela dependência contínua de atenção à criança
para a mãe cuidadora. Entende-se a singularidade do cuidado a essas crianças em
virtude de sua fragilidade, requerendo das mulheres cuidadoras uma prática de
cuidar fundamentada em conhecimento que subsidiem o cuidar(14).
Esta sobrecarga para cuidar, em algumas situações, deve-se à falta de apoio
familiar, refletida na figura paterna.
Ainda mais que eu não tenho ajuda de ninguém em casa para cuidar dela. Nem o pai
dela me dá força. Ele acha que porque ela é cega é a mãe que tem que cuidar.
(F2)
Quando há dificuldades no processo de cuidar é necessária uma rede de apoio que
estimule a confiança e a adoção de habilidades que favoreçam o cuidado da
criança. Assim, os profissionais da enfermagem devem ver a família como uma
unidade a ser cuidada, o que aumenta as chances de bem estar da criança. A
deficiência visual exige da família atitudes de cuidado diferentes das
empregadas com os filhos videntes, evidenciando a dependência da criança com DV.
Este fato causa frustração e estresse na família, pelo medo de não saber cuidar
a criança.
Minha filha tem várias dificuldades. Uma que ela menstrua. E para alcançar e
trocar o absorvente ela depende de mim para ajudar. Ela é uma mocinha e precisa
de mim para tudo. Ela não pode ficar sozinha. Tenho medo quando ela tem que
tomar remédios. Nunca deixo ela pegar e tomá-los. É muito estressante. (F3)
Cada hora é uma dificuldade nova. Quando ela era pequena era o banho. Ela não
enxergava e era um griteiro para tomar o banho. Depois veio o período de
caminhar. Quando caía era um horror. Na situação dela temos dificuldades, que
nunca param de aparecer. É frustrante! (F4)
Apesar do desafio e das dificuldades de cuidar uma criança com DV os familiares
cuidadores são capazes de desempenhar de forma eficaz o importante papel de
cuidador, mostrando-se adaptados e seguros nas ações de cuidado, podendo
perceber as mudanças e avanços da criança(15). Para cuidar a criança com DV de
forma eficiente precisam ser auxiliados, adquirindo conhecimentos que os
instrumentalize para o cuidado.
Referem a necessidade de lutar contra a tendência à superproteção e contra a
infantilização da criança, principalmente, quando além da DV a criança possui
outras demandas de cuidados.
Eu perguntava para ele se ele queria ir ao banheiro. Se ele estava com sede,
como se ele não soubesse falar! Eu tinha a impressão de que ele não iria se
atinar a fazer as coisas. A superproteção. No início, lá pelos cinco anos de
idade, eu não deixava ele nem pensar as coisas porque eu achava que como ele
tinha ficado cego iria ter dificuldades para tudo. Hoje ele vai à padaria
sozinho, mas eu achava que nunca iria ser assim. (F5)
Eu sempre criei ela como uma criancinha. Eu acho que superprotegi. Muita coisa
nela não se desenvolveu porque eu tratei ela como a pequenininha. Aqui na escola
as professoras falam da necessidade de estimular a independência, mas ela é
filha única. (F6)
Estudo revela que ações superprotetoras podem diminuir as possibilidades de
independência da criança com DV. Alguns receios como o medo da criança se
machucar fazem com que os pais protejam a criança dentro de casa, guiando e
conduzindo cada passo dela. Evidencia-se o medo de ver a criança com DV brincar
com crianças normovisuais e há casos em que os pais falam pela criança, procuram
resolver seus problemas e até destinam um tempo para brincar com estas para
evitar o contato com outras que enxergam(16). Estas atitudes de superproteção
dificultam a interação da criança com o mundo a sua volta e fazem com que esta
não desenvolva suas potencialidades.
Revelaram, ainda, o preconceito contra a criança com DV pelos membros da própria
família.
Eu fui com a avó dela para comprar umas coisas e a avó dela comprou um urso de
pelúcia para minha filha que é gêmea com ela. Quando eu vi que a avó não iria
comprar para ela eu entrei na fila para comprar. A minha sogra me olhou e disse:
- Para que tu vais comprar um urso de pelúcia para ela que nem enxerga? Eu
respondi que ela não enxerga, mas tem o direito de brincar como a irmã. As mãos
dela são como se fossem os olhos. Ela podia agarrar o urso. Isso me doeu muito
porque imagina se eu não estivesse junto. (F7)
Os irmãos têm vergonha dela, por isso, não me ajudam a cuidá-la. Têm
preconceito, não saem com ela. Se puderem nem dizem que tem uma irmã que é cega.
Já vi até meu filho mais velho ajudando os outros guris da rua a debochar dela.
São várias as dificuldades. (F3)
Em relação ao preconceito vivido na própria família, é necessário estudar os
sentimentos de outros familiares e filhos videntes, quando os há. Os familiares
podem temer serem chamados a ajudar a cuidar a criança sentindo medo de assumir
a responsabilidade. Já os irmãos normovisuais podem sentir ciúmes do irmão com
DV, pelo fato deste obter as atenções dos outros familiares e vergonha pela
aparência do mesmo. Desta forma, existiriam simultaneamente sentimentos de
raiva, ciúme, sensação de abandono e rejeição com os de culpa, sem contar o medo
e a tristeza(7).
Facilidades da família para cuidar a criança com DV
Como facilidades para o cuidado da criança com DV, percebem à vontade de que a
criança cresça e se desenvolva saudável, o que dá incentivo para o familiar
cuidador desempenhar seu papel com paciência e carinho.
Acho que a facilidade que tem em cuidar de uma criança assim é querer. Quando a
gente quer nada nos derruba. Para cuidar de uma criança cega, vou ser bem clara,
tem que usar a paciência e o carinho. (F8)
Não me entrego nunca. Se vejo uma dificuldade eu sempre dou um jeito de pensar
em como vamos passar por ela. Do meu jeito, sem nada de estudo ou coisa assim.
Algumas vezes, fico olhando às outras mães e elas dizem: - Teu filho sabe fazer
isso? O meu não! Mas, quando pergunto quantas vezes tentaram, me respondem que
uma vez. É isso que me refiro. Ser mãe de uma criança cega é ser paciente. Tem
que saber que as coisas podem acontecer devagar, mas elas acontecem! (F10)
A família da criança com DV, diante de uma situação que não havia vivenciado e
não estava preparada a vivenciar, necessitará de orientações e preparo, tanto
emocional como técnico para facilitar a interação da criança na sociedade, ou
seja, essa família, também, necessita ser reabilitada(17). A cegueira impõe
modificações na vida familiar exigindo readaptações para o seu enfrentamento
como forma de satisfazer as necessidades e promover a autonomia da criança com
DV.
A família deve ser orientada pelos profissionais da saúde com relação à
importância da estimulação infantil, da comunicação família-criança e da sua
interação com a criança, adquirindo conhecimentos que a habilite ao cuidado. O
estímulo produzido pela família faz com que elas se aproximem do problema visual
da criança, tornando-se sensíveis às pistas e necessidades de seus filhos(17).
A DV da criança mobiliza os membros da família que formam uma rede de apoio
social em torno dessa, se ajudando mutuamente, para garantir que ela seja
cuidada.
A ajuda da minha família. Se não fosse eles eu não teria a calma que eu tenho
hoje, em lidar com ele. Graças a Deus, tenho uma família que abraça ele comigo.
Na hora que me disseram que ele não iria enxergar minha mãe me deu apoio. Ela
esteve sempre comigo. É claro que nenhuma mãe quer saber que o filho é cego, mas
eu tive a grande sorte de ter uma família que me ajuda. Minha prima, que é quase
uma irmã, fica com ele para mim quando preciso, meus parentes nunca me dizem
não. Minha família se uniu depois que aconteceu isso com meu filho. (F5)
Outra fonte de apoio essencial, no auxílio à família para o cuidado à criança
com DV é a existência do Centro de Educação Complementar para Deficientes
Visuais. Poder contar com um local, no qual a criança com DV vai conviver com
profissionais capacitados para a educação especial, com crianças com a mesma
deficiência e seus familiares, apresenta-se como importante fonte de apoio e
estímulo.
Uma das facilidades foi vir aqui na escola. Aqui tive o apoio que precisava para
cuidar dela. Fica fácil porque as mães podem conversar e ensinar umas às outras.
A gente que tem medo se acalma. Acho que ver a minha filha bem tratada pelos
professores também facilita. Na escola todo mundo se empenha porque é um lugar
voltado para isso. Preparado para ensinar a conviver. Acho que essa é uma
facilidade. Estou aqui há quase 10 anos. Sou voluntária enquanto a minha filha
estuda. Aqui ela convive com outras crianças cegas e convive com profissionais
preparados para ensinar crianças cegas. Isto não tem em outras escolas. (F1)
Outra facilidade evidenciada no estudo é a existência e acesso da criança a
Centros de Educação Complementar para Deficientes Visuais nos quais estas
crianças conviverão com outras crianças com DV e com profissionais
especializados na educação de portadores de DV. Sabe-se que há grande
importância no convívio dos deficientes visuais com os demais indivíduos da
sociedade, já que desta forma estes terão maiores possibilidades de aprendizado
e adaptação às limitações diárias.
Verifica-se que a aquisição de conhecimentos relativos à DV apresenta-se como um
facilitador para o cuidado familiar à criança.
Eu li muita coisa sobre o câncer dele. Foi o que me ajudou a cuidar dele. Eu
corri atrás. Tive que estudar de verdade, nestes seis anos de doença. (F9)
A troca de conhecimentos e de vivências faz com que as dificuldades e limitações
sejam discutidas e compartilhadas entre os grupos surgindo ideias e opiniões que
favorecem a superação da situação vivida. As estruturas mentais vão ser
construídas pelas crianças, através de suas possibilidades de interação e ação
sobre o meio e pela qualidade de solicitação do ambiente(18). Assim, através de
experiências significativas, sociais, afetivas, cognitivas e adaptativas, a
criança pode explorar suas possibilidades interagindo com pessoas de fora do seu
círculo familiar e com o mundo que a cerca, favorecendo seu desenvolvimento(18).
A construção da linguagem e o desenvolvimento global ocorrem na relação
socioafetiva, por isso a criança necessita relacionar-se com outras de sua
idade, videntes ou não, de modo a poder identificar-se, construir sua imagem
corporal e testar suas hipóteses perceptivas, simbólicas e pré-lógicas. Desse
modo, o convívio com outras crianças de sua faixa etária vai contribuir para a
aquisição de conceitos e a construção da linguagem(7).
Essas experiências são, além de estimulantes, um meio onde a criança pode
participar de discussões e debates sobre seus problemas e limitações e, assim,
conhecer as estratégias usadas pelos outros. Oportuniza-se a realização de novos
relacionamentos, de se conhecerem melhor, descobrirem uns nos outros suas
habilidades e a contribuição que cada um pode oferecer ao grupo em um processo
de aprendizagem e construção de conhecimentos(7).
Para tanto, é relevante que pais, cuidadores e profissionais de saúde se
articulem estimulando precocemente a criança, inserindo-a no contexto social,
criando um ambiente propício para que esta alcance um desenvolvimento compatível
com seu estágio de vida até que possa ter a capacidade de se tornar independente
e ativa socialmente(17).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados evidenciam que as mães enfrentam o desconhecimento da causa da DV da
criança e a falta de acesso aos serviços de saúde. Elas são pouco informadas
pelos profissionais da saúde acerca da DV e da melhor forma de cuidar a criança.
Ocorre sobrecarga familiar gerada pela dependência contínua da criança com DV.
Tal sobrecarga vem da falta de apoio de outros familiares que convivem com a
criança. Ressalta-se a pouca participação da figura paterna no cuidado direto às
crianças.
As ações de superproteção realizadas em função da piedade para com a criança com
DV levam a dificuldades no seu cuidado. Os cuidadores percebem-se infantilizando
os filhos com DV, minimizando suas potencialidades, necessitando, assim, de mais
cuidados do que o que realmente seriam necessários. Outra dificuldade enfrentada
pela família no cuidado à criança com DV foi a existência de preconceitos entre
os membros da própria família. Verifica-se que as dificuldades podem ser
superadas, pois a convivência entre a família e a criança portadora de
deficiência e as experiências adquiridas com o tempo podem fazer com que as mães
tenham o medo de cuidar minimizado.
Em função das várias dificuldades vivenciadas pelas mães no cuidado diário à
criança com DV muitas desacreditam na existência de facilidades para cuidar. Em
contrapartida, a vontade em verem seus filhos se desenvolverem de forma saudável
leva a obtenção de forças no desempenho do seu papel de cuidadora de uma criança
com DV. Outra facilidade destacada foi a existência do Centro de Educação
Complementar para Deficientes Visuais. Neste espaço a criança com DV pode
conviver com profissionais qualificados para sua educação tendo atendidas suas
necessidades especiais de cuidado e educação. Também, podem ter contato com
outras crianças com DV e seus familiares favorecendo a interação entre eles.
Para algumas mães a aquisição de conhecimentos acerca do assunto surge como um
fator positivo facilitador do cuidado familiar à criança. Mesmo com as
dificuldades, constata-se que a DV da criança pode direcionar os familiares na
formação de uma rede de apoio social que trabalha no intuito de garantir o
cuidado ideal à criança.
Conclui-se que o trabalho com a família da criança com DV torna-se importante
facilitador da adaptação à situação da criança para que ela possa assumir-se
plenamente e conviver com sua deficiência de forma segura. A família deve ser
orientada pelos profissionais da saúde/ enfermagem com relação à importância da
estimulação infantil, da comunicação e da interação família-criança.
Dentre as limitações do estudo pode-se apontar a carência de pesquisas
realizadas por enfermeiros com crianças portadoras de DV e as questões que
envolvem seu cuidado. Acredita-se que há poucos enfermeiros, atuando junto a
crianças com DV e suas famílias, ou os que atuam não publicam suas experiências
e conhecimentos, deixando de dar sua contribuição. A DV infantil é um campo de
atuação para enfermeiros que tem na educação em saúde um dos pilares do seu
fazer.
- NOTAS
-
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Mães de crianças com deficiência visual: dificuldades e facilidades enfrentadas
no cuidado
Autoras:
+
Aline Campelo Pintanel |Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da
Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Bolsista FAPERGS. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Enfermagem e Saúde da Criança e do Adolescente -
GEPESCA/FURG. Rio Grande/RS/Brasil;
+ Giovana Calcagno Gomes | Doutora em Enfermagem. Docente da Escola de
Enfermagem da FURG. Líder do GEPESCA/ FURG. Rio Grande/ RS/ Brasil;
+ Daiani Modernel Xavier | Mestranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem
da FURG. Bolsista FAPERGS. Membro do GEPESCA/ FURG. Rio Grande/RS/Brasil
in
Rev Gaúcha Enfermagem. 2013; 34(2): 86-92.
SciELO - Scientific Electronic Library Online
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